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Influência do conhecimento conceitual sobre o raciocínio indutivo

Influence of conceptual knowledge on inductive judgments

Resumos

Este trabalho investigou se o conhecimento sobre diferentes tipos de categorias, propriedades e a tipicidade influenciam os julgamentos indutivos. O primeiro estudo pré-experimental identificou diferentes tipos de categorias segundo 3 tipos de instruções. Somente na instrução "forçada com definição" identificaram-se categorias ontologicamente distintas. No segundo estudo pré-experimental, participantes fizeram julgamentos classificatórios quanto ao tipo de propriedade. Os resultados indicaram que as propriedades diferiam quanto à generalidade, sendo classificadas em superficiais ou essenciais. O experimento 1 investigou se tipos de categorias e propriedades, assim como exemplos que variavam na tipicidade influenciavam a estimativa de ocorrência de eventos. Os resultados confirmaram que informações de natureza conceitual influenciaram os julgamentos indutivos.

Tipos de categorias; Tipos de propriedades; Tipicidade; Raciocínio indutivo


This work investigated whether knowledge about different types of categories, properties and tipicality affects inductive judgments. The first pre-experimental study identified different types of categories according to 3 types of instructions. Only in the forced without definition condition distinct ontological categories were identified. In the second pre-experimental study participants made classificatory judgments about property types. The results indicated that properties were judged to be different regarding to generality, being classified in either superficial or essencial. the experiment 1 investigated wether category and property types and examples wich varied in tipicaliy influenced the estimatives about occurrence of events. The results confirmed that conceptual information influenced inductive judgments.

Category types; Property types; Tipicality, Inductive reasonig


Influência do conhecimento conceitual sobre o raciocínio indutivo

Gerson Américo Janczura

Universidade de Brasília

Resumo

Este trabalho investigou se o conhecimento sobre diferentes tipos de categorias, propriedades e a tipicidade influenciam os julgamentos indutivos. O primeiro estudo pré-experimental identificou diferentes tipos de categorias segundo 3 tipos de instruções. Somente na instrução "forçada com definição" identificaram-se categorias ontologicamente distintas. No segundo estudo pré-experimental, participantes fizeram julgamentos classificatórios quanto ao tipo de propriedade. Os resultados indicaram que as propriedades diferiam quanto à generalidade, sendo classificadas em superficiais ou essenciais. O experimento 1 investigou se tipos de categorias e propriedades, assim como exemplos que variavam na tipicidade influenciavam a estimativa de ocorrência de eventos. Os resultados confirmaram que informações de natureza conceitual influenciaram os julgamentos indutivos.

Palavras-chave: Tipos de categorias, Tipos de propriedades, Tipicidade, Raciocínio indutivo.

Abstract

Influence of conceptual knowledge on inductive judgments

This work investigated whether knowledge about different types of categories, properties and tipicality affects inductive judgments. The first pre-experimental study identified different types of categories according to 3 types of instructions. Only in the forced without definition condition distinct ontological categories were identified. In the second pre-experimental study participants made classificatory judgments about property types. The results indicated that properties were judged to be different regarding to generality, being classified in either superficial or essencial. the experiment 1 investigated wether category and property types and examples wich varied in tipicaliy influenced the estimatives about occurrence of events. The results confirmed that conceptual information influenced inductive judgments.

Key words: Category types, Property types, Tipicality, Inductive reasonig.

As pessoas geram conclusões em situações problemas, tais como julgamentos de probabilidades, mesmo que as informações disponíveis possam ser incompletas ou fornecer poucas pistas. Isto é possível porque os indivíduos utilizam informações adicionais, relacionando a informação dada a outras fontes de conhecimento estabelecendo, por exemplo, cadeias de derivações indutivas. Assim, a informação proveniente de uma única fonte poderia se relacionar a outras fontes de conhecimento não explicitadas no problema. Essa estratégia, que caracteriza o raciocínio indutivo, possibilitaria produzir conclusões, mesmo na ausência de certeza absoluta sobre a veracidade de julgamentos. Inferências estabelecidas através do uso de raciocínio indutivo permitem ir além das evidências acessíveis, expandindo o conhecimento em face da incerteza (Holland, Holyoak, Nisbett & Thagard, 1986; Skyrms, 1975).

Tipos de categorias, tipos e propriedades e a tipicidade de membros de categorias são informações conceituais que, potencialmente, poderiam auxiliar a tomada de decisões em tarefas que envolvem julgamentos indutivos. É possível que algumas dessas fontes de informação favoreçam um número maior de inferências do que outras, optimizando a indução. O presente estudo investigou a influência e a interação entre esses fatores em situações que envolviam julgamentos indutivos.

Informações referentes a categorias podem afetar julgamentos indutivos, influenciando a produção de inferências, através da generalização do conhecimento detido sobre um membro de uma categoria para outro membro da mesma categoria (Gelman, 1988; Gelman & Markman, 1986). O grau de generalização seria determinado pela homogeneidade categórica que se refere à similaridade entre os itens de uma categoria sendo que, quanto mais similares forem os itens, maior será a homogeneidade da categoria. Por exemplo, a categoria "cobras venenosas" seria, em tese, mais homogênea do que "cadeiras" porque seus membros apresentam muitas propriedades em comum enquanto que a segunda categoria seria menos homogênea porque inclui objetos que apresentam uma variabilidade maior de propriedades ou características. A observação de que categorias apresentariam diferenças quanto à homogeneidade sugere um efeito potencial sobre julgamentos indutivos que poderia ser maximizado em função da similaridade entre seus membros. Gelmam (1988) salienta que quanto mais homogênea for uma categoria, isto é, quanto maior for a similaridade entre seus membros, mais inferências poderiam ser produzidas. Se membros de uma categoria são similares, então fatos atribuídos a um dos membros poderiam ser inferidos com maior probabilidade de acerto para os outros membros da mesma categoria.

Além da homogeneidade, categorias poderiam apresentar características ontológicas inerentes que participariam da identificação de seus membros. A natureza ontológica de uma categoria conceitual relaciona-se ao conteúdo da categoria (Gelman, 1988). Esta questão tem sido bastante discutida e vários autores propõem uma diferenciação entre objetos que existem naturalmente (p.ex. animais, plantas) e outros que, para existirem, deve haver a intenção de criá-los como, por exemplo, os artefatos criados pelo homem (Bloom, 1996; Chi, 1997; Gelman, 1988; Keil, 1989). Keil (1989) mostrou que categorias ontologicamente distintas implicavam em padrões distintos de indução. Nesse estudo, crianças identificaram objetos previamente os quais foram alterados e transformados em novos objetos na frente delas. Ao serem solicitadas para identificar os novos objetos, as crianças mostraram-se hesitantes ao considerar que um animal, um conceito de tipo natural, houvesse mudado de identidade apesar de sua atual aparência. Entretanto, as crianças não hesitaram em identificar como novos, objetos da categoria de artefatos. Keil explicou esses resultados argumentando que categorias de animais possuiriam uma essência ou algo intrínseco e permanente que reteria a identidade do conceito, mesmo que ele apresentasse uma forma variada. Por outro lado, os artefatos não possuiriam essências sendo, portanto, susceptíveis a mudanças. As categorias ditas naturais seriam capazes de estabelecer mais relações com outras fontes de conhecimento do que os artefatos, por possuírem uma natureza intrínseca (Murphy, 1993) ou uma essência (Putnan, 1975). Os artefatos, por sua vez, seriam compreendidos em função da intenção de quem os criou (Bloom, 1996) e não por uma essência escondida limitando, assim, a extensão das cadeias indutivas às relações estabelecidas entre forma, função ou textura dos objetos e a intenção de quem os produziu.

Neste sentido, é razoável esperar que diferentes tipos de categorias afetem diferentemente julgamentos indutivos influenciando as bases preditivas da indução. Categorias que diferiam quanto à homogeneidade e natureza ontológica foram contrastadas nesse estudo a fim de verificar seus respectivos efeitos. Compararam-se categorias naturais (itens existentes na natureza) que exibem alto grau de similaridade, artefatos que apresentam um grau intermediário de similaridade, e categorias abstratas (itens que denotavam um caráter imaterial) que se caracterizaram por forte idiossincrasia. A hipótese testada é se categorias mais homogêneas, principalmente as categorias naturais, proporcionariam valores superiores em julgamentos indutivos enquanto que, categorias menos homogêneas e abstratas proporcionariam valores inferiores nos julgamentos.

Vários estudos sugerem que o tipo de propriedade dos membros das categorias também pode influenciar julgamentos indutivos. Divergências observadas no raciocínio indutivo poderiam ser explicadas através do uso de propriedades diferentes (Carey, 1985; Gelman, 1988; Gelman & Markman, 1986; Heit & Rubinstein, 1994; Nisbett, Krantz, Jepson & Kunda, 1983; Springer, 1992). Ilustrando, dado que cedro tem "seiva", inferir que o angico apresente a mesma propriedade incorre em alta probabilidade de acerto, pois seiva seria o equivalente ao sangue para as árvores sinalizando, portanto, uma característica essencial nesta categoria. Por outro lado, atribuir ao cedro a propriedade "é alto" não garante que o angico também o seja, pois as árvores variam de tamanho. Assim, erros em julgamentos indutivos seriam mais prováveis de ocorrer quando propriedades que não se aplicam a todos os membros fossem consideradas. O caráter permanente ou transiente de uma propriedade parece influenciar a inferência da ocorrência da propriedade em um membro da categoria. As propriedades permanentes têm sido, geralmente, relacionadas a propriedades biológicas que são determinadas geneticamente tais como "tem pulmões" ou "sangue frio" (Gelman, 1988). Smith (1989) acredita que estas propriedades reflitam o âmago dos conceitos, porque algo sobre suas naturezas ontológicas seria expresso por estas propriedades (p.ex., todos os seres humanos têm DNA). Estudos indicaram que as propriedades permanentes, ao contrário das transientes ou idiossincrásicas, favorecem as induções (Gelman, 1988; Goodman, 1955; Keil, 1989; Smith, 1989; Wisniewski, 1997). Por exemplo, afirmar que ursos têm um fígado com duas câmaras proporciona a indução que baleias também têm fígado com duas câmaras, porque ursos e baleias compartilham características internas anatômicas e biológicas (Heit & Rubinstein, 1994). Neste exemplo, as propriedades utilizadas referem-se às características freqüentemente encontradas entre os membros das categorias e propriedades desse tipo são mais prováveis de serem inferidas do que aquelas propriedades transitórias, idiossincrásicas ou menos permanentes (Gelman, 1988; Gelman & Markman, 1986, 1987).

Essas observações permitem afirmar que, teoricamente, propriedades permanentes favoreceriam mais a indução do que as transientes. Este estudo investigou o efeito de propriedades que apresentavam um caráter mais permanente ou mais transiente. As propriedades mais permanentes ou generalizáveis, devido ao seu papel crítico para a indução, foram denominadas "essenciais". Este tipo de propriedades tende a denotar aspectos da natureza ontológica dos conceitos favorecendo as induções. As propriedades transientes ou idiossincrásicas foram denominadas "superficiais", por não serem críticas para a indução. Essas propriedades deveriam produzir valores inferiores em julgamentos indutivos.

As propriedades podem interagir com informações sobre a homogeneidade categórica. Isto é, a similaridade percebida na categoria permite inferir quais propriedades são mais prováveis de ocorrerem entre seus respectivos membros (Heit & Rubinstein, 1994; Nisbett e cols., 1983). As propriedades essenciais seriam mais críticas para as categorias naturais, pois estas possuiriam essências reais e características intrínsecas (geralmente as propriedades essenciais, enquanto permanentes, referem-se a propriedades internas tais como "têm pulmões") (Keil, 1989; Putnam, 1975; Schwartz, 1980). Isso significa que a magnitude da influência das propriedades essenciais para as categorias naturais deveria ser muito significativa em julgamentos indutivos. Já no caso das categorias de artefatos, a diferença entre os tipos de propriedades deveria ser pouco significativa porque estas categorias não apresentariam uma essência real (Schwartz, 1980). E, em categorias abstratas, também seria esperado uma diferença marginal ou inexistente sobre os julgamentos indutivos. Essa expectativa apóia-se no fato das categorias abstratas serem muito idiossincrásicas e, portanto, com membros pouco similares. Em conseqüência, haveria uma baixa probabilidade de inferir propriedades de um membro para outro.

A terceira fonte de informação investigada neste estudo, que poderia influenciar julgamentos indutivos, é a tipicidade. A tipicidade refere-se a observação de que membros de categorias tendem a serem julgados como representando, em diferentes graus, o mesmo conceito (Rosch, Mervis, Gray, Johnson & Boyes-Braem, 1976). Segundo Rosch e Mervis (1975), membros considerados como mais típicos compartilhariam muitas propriedades com os demais membros da categoria, enquanto que os menos típicos apresentariam muitas propriedades compartilhadas com membros de categorias contrastantes. Esse estudo sustenta a hipótese de que exemplos de categorias mais típicos deveriam produzir valores superiores nos julgamentos indutivos do que os menos típicos. Esta possibilidade apóia-se no argumento de que exemplos mais representativos das categorias compartilham um grande número de propriedades com outros membros da categoria sendo, portanto, mais prováveis de serem utilizados como pontos de referência em julgamentos indutivos. A utilização de membros muito típicos como pontos de referência em outras tarefas já foi relatado em outros estudos (Mervis & Rosch, 1981; Rips, 1975). Em um estudo pioneiro, Rips (1975) confirmou que a tipicidade influencia os julgamentos indutivos tendo, como base, a similaridade total entre o exemplo dado e os exemplos a serem estimados. Se a propriedade aplicava-se a exemplos muito típicos, então ela era inferida para exemplos menos típicos. Os resultados mostraram, também, que a influência da tipicidade era eliminada se os sujeitos fossem informados de que todos os exemplos seriam capazes de adquirir a propriedade em questão. O presente estudo testou a hipótese de que a inclusão de informações de natureza conceitual mais consistentes seria suficiente para eliminar os efeitos da tipicidade em julgamentos indutivos. As categorias naturais, por exemplo, produziriam valores superiores em julgamentos indutivos devido a relações estabelecidas com outros conceitos, dado que possuiriam essências ou porque seus membros são muito similares compartilhando, dessa maneira, muitas propriedades entre si. Nesta situação, a tipicidade seria uma informação pouco efetiva para as categorias naturais, pois elas disporiam de um número suficiente de informações para uma conclusão, principalmente quando associadas a propriedades essenciais. No entanto, quando categorias naturais fossem associadas a propriedades superficiais, poder-se-ia esperar uma influência um pouco maior da tipicidade. Ou seja, dada a reduzida presença de propriedades essenciais entre seus membros, a informação proveniente de exemplos mais típicos seria mais crítica para a indução do que exemplos menos típicos. Para as categorias de artefatos, considerando que estas não possuiriam essências reais (Putnam, 1975), seria esperada uma diferença pouco significativa entre a influência das propriedades essenciais e superficiais, mas que exemplos típicos teriam um papel crítico nos julgamentos indutivos. Para as categorias abstratas, dada sua forte idiossincrasia, dever-se-ia observar uma diferença marginalmente significativa entre exemplos de diferentes níveis de tipicidade, sendo que exemplos mais típicos seriam mais críticos para a indução quando as categorias abstratas fossem associadas à propriedades superficiais.

Para investigar estas hipóteses, foram realizados dois estudos pré-experimentais e um experimento. O primeiro estudo pré-experimental teve dois objetivos: investigar se categorias semânticas poderiam ser definidas quanto ao nível de homogeneidade, considerando-se a ocorrência dos atributos listados para estas categorias e investigar se estas categorias poderiam ser classificadas nos tipos natural, abstrata ou artefato. O segundo estudo teve por objetivo verificar se propriedades que se aplicavam às categorias ontologicamente distintas e com diferentes graus de homogeneidade poderiam ser classificadas em essenciais/permanentes ou superficiais/transientes. Os estudos pré-experimentais produziram estímulos para o Experimento 1 quais sejam, categorias ontologicamente distintas com diferentes níveis de homogeneidade e propriedades de diferentes níveis de importância para a representação conceitual. Por fim, realizou-se um experimento que avaliou se a manipulação das informações de natureza conceitual, referentes aos tipos de categorias e propriedades, assim como exemplos que variaram em tipicidade, produziriam padrões distintos em julgamentos indutivos.

Estudo pré-experimental 1

O Estudo Pré-Experimental 1 teve como primeiro objetivo avaliar se categorias semânticas poderiam ter seu grau de homogeneidade calculado a partir da medida de "semelhança familiar" (Rosch & Loyd, 1978; Rosch & Mervis, 1975; Rosch et al., 1976). A possibilidade de calcular o grau de homogeneidade categórica emergiu da análise dos resultados de Janczura (1997, 1999) através do procedimento de listagem de atributos de Rosch (1975). A semelhança familiar reflete o grau de similaridade de um membro em relação aos demais da mesma categoria e é calculada em função da freqüência de ocorrência dos atributos de categorias em uma tarefa experimental. Para cada atributo listado é atribuído um peso e o somatório desses pesos, para cada membro de uma categoria, é considerado como representando o seu grau de semelhança familiar. Analisando a distribuição dos pesos das categorias semânticas, pode-se verificar que algumas categorias apresentavam, predominante, atributos de peso 3 enquanto outras incluíam, principalmente, atributos de peso 1. Uma ANOVA revelou uma diferença significativa entre as médias dos atributos de peso 1 e 3, F (2, 24) = 23,613, MS = 5645,028, p = 0,0000. Tais resultados foram interpretados como índices da homogeneidade categórica.

As categorias que apresentavam predominância de peso 3 tenderam a se relacionar com conceitos existentes na natureza (p.ex., cobra venenosa, flor); e, com predominância de atributos de peso 1, incluíam conceitos que denotavam uma natureza imaterial (p.ex., emoção, ser místico). Um terceiro grupo de categorias apresentava um número intermediário de atributos de peso 3, no qual se incluíam objetos fabricados pelo homem (p. ex., calçados, instrumentos de percussão). Propôs-se, então, três classes superordenadas de categorias: "naturais" (itens já existentes na natureza), "abstratas" (itens que denotavam imaterialidade) e "artefatos" (produtos manufaturados pelo homem). Uma análise da variância indicou interação significativa entre Peso do Atributo e Tipo de Categoria, F (4, 24) = 5,491, MS = 1312,580, p = 0,0028, LSD = 6,83.

Apesar da avaliação da distribuição dos pesos dos atributos apontar para uma organização das categorias semânticas na direção proposta (i.e., natural, abstrata e artefato) existia a possibilidade de que tal organização refletisse o tratamento estatístico aplicado aos atributos. Uma forma de verificar se a classificação superordenada representa uma aproximação satisfatória da forma como os indivíduos perceberiam as respectivas categorias seria solicitando-os que procedessem ao agrupamento das categorias, numa tarefa de categorização. Este foi o segundo objetivo deste estudo pré-experimental.

Método

Participantes

Trinta estudantes universitários do 2º ao 8º período do curso de Psicologia da Universidade de Brasília, selecionados aleatoriamente, foram convidados a participar voluntariamente. Os participantes eram de ambos os sexos, com média de idade de 23 anos.

Materiais

Quinze categorias foram usadas como estímulos. As categorias foram selecionadas de Janczura (1997) e incluíram: flor, cobra venenosa, tempero, tipo de madeira, raça de cachorro, ferramenta de carpinteiro, instrumento de percussão, jóia, calçado, mobília, ciência, especialidade médica, ser místico, emoção e regime de governo. Para cada categoria confeccionou-se um cartão em cartolina (4cm x 8cm) que apresentava, no centro, o nome da categoria impressa em negrito, na fonte Times New Roman, corpo 14.

Procedimentos

A tarefa do sujeito era agrupar os 15 itens em categorias que foram distribuídos aleatoriamente sobre a superfície de uma mesa. Não havia instruções específicas sobre como o participante deveria dispor os itens agrupados, podendo fazer montinhos, fileiras, ou qualquer outra disposição que julgasse apropriada. Após realizar os agrupamentos, os sujeitos deveriam nomear os agrupamentos gerados e descrever os critérios adotados na categorização. O tempo para realizar a tarefa era livre sendo que, em média, os participantes levaram 12 minutos. Três condições de categorização foram aplicadas, sendo que cada sujeito participou somente de uma das condições. As condições foram: (1) livre, na qual as instruções solicitavam agrupar os itens em um número indeterminado de categorias; (2) forçada sem definição, onde os participantes foram instruídos a categorizar os materiais em três categorias; e, (3) forçada com definição, na qual a tarefa era categorizar os materiais em três categorias (denominadas de Grupo 1, Grupo 2 e Grupo 3) para as quais foram explicitadas definições que correspondiam às categorias superordenadas. O Grupo 1 foi definido como "refere-se àqueles itens já existentes na natureza, independentemente da ação do homem"; o Grupo 2 definiu-se como "refere-se àqueles itens criados pelo homem a partir de matérias-primas naturais e/ou artificiais" e o Grupo 3 como "refere-se àqueles itens que não têm forma definida, não são apreendidos pelos sentidos, exigindo uma abstração mental para identificá-los e defini-los". Estas definições foram disponibilizadas em cartões de cartolina (9cm x 13,5cm) e apresentados aleatoriamente sobre a superfície da mesa.

Foram assegurados os devidos cuidados éticos através de uma declaração dos sujeitos quanto à participação voluntária, após terem recebido informações suficientes para tomarem tal decisão.

Resultados

Os resultados foram analisados tendo por objetivo avaliar a concordância entre as categorizações para cada condição, adotando-se um critério mínimo de concordância entre os participantes de 80%. Além desse critério, a consistência das classificações foi também avaliada considerando-se a co-ocorrência entre itens numa mesma categoria através do cálculo de fidedignidade de Hall (1973).

O critério mínimo de 80% de concordância entre sujeitos foi satisfeito somente na condição 3. - forçada com definição -, apesar de se observar nas condições 1. ¾ livre - e 2. - forçada sem definição ¾ altos índices de co-ocorrências em algumas das categorias superordenadas propostas. Na condição forçada com definição, os três agrupamentos incluíram um mínimo de 3 e um máximo de 7 itens. Dos 15 itens, 3 não alcançaram o critério mínimo de concordância estabelecido para inclusão de um item em uma das três categorias. Esses itens foram "raça de cachorro", "tempero" e "especialidade médica" os quais foram excluídos das demais análises. Segundo o cálculo de Hall (1973), os índices de co-ocorrência foram 93% (DP = 5,8), 87% (DP = 5,2) e 92% (DP = 10,3) para as categorias superordenadas naturais, abstratas e artefatos, respectivamente. Estes resultados relacionam-se com as medidas de semelhança familiar calculadas por Janczura (1997, 1999) para essas categorias, conforme resultados da ANOVA, apresentados no início deste estudo. Ou seja, as categorias que apresentaram uma maior concentração de atributos de peso 3 no estudo de Janczura foram correlacionadas pelos sujeitos, corroborando a interação significativa entre o peso do atributo e o tipo de categoria observada na análise da variância. Por outro lado, devido à idiossincrasia observada nas categorias abstratas (isto é, significativa concentração de atributos de peso 1), observou-se uma margem maior de variação em torno da média (DP = 10,3), apesar de alta co-ocorrência de itens categorizados. As categorias selecionadas neste pré-estudo para o experimento 1 estão incluídas no apêndice.

Estudo pré-experimental 2

Este estudo teve por objetivo identificar propriedades do tipo essencial ou superficial que seriam utilizadas no Experimento 1. As propriedades essenciais tendem a ser mais generalizáveis e permanentes por ocorrerem na maioria, senão em todos os membros da categoria sendo, portanto, mais diagnosticáveis e críticas para os conceitos. Por outro lado, as propriedades superficiais tendem a ser menos generalizáveis ou transientes entre os membros de um conceito, podendo ou não participar da estrutura conceitual. Diferentes propriedades podem afetar julgamentos indutivos, conforme vários estudos já relataram (p. ex., Carey, 1985; Gelman, 1988; Heit & Rubinstein, 1994; Springer, 1992). Em função dessas características, Smith (1989) afirma que as propriedades essenciais seriam mais úteis aos julgamentos indutivos do que as propriedades superficiais.

Método

Participantes

Participaram desse estudo 47 estudantes universitários do 1º ao 9º períodos do curso de Psicologia da Universidade de Brasília. A participação foi incentivada através da concessão de bônus em disciplinas. Os sujeitos eram de ambos os sexos e foram selecionados aleatoriamente.

Materiais

Foram utilizados 3 conjuntos de 30 propriedades diferentes, que se aplicaram a exemplos de categorias dos tipos naturais, artefatos e abstratas (categorias selecionadas do Estudo Pré¾Experimental 1), perfazendo um total de 90 propriedades. Cada conjunto incluiu um exemplo de uma das três categorias superordenadas e, para cada exemplo, 10 propriedades foram apresentadas. As propriedades foram selecionadas do experimento de Janczura (1997, 1999), livros textos de biologia (Amabis, 1978), botânica (Ferri, 1974) e fisiologia (Guyton, 1988), dicionário da língua portuguesa (Ferreira, 1971), artigos científicos (Wierbicka, 1992; Barret & Keil, 1996), e apostila (Pasquali, 1998). As propriedades de todas as categorias foram selecionadas de forma que, em tese, pudessem ser estendidas a todos os membros de uma dada categoria. Por exemplo, a propriedade "perfumada" em relação à categoria flor, tanto poderia ocorrer para "margarida" quanto para "tulipa".

Procedimentos

Os participantes foram testados em grupos onde a tarefa era classificar 30 propriedades distribuídas em 3 categorias sendo, cada uma, de um dos 3 agrupamentos superordenados. Para isto, cada participante recebeu o conjunto de propriedades impressas em papel, acompanhadas do nome da categoria. Ao lado de cada propriedade o participante deveria escrever E (para Essencial) ou S (para Superficial). As instruções da tarefa definiam o conceito de propriedade essencial (i.e., "aquelas que permitem afirmar se algo é de um determinado conceito e não de outro tipo sendo, portanto, críticas para o conceito") e superficial (i.e., "aquelas que podem estar ou não presentes na definição de um conceito"). O tempo de realização da tarefa era livre. O tempo médio para execução da classificação foi 10 minutos.

Resultados

Adotou-se um critério mínimo de concordância de 80% entre os julgamentos dos participantes para determinar o tipo da propriedade, se essencial ou superficial. Este critério foi alcançado em todas as categorias para as propriedades superficiais. A categoria "Jóia" foi a única cujas propriedades essenciais não alcançaram o critério de concordância entre sujeitos. O maior número de propriedades julgadas como essenciais foi observado nas categorias naturais, seguido pelas abstratas e, por fim, nos artefatos com 7, 6 e 3 propriedades, respectivamente. A maior ocorrência de propriedades superficiais foi verificada nas categorias de artefatos, seguida pelas categorias naturais e, finalmente, as abstratas com 17, 9 e 8 propriedades, respectivamente.

Desse estudo foram selecionadas uma propriedade essencial e uma superficial de cada um dos exemplos das categorias dos tipos naturais, artefatos e abstratas que atingiram o critério mínimo de 80% de concordância entre os julgamentos dos sujeitos. As propriedades selecionadas são apresentadas no apêndice.

Experimento 1

Resultados obtidos em estudos anteriores evidenciaram que a indução pode ser influenciada pelo tipo de categoria (Gelman, 1988; Gelman & Markman, 1987; Keil, 1989), tipo de propriedade (Heit & Rubinstein, 1994) e pela tipicidade do exemplo (Rips, 1975). No entanto, nenhum estudo anterior investigou interações entre estas variáveis. Este estudo verificou como estas variáveis afetam o raciocínio indutivo, separadas e conjuntamente, segundo as hipóteses desenvolvidas na introdução do mesmo..

Método

Participantes

Participaram deste experimento 52 estudantes, de ambos os sexos, de diversos cursos e períodos da Universidade de Brasília. A participação foi incentivada através da concessão de bônus em disciplinas.

Delineamento

Foi aplicado um delineamento fatorial misto 2x2x3, onde o fator tipicidade (alta, baixa) foi manipulado entre-sujeitos, e os fatores tipo de propriedade (essenciais e superficiais), e tipo de categoria (naturais, artefatos e abstratas) foram manipulados intra-sujeitos. A variável dependente foi o julgamento indutivo mensurado através de julgamentos expressos numa escala de 0% a100%.

Materiais

Os seguintes materiais foram utilizados: (a) 9 categorias selecionadas do Estudo Pré-Experimental 1, sendo 3 naturais, 3 abstrata e 3 artefatos; (b) 18 membros de categorias selecionados de Janczura (1997; 1999) sendo metade de baixa tipicidade e os demais, de alta tipicidade. O grau de tipicidade dos exemplos foi julgado numa escala de 1 a 7, onde os valores inferiores corresponderam a exemplos julgados como muito típicos ou representativos, e os valores superiores correspondem aos exemplos considerados atípicos. As médias dos julgamentos de tipicidade dos exemplos utilizados neste estudo foram 1,88 para exemplos muito típicos e 2,64 para exemplos pouco típicos. A análise da variância revelou um efeito significativo entre as médias, F (1, 8) = 9,408, MS = 2,602, p = 0,0154; e (c) 18 propriedades sendo metade superficiais e as demais, essenciais, selecionadas do Estudo Pré-Experimental 2. Os estímulos utilizados podem ser observados no Apêndice. Categorias, membros e propriedades foram apresentadas na forma de 18 itens, impressos em papel. A estrutura dos itens foi a seguinte:

Considerando que <exemplo A> tem a seguinte propriedade <propriedade P> ,

Qual a probabilidade de <exemplo B> apresentar a mesma propriedade <propriedade P> ?

Resposta: __________%

Em todos os itens, os exemplos A e B eram sempre da mesma categoria. Para metade dos participantes, os exemplos A eram mais típicos e os exemplos B menos típicos. Para a outra metade, os exemplos A eram menos típicos e os exemplos B mais típicos. Em ambas as condições, as sentenças para cada exemplo A e B das categorias foram apresentada duas vezes, sendo que em 50% das vezes a propriedade era do tipo superficial e em 50% das vezes era do tipo essencial. Para cada um dos grupos experimentais aplicaram-se 3 versões randomizadas do instrumento.

Procedimentos

Os dados foram coletados em 2 salas de aula com um número médio de 25 alunos por grupo. O instrumento foi distribuído virado para baixo e os participantes foram instruídos a virá-lo somente após todos o terem recebido. Terminada a distribuição, as instruções foram lidas em voz alta pelo experimentador. A tarefa consistia em fazer julgamentos indutivos de probabilidade numa escala de 0% a 100%. O tempo para duração da tarefa foi livre, observando-se que os participantes levaram em média 15 minutos para realizá-la.

Resultados

A análise da variância revelou um efeito significativo do tipo de categoria sobre os julgamentos indutivos, F (2, 100) = 6,402, MS = 2917,17, p = 0,002. As médias para as categorias naturais, artefatos e abstratas foram 59,6%, 70,1% e 65,7%, respectivamente. Segundo o teste subseqüente de Fisher (LSD = 7,06, bicaudal), a única diferença significativa foi entre as médias das categorias naturais e artefatos.

Observou-se, também, uma influência significativa do tipo de propriedade sobre o raciocínio indutivo, F (1, 50) = 40,206, MS = 15204,08, p = 0,0001. As médias foram 72,1% e 58,2% para as propriedades essenciais e superficiais, respectivamente.

As interações entre tipo de categoria e tipo de propriedade e entre tipo de categoria e tipicidade foram confirmadas pela ANOVA e seus resultados são respectivamente: F (2,100) = 22,401, MS = 3608,78, p = 0,0001 e F (2, 100) = 6,43, MS = 2930,32, p = 0,002. As propriedades essenciais associadas às categorias naturais produziram valores superiores nos julgamentos indutivos quando comparadas às propriedades superficiais. Em relação às categorias de artefatos, apesar de verificar-se um efeito significativo do tipo de propriedade, a magnitude deste efeito foi menor quando comparada à magnitude observada em relação às categorias naturais. Para as categorias abstratas não houve efeito significativo do tipo de propriedade sobre os julgamentos indutivos. O teste subseqüente de Fisher (LSD = 3,25, bicaudal) indicou que apenas 2 dentre 15 diferenças entre as médias não foram significativas. Observou-se que nas categorias naturais, a diferença entre o efeito das propriedades essenciais e superficiais foi maior (30,3%) do que a diferença entre estas propriedades nas outras categorias (13,4% para artefatos e 2,5% para abstratas).

As médias para as propriedades essenciais foram superiores às para as propriedades superficiais para todos os tipos de categorias. A maior média ocorreu para os artefatos quando associados a propriedades essenciais (76,8%) e a menor média, ocorreu nas categorias naturais quando associadas às propriedades superficiais (46,6%).

Além disto, exemplos mais típicos, quando associados às categorias mais heterogêneas (artefatos e abstratas), produziram médias superiores nos julgamentos indutivos. Por outro lado, a tipicidade associada às categorias mais homogêneas (naturais) produziu um efeito apenas marginalmente significativo sobre os julgamentos indutivos. O teste subseqüente de Fisher (LSD = 6,11, bicaudal) indicou que apenas 4 dentre 15 diferenças entre as médias não foram significativas. As diferenças significativas confirmaram as expectativas em relação a esta interação, ou seja, que a tipicidade seria mais crítica para os julgamentos indutivos quando associada à categoria de artefatos, e menos crítica quando associada às categorias naturais, produzindo uma diferença marginalmente significativa. Entretanto, nos julgamentos para a categoria abstrata verificou-se um padrão oposto à previsão de que exemplos menos típicos produziriam valores superiores aos mais típicos.

As médias para os exemplos mais típicos foram superiores aos exemplos menos típicos para as categorias naturais (62,7% e 56,5%) e artefatos (76,7% e 63,3%). Nas categorias abstratas, exemplos menos típicos (69,6%) produziram uma média superior aos exemplos mais típicos (61,8%).

A interação entre os fatores tipos de categorias, tipos de propriedades e tipicidade foi também significativa, F (2,100) = 8,445, MS = 1360,48, p = 0,0004. A figura 1, a seguir, aponta que as propriedades essenciais, em todas as categorias, produziram valores superiores nos julgamentos indutivos. Para esta condição, a maior média observada foi nas categorias de artefatos quando associadas às propriedades essenciais (80,7%) e a menor média ocorreu para as naturais associadas às propriedades superficiais (50,5%).


As médias da interação na condição de tipicidade baixa podem ser observadas na Figura 2. A figura evidencia que as propriedades essenciais produziram valores superiores nos julgamentos quando associadas às categorias naturais e artefatos. No caso das categorias abstratas, foram as propriedades superficiais que estiveram associadas a valores superiores nos julgamentos indutivos. Nesta condição, a maior média observada foi para categorias de artefatos associadas às propriedades essenciais (73,0%) e a menor média ocorreu para as naturais, associadas às propriedades superficiais (42,7%).


A figura mostra, ainda, que as propriedades essenciais para as categorias naturais produziram estimativas superiores (70,0%) comparando-se àquelas produzidas na condição de tipicidade alta associada às propriedades superficiais (50,5%), conforme era esperado. Para as categorias de artefatos, valores superiores nos julgamentos indutivos foram produzidos quando exemplos mais típicos foram associados às propriedades essenciais (80,7%), e valores inferiores ocorreram quando exemplos menos típicos foram associados às propriedades superficiais (54,0%). Por outro lado, as categorias abstratas na condição de baixa tipicidade produziram um efeito contrário ao esperado, ou seja, produziram uma média superior para as propriedades superficiais (73,0%) em relação às propriedades essenciais (66,5%). Tal resultado não ocorreu no na condição de tipicidade alta.

O teste subseqüente de Fisher (2,97, bicaudal) indicou que 54 dentre 66 diferenças entre as médias foram significativas. Pode-se observar que as diferenças entre as propriedades essenciais e superficiais para as categorias naturais produziram os maiores valores: 25% na condição de tipicidade alta e 27% na condição de tipicidade baixa. No caso das categorias menos homogêneas, as diferenças entre as médias das propriedades essenciais e superficiais em ambos os grupos não foram tão acentuadas quanto para as categorias naturais, dado que a diferença máxima ocorreu para os membros pouco típicos de artefatos (18,6%).

Discussão Geral

Este estudo mostrou que os indivíduos são influenciados pelo conhecimento de natureza conceitual em julgamentos indutivos. Os resultados experimentais evidenciam que o raciocínio indutivo é influenciado, separada e conjuntamente, pelos tipos de propriedades e categorias e pela tipicidade dos membros de categorias semânticas. Os resultados do primeiro estudo pré-experimental corroboraram as expectativas quanto à relação entre o nível de homogeneidade e a natureza ontológica de categorias conceituais. As categorias naturais incluem membros com alto grau de homogeneidade, enquanto que categorias de artefatos e abstratas incluem, respectivamente, membros com níveis médio e baixo de homogeneidade. Esta relação entre a natureza ontológica e a homogeneidade estaria calcada sobre a pressuposição de uma essência real subjacente aos conceitos, isto é, uma vez que as categorias naturais possuem um maior número de propriedades essenciais, estas refletiriam o âmago dos conceitos e, como tal, deveriam ser herdadas pelos exemplos subordinados ao conceito que encerra as propriedades definidoras da classe. Desta forma, todos os exemplos subordinados deveriam apresentar um grande número de propriedades em comum, uma vez que estas propriedades seriam essenciais para a definição conceitual destas categorias. Por outro lado, as categorias de artefatos e abstratas seriam menos homogêneas porque seus membros seriam definidos por outros critérios diferentes dos tipos de propriedades. Por exemplo, os artefatos seriam definidos, essencialmente, pela intenção de quem os cria e não em função dos tipos de propriedades (Bloom, 1996). Apesar destas considerações, somente na condição forçada com definição, o critério de concordância de 80% entre os participantes foi alcançado. Nas outras duas condições os participantes adotaram critérios variados dificultando o alcance do critério de concordância de 80% entre os sujeitos. Entretanto várias correlações entre os membros de uma mesma categoria ocorreram nas duas condições que não alcançaram o critério de concordância; por exemplo, o conceito "flor" co-ocorreu com o conceito "tempero" em 40% das vezes na condição livre e 70% na condição forçada sem definição.

Os resultados do segundo estudo pré-experimental sugerem a possibilidade de que categorias naturais incluam uma essência subjacente. Esta possibilidade sustenta-se no fato de que a maior ocorrência de propriedades essenciais (definidas como propriedades que tendem a refletir o âmago dos conceitos) foi observada neste tipo de categoria. A necessidade da existência destas propriedades para as categorias naturais reforça os argumentos acima sobre a relação entre a homogeneidade e a natureza ontológica da categoria.

A hipótese de interação entre o tipo de propriedade e tipos de categorias sustentava que as categorias naturais produziriam valores superiores nos julgamentos indutivos por serem mais homogêneas e possuírem essências reais, e que categorias fortemente idiossincrásicas produziriam valores inferiores. Esta hipótese foi confirmada parcialmente para os tipos de categorias, pois os artefatos produziram valores superiores. Uma explicação razoável para este resultado seria o desconhecimento ou falta de familiaridade com alguns exemplos das categorias naturais, principalmente, com exemplos pouco típicos (p. ex., cobra-quatiara, flor-tulipa). A falta de familiaridade dos participantes com exemplos da categoria implicaria no estabelecimento de poucas relações conceituais e, conseqüentemente, um mínimo de informações seria proporcionado por estas representações produzindo, então, valores inferiores nos julgamentos indutivos. O estabelecimento de um número reduzido de relações tem sido explicado em função de uma sobreposição superficial do conhecimento entre dois conceitos, onde não haveria um ajuste estrutural pleno entre eles, impedindo que analogias fossem feitas (Gentner, Ratterman & Forbus, 1993; Gentner e cols. 1997; Holyoak & Thagard, 1989; Lassaline, 1996; Markman & Gentner, 1993a, 1993b; Medin, Goldstone & Gentner, 1993). As analogias seriam, segundo esses autores, uma forma de computar a similaridade entre dois conceitos, permitindo que o conhecimento sobre um fosse estendido para o outro.

A interação verificada entre tipos de propriedades e tipos de categorias sugere que categorias naturais possuem essências (Keil, 1989; Schwartz, 1980), e que, durante a derivação indutiva, estas essências seriam consideradas na produção de uma conclusão. Ao considerar as essências, parece razoável concluir que informações adicionais sobre as categorias naturais incluam outras fontes de conhecimento tais como genética ou biologia, mesmo que não sejam feitas analogias entre itens destas categorias. No caso das categorias de artefatos, os resultados sugerem que as respectivas induções são sensíveis às informações proporcionadas pelos tipos de propriedades. No entanto, apesar de significativa, a diferença entre propriedades essenciais e superficiais para essas categorias foi bastante inferior à observada nas categorias naturais, sugerindo que artefatos possuem uma essência nominal. Duas observações relacionadas às categorias abstratas devem ser apontadas: primeira, seu caráter fortemente idiossincrásico não favoreceu muitas induções (na interação entre categorias abstratas e tipo de propriedades não houve diferença significativa e na interação entre tipos de propriedades, categorias e tipicidade, as diferenças para as categorias abstratas nas condições de tipicidade alta e baixa apresentaram valores inferiores às diferenças observadas para as categorias naturais e artefatos); segunda, os estímulos das categorias abstratas apresentaram certas características que podem ter contribuído para os valores inferiores nos julgamentos indutivos. Ilustrando, os exemplos "Deus" e "guru" da categoria ser místico, pertencem a categorias ontológicas distintas pois "Deus" é um ser imaterial, portanto, de natureza distinta de guru que é homem (Barret & Keil, 1996). O abismo ontológico entre estes dois conceitos, mesmo que tenham sido julgados como membros de uma mesma categoria (Janczura, 1997), sugere que limites conceituais foram cruzados, ou seja, "Deus" e "guru" teriam naturezas ontológicas distintas. Em conseqüência, seriam geradas poucas induções pois, como salienta Gelman (1988), induções são mais prováveis dentro dos limites conceituais da mesma categoria.

As hipóteses previstas da interação entre tipo de categoria e tipicidade foram confirmadas, isto é, a tipicidade foi mais crítica para os julgamentos onde categorias menos homogêneas foram usadas (i.e., artefatos e abstratas). A expectativa de que a tipicidade seria usada como informação, principalmente em contextos menos informativos (Rips, 1975), foi também confirmada. Estes resultados são consistentes com a literatura como, por exemplo, o trabalho de Rips, onde exemplos mais típicos favoreceram a indução. No entanto, diferentemente da instrução direta de Rips para eliminar os efeitos de tipicidade, este estudo introduziu informações implícitas que minimizaram a influência da tipicidade. Isto significa que, não apenas informações adicionais podem eliminar os efeitos de tipicidade na indução, como também o tipo de informação deve ser considerado.

Uma explicação para a ausência de influência isolada da tipicidade sobre os julgamentos indutivos pode ser encontrada na ausência de contexto. Ou seja, afirmar que exemplos são mais ou menos típicos em julgamentos indutivos faz sentido somente se conceitos forem utilizados como referências, em cujas representações o conhecimento sobre a tipicidade estaria incluído havendo, portanto, a necessidade de contextualizar o membro em relação à categoria (p.ex., a "cobra" quatiara). Estes resultados são consistentes com outros estudos que atribuem à tipicidade um caráter dependente do contexto (Barsalou, 1987; Rips, 1975).

Finalizando, este estudo demonstrou que a indução é significativamente influenciada por informações de natureza conceitual. Na produção de uma conclusão as pessoas distinguem entre as diferentes fontes de informação conceitual, aquelas que são mais úteis na ampliação das cadeias de derivações indutivas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq (bolsa concedida ao primeiro autor durante o período do 2o semestre de 1997 ao 2o semestre de 1998) e à CAPES (bolsa concedida ao primeiro autor durante o 1o semestre de 1999).

Goiara Mendonça de Castilho, mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília, DF, é atualmente professora dos Departamentos de Psicologia da Universidade Paulista e da Faculdade Garcia Silveira, Brasília, DF.

Gerson Américo Janczura, doutor em Psicologia Experimental/Cognição pela University of South Florida (EUA), é professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília, DF.

Endereço para correspondência: [GMC] SQN 415, Bl.H, apto 304, 70878-080, Brasília, DF. E-mail: goiacastilho@yahoo.com.br. [GAJ] Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70910-900, Brasília, DF. E-mail: janczura@unb.br.

Recebido em 10.08.01

Revisado em 19.12.01

Aceito em 17.05.02

Apêndice

Categorias Naturais

Flor: margarida (exemplo mais típico); tulipa (exemplo menos típico)

Propriedades: possui biomoléculas (essencial); rara (superficial)

Cobra Venenosa: coral (exemplo mais típico); quatiara (exemplo menos típico)

Propriedades: possui proteínas de defesa (essencial); fina (superficial)

Tipo de Madeira: cedro (exemplo mais típico); angico (exemplo menos típico)

Propriedades: possui seiva (essencial); alto (superficial)

Categorias de Artefatos

Calçado: sapato (exemplo mais típico); botina (exemplo menos típico)

Propriedades: possui sola (essencial); feito de couro (superficial)

Jóia: colar (exemplo mais típico); aliança (exemplo menos típico)

Propriedades: origem mineral (essencial); possui prata (superficial)

Mobília: cama (exemplo mais típico); cômoda (exemplo menos típico)

Propriedades: tem base de apoio (essencial); possui pontas (superficial)

Categorias Abstratas

Ser Místico: Deus (exemplo mais típico); guru (exemplo menos típico)

Propriedades: possui espiritualidade (essencial); proteção (superficial)

Emoção: alegria (exemplo mais típico); raiva (exemplo menos típico)

Propriedades: mediada pelo sistema límbico (essencial); pulos (superficial)

Ciência: matemática (exemplo mais típico); economia (exemplo menos típico)

Propriedades: estabelece relações entre fatos (essencial); cálculos (superficial)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Jan 2002

Histórico

  • Revisado
    19 Dez 2001
  • Recebido
    10 Ago 2001
  • Aceito
    17 Maio 2002
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