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Motivos de sucesso, afiliação e poder: um estudo de validação do constructo no Brasil

The achievement, affiliation and power motives: a study of the construct validation in Brazil

Resumos

Esta breve nota de pesquisa almeja dar conta dos resultados de um estudo de validação empírica, no Brasil, do questionário de medida dos motivos de sucesso, afiliação e poder que Rego (1998a, 2000; Rego & Carvalho, 2001, 2002) desenvolveu em Portugal. A amostra é constituída por 162 estudantes (50% de cada sexo), oriundos de instituições de ensino superior brasileiras. Os resultados sugerem que as boas propriedades psicométricas que o instrumento de medida tem revelado em amostras portuguesas não são totalmente replicadas nesta amostra brasileira. De qualquer modo, os dados empíricos extraídos desta investigação não são desprezíveis - antes apontando para a necessidade de se aprimorarem as características do instrumento, dotando-o de atributos que lhe confiram validade psicométrica em um contexto cultural distinto do português.

motivos; sucesso; afiliação; poder


This short research note aims at showing the findings of a study that replicates in Brazil the instrument proposed by Rego (1998a, 2000; Rego & Carvalho, 2001, 2002) for measuring the motives of achievement, affiliation and power in Portugal. Data from a sample comprising 162 university students (50% from each gender) were collected. The findings suggest that the good psychometric properties obtained in Portugal are not replicated in Brazil. In any case, the results showed here have some merit, suggesting that the measurement instrument needs to (and can) be ameliorated with some changes in order to adapt it to a cultural context different from the Portuguese.

motives; achievement; affiliation; power


NOTA TÉCNICA

Motivos de sucesso, afiliação e poder: um estudo de validação do constructo no Brasil

The achievement, affiliation and power motives: a study of the construct validation in Brazil

Arménio RegoI; Emanuel LeiteII

IUniversidade de Aveiro, Portugal

IIUniversidade Católica de Pernambuco

RESUMO

Esta breve nota de pesquisa almeja dar conta dos resultados de um estudo de validação empírica, no Brasil, do questionário de medida dos motivos de sucesso, afiliação e poder que Rego (1998a, 2000; Rego & Carvalho, 2001, 2002) desenvolveu em Portugal. A amostra é constituída por 162 estudantes (50% de cada sexo), oriundos de instituições de ensino superior brasileiras. Os resultados sugerem que as boas propriedades psicométricas que o instrumento de medida tem revelado em amostras portuguesas não são totalmente replicadas nesta amostra brasileira. De qualquer modo, os dados empíricos extraídos desta investigação não são desprezíveis – antes apontando para a necessidade de se aprimorarem as características do instrumento, dotando-o de atributos que lhe confiram validade psicométrica em um contexto cultural distinto do português.

Palavras-chave: motivos, sucesso, afiliação, poder

ABSTRACT

This short research note aims at showing the findings of a study that replicates in Brazil the instrument proposed by Rego (1998a, 2000; Rego & Carvalho, 2001, 2002) for measuring the motives of achievement, affiliation and power in Portugal. Data from a sample comprising 162 university students (50% from each gender) were collected. The findings suggest that the good psychometric properties obtained in Portugal are not replicated in Brazil. In any case, the results showed here have some merit, suggesting that the measurement instrument needs to (and can) be ameliorated with some changes in order to adapt it to a cultural context different from the Portuguese.

Keywords: motives, achievement, affiliation, power

A caracterização dos motivos

Os motivos de sucesso, afiliação e poder têm sido alvo de extensa investigação por parte de numerosos investigadores, em grande medida como fruto dos trabalhos inspiradores de McCllelland e seus colaboradores (e.g., Koestner & McClelland, 1992; McClelland, 1961, 1962, 1965, 1972, 1975, 1982, 1987, 1989; McClelland, Atkinson, Clark & Lowell, 1953; McClelland & Boyatzis, 1982; McClelland & Burnham, 1976; McClelland & Koestner, 1992; McClelland & Pilon, 1983). Podem ser assim caracterizados:

a) O motivo de sucesso representa uma orientação para a excelência, uma preferência por riscos moderados, a procura de feedback tendo em vista melhorar o desempenho. As pessoas fortemente motivadas para o sucesso aspiram a metas elevadas mas realistas, tomam iniciativa, tendem a ser "irrequietas" na sua actividade e a ser bem sucedidas como empreendedoras.

b) O motivo afiliativo representa uma orientação por relações "quentes" e amistosas. As pessoas vincadamente motivadas para a afiliação tendem a agir amigável e cooperativamente, embora possam actuar irada e defensivamente sob condições de ameaça.

c) O motivo de poder envolve uma orientação para o prestígio, a busca de posições de influência, a assunção de riscos elevados, e a produção de impacto nos comportamentos ou emoções das outras pessoas. Uma elevada motivação para o poder está associada a actividades competitivas e assertivas, assim como ao interesse em alcançar e manter prestígio e reputação.

Em torno destes três motivos, a quantidade de publicações que tem sido dada à estampa é prolixa. Nomeadamente, tem sido sugerido um vasto elenco de potenciais efeitos: o desempenho académico dos estudantes (McClelland, 1972, 1987; Raynor, 1970; Rego, 1993, 1995, 1998a; Rego & Carvalho, 2001, 2002), os estilos preferenciais de gestão do conflito (e.g., Rego, 1995; Rego & Jesuíno, 1999, 2002), a liderança organizacional (McClelland & Boyatzis, 1982; McClelland & Burnham, 1976; Miller & Toulouse, 1986; Rego, 1995, 1998b, 1999; Winter, 1991), a liderança política (Hernann, 1980; House, Spangler & Woycke, 1991; Reto, Lopes & Cruz, 1989/1990; Schmitt & Winter, 1998; Winter, 1987, 1998), o desenvolvimento económico das nações (McClelland, 1961; Pereira, 1980), o empreendedorismo e orientação empreendedora (Johnson, 1990; Leite, 2002; McClelland, 1961, 1965; Sagie & Elizur, 1999) e o estado de saúde/doença dos indivíduos (Jemmott, 1987; McClelland, 1982, 1989; McClelland, Davidson & Saron, 1985; Schultheiss, 1999).

A medição dos motivos

A preferência de McClelland para medir os motivos recaiu sobre uma técnica projectiva designada, por vezes, de Picture-Story Exercise (Koestner & McClelland, 1992). Este é um "teste de apercepção temática" (TAT), desenvolvido originariamente por Murray (1938), consistindo numa série de figuras mostrando pessoas em situações ambíguas, perante cada uma das quais é solicitado aos inquiridos que inventem uma história. A presunção subjacente ao teste é a de que estes relatos inventivos revelam os sonhos, fantasias e aspirações dos sujeitos. Para o efeito, foram desenvolvidos sistemas de codificação que permitem analisar o conteúdo de cada história e pontuá-la nos três motivos (Heyns, Veroff & Atkinson, 1958; McClelland et al., 1953; Veroff, 1992; Winter, 1992).

Existe, todavia, alguma controvérsia acerca das vantagens desse método face aos questionários (e.g., Atkinson, 1982; Atkinson & Birch, 1986; Fleming, 1982; McClelland, 1987; McClelland, Koestner & Weinberger, 1989; Schmalt, 1999; Smith, 1992; Spangler, 1992; Sokolowski, Schmalt, Langans & Puca, 2000; Weinberger & McClelland, 1990; Weiner, 1989; Winter & Stewart, 1977):

a) Os críticos do TAT alegam que ele é um método pouco fidedigno (seja do ponto de vista do teste-reteste ou da consistência interna) e detentor de reduzido poder preditivo dos comportamentos humanos. Argumentam que os questionários demonstram adequada fidedignidade e maior potencial preditivo.

b) Os advogados do TAT concordam em que ele é um método muito sensível a influências situacionais. Mas argumentam que se podem obter bons índices de fidedignidade se o teste for administrado correctamente. Sugerem, ainda, que a fidedignidade dos questionários tem sido exagerada. Advogam, também, que o poder preditivo do TAT é superior no que concerne aos comportamentos de longo prazo. Finalmente, esclarecem que, sendo inconscientes, os motivos não devem ser medidos através de escalas em que se convidam os indivíduos a auto-descreverem-se.

c) Alguns autores argumentam que os dois métodos se equivalem. Mas a plausibilidade desta tese é questionada pelo facto de os dados disponíveis apontarem para a pequena ou nula correlação entre os motivos medidos pelas duas vias.

Uma posição distinta é que advoga que os motivos medidos pelas duas vias são conceptualmente diferentes. Na verdade, McClelland e seus colaboradores (Koestner & McClelland, 1992; McClelland, 1987; McClelland et al., 1989; McClelland & Koestner, 1992; Weinberger & McClelland, 1990) distinguem entre os motivos implícitos (medidos pelo TAT) e os motivos explícitos ou auto-atribuídos (medidos pelos questionários). Os primeiros, sendo inconscientes, reflectem-se nas fantasias descritas pelos indivíduos quando são colocados perante as figuras ambíguas do TAT. Os segundos, sendo conscientes, podem ser descritos pelos indivíduos quando questionados directamente sobre as duas disposições motivacionais, objectivos e preferências em situações específicas. Argumentam os investigadores que os dois tipos de motivos denotam validade de constructo em áreas diferentes (Schmalt, 1999; Sokolowski et al., 2000):

a) Os motivos implícitos explicam bem o que as pessoas realmente fazem, como despendem o seu tempo, e o seu comportamento operante a longo prazo (como a progressão na carreira profissional).

b) Os explícitos são bons preditores das atitudes, valores e objectivos conscientes, especialmente quando é requerido esforço.

Esta dicotomia induziu Schmalt (1976) a desenvolver uma "terceira via". Dos seus trabalhos resultou a técnica da grelha – um método que combina as características do TAT e as dos questionários. Tal como no TAT, são apresentadas aos indivíduos diversas figuras de interpretação ambígua. Todavia, em vez de serem convidados a descreverem (inventarem) histórias, são induzidos a responder a diversas questões para cada uma das figuras. Estas perguntas abarcam tendências motivacionais relacionadas com as emoções, cognições, antecipação de objectivos e acções instrumentais. Por exemplo, perante uma determinada figura, é solicitado aos inquiridos que refiram em que grau o indivíduo nela representado se sente bem, está ou não satisfeito com o que está a fazer, sente ou não que é capaz de realizar a tarefa. Diversos trabalhos empíricos (por exemplo, Schmalt, 1999; Schmalt & Sokolowski, 2000; Sokolowski et al., 2000) sugerem que o instrumento denota boas propriedades psicométricas.

Um questionário de medida desenvolvido em Portugal

Entre as pechas mais notórias do TAT, detectam-se a demora na sua aplicação, a dificuldade em obter a participação dos indivíduos (e.g., gestores) para um teste, que pode se delongar para além das respectivas disponibilidades de tempo, e a necessidade de nutrir sérias cautelas na administração do teste para que não sejam induzidas respostas passíveis de enviesarem a medição. Distintamente, os questionários são métodos mais práticos, de mais fácil aplicação, mais rápidos e mais baratos. Consequentemente, têm sido desenvolvidas algumas medidas dessa natureza (e.g., Mehrabian, 1969; Spence & Helmreich, 1983; Stahl & Harrell, 1982; Steers & Braunstein, 1976). Os trabalhos de Rego (1993, 1995, 1998a, 1998b, 1999, 2000; Rego & Jesuino, 1999, 2002) inserem-se nesta linha. Na sua génese, o questionário é uma versão modificada e adaptada do questionário de medida das necessidades manifestas de Steers e Braunstein (1976). Os resultados de diversas pesquisas empíricas sugeriram que o instrumento denotava razoáveis propriedades psicométricas, em vários planos: a) consistência interna; b) relação com o TAT; c) poder preditivo dos estilos de gestão do conflito, dos impactos dos líderes sobre os seus subordinados e do desempenho académico dos estudantes universitários.

Sucede que, nos seus primeiros estudos, Rego limitou-se a medir cada motivo através de diversos descritores, confinando-se depois ao teste das consistências internas e ao estudo da validade externa. Não submeteu os dados a qualquer análise factorial, deixando assim dúvidas sobre a validade da estrutura dimensional com que trabalhou. Acresce que alguns motivos apresentaram recorrentemente inter-correlações cujos coeficientes importaria diminuir para efeitos de obtenção de ortogonalidade.

Fitando vencer estas limitações, o investigador realizou pesquisa adicional (Rego, 2000). Construiu um questionário composto por 58 itens, recolhidos no instrumento anteriormente usado e em diversa literatura atinente a cada motivo. Os dados referentes a uma amostra de 243 indivíduos foram então submetidos a uma análise factorial dos componentes principais, tendo emergido uma estrutura tri-dimensional correspondente aos três motivos, e contendo 27 itens. As consistências internas revelaram-se satisfatórias (entre 0.73 e 0.83). E alguns dados apontaram elementos de validade externa. Por exemplo, o perfil da amostra coincidiu com os anteriormente obtidos e revelou-se bastante próximo do emergente no estudo internacional divulgado por McClelland (1961). A sub-amostra de gestores denotou cotação no motivo de poder significativamente superior à média, o inverso ocorrendo com o afiliativo. Esta evidência corrobora a ideia bem assente na literatura (e.g., McClelland, 1987; Rego, 1998b) segundo a qual os indivíduos tendem a procurar actividades condizentes com os seus motivos. Compreende-se que os gestores "necessitem" do motivo de poder para exercerem influência sobre os outros, e denotem relativamente baixas necessidades afiliativas para poderem tomar decisões imparciais e mais "duras" quando necessário.

Em pesquisa posterior, Rego e Carvalho (2001, 2002) realizaram pesquisa confirmatória, tendo em vista aquilatar as propriedades psicométricas desta nova versão do instrumento de medida junto de uma amostra de 342 estudantes do ensino superior. Numa tentativa de melhorar a consistência interna das escalas de medida do motivo de sucesso, acrescentaram três itens. Uma análise factorial confirmatória (Byrne, 1998; Joreskog & Sorbom, 1993) foi realizada, tendo sido removidos diversos itens com o fito de melhorar os índices de ajustamento. O modelo daí resultante contém 18 itens, denotando boas propriedades psicométricas: (a) os Lambdas quase invariavelmente superam o patamar de 0.50; (b) os Alphas de Cronbach cifram-se em 0.79 (sucesso), 0.76 (afiliação) e 0.71 (poder); (c) os índices de ajustamento atingem cifras satisfatórias (e.g., índice de bondade de ajuste, goodness of fit index: 0.92); (d) os motivos denotam poderes explicativos para o desempenho dos estudantes que se coadunam com as predições da teoria (por exemplo, o motivo de sucesso denota poder explicativo do desempenho em condições de moderada dificuldade).

Sucede, porém, que os trabalhos de validação de um questionário podem padecer das contingências próprias da cultura de proveniência dos indivíduos inquiridos. O obstáculo de maior monta é o que respeita à tradução linguística, mas não podem ser descuradas outras contingências culturais mesmo quando a língua é comum. No caso aqui em apreço, importa testar se as propriedades psicométricas do questionário são replicáveis no Brasil – país com a mesma língua que Portugal, mas do qual se distingue em muitas facetas de natureza cultural. É este o leitmotiv da presente nota de pesquisa. Sem intuitos de validação empírica de grande envergadura, o estudo destina-se a facultar aos investigadores uma primeira nota sobre os resultados da aplicação do questionário a uma pequena amostra brasileira.

Método

A amostra integra 162 estudantes (50% de cada sexo) frequentando os cursos de: (a) administração, ciências contábeis, ciências econômicas, psicologia, engenharia, fonoaudiologia, direito e turismo, na Universidade Católica de Pernambuco; (b) administração e engenharia, na Universidade Federal de Pernambuco. Cada aluno respondeu a um questionário de medida dos motivos, contendo os 18 indicadores emergentes do estudo confirmatório de Rego e Carvalho (2001, 2002). A idade média era de 27 anos para os homens e de 24 para as mulheres. Os dados relativos aos motivos foram submetidos a uma análise factorial confirmatória (Byrne, 1998; Joreskog & Sorbom, 1993), tendo sido testado o modelo de três factores. Os índices de ajustamento denotaram valores relativamente insatisfatórios (Tabela 1). Procedeu-se, então, à remoção de itens de acordo com os índices de modificação e os resíduos estandardizados (Byrne, 1998; Joreskog & Sorbom, 1993), tendo o questionário ficado reduzido a 12 indicadores. Cada indivíduo foi então cotado pela média das cotações nos indicadores respeitantes a cada motivo. Compararam-se depois os perfis dos estudantes de Administração versus os de outros cursos.

Resultados

A Tabela 1 expõe os resultados da análise factorial confirmatória. Os índices de ajustamento revelam valores relativamente insatisfatórios. Acresce que alguns Lambdas se cifram abaixo de 0.50, sendo especialmente notórios os casos que concernem ao motivo de poder. A consistência interna relativa a este motivo também não atinge o patamar mínimo sugerido por Nunnally (1978), embora se situe na sua proximidade. Após a remoção de alguns itens, de acordo com os critérios antes apontados, os índices de ajustamento beneficiaram de claras melhorias, mas o Alpha de Cronbach referente ao motivo de poder cifrou-se em apenas 0.55.

A Tabela 2 expõe as médias comparativas dos estudantes de Administração versus as de outros cursos. Não se detectam quaisquer diferenças estatisticamente significativas.

Análise, discussão e conclusões

Os resultados acabados de expor concitam uma nota de pessimismo psicométrico que as pesquisas anteriores realizadas em Portugal não fariam supor. Na verdade, o modelo contendo os 18 itens revela índices de ajustamento bastante insatisfatórios. Alguns Lambdas são igualmente inferiores a 0.50. E o Alpha de Cronbach correspondente ao motivo de poder é inferior ao patamar desejável. Quando se procede à remoção de itens, os índices de ajustamento denotam melhorias assinaláveis e a globalidade dos Lambdas aproxima-se ou ultrapassa o patamar de 0.50. Sucede, porém, que o Alpha de Cronbach relativo ao motivo de poder sofre uma baixa significativa.

Ademais, o perfil motivacional dos estudantes de Administração quase não se distingue do perfil dos alunos de outros cursos. Esta evidência não corrobora o que seria teoricamente esperado. Na verdade, tendendo os indivíduos a escolher actividades profissionais que lhes permitam aceder ao incentivo inerente aos motivos que os caracterizam, era expectável que os estudantes mais motivados para o poder optassem por cursos de Administração – mais propícios ao exercício de influência e à produção de impacto (McClelland, 1987; Rego, 1995; Rego & Carvalho, 2001).

O exposto revela que o instrumento de medida expressa características psicométricas bastante mais pobres do que aquelas que Rego detectou em amostras portuguesas. Algumas reflexões podem ser gizadas:

a) É possível que tal se deva às especificidades culturais do Brasil. Nesse quadro de raciocínio, pode-se presumir que os indicadores apropriados para medir os motivos sejam distintos daqueles que são mais pertinentes em Portugal. O caso não é inédito - como, ilustrativamente, bem sugeriu Greenberg (1993) a propósito das percepções de justiça organizacional.

b) É também plausível que, sendo os mesmos indicadores porventura apropriados às duas culturas, a sua redacção careça de cuidados especiais. Não obstante os dois países partilharem a mesma língua, são inúmeras as diferenças idiomáticas entre eles - podendo interferir no significado imputado às mesmas expressões. A asserção pode parecer abusiva ao "leigo" - mas não pode ser descurada quando se trata de medir propensões de personalidade, para o que são necessários cuidados redobrados na redacção dos descritores.

c) A pesquisa foi realizada com o recurso a uma amostra constituída apenas por estudantes do ensino superior. Poder-se-ia, porventura, obter elementos empíricos distintos se se tivesse recorrido a uma amostra mais convencional. Importa, todavia, registar que diversos trabalhos de Rego (e.g., 1993, 1998a, 2000; Rego & Carvalho, 2001) incidiram também sobre amostras de estudantes - e não foi por tal que as propriedades psicométricas do instrumento diferiram das reflectidas por amostras de gestores e de membros organizacionais "convencionais".

Não obstante o que acaba de ser enunciado, parece necessário extravasar para outros tipos de amostras e para outras áreas geográficas do Brasil. Ademais, a amostra pode ser considerada de dimensão modesta, pelo que estudos posteriores deverão suprir esta deficiência. Sugere-se, também, que novas investigações substituam alguns dos descritores de validade sofrível por outros de maior valia - eventualmente alguns dos que Rego (2000) usou e que vieram a ser removidos em consequência das factorializações a que foram submetidos (ver Apêndice Apêndice ).

Em suma: esta primeira tentativa de extravasar o instrumento sob análise para a realidade brasileira produziu dados concitadores de algum pessimismo psicométrico. É provável que tal se deva às peculiaridades (designadamente amostrais) da pesquisa, mas também às especificidades do próprio instrumento de medida. De qualquer modo, aos investigadores potencialmente interessados ficou exposto o material empírico de que se dispõe – oxalá possam prosseguir as pesquisas e alcançar índices de validade psicométrica mais satisfatórios.

Recebido em 02.10.02

Revisado em 18.05.03

Aceito em 11.04.03

Arménio Rego é professor da Universidade de Aveiro. Endereço para correspondência: Universidade de Aveiro 3810-193 Aveiro Portugal Fone: 234370 024 - Fax: 234 370 215. E-mail: arego@egi.ua.pt

Emanuel Leite é professor da Universidade Católica de Pernambuco. Endereço para correspondência: Universidade Católica de Pernambuco - Recife - Pernambuco. E-mail: emanueleite@uol.com.br

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Apêndice

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2003

Histórico

  • Aceito
    11 Abr 2003
  • Recebido
    02 Out 2002
  • Revisado
    18 Maio 2003
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