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O potencial das representações sociais para a compreensão interdisciplinar da realidade: Geografia e Psicologia Ambiental

The potential of the social representations aimed at the understanding of interdisciplinar reality: Geography and Environmental Psychology

Resumos

O artigo pretende ser uma contribuição para as discussões sobre a interdisciplinaridade em Psicologia Ambiental e Geografia. Espera-se contribuir para o debate dentro do pressuposto de que a afinidade entre as duas áreas se tece quando se entende o espaço e o ambiente como atores sociais, isto é, eles não são neutros, mas atuam sobre as sociedades e os sujeitos que os produziram, construíram e organizaram. Vai-se trabalhar com os pressupostos de que as fronteiras entre as ciências são tênues e que, para ultrapassá-las, deve-se romper com a compartimentação e articular pensamento e práticas sobre a realidade de maneira interdisciplinar. Considera-se que as representações sociais permitem ultrapassar as fronteiras entre as duas ciências e desvendar complexas relações psíquicas e sociais, tendo como objeto empírico as periferias do Distrito Federal.

interdisciplinaridade; fronteiras; representações sociais; espaço; ambiente; psicologia ambiental


The article intends to be a contribution for the discussions involving the interdisciplinarity between Geography and Environmental Psychology. This paper is expected to contribute to that debate based on the affinity between the two areas when space and environment are understood as social actors, that is, they are not neutral, but act upon societies and individuals who had produced, constructed and organized them. The limits among sciences are seen as tenuous and should be exceeded in order to surpass such partitioning of reality by means of interdisciplinary articulation of ideas and practices. It is considered that the social representations allow to overrun the limits between the two sciences and to unmask complex psychic and social relations within the surrounding areas of the Federal District.

interdisciplinarity; limits; social representations; space; environment; environmental psychology


ARTIGOS

O potencial das representações sociais para a compreensão interdisciplinar da realidade: Geografia e Psicologia Ambiental

The potential of the social representations aimed at the understanding of interdisciplinar reality: Geography and Environmental Psychology

Marília L. Peluso

Universidade de Brasília

RESUMO

O artigo pretende ser uma contribuição para as discussões sobre a interdisciplinaridade em Psicologia Ambiental e Geografia. Espera-se contribuir para o debate dentro do pressuposto de que a afinidade entre as duas áreas se tece quando se entende o espaço e o ambiente como atores sociais, isto é, eles não são neutros, mas atuam sobre as sociedades e os sujeitos que os produziram, construíram e organizaram. Vai-se trabalhar com os pressupostos de que as fronteiras entre as ciências são tênues e que, para ultrapassá-las, deve-se romper com a compartimentação e articular pensamento e práticas sobre a realidade de maneira interdisciplinar. Considera-se que as representações sociais permitem ultrapassar as fronteiras entre as duas ciências e desvendar complexas relações psíquicas e sociais, tendo como objeto empírico as periferias do Distrito Federal.

Palavras-chave: interdisciplinaridade; fronteiras; representações sociais; espaço; ambiente; psicologia ambiental

ABSTRACT

The article intends to be a contribution for the discussions involving the interdisciplinarity between Geography and Environmental Psychology. This paper is expected to contribute to that debate based on the affinity between the two areas when space and environment are understood as social actors, that is, they are not neutral, but act upon societies and individuals who had produced, constructed and organized them. The limits among sciences are seen as tenuous and should be exceeded in order to surpass such partitioning of reality by means of interdisciplinary articulation of ideas and practices. It is considered that the social representations allow to overrun the limits between the two sciences and to unmask complex psychic and social relations within the surrounding areas of the Federal District.

Keywords: interdisciplinarity; limits; social representations; space; environment; environmental psychology

Introdução - a questão da interdisciplinaridade

As discussões que ocorrem no âmbito da Psicologia Ambiental, nacional e internacionalmente, mostram um campo de conhecimento dinâmico e em expansão, em busca de uma identidade e de um objeto de reflexão que lhe permita individualizar-se como disciplina e abrigar uma produção científica cada vez mais significativa. O tema é complexo e foi um dos aspectos abordados no Grupo de Trabalho que reuniu pesquisadores da área no IX Simpósio Nacional da ANPEPP, em Águas de Lindóia (agosto-setembro de 2002). Na ocasião, José Pinheiro (2002) ressaltou o traço híbrido e um tanto indefinido da Psicologia Ambiental, indagando se o campo da disciplina seria intrapsicológico, multidisciplinar ou ambos.

Essa mesma indagação esteve no centro dos debates em São Paulo, no Simpósio Internacional Psicologia e Ambiente, ocorrido em novembro de 2002, o que demonstra sua importância para que a Psicologia Ambiental encontre, nas palavras de Boaventura de Souza Santos (2000), "seu lugar específico nos saberes". Argumenta-se que, entre as dificuldades para que a Psicologia Ambiental encontre seu lugar entre os saberes científicos está a grande diferenciação de formação e trajetórias dos que atuam no setor e a ampla diversidade temática, do que resulta uma variada gama de tipos de investigação científica, métodos de pesquisa e enfoques paradigmáticos (Wiesenfeld, 2002; Moyano Diaz, 2002; Sánchez, 2002).

Tendo em vista a discussão que se desenvolve na Psicologia Ambiental e considerando minha trajetória científica, pretendo, nesse artigo, tratar de questões de interdisciplinaridade e de integração de visões científicas sobre a realidade. Vou ater-me a uma temática, o morar e a moradia, e a um conceito, as representações sociais, e mostrar como se foram construindo afinidades teóricas entre Geografia e Psicologia ao buscar-se resolver problemas surgidos no âmbito de pesquisas. Percebi, então, que o contato com os sujeitos entrevistados foi essencial para construírem-se reflexões e perguntas que necessitaram, para serem equacionadas, de enfoques teóricos fora da minha área científica de origem.

Assim, espero contribuir para o debate ao apresentar minha visão dos pontos de contato da Geografia e da Psicologia Ambiental, buscando novos caminhos para a interdisciplinaridade, dentro do pressuposto de que a afinidade entre as duas áreas se tece quando se entende o espaço e o ambiente como atores sociais. Ou seja, eles não são neutros, mas atuam sobre as sociedades e os sujeitos que os produziram, construíram e organizaram, como resposta às ações das sociedades e dos sujeitos sobre eles.

Minha intenção não é "resolver" a ambigüidade ou apresentar um objeto científico para a Psicologia Ambiental, pois sou de opinião que indefinições, teóricas e metodológicas, são necessárias para que teoria e prática científicas avancem. Faço eco à opinião de Boaventura de Souza Santos (2000), quando diz que se deve compreender a ciência "enquanto prática social de conhecimento, uma tarefa que se vai cumprindo em diálogo com o mundo... " (p. 13), o que, para mim, significa que não se chegará a um desfecho conclusivo, por mais que seja procurado, quanto mais não seja porque o mundo se transforma e, junto com ele, transforma-se o sujeito conhecedor. Por outro lado, como acentua Zizek (1996), como a realidade nunca é diretamente "ela mesma", mas "só se apresenta através de sua simbolização incompleta/falha" (p. 26), nunca é totalmente objetiva, mas objetivada pelo campo científico (Demo, 1980).

Questionamentos a partir da pesquisa de campo

Os motivos que me levaram, como geógrafa, a buscar novos enfoques teórico-metodológicos colocaram-se em evidência durante a remoção de inquilinos e invasores para a cidade-satélite de Samambaia, iniciada em março de 1989, dentro do Programa de Assentamento das Populações de Baixa Renda do Distrito Federal.

O que ressaltava em Samambaia era a ordem com que a remoção se processava, assim como a cooperação da população. Os caminhões chegavam, uns após outros, levantando nuvens de poeira, e deixavam à beira da estrada os removidos e seus pertences: o barraco desmontado, a mobília, aparelho de televisão, malas, sacos e o desejo de possuir a casa própria.

A infra-estrutura do assentamento se resumia a luz e chafarizes, que forneciam água para as quadras. Somente as ruas estavam abertas no cerrado. Os moradores limpavam a vegetação e erguiam os barracos. Em poucos dias, toda a área do assentamento foi tomada por pequenos lotes. O princípio do quadriculamento, "cada indivíduo em seu lugar e em cada lugar um indivíduo" (Foucault, 1983, p. 131) entrara em vigor. Mas a satisfação de todos era evidente. Seriam, enfim, proprietários.

Frente à possibilidade de se apropriarem de um pedaço de terra, os removidos correspondiam bem ao que Paviani (1989) chamou de "agente-paciente" do processo de periferização: "agente, porque coopera e atua conscientemente a favor e paciente, porque se submete às ações do Estado, dos agentes imobiliários e outros, que atuam na esfera da terra urbana" (p. 30). Esse tipo de comportamento perpassava toda minha experiência de pesquisa com o mercado imobiliário nas periferias urbanas, tanto no Distrito Federal, como nos municípios limítrofes de Brasília ou em pequenas cidades da fronteira agrícola (Peluso, 1983; 1987; 1988; Peluso & Ferreira, 1986). Entrevistando, conversando, procurando conhecer a vida dos mais pobres e como se inseriam no mercado imobiliário, tomei contato com os "territórios de privação", em que essa população estava imersa e na qual transitava com eficiência, determinação e resignação.

Até onde me foi dado observar, todos aderiam ao sistema abrangente, cujos jogos e processos eram livremente aceitos. Moradores, vendedores de lotes, técnicos do governo ou funcionários de empresas particulares falavam todos a mesma linguagem, apesar de o fazerem de diferentes espaços representacionais. As várias falas se reforçavam, interrompiam-se num momento para serem retomadas mais adiante, tornavam implícito o sistema, funcionavam ideologicamente. O indivíduo, anulado em face dos poderes econômicos (Adorno & Horkheimer, 1991, p. 14), tornara-se seu arauto e porta-voz.

Voltei-me, então, para compreender as diferentes visões de mundo subjacentes às vidas dos entrevistados e às respostas obtidas nas pesquisas. Minha primeira idéia foi de que o respondente enquanto indivíduo era pouco privilegiado e escondia-se sob rótulos coletivos que o tornava anônimo e desconhecido. Ora os entrevistados eram "moradores de loteamentos", "moradores da periferia" ou mesmo "pioneiros", mas nunca se individualizavam numa pessoa, cuja vida pregressa leva-a a comportar-se da maneira como o fazia, tomar decisões aparentemente contraditórias e dar as respostas com as quais me deparava. A partir dessa constatação, busquei um enfoque que me levasse a compreender a dinâmica espacial por meio da subjetividade do indivíduo e cheguei à Psicologia Social. O caminho multidisciplinar que haveria de percorrer desde então implicava em conjugar o olhar da Geografia, preocupada com a construção do espaço pela sociedade, e da Psicologia Social, preocupada com o indivíduo e sua consciência social. A articulação das duas áreas se faria no sentido de, por um lado, compreender a dinâmica espacial por meio da subjetividade do indivíduo e, por outro, compreender como a materialidade espacial se transforma em conteúdos da consciência e em visões do mundo.

Minha chegada à Psicologia Ambiental ocorreu em 1999, quando já havia defendido minha tese de doutorado, em São Paulo, durante a 10a Reunião Anual da Abrapso, na qual participei do 1o Encontro Brasileiro de Psicologia Ambiental. Em Paris, em 2000, na reunião da International Association for People-Environment Studies/IAPS, a sessão sobre Environment and Behaviour Research in Brazil selou meu interesse pela Psicologia Ambiental, visto que encontrei como ponto de contato entre as duas áreas o espaço, que Milton Santos (1994) define como:

(...) um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e anima, ou seja, a sociedade em movimento. O conteúdo da sociedade não é independente da forma (os objetos geográficos) e cada forma encerra uma fração de conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas, contendo cada qual frações da sociedade em movimento. (p. 26-27).

Não seria o caso de discutir nesse momento se ambiente e espaço são a mesma coisa, mas em ter uma definição dinâmica que me permitia trabalhar as pessoas e o meio no qual estavam envolvidas como uma totalidade dialética.

Entretanto, os temas psicológicos em si não são estranhos à Geografia. Por isso, no tópico seguinte desenvolverei a maneira como a Geografia abordou o indivíduo em seu percurso como ciência humana e social, quais os problemas que encontrei no enfoque geográfico e como a noção de representações sociais me levou a superar impasses.

O potencial das representações sociais para os estudos interdisciplinares

A relação entre a Geografia e Psicologia vem de longa data e vou fazer referência apenas a poucos geógrafos e escolas para contextualizar o psicológico na área geográfica. Desde a fundação da ciência, no século XIX, os processos psicológicos eram abordados dentro do grande paradigma da relação entre a natureza e a sociedade. Para Carl Ritter (apud Morais, 1989, p. 188), o meio natural condicionava o desenvolvimento da personalidade dos povos. Friedrich Ratzel (apud Morais, 1989), no mesmo século XIX, menciona diretamente as questões psicológicas. Para Ratzel, a natureza exerce influência sobre a psicologia individual e, depois, sobre a coletiva. Ou, segundo as palavras de Morais (1989):

Uma influência que se exerce sobre os indivíduos e produz nestes uma modificação profunda e duradoura; primeiramente, ela age sobre o corpo e sobre o espírito do indivíduo e é por sua natureza fisiológica e psicológica; e só mais tarde passa assim ao âmbito da história e da geografia, isto é, quando se estende a povos inteiros. (p. 59)

O coletivo se sobrepõe ao individual pelo peso da quantidade, pois se a natureza exerce influência sobre os povos e os indivíduos, "ela afeta mais os povos que os indivíduos", visto que "são massas que estão em cena e cuja personalidade é mais marcada" (Morais, 1989, p. 190).

Em meados do século passado ou, mais precisamente, em 1954, Max Sorre utiliza a expressão Geografia Psicológica no artigo em que examinava "as correlações entre o meio e as funções mentais do indivíduo" (apud Megale, 1984, p. 31).

No momento atual da ciência geográfica, a área da Geografia da Percepção e da Geografia Cultural abordam percepção, identidade, representações, imagens, dimensão simbólica, ou seja, os processos psíquicos de instauração de sentido da realidade. Trabalha-se com estruturas psicológicas complexas, suas durações e transformações, tanto no espaço quanto no tempo.

Milton Santos (1997), um dos geógrafos mais conhecidos do país, em seu livro intitulado A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção, por exemplo, elabora o conceito de espaço com teorizações de psicólogos ambientais, como Abraham Moles e Elizabeth Rohmer. Santos apresenta dois conceitos muito interessantes e importantes para trabalhar com processos psicológicos/sociais/espaciais, o par tecnosfera/psicosfera. Tecnosfera é "o meio técnico-científico-informacional, que requalifica os espaços para atender aos interesses hegemônicos" (p.191) e a psicosfera, "o reino das idéias, crenças, paixões e lugar da produção de sentido" (p. 204), que sustenta a tecnosfera. Têm-se aqui, a idéia de pares dialéticos: a tecnosfera produz os insumos materiais para que a psicosfera os transforme em conteúdos da mente e a sustente.

Dessa maneira, verifica-se que, para a Geografia, ambiente, processos psicológicos e sujeito são temas conhecidos. Entretanto, nas palavras de Bailly (1979), geógrafo que busca o "individualismo humano", a Geografia "passou diretamente à análise das organizações e das causalidades" e preocupou-se mais com os fenômenos coletivos do que com a "explicação das percepções, das atitudes e dos comportamentos dos indivíduos" (p. 19). Ou seja, firmou-se a preeminência do coletivo sobre o individual, como se vinha gestando desde Ratzel.

Na Geografia, o espaço, então, é teorizado como produto de processos econômicos, sociais e culturais, nos quais os atores dos processos psíquicos são as coletividades e não os indivíduos. Disse, numa palestra em que tratei do tema, que o sujeito, em Geografia, está aprisionado nos grandes números e nas diversas escalas espaciais.

Não se trata de preeminência do objeto sobre o sujeito, mas de uma forma de socialização científica, na qual se priorizam os processos coletivos e não os processos individuais e a ênfase está no geral e não no particular. Nesse sentido, há grande dificuldade em compreender o papel do outro enquanto outro sujeito no estabelecimento das diferenças, pois são as formas espaciais e seus conteúdos - grupos e/ou classes sociais, que funcionam como o outro, em vez de indivíduos.

Entretanto, o que estava procurando era o sujeito, era reconhecer o respondente em meio aos grandes números e vê-lo em sua individualidade, sem, entretanto, perder de vista os processos sociais mais amplos.

Dessa maneira, encontrei na noção de representações sociais a interdisciplinaridade que buscava, o link com a Psicologia e com a Psicologia Ambiental. No momento em que, como escreve Moscovici (1978), as representações sociais se encontram na encruzilhada entre o indivíduo e a sociedade e Jodelet (1985) desenvolve a idéia de que a sociedade fala, mas o indivíduo emite o discurso, permite-se pensar o subjetivo/ individual e voltar ao campo do geral e do objetivo, num movimento dialético muito produtivo.

No entanto, além da teoria, as representações sociais proporcionam também um método de trabalho e de pesquisa, que pode ser implementado em temas diversificados de ambas as áreas. A ancoragem permite trabalhar a historicidade do espaço, suas formas e seus conteúdos, e a objetivação, classificar, recortar e compreender a descontextualização dos discursos e ideologias.

No tópico seguinte, mostrarei como tema e conceito, reunidos nas representações sociais da casa própria, permitem um trabalho interdisciplinar, formando um conjunto explicativo dos processos psíquicos e espaciais urbanos, no qual se articulam teoricamente a Geografia e a Psicologia Ambiental.

Representações sociais, indivíduos e espaço/ambiente

A pesquisa na cidade-satélite do Distrito Federal realizou-se em 1995, uns seis anos depois de iniciado o processo de remoção. Nesse período, Samambaia havia se estruturado como espaço urbano, apesar da descontinuidade na ocupação da terra. Se na maior parte da cidade permanecia a mesma miséria, ruas esburacadas e esgoto a céu aberto, em outras notava-se alguma prosperidade. A água jorrava das torneiras, as casas estavam ligadas à energia elétrica, o asfalto cobria as avenidas principais rasgadas em meio ao barro, o esgoto era anunciado para logo. Grandes sobrados se intercalavam às modestas casas de alvenaria ou de madeira, muitas, inclusive, bastante precárias, os tão conhecidos "barracos". A renovação dos moradores se fazia rapidamente com a venda ou aluguel das propriedades. Na vida cotidiana que se organizava, as pessoas organizavam suas vidas e racionalizavam as condições de sua existência e moradia no espaço da cidade, criando um ambiente particularmente propício à pesquisa da relação objetividade/subjetividade.

Os seis anos que decorreram desde a remoção até a pesquisa, entretanto, não haviam ainda apagado da memória o período das invasões ou das casas alugadas que consumiam mais da metade dos parcos salários. Moradores novos e antigos, com diversos níveis de renda, intercalavam-se nas quadras de Samambaia. Alguns já se encontravam na cidade-satélite antes da remoção e residiam em casas de cooperativas e conjuntos habitacionais de renda média baixa; outros chegaram depois, comprando casas no assentamento e nos conjuntos habitacionais; outros, enfim, eram inquilinos, ou mesmo invasores. Em resumo, tratava-se de uma cidade complexa, com moradores de várias origens e níveis sociais, cuja característica comum consistia na existência de um histórico de falta de habitação em algum momento de suas vidas ou da de seus pais.

Para estudar as representações sociais, partiu-se do princípio de que o pensamento dos moradores a respeito de sua casa não deixa de ser, como as representações sociais, uma realidade mental. Ao mesmo tempo, a casa é uma realidade concreta, material e social, localizada, monetarizada e fetichizada. É nessa encruzilhada em que um objeto tanto é uma realidade mental como uma realidade social e espacial que se forma o ambiente propício para que os moradores elaborem suas representações sociais (Peluso, 1998).

A hipótese que norteou o trabalho ressalta que as relações indivíduo-ambiente urbano podem ser compreendidas pelas representações sociais da casa própria, objeto histórico construído pelo modo de produção capitalista e sua maneira de pensar, que transformaram a terra urbana em mercadoria e instituíram um sujeito sem acesso a ela, na tensão entre o valor de uso e o valor de troca.

Para desvendar as representações sociais, entrevistaram-se 45 sujeitos, na cidade-satélite periférica e pobre de Samambaia, Distrito Federal. No questionário que norteou as entrevistas, procurou-se captar o olhar do morador sobre sua casa, entrando nos códigos de possessão do objeto, do fácil/difícil, do conseguido, do doado e do comprado. Uma análise de discurso permitiu identificar os vários códigos com os quais os sujeitos construíram suas representações sociais.

O primeiro código das representações sociais e o mais importante, pois dele derivam a relação dos sujeitos entre si e com o espaço urbano, mostra que os moradores, ao adotarem o modo capitalista de pensar sobre a forma e o conteúdo da "casa" e os processos que a atravessam, reconhecem a si mesmos e aos outros sujeitos segundo as várias categorias do habitar: proprietário, inquilino ou invasor. Valorizam as condições de proprietário, ao mesmo tempo que estigmatizam e atribuem baixo status às outras condições.

Em outro núcleo, a residência transcendia sua materialidade de objeto e impunha toda uma série de concepções sobre o morar e a cidade. Os discursos remetiam a uma realidade psíquica construída sobre vivências geradas a partir da casa própria e da grande metamorfose de não-proprietários em proprietários. O mito da casa própria, que transforma objetiva e subjetivamente o indivíduo, acoplado à propriedade privada, esse elemento crucial das relações sociais capitalistas, mostrava-se como fetiche, reificado nas falas dos moradores de Samambaia.

As falas sugeriam que os devaneios e a construção do Eu derivavam da casa, objeto que adquiria a condição do Outro. Os moradores percebiam o espaço da cidade por meio de sua situação na casa, sentiam a constante necessidade de reafirmar a propriedade da moradia. Em resumo, a casa própria era "a realização de um sonho", a possibilidade de "futuro", de "segurança", de ter "planos". A casa própria era o sujeito e falava o morador.

Essas objetivações eram comuns a todos, não importava sua condição monetária ou social. Em alguns grupos, porém, as representações sociais da moradia ancoravam-se em condições de vida anteriores e presentes muito adversas e empobrecidas (trabalhadores braçais, biscateiros e desempregados), enquanto em outros se ancoravam na ascensão de grupos que já estavam emergindo para uma pequena classe média (funcionários públicos e privados, pequenos empresários). Para eles, a casa criava as relações de diversidade, similaridade e assimetrias que permitiam construir um diálogo entre o sujeito e o mundo, que Bachelard (1988, p. 139), denomina de dialética do interno e do externo e dialética da casa e do mundo. Na dialética casa-Eu/casa-mundo, estabelece-se a identidade do morador segundo a casa que habita e ela se torna um "símbolo do Eu" e um território valorizado emocionalmente. Configura-se, então toda uma problemática que não está centrada nas quatro paredes do objeto "habitação", mas na subjetividade do morar e suas relações com a sociedade, materializadas no espaço urbano. Cria-se a tensão entre dois espaços, articulados e contraditórios: os pequenos espaços individualmente significativos e os macro-espaços socialmente construídos. É aí que sujeito e mundo se constituem num espaço simbólico de relações de oposição, afirmação e negação, que se projeta sobre relações sociais mais amplas, em que o sujeito se posiciona frente a si mesmo, ao mundo e aos outros que o habitam.

Representações sociais e os questionamentos de pesquisa

As questões que havia colocado em minhas pesquisas com populações de baixa renda foram sendo transformadas em prática científica interdisciplinar. Pode-se dizer que reconheci o indivíduo nos processos sociais mais amplos, interpelei-o e obtive respostas, que delinearam um campo de pesquisa, inclusive para ser utilizado em outros temas.

A análise da polissemia dos discursos, de suas ambigüidades e de suas rupturas apontaram em muitas direções, das quais, vou me deter em duas neste trabalho. A primeira diz respeito a uma das questões que me havia surpreendido nas pesquisas anteriores - a sujeição do indivíduo ao sistema. A outra, que foi surgindo à medida que analisava os discursos, apontava para o desafio à ordem instituída que essa mesma sujeição ao sistema camuflava. Ambas dizem respeito à propriedade privada, da qual a moradia é o símbolo.

Numa sociedade fundada sobre a propriedade privada, esta se encontra no cerne de uma identidade positiva. Canevacci (1981, p. 9) com muita argúcia, escreve que, somente a partir da Renascença, com o desenvolvimento urbano, o indivíduo toma consciência de si em relação a outro indivíduo pela mediação da propriedade privada.

É uma dialética da exclusão. Os que possuem propriedade instituem-se como indivíduos, sujeitos da enunciação, como aqueles que falam, enquanto os outros, são instituídos como "não sujeitos". Dessa maneira, a propriedade ou a falta dela torna-se elemento estruturador de identidades positivas e negativas, que leva a discriminações e estigmatizações pelo acesso à terra.

Ser um "não-sujeito", fazer parte de um grupo inferior e o sentimento de ser inferiorizado mostra-se nas falas dos inquilinos, mas ser um não-sujeito e morar num não-lugar é o que perpassa, com mais intensidade, a visão do morador da invasão. A invasão é o "não-lugar" (Augé, 1992) fugidio e não-identitário, contraponto empobrecido das "grandes superfícies de circulação, das máquinas automáticas e dos cartões de crédito" (p. 73-74. Ser, ou ter sido, invasor é coisa que adere ao indivíduo e uma condição de existência que o acompanha, mesmo depois de ter sua própria casa. Somente o proprietário não maculado pela invasão ou pelas más condições de vida anteriores é valorizado, somente ele vive uma condição superior que lhe permite uma relação Eu-mundo positiva.

As relações assim construídas fazem refletir, inicialmente, sobre o papel mistificador das representações sociais na permanência das desigualdades e injustiças sociais. Considerei que as funções normativas e prescritivas das representações sociais modelam as pessoas, os objetos e os acontecimentos de tal maneira que as contradições econômicas e sociais que produziram a falta de moradia, o proprietário, o inquilino, o favelado, o problema habitacional e suas soluções são tornadas concretas por intermédio de relações interpessoais que têm o poder de esconder as mesmas contradições. As ideologias dominantes, que alimentam as representações sociais, internalizadas pelo sujeito, fazem com que corporifiquem as contradições na esfera do indivíduo, sem que ocorra sua projeção para a esfera social. Assim, cada um é responsável pelo que lhe acontece e recriam-se os sujeitos de identidade deteriorada entre os moradores da periferia, com a mesma culpabilização e segregação das imagens hegemônicas.

As ideologias e as imagens não são criticadas ou superadas e o equilíbrio emocional do sujeito que procura escapar da estigmatização só é conseguida por meio de racionalizações que escondem sua origem social ou pela aceitação da impotência frente aos fatos e poderosos, gerando novos conflitos pessoais e sócio-espaciais. Dessa maneira, as relações sociais são coisificadas e o sujeito apreende a ordem estabelecida como governada por leis impessoais nas quais ele se insere voluntariamente e a naturalização ocorre por meio de afetos, estigmatizações e depreciações. O indivíduo aceita as condições de sua existência porque se sente redimido pela casa própria e porque sempre pode estigmatizar outro sujeito ou penalizar-se dele, mantendo-se a salvo de sanções sociais. Essa é a face perversa da dialética casa-Eu e casa/Eu-Outro.

Na esfera individual, o poder internalizado junto com o desamparo encontra continuação no domínio sob a jurisdição do sujeito. Os pequenos poderes que o indivíduo exerce em sua casa mostram o quanto ele sedimentou subjetivamente o universo de significações construído socialmente e que reforçam o poder social. O sujeito sente-se desamparado frente ao mundo, mas em sua casa é poderoso. Sente-se com poder de decidir, de planejar, de construir, de desejar ou de sonhar e isso torna-o cúmplice das instâncias superiores que permitiram a instauração dos pequenos poderes, dos pequenos sonhos e das pequenas superações do desamparo. O sujeito não percebe as relações sociais que se encontram por detrás do poder pela própria dinâmica da internalização dos conteúdos sociais com que categoriza e classifica os indivíduos e a cidade. Esse é o jogo invisível da reprodução das relações sociais do poder por meio das representações sociais. Nesse sentido, o indivíduo é assujeitado pelo sistema.

Mas há um outro aspecto em que as representações sociais têm um papel desafiador da ordem instituída. Internalizadas as ideologias sobre a casa própria, o indivíduo sente o mesmo desejo de possuí-la e pelos motivos de prestígio, auto-estima e status de toda a sociedade, segundo a qual cada um só pode ver e ser visto por meio da propriedade privada. No coletivo das respostas ouvidas em Samamabaia, percebe-se como funciona esse processo e as possibilidades das representações sociais como um desafio à ordem espacial instituída.

Os pobres querem a moradia como forma de se tornarem sujeitos e se inserirem no mundo urbano, como forma de superarem a exclusão a que sempre foram submetidos. Diria mesmo que é na apropriação dos valores hegemônicos que reside o poder das representações sociais de desafiar a ordem dominante. A insurgência mostra-se na submissão ao sistema capitalista internalizado. O sujeito age tendo em vista sua auto-conservação e, assim, não é mero reprodutor de discursos e práticas dominantes, mas um produtor de discursos e práticas, racional e capaz de uma razão pragmática, como a de reivindicar aquilo que lhe é negado.

Assim, o indivíduo excluído retoma o controle sobre seu destino urbano e se torna sujeito de sua história, por meio da propriedade privada que, em princípio, nega-o e ao seu carecimento e cujo jogo ele aprendeu a jogar. Fecha-se, assim, a dialética entre as condições objetivas e as subjetivas e as cidades se modificam para aceitar aqueles que deviam estar fora. Essa é gênese dos vários tipos de habitats irregulares, como favelas, invasões, loteamentos clandestinos, que se recusam a ser erradicados e que passam a ser, aos poucos, urbanizados e aceitos.

Após haver mostrado como fui respondendo a meus questionamentos de pesquisa de maneira interdisciplinar, levantarei, no tópico seguinte, perspectivas de trabalhos interdisciplinares, e quais as possibilidades de formar um conjunto explicativo dos processos psíquicos e espaciais urbanos, no qual se articulam teoricamente a Geografia e a Psicologia Ambiental.

Conclusão: uma agenda de trabalho multidisciplinar.

Quando as várias disciplinas se emanciparam da filosofia, mais precisamente no século XIX, procuraram marcar seu campo científico com discursos diferenciados e estanques sobre a realidade. A importância do objeto de conhecimento e do método de pesquisa foi discutido acirradamente e paradigmas, muitas vezes dogmáticos ou quase isso, nortearam o pensamento acadêmico e não acadêmico, com a idéia de estabelecer fronteiras de competências e de saberes.

As discussões, entretanto, continuam até hoje, sem que se tenham estabelecidos consensos definitivos ou limites precisos. Se unanimidades são obtidas durante certo tempo ou em alguns momentos, logo novas discussões se iniciam, pois a pesquisa vai mostrando novos problemas, porque, como já foi mencionado, o mundo não se mantém o mesmo e a prática acadêmica e científica deve dar respostas para a sociedade. Assim, objetos e paradigmas científicos não são pontos pacíficos, mas são reconstruídos teórica e metodologicamente com surpreendente regularidade.

Dessa maneira, possível agenda interdisciplinar talvez se encontre em dois pressupostos. O primeiro é de que as fronteiras entre as ciência são tênues, pois são construções sociais e não fenômenos naturais; o segundo é que para ultrapassar as fronteiras deve-se romper com a compartimentação entre os saberes e articular pensamento e práticas sobre a realidade do mundo em que vivemos e das pessoas que os habitam, pois são eles, com sua complexidade e dinamismo, os verdadeiros objetos científicos. Reconhecendo as especificidades de cada área, pode-se estabelecer um núcleo comum de produção de conhecimento, no qual a preocupação maior serão os problemas socialmente relevantes a serem levantados e as respostas dadas coletivamente.

Recebido em 21.jan.03

Revisado em 28.abr.03

Aceito em 19.mai.03

Marília Luiza Peluso, doutora em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora adjunta no Departamento de Geografia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília. Endereço para correspondência: SQN 206, Bloco F, Apto. 502; CEP 70844-060; Brasília, DF. Telefax: (61) 274-7607. E-mail: marilialp@cabonet.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Aceito
    19 Maio 2003
  • Revisado
    28 Abr 2003
  • Recebido
    21 Jan 2003
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