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A psicologia como campo de conhecimento e como profissão de ajuda

ERRATA

A psicologia como campo de conhecimento e como profissão de ajuda

Emmanuel Zagury Tourinho; Marcus Bentes de Carvalho Neto; Simone Neno

Universidade Federal do Pará

[Estudos de Psicologia, 9(1), 17-24]

No artigo acima a página 18 foi publicada com incorreções.

A forma correta é agora reproduzida no verso.

ce das definições de Psicologia ensaiadas em contextos intelectuais particulares, daí não ser rigorosamente possível falar do objeto da Psicologia, mas apenas dos objetos da Psicologia. Ainda assim, na literatura mais histórica, a subjetividade, ou a "experiência subjetiva privatizada" tem sido referida (e.g., Figueiredo, 1991) como o objeto original da Psicologia e expressão das demandas que justificam a existência da disciplina. Sob esse conceito de experiência subjetiva, geralmente consideramos sentimentos, pensamentos, crenças, fantasias, etc. Mas aquela mesma análise histórica nos diz que a problemática reservada à Psicologia não é um conjunto de fenômenos humanos naturais. Mais especificamente, a experiência subjetiva do homem moderno deveria ser abordada como um tipo de experiência instituída sob condições histórico-culturais particulares, no âmbito de relações interpessoais que promovem, de modos originais, a vigilância do próprio corpo, o autocontrole, e a reduzida capacidade de percepção dos laços de interdependência entre os indivíduos, ou da dimensão relacional de seus modos de experimentar ou lidar com o mundo (cf. Tourinho, 2002). Portanto, quando falamos de pensamentos e sentimentos tal como são experimentados na cultura ocidental moderna (esta, na qual a Psicologia floresceu) não estamos falando de uma experiência natural ou universal. Para a configuração dessa experiência foi essencial o advento de práticas e discursos individualistas no que diz respeito às realizações afetivas, cognitivas, econômicas e espirituais. Sob essas condições é que se instituiu uma auto-imagem interiorizada e de autonomia do homem moderno (Tourinho, 1993). A Psicologia científica tem levantado sérias objeções a essa auto-imagem, em um movimento às vezes considerado de negação da própria disciplina. Mas compreender a inadequação dessa auto-imagem requer uma apreciação mais ampla de sua base histórico-social. Em uma de suas apreciações da concepção moderna do homem, Elias (1987/1994) sugere uma chave para tal discussão afirmando que

a modificação nos estilos de vida social impôs uma crescente restrição aos sentimentos, uma necessidade maior de observar e pensar antes de agir, tanto com respeito aos objetos físicos quanto em relação aos seres humanos. Isso deu mais valor e ênfase à consciência de si mesmo como um indivíduo desligado de todas as outras pessoas e coisas. O desprendimento no ato de observar os outros e se observar consolidou-se numa atitude permanente e, assim cristalizado, gerou no observador uma idéia de si como um ser desprendido, desligado, que existia independentemente de todos os demais. Esse ato de desprendimento ao observar e pensar condensou-se na idéia de um desprendimento universal do indivíduo; e a função da experiência, do pensar e observar, passível de ser percebida de um nível superior de autoconsciência como uma função da totalidade do ser humano, apresentou-se pela primeira vez, sob a forma reificada, como um componente do ser humano semelhante ao coração, ao estômago ou ao cérebro, uma espécie de substância insubstancial no ser humano, enquanto o ato de pensar se condensou na idéia de uma "inteligência", uma "razão" ou, no linguajar antiquado, um "espírito" (p. 91).

A conformação histórica da auto-imagem do homem moderno ilustra um conjunto de problemas que se colocarão à Psicologia para circunscrever com precisão seu objeto, ou os limites de um saber que dê conta da problemática que está na sua origem como disciplina independente.

A definição do campo da Psicologia: notas históricas

A discussão sobre o processo de constituição do campo de conhecimento psicológico visa prover uma melhor compreensão dos desenvolvimentos contemporâneos da Psicologia e uma apreciação mais crítica da (im)possibilidade de superação de alguns de seus problemas históricos. Na direção desse tipo de compreensão, pode ser também produtivo refletir sobre a configuração (histórica e contemporânea) do campo psicológico considerando os saberes que o compõem e o definem. Para introduzir essa discussão, iniciamos com algumas observações históricas sobre a definição dos limites da ciência psicológica.

Em seu Curso de Filosofia Positiva, publicado em seis volumes, de 1830 a 1842, o filósofo Auguste Comte (1830-1842/1978) questionava a possibilidade ou pertinência de uma ciência psicológica, a partir de dois problemas. Em primeiro lugar, argumentava que faltava à disciplina uma viabilidade metodológica, posto que a introspecção como método era logicamente inconsistente; em segundo lugar, indagava sobre o espaço para um saber sobre o homem que fosse diferente da abordagem dos fatos biológicos e sociais. Sua referência básica era a investigação do funcionamento da mente humana, especialmente dos processos de representação da realidade, ou as funções intelectuais, que constituíam um problema de interesse central para a reflexão de ordem epistemológica, no interior da qual a problematização do mundo subjetivo assumiu sua primeira conformação conceitual. Com respeito à introspecção, diz ele que "é perceptível que, por uma necessidade invencível, o espírito humano pode observar diretamente todos os fenômenos, exceto os seus próprios. Pois quem faria a observação?" (Comte, 1830-1842/1978, p. 13). A possibilidade de uma auto-observação é rejeitada de pronto: se o sujeito observa a si mesmo, como garantir que o que está sendo observado é um acontecimento particular qualquer e não o próprio ato de observar a si mesmo? O argumento é exposto do seguinte modo:

Constitui o melhor meio de conhecer as paixões sempre observá-las de fora. Porquanto todo estado de paixão muito pronunciado, a saber, precisamente aquele que será mais essencial examinar, necessariamente é incompatível com o estado de observação. No entanto, quanto a observar da mesma maneira os fenômenos intelectuais durante o seu exercício, há uma impossibilidade manifesta. O indivíduo pensante não poderia dividir-se em dois, um raciocinando enquanto o outro o visse raciocinar. O órgão observado e o órgão observador sendo, neste caso, idênticos, como poderia ter lugar a observação? (Comte, 1830-1842/1978, p. 14).

Comte (1830-1842/1978) conclui "Esse pretenso método psicológico é, pois, radicalmente nulo em seu princípio"

Nota: a versão corrigida do artigo abaixo encontra-se disponível, em texto integral, na biblioteca eletrônica SciELO (www.scielo.br).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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