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Comportamentos problemáticos em estudantes do ensino fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem

Behavior problems in elementary school children and their relation to social skills and academic performance

Resumos

Investigou-se as características sócio-demográficas da ocorrência de comportamentos problemáticos e suas relações com as habilidades sociais e dificuldades acadêmicas, em uma amostra de 257 estudantes de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental de uma cidade de médio porte de Minas Gerais, utilizando-se a escala Social Skills Rating System (SSRS). Participaram ainda da pesquisa 185 pais e 12 professores destes estudantes. Os resultados mostraram que 6,65% dos estudantes apresentavam muitos comportamentos problemáticos e 9,37% apresentavam poucos, na classificação dos professores. A ocorrência de comportamentos problemáticos foi mais elevada em crianças do sexo masculino, de nível sócio-econômico mais baixo e com desempenho acadêmico mais deficitário. A freqüência de comportamentos problemáticos foi menor em crianças que apresentaram um nível mais adequado e elaborado de habilidades sociais. Os resultados levantados na presente pesquisa confirmam dados da literatura da área e indicam a necessidade de se desenvolver intervenções junto a esta população-alvo.

comportamentos problemáticos; habilidades sociais; dificuldades de aprendizagem; crianças


This research investigated the socio-demographic characteristics of the frequency of behavior problems and its relation to social skills and academic competence, in a sample of 257 elementary school students from the 1st to 4th grades, in a medium size city of Minas Gerais, Brazil, using the Social Skills Rating System Scale (SSRS). Participated in the research 185 parents and 12 teachers of these students. Results showed that 6,65% of the students had a high frequency of behavior problems and 9,37% had a moderate frequency, according to teachers classification. The frequency of behavior problems was higher in boys than in girls, in children with poorer level of academic competence and from lower social economic level. Behavior problems were less frequent in children having more adequate level of social skills. These results confirm data from the research literature and point to the need for developing interventions in elementary school to prevent future anti-social behaviors.

behavior problems; social skills; academic performance; children; elementary school


ARTIGOS

Comportamentos problemáticos em estudantes do ensino fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem

Behavior problems in elementary school children and their relation to social skills and academic performance

Marina BandeiraI; Sandra Silva RochaI; Thiago Magalhães Pereira de SouzaI; Zilda Aparecida Pereira Del PretteII; Almir Del PretteII

IUniversidade Federal de São João del-Rei

IIUniversidade Federal de São Carlos

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental – LAPSAM; Departamento de Psicologia – UFSJ Praça Dom Helvécio, 74; Bairro Fábricas São João Del Rei, MG; CEP: 36.301-160 Tel.: (32) 3379-2469 E-mail: bandeira@ufsj.edu.br

RESUMO

Investigou-se as características sócio-demográficas da ocorrência de comportamentos problemáticos e suas relações com as habilidades sociais e dificuldades acadêmicas, em uma amostra de 257 estudantes de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental de uma cidade de médio porte de Minas Gerais, utilizando-se a escala Social Skills Rating System (SSRS). Participaram ainda da pesquisa 185 pais e 12 professores destes estudantes. Os resultados mostraram que 6,65% dos estudantes apresentavam muitos comportamentos problemáticos e 9,37% apresentavam poucos, na classificação dos professores. A ocorrência de comportamentos problemáticos foi mais elevada em crianças do sexo masculino, de nível sócio-econômico mais baixo e com desempenho acadêmico mais deficitário. A freqüência de comportamentos problemáticos foi menor em crianças que apresentaram um nível mais adequado e elaborado de habilidades sociais. Os resultados levantados na presente pesquisa confirmam dados da literatura da área e indicam a necessidade de se desenvolver intervenções junto a esta população-alvo.

Palavras-chave: comportamentos problemáticos; habilidades sociais; dificuldades de aprendizagem; crianças

ABSTRACT

This research investigated the socio-demographic characteristics of the frequency of behavior problems and its relation to social skills and academic competence, in a sample of 257 elementary school students from the 1st to 4th grades, in a medium size city of Minas Gerais, Brazil, using the Social Skills Rating System Scale (SSRS). Participated in the research 185 parents and 12 teachers of these students. Results showed that 6,65% of the students had a high frequency of behavior problems and 9,37% had a moderate frequency, according to teachers classification. The frequency of behavior problems was higher in boys than in girls, in children with poorer level of academic competence and from lower social economic level. Behavior problems were less frequent in children having more adequate level of social skills. These results confirm data from the research literature and point to the need for developing interventions in elementary school to prevent future anti-social behaviors.

Keywords: behavior problems, social skills, academic performance, children, elementary school

Durante os primeiros anos de vida, a criança vivencia uma seqüência de experiências no seu ambiente que podem favorecer comportamentos pró ou anti-sociais. Conforme o modelo desenvolvimental de Patterson, DeBaryshe e Ramsey (1989), as dificuldades interpessoais da primeira infância podem repercutir na infância média acentuando as chances de ocorrência de problemas de conduta, o que, por sua vez, pode levar à rejeição pelo grupo de pares e até mesmo pelos pais e professores, assim como ao fracasso escolar e à depressão. Essas crianças, ao alcançarem a adolescência, têm maior probabilidade de se envolverem com grupos desviantes e, conseqüentemente, ingressar na delinqüência, possivelmente com uso de drogas, gerando uma carreira caótica, problemas de relacionamento ou institucionalização.

Conforme a literatura de psicopatologia do desenvolvimento (Achenbach & Edelbrock,1978; Hinshaw, 1992; Kazdin & Weisz, 2003), é possível identificar dois grandes grupos de problemas de comportamento: os externalizantes, que se expressam predominantemente em relação a outras pessoas e os internalizantes, que se expressam predominantemente em relação ao próprio indivíduo. Del Prette e Del Prette (2005) associam esses dois grupos a transtornos psicológicos específicos: (a) os problemas externalizantes, mais freqüentes, são os que envolvem agressividade física e/ou verbal, comportamentos opositores ou desafiantes, condutas anti-sociais como mentir e roubar e comportamentos de risco como uso de substâncias psicoativas; (b) os problemas internalizantes são mais prontamente identificáveis em transtornos como depressão, isolamento social, ansiedade e fobia social.

A ocorrência de comportamentos problemáticos tem sido relacionada a estilos parentais adotados na educação das crianças. Por exemplo, no estudo de Maggi e Piccinini (1998), em que foi feita a observação do comportamento de díades criança-mãe e criança-outra mulher, em situação estruturada de laboratório, verificou-se que as mães de crianças que apresentavam comportamentos problemáticos eram mais diretivas, iniciavam menos contatos e eram menos responsivas do que as mães de crianças que não apresentavam estes comportamentos. Os comportamentos das crianças do grupo clínico também eram menos responsivos às suas mães, comparativamente aos do grupo não-clínico. Este tipo de interação foi característica das díades crianças-mães do grupo clínico e não ocorreu em díades de crianças com uma mulher desconhecida. No estudo de Oliveira, Marin, Pires, Frizzo, Ravanello e Rossato (2002), sobre estilos parentais e atitudes conjugais conflituosas, também foi constatado por meio de escalas de medida, que o estilo autoritário materno era transmitido de forma intergeracional e estava relacionado com a ocorrência de comportamentos problemáticos, tanto externalizantes quanto internalizantes das crianças.

A pesquisa realizada por Ferreira e Marturano (2002) permitiu constatar igualmente que as crianças que apresentavam comportamentos problemáticos possuíam maiores índices de dificuldades nas relações parentais. Estudando as características do ambiente familiar de crianças referidas para atendimento por queixas escolares, por meio de escalas de medida, Ferreira e Marturano (2002) compararam dois grupos de crianças, com e sem problemas de comportamento, classificados com base na escala ECI. No que se refere ao estilo parental, constatou-se que os pais de crianças que apresentavam comportamentos problemáticos adotavam estilos parentais reativos, que se caracterizavam pela manifestação de interações negativas, incluindo uma baixa preocupação com as necessidades e a segurança dos filhos, uso de ameaças, agressão física, etc. Os pais de crianças que não apresentavam comportamentos problemáticos adotavam estilos parentais proativos, que se caracterizam por uma maior preocupação com as necessidades e a segurança dos filhos, incluindo uma maior organização e planejamento do cotidiano, preocupações com o estudo e o lazer e maior disponibilidade para ajudar suas crianças. Entretanto, a natureza correlacional dessas pesquisas impede uma análise da direção de causalidade nas observações.

Em crianças referidas para atendimento por motivo de queixas escolares, tem sido observada uma alta prevalência de comportamentos problemáticos, cerca de 40% apresentando comportamentos problemáticos externalizantes, mas também uma elevada porcentagem de sintomas emocionais internalizantes, segundo relatos de pesquisas discutidos por Marturano e Loureiro (2003). A agressividade em crianças foi a segunda queixa mais freqüente na clínica-escola da USP, segundo uma pesquisa realizada por Baraldi e Silvares (2003). Graminha (1994), estudando comportamentos específicos em uma amostra representativa, composta por 1731 alunos, selecionada aleatoriamente da população de crianças da pré-escola à 6ª série de Ribeirão Preto, observou, por exemplo, uma porcentagem de 68% de comportamentos de ser desobediente e de 62% de ser mal humorado e nervoso, entre 40 a 50% de ser irritável, dentre outros.

Tem sido observada, na literatura da área, uma co-ocorrência entre comportamentos problemáticos e dificuldades de aprendizagem (Del Prette & Del Prette, 2003; Ferreira & Marturano, 2002; Marinho, 2003; Marturano & Loureiro, 2003; Medeiros & Loureiro, 2004; Medeiros, Loureiro, Linhares, & Marturano, 2000; Parreira & Marturano, 1996). Essa relação atinge, em estimativas internacionais, cerca de 12% das crianças em idade escolar, segundo Marturano e Loureiro (2003). Porém, existe uma controvérsia quanto à origem e direção causal da relação entre essas duas variáveis. Uma vertente postula que a ocorrência de comportamentos problemáticos pode levar a criança a apresentar problemas de aprendizagem, devido a dificuldades na memória, na atenção e no humor. Uma segunda vertente postula que as crianças apresentam, inicialmente, dificuldades de aprendizagem que contribuem para a ocorrência posterior de problemas de comportamento. Segundo esta última vertente, a criança que apresenta dificuldades de aprendizagem atribuirá a causa de seu fracasso a si mesma ou a outras pessoas (pais, professores, etc.). No primeiro caso, ela tenderá a apresentar comportamentos problemáticos internalizantes e, no segundo caso, comportamentos problemáticos externalizantes (Marturano & Loureiro, 2003).

Pesquisas nacionais, realizadas com o objetivo de investigar a relação entre a ocorrência de comportamentos problemáticos e o desempenho acadêmico dos estudantes, verificaram que crianças com dificuldades de aprendizagem apresentavam mais comportamentos problemáticos e maior grau de inadaptação social, comparativamente a crianças sem dificuldades de aprendizagem (D'Avila-Bacarji, Marturano, & Elias, 2005; Del Prette & Del Prette, 2003; Medeiros et al., 2000; Parreira & Marturano, 1996). Parreira e Marturano (1996) encontraram, em relatos de 35 mães que procuraram ajuda em serviços públicos para suas crianças com baixo rendimento escolar, a ocorrência concomitante de problemas de comportamento, em geral, externalizantes. Medeiros et al. (2000), comparando um grupo de crianças com dificuldade de aprendizagem e um grupo com bom desempenho acadêmico, constataram haver maior ocorrência de problemas de comportamento no primeiro grupo, a partir de escores de uma escala de medida aplicada aos pais das crianças. Marturano, Parreira e Benzoni (1997) também encontraram maior ocorrência de diversos comportamentos problemáticos, medidos pela escala ECI, em dois grupos de crianças com desempenho escolar pobre (com ou sem déficit cognitivo), referidas pelas mães para atendimento psicológico em clínica-escola, do que em um grupo de crianças com bom desempenho escolar, indicadas pelas suas professoras.

Resultados semelhantes foram observados por D'Avila-Bacarji, Marturano e Elias (2005), em um estudo com 60 crianças, com idades entre sete e onze anos, comparando-se crianças com bom desempenho escolar com dois outros grupos de crianças com pobre desempenho escolar, um deles referido para atendimento por queixas escolares e o outro, não. Verificou-se que as crianças com baixo desempenho acadêmico, referidas para atendimento por queixas escolares, apresentaram mais comportamentos problemáticos externalizantes e internalizantes (medidos pela escala CBCL) do que as crianças com bom desempenho acadêmico e também apresentaram mais problemas de comportamentos (problemas de atenção) do que as crianças com baixo desempenho acadêmico, mas que não haviam sido referidas. Graminha, Martins e Miura (1996), analisando relatos espontâneos de mães de 128 crianças referidas para atendimento clínico devido a comportamentos problemáticos, identificaram a presença de diversos fatores de risco relativos à criança, à família e ao ambiente mais amplo. O segundo fator mais relatado pelas mães se referiu à ocorrência de dificuldades de aprendizagem da criança na escola.

De modo geral, na base dos comportamentos problemáticos tanto internalizantes como externalizantes, podem ser identificados déficits no repertório de habilidades sociais e baixa competência social. Conforme Del Prette e Del Prette (2005), as habilidades sociais referem-se às "diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, que contribuem para a competência social" (p. 31); e a competência social à "capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações em função de objetivos pessoais e de demandas da situação e da cultura, gerando conseqüências positivas para o indivíduo e para a sua relação com as demais pessoas" (p. 33). As conseqüências positivas que caracterizam a competência social incluem a consecução imediata de objetivos da interação e a manutenção ou melhora da qualidade dos relacionamentos e da auto-estima (Del Prette & Del Prette, 1999; 2001). No caso específico de crianças, além desses critérios, a funcionalidade da competência social pode ser aferida também por outros indicadores, tais como: o status social da criança entre os pares, o julgamento positivo por outros significantes e outros comportamentos adaptativos, tais como rendimento acadêmico, estratégias de enfrentamento de estresse ou frustração, autocuidado, independência e cooperação (Del Prette & Del Prette, 2005; Gresham & Elliott, 1990).

As habilidades sociais têm sido consideradas, na literatura da área, como um fator que contribui para a prevenção de comportamentos problemáticos (Del Prette & Del Prette, 2005), incluindo as habilidades de solução de problemas interpessoais (Elias & Marturano, 2004). A ocorrência de comportamentos problemáticos em crianças tende a variar em função do repertório de suas habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2003) e também em função de indicadores sócio-demográficos, tais como gênero e nível socioeconômico (Alencar & Araújo, 1983; Ferreira & Marturano, 2002; Graminha, 1994; Souza & Rodrigues, 2002).

A aquisição de habilidades que promovem uma melhor interação e comunicação interpessoal, incluindo a capacidade de resolver conflitos interpessoais ou problemas interpessoais, pode prevenir ou diminuir a ocorrência de comportamentos problemáticos ou anti-sociais (Baraldi & Silvares, 2003; Elias & Marturano, 2004). Ao contrário, déficits em habilidades de comunicação, na interação interpessoal com colegas e adultos, têm sido observados em crianças com comportamentos problemáticos, em particular as condutas coercitivas, o que pode conduzir a uma rejeição pelo grupo de pares, resultando em um risco de desenvolvimento futuro de relacionamentos interpessoais pobres (Marinho, 2003).

Algumas pesquisas verificaram que a aquisição de habilidades sociais implica na diminuição da ocorrência de comportamentos problemáticos em crianças. Por exemplo, Baraldi e Silvares (2003) avaliaram o efeito do treinamento de habilidades sociais e de resolução de problemas em crianças e observaram uma diminuição da ocorrência de comportamentos problemáticos, comparativamente a um grupo controle, e uma melhora da qualidade das suas relações familiares. Elias e Marturano (2004) encontraram resultados semelhantes, aplicando um programa de desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais em crianças.

As habilidades sociais podem ser potencializadas por determinados contextos sociais nos quais as crianças se desenvolvem. Tem sido observado que alguns contextos sociais e arranjos ambientais (e.g., infra-estrutura dos locais de moradia, estruturação das atividades escolares e de recreação, estimulação dos adultos e professores, organizações espaço-temporais, etc.) aumentam a freqüência das interações sociais (Campos de Carvalho, 1998) e influenciam o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e a aquisição de habilidades de comunicação e interação interpessoal (Carvalho, 1997). Uma seqüência desenvolvimental de exposições, desde a primeira infância, a variáveis contextuais tais como pais anti-sociais, divórcio, moradia em bairros violentos, estresse familiar, pais que utilizam drogas, entre outros, está associada à ocorrência de comportamentos anti-sociais (Baraldi & Silvares, 2003; Ferreira & Marturano, 2002). Portanto, cada contexto social pode estimular ou não o desenvolvimento de habilidades pró-sociais, daí o seu caráter situacional.

Alguns autores alertam para a necessidade de desenvolver pesquisas para identificar os fatores associados à ocorrência de comportamentos problemáticos, esclarecer as relações entre estes comportamentos e o fracasso escolar, as relações entre habilidades sociais e comportamentos problemáticos e para identificar variáveis que possam potencializar os efeitos de intervenções, visando à prevenção e ao tratamento destes comportamentos (Del Prette & Del Prette, 2004; 2005; Elias & Marturano, 2004; Graminha, 1994; Marinho, 2003; Parreira & Marturano, 1996). Aprofundar o conhecimento sobre a aquisição das habilidades sociais e o controle de comportamentos agressivos é importante, devido às suas conseqüências negativas futuras na vida da criança (Baraldi & Silvares, 2003). Neste sentido, o estudo da incidência de déficits e recursos das habilidades sociais apresentadas pelas crianças, em cada contexto social, é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e redução de comportamentos problemáticos nesses contextos (Del Prette & Del Prette, 2004). Torna-se, portanto, importante, avaliar as relações entre estas variáveis em diversas regiões do país, em diferentes níveis sociais e em contextos escolares de diversas cidades, visando a consolidação do conhecimento, a partir da replicação dos resultados, que constitui um aspecto inerente ao conhecimento cientifico.

No contexto social da presente pesquisa, que consiste em uma região do interior de Minas Gerais, há uma demanda de atendimentos por queixas escolares nas escolas e há uma falta de estudos sistemáticos sobre esta problemática. Esta pesquisa visou preencher esta lacuna, investigando a ocorrência de comportamentos problemáticos neste contexto específico e suas relações com o repertório de habilidades sociais destas crianças, suas dificuldades acadêmicas e os indicadores sócio-demográficos.

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa 257 crianças, com faixa etária média de 8,62 anos (DP = 1,49), sendo 146 (56,81%) meninos e 111 (43,19%) meninas, matriculados em duas escolas públicas e uma escola particular do ensino fundamental de uma cidade de médio porte do interior de Minas Gerais. Em cada escola, a amostra foi composta de quatro turmas de alunos, indicadas pela diretora, sendo uma turma de cada série do ensino fundamental (da 1ª à 4ª série).

Essa pesquisa também contou com a participação, como informantes, de 185 pais, com faixa etária média de 38,09 anos (DP = 8,93), sendo 168 mães e 17 pais (90,81% e 9,19%, respectivamente) e de 12 professoras, com faixa etária média de 43,16 anos (DP = 5,06), todas do sexo feminino.

Instrumentos de medida

Foram utilizados dois instrumentos de medida: O Social Skills Rating System (SSRS), para avaliar o repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento e competência acadêmica das crianças e o questionário Critério Brasil, para medir o poder aquisitivo dos participantes.

Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (Social Skills Rating System, ou SSRS)

O SSRS é um sistema de avaliação de habilidades sociais, problemas de comportamento e competência acadêmica de crianças desenvolvido e validado nos Estados Unidos por Gresham e Elliott (1990). O SSRS é apresentado em três versões: a de auto-avaliação pela criança, a de avaliação pelos pais ou responsáveis e de avaliação pelo professor. Esse instrumento foi traduzido e validado no Brasil, para crianças de 1ª a 4ª séries, como parte de um projeto temático mais amplo, do qual participam os autores deste trabalho (Del Prette, 2003). Para a amostra deste estudo, foi reavaliada a consistência interna das escalas, uma vez que este resultado pode variar de uma amostra para outra. Para a presente amostra, foram obtidos índices adequados de consistência interna das escalas, calculada por meio do coeficiente alfa de Cronbach: para as escalas de habilidades sociais (estudantes = 0,77; pais = 0,86; professores = 0,92), as duas escalas de avaliação dos comportamentos problemáticos (pais = 0,82; professores = 0,88) e a escala de competência acadêmica (alfa = 0,98).

As três escalas do SSRS incluem a avaliação da freqüência de emissão de habilidades sociais específicas, contendo 35 itens na de auto-avaliação, 38 itens na de avaliação por pais e 30 na de avaliação por professores. Pais e professores respondem também sobre a importância de cada item das habilidades sociais para o desenvolvimento sadio na infância e sobre a freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos da criança (neste caso, 17 e 18 itens, respectivamente).

Para a avaliação da freqüência de habilidades sociais e de comportamentos problemáticos são utilizadas três alternativas de resposta: 0 (nunca), 1 (algumas vezes) e 2 (muito freqüente). Para a avaliação da importância das habilidades sociais também são utilizadas três alternativas: 0 (não importante), 1 (importante) e 2 (muito importante). Na avaliação do professor são apresentados, ainda, nove itens referentes à avaliação da competência acadêmica, solicitando-se que o professor classifique a criança em relação aos demais colegas, por meio de cinco alternativas de resposta: 1 (entre os 10% piores); 2 (entre os 20% piores); 3 (entre os 40% médios); 4 (entre os 20% bons); e 5 (entre os 10% melhores).

Além das questões das escalas propriamente ditas, descritas acima, o SSRS inclui ainda duas outras avaliações, que são feitas antes dos respondentes preencherem as questões das escalas. Referem-se a uma classificação geral dos pais e professores sobre a presença ou não de comportamentos problemáticos e de dificuldades de aprendizagem, em cada criança avaliada, segundo uma escala de 1 a 3, correspondendo a Não tem, Pouco e Muito.

Questionário Critério Brasil

O questionário Critério Brasil avalia o nível socioeconômico das famílias das crianças, com base em itens referentes ao poder aquisitivo, posse de bens de consumo duráveis e do grau de instrução do chefe da família. Os critérios para classificação social no Brasil foram estabelecidos pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), pela Associação Nacional das Empresas de Pesquisa de Mercado (ANEP) e pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME), baseados nos levantamentos socioeconômicos de 1993 e 1997.

Procedimento

Inicialmente, foi estabelecido o contato com as escolas, para obter a participação destas instituições na presente pesquisa. Foram, então, enviadas cartas aos pais dos estudantes (ou aos responsáveis por eles) para esclarecer os objetivos e os procedimentos da pesquisa e solicitar a autorização para a participação das crianças.

Depois de obtidas as autorizações, foi realizada a aplicação dos três questionários com os pais, os professores e os estudantes das três escolas, de forma padronizada, nas salas de aulas disponibilizadas pelas escolas. Foi adotado um procedimento de aplicação coletiva para os pais e professores. No caso das crianças, seguiu-se um formato coletivo ou individual, segundo o nível de escolaridade, descrito abaixo. Inicialmente, foi estabelecido um rapport com os participantes e esclarecidas as possíveis dúvidas a respeito da pesquisa. Em seguida, os aplicadores passavam ao procedimento de leitura das instruções. No caso das crianças das 3ª e 4ª séries, que sabiam ler, as aplicações foram realizadas coletivamente. Assim, os aplicadores liam as instruções em voz alta, em seguida as crianças verbalizavam o que haviam entendido e, em caso de dificuldade de compreensão, era concedida assistência individual. Os aplicadores liam, em seguida, cada uma das questões do questionário para que as crianças as respondessem independentemente. No caso das crianças das 1ª e 2ª séries, que não sabiam ler, as aplicações foram realizadas individualmente. Os aplicadores liam as instruções em voz alta e, em seguida, as crianças verbalizavam o que haviam entendido. Para responder aos itens, os aplicadores liam cada uma das questões do questionário e apresentavam as opções de resposta para que as crianças indicassem aquela que melhor as descreviam. Em seguida, os aplicadores marcavam as indicações das crianças no questionário.

No caso dos pais e professores, solicitou-se que eles fizessem a leitura das instruções em voz alta, juntamente com o aplicador e, em seguida, verbalizassem o que haviam entendido, antes de responder o questionário. Caso fosse detectada alguma dificuldade, era dada uma assistência individual, na qual o aplicador lia cada item e indicava onde e como o respondente deveria anotar sua resposta. Somente aqueles que leram fluentemente foram dispensados desta assistência.

Ao final da aplicação dos questionários, foi verificado se todos os itens estavam respondidos de acordo com as instruções, para evitar itens em branco ou respostas repetidas. Aqueles pais que não compareceram à reunião, mas se dispuseram a participar da pesquisa, foram novamente contatados e uma visita domiciliar foi marcada para aplicar o questionário. As aplicações de todos os questionários foram supervisionadas e orientadas por três aplicadores previamente treinados. O intervalo de tempo entre as aplicações dos questionários dos pais, professores e estudantes não excedeu 30 dias.

Análise de dados

Inicialmente foram obtidos os escores globais, de acordo com as instruções do Manual (Gresham & Elliott, 1990), para cada uma das escalas (habilidades sociais, comportamentos problemáticos, importância e competência acadêmica), conforme a avaliação de cada um dos respondentes. Esses escores individuais foram computados em termos de indicadores descritivos de cada grupo (porcentagens, médias e desvio padrão) e de subgrupos organizados com base nas variáveis sexo (masculino e feminino) e tipo de escola (pública ou particular).

Efetuou-se, então, a análise comparativa dos subgrupos de sujeitos, utilizando-se o teste t de Student para amostras independentes, com o objetivo de verificar possíveis efeitos dessas variáveis sobre a ocorrência de comportamentos problemáticos. Além disso, foram feitas análises de correlação, fazendo uso do coeficiente de correlação linear de Pearson, para verificar se havia uma relação significativa entre a ocorrência de comportamentos problemáticos e as seguinte variáveis: nível socioeconômico, dificuldade de aprendizagem, competência acadêmica e habilidades sociais.

Para a análise da ocorrência de comportamentos problemáticos em cada um dos subgrupos utilizou-se o teste de qui-quadrado, com relação aos dados de porcentagens. Para comparação entre as quatro séries do ensino fundamental, quanto à ocorrência desses comportamentos, foi utilizada a análise de variância simples (ANOVA) com post hoc Tukey para verificar a direção das diferenças encontradas.

Resultados

A seguir, são apresentados os resultados relativos à análise descritiva dos comportamentos problemáticos, na amostra geral, em termos de porcentagem. Em seguida, serão apresentados os resultados das relações entre a ocorrência comportamentos problemáticos e as variáveis investigadas. Os dados apresentados se referem apenas aos questionários dos pais e professores, pois somente eles avaliam os comportamentos problemáticos das crianças.

Análise descritiva da ocorrência de comportamentos problemáticos

Antes da aplicação da escala SSRS, os estudantes foram classificados pelos professores em três categorias de ocorrência de comportamentos problemáticos: Não tem, Pouco e Muito. De acordo com essa classificação geral, 83,98% dos estudantes da amostra não apresentavam comportamentos problemáticos, 9,37% foram classificados como crianças que emitiam poucos comportamentos problemáticos e 6,65% dos estudantes apresentavam muitos comportamentos problemáticos.

Com relação aos dados obtidos por meio do SSRS, a Tabela 1 apresenta os resultados de freqüência e porcentagem dos comportamentos problemáticos das crianças, obtidos na avaliação de pais e professores.

Avaliação dos pais

A Tabela 1 mostra que, segundo a avaliação dos pais, o comportamento problemático que ocorreu com maior freqüência foi "Mostra-se triste ou deprimido". De acordo com os dados, 41,31% dos estudantes apresentaram este comportamento muito freqüentemente, 50,00% algumas vezes e apenas 8,69% dos alunos nunca o apresentaram. O segundo comportamento problemático mais freqüente relatado pelos pais foi "Distrai-se facilmente", que ocorreu em 30,27% dos estudantes com muita freqüência, em 50,27% algumas vezes e em apenas 19,46% dos estudantes este comportamento nunca ocorreu.

O comportamento problemático relatado com menor freqüência, pelos pais, foi "Ameaça ou intimida os outros". A maioria dos estudantes (69,20%) nunca apresentou este comportamento, 28,10% o apresentaram algumas vezes e apenas 2,70% apresentaram este comportamento com muita freqüência. De acordo com o relato dos pais, o segundo comportamento que menos ocorreu entre os estudantes foi "Tem baixa auto-estima". A maioria dos estudantes (52,97%) nunca apresentou baixa auto-estima, enquanto que 42,70% deles apresentaram algumas vezes e apenas 4,33% dos estudantes a apresentaram com muita freqüência.

Avaliação dos professores

Segundo a avaliação dos professores, o comportamento problemático que ocorreu com maior freqüência foi "Distrai-se facilmente". Este comportamento ocorreu em 12,89% dos estudantes com muita freqüência, em 56,64% algumas vezes e em 30,47% este comportamento nunca ocorreu. O segundo comportamento problemático mais freqüente foi "Parece solitário". Este comportamento ocorreu em 11,37% dos estudantes com muita freqüência, em 32,94% algumas vezes e em 56,69% deles este comportamento nunca ocorreu.

Os professores relataram que o comportamento problemático menos freqüente foi "Tem ataques de birra". A grande maioria dos estudantes (92,94%) nunca apresentou este comportamento problemático, enquanto que 5,10% o apresentaram algumas vezes e apenas 1,96% apresentaram este comportamento com muita freqüência. O segundo comportamento problemático menos relatado pelos professores foi "Ameaça ou intimida os outros", sendo que 82,81% dos estudantes nunca apresentaram este comportamento, 12,50% o apresentaram algumas vezes e apenas 4,69% o apresentaram com muita freqüência.

Comportamentos problemáticos em relação ao sexo

A Tabela 2 apresenta as médias e desvios-padrão da freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos em função do sexo, assim como os resultados da análise estatística das diferenças entre meninos e meninas. Os resultados mostram que os meninos apresentaram maior freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos do que as meninas, tanto na avaliação dos pais (t = 2,38; p = 0,01) quanto dos professores (t = 3,82; p < 0,01).

Uma segunda análise, baseada no qui-quadrado, também foi realizada para verificar se havia diferenças significativas com relação às porcentagens de meninos e meninas que apresentavam cada um dos comportamentos problemáticos, tomados separadamente. Constatou-se que, na avaliação dos pais, houve uma porcentagem significativamente maior de meninos do que de meninas apresentando os seguintes comportamentos problemáticos: "Ameaça ou intimida os outros" (c2 = 6,4; p = 0,04); "Age impulsivamente" (c2 = 10,67; p < 0,01); "Não ouve o que os outros dizem" (c2 = 6,22; p = 0,04); e "Fica com raiva facilmente" (c2 = 11,18; p < 0,01).

Na avaliação dos professores, a diferença entre os sexos foi ainda mais marcante. Na análise de cada comportamento, foi verificada uma porcentagem significativamente maior de meninos do que de meninas apresentando os seguintes comportamentos problemáticos: "Briga com os outros" (c2 = 18,74; p < 0,01); "Se desconcentra facilmente" (c2 = 8,58; p = 0,01); "Perturba as atividades em andamento" (c2 = 12,24; p < 0,01); "Fica facilmente ruborizado" (c2 = 8,06; p = 0,01); "Não ouve o que os outros dizem" (c2 = 10,67; p < 0,01); "Discute com os outros" (c2 = 12,40; p < 0,01); "Retruca quando os adultos lhe corrigem" (c2 = 8,08; p = 0,01); "Gosta de ficar sozinho" (c2 = 7,39; p = 0,02); "Age impulsivamente" (c2 = 9,20; p = 0,01); e "Se mostra irrequieto ou se mexe excessivamente" (c2 = 8,18; p = 0,01).

Comportamentos problemáticos em relação ao nível socioeconômico

O nível sócio-econômico foi avaliado tanto pelo questionário Critério Brasil, quanto pelo tipo de escola que a criança freqüentava, considerando-se que, em geral, esta variável está relacionada com o nível sócio-econômico.

A Tabela 2 apresenta as médias e desvios-padrão da freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos em função do tipo de escola, assim como os resultados da análise estatística realizada para verificar diferenças entre escolas pública e particular. Observou-se uma diferença estatisticamente significativa na freqüência destes comportamentos em função do tipo de escola. Na escola pública, essa freqüência era maior do que na escola particular, tanto na avaliação dos pais (t = 5,30; p < 0,01), quanto dos professores (t = 2,84; p < 0,01).

A avaliação do nível socioeconômico por meio do Critério Brasil mostrou resultados concordantes aos descritos acima, verificados por meio de uma análise correlacional. Constatou-se uma relação significativa negativa entre o nível socioeconômico e a ocorrência de comportamentos problemáticos nos estudantes, tanto na avaliação dos pais (r = -0,32; p < 0,01), quanto dos professores (r = -0,30; p < 0,01). Portanto, quanto maior era o nível socioeconômico da família, menor era a ocorrência de comportamentos problemáticos da criança.

Comportamentos problemáticos por série

A avaliação da ocorrência de comportamentos problemáticos, ao longo das séries do ensino fundamental, mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre elas (F = 0,27; p = 0,84), segundo a avaliação dos pais.

Porém, segundo a avaliação dos professores, houve diferença significativa entre as séries (F = 5,56; p < 0,01). O teste post hoc Tukey mostrou que a primeira série apresentou maior freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos do que a segunda (p = 0,02) e do que a quarta série (p < 0,01). Na terceira série, a freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos foi significativamente maior do que na quarta série (p = 0,04). Entre as outras séries, não foram observadas diferenças significativas na freqüência de ocorrência destes comportamentos. Uma análise correlacional entre os dados da idade das crianças e os seus escores de comportamentos problemáticos mostrou uma ausência de correlação significativa entre estas duas variáveis, tanto nos dados dos pais (r = 0,072) quanto dos professores (r = 0,027).

Comportamentos problemáticos em relação com habilidades sociais

A ocorrência de comportamentos problemáticos, avaliada pelos professores, se correlacionou negativamente com o nível de habilidades sociais dos estudantes, nas três avalia ções destas habilidades, feitas pelos pais (r = -0,28; p < 0,01), professores (r = -0,64; p < 0,01) e estudantes (r = -0,20; p < 0,01). Portanto, quanto maior era o nível de habilidades sociais dos estudantes, menor era a ocorrência de comportamentos problemáticos.

A ocorrência de comportamentos problemáticos, avaliada pelos pais, também se correlacionou negativamente com as habilidades sociais dos estudantes, avaliadas pelos pais (r = -0,47; p < 0,01) e pelos professores (r = -0,25; p < 0,01), mas não quando estas habilidades foram avaliadas pelos próprios estudantes (r = -0,13; p = 0,07). Portanto, considerando os dados de avaliação das habilidades sociais feitas pelos pais e professores, quanto maior era o nível destas habilidades, menor era a ocorrência de comportamentos problemáticos nas crianças. No caso dos dados da auto-avaliação das habilidades sociais pelos estudantes, esta relação não foi observada.

Comportamentos problemáticos em relação com a competência acadêmica

No que se refere à competência acadêmica avaliada pelos professores, obteve-se uma correlação negativa estatisticamente significativa entre esta variável e a ocorrência de comportamentos problemáticos, nas duas avaliações feitas destes comportamentos: dos pais (r = -0,30; p < 0,01) e dos professores (r = -0,58; p < 0,01). Portanto, quanto maior era o grau de competência acadêmica, menor era a ocorrência de comportamentos problemáticos nos estudantes.

Comportamentos problemáticos em relação com dificuldades de aprendizagem

Antes da aplicação da escala SSRS, os estudantes foram classificados pelos professores, em relação às suas dificuldades de aprendizagem, segundo uma escala de 1 a 3, correspondendo, respectivamente, a Não tem, Pouco e Muito.

Com relação a estes dados, verificou-se uma relação positiva e estatisticamente significativa entre as dificuldades de aprendizagem avaliadas pelos professores e a ocorrência de comportamentos problemáticos dos estudantes, nas duas avaliações que foram feitas destes comportamentos: dos pais (r = 0,27; p < 0,01) e dos professores (r = 0,45; p < 0,01). Portanto, quanto maior era o grau de dificuldades de aprendizagem apresentadas pelo estudante, mais elevada era a freqüência de ocorrência de seus comportamentos problemáticos.

Discussão

Os resultados obtidos na presente pesquisa confirmaram dados encontrados na literatura da área. A ocorrência de comportamentos problemáticos das crianças foi mais freqüentemente observada pelos pais do que pelos professores. Estes resultados estão em acordo com os dados de Maggi e Piccinini (1998), que também constataram uma diferença no comportamento das crianças diante de pessoas conhecidas e desconhecidas. Esses autores observaram, em situações estruturadas, que as crianças com problemas de comportamento apresentavam este tipo de comportamento mais freqüentemente diante de suas mães, do que diante de outras mulheres.

Com relação à ocorrência de comportamentos problemáticos ao longo das quatro séries do ensino fundamental, os resultados diferiram quanto ao relato dos pais e dos professores. Segundo o relato dos professores, os estudantes da 1ª série apresentaram mais comportamentos problemáticos do que os estudantes da 2ª e 4ª séries e os estudantes da 3ª série apresentaram mais comportamentos problemáticos do que os da 4ª série. Porém, os resultados da avaliação dos pais mostraram que não havia diferenças significativas entre as séries, com relação à ocorrência de comportamentos problemáticos. Os resultados da avaliação dos professores corroboram os dados encontrados por Alencar e Araújo (1983), que também encontraram diferenças significativas entre as séries, com relação à ocorrência de comportamentos problemáticos. Os resultados acima poderiam sugerir um efeito da idade na ocorrência de comportamentos problemáticos, porém uma análise correlacional dos dados da presente pesquisa indicou uma ausência de correlação significativa entre essas variáveis.

No que se refere ao sexo, os resultados obtidos na presente pesquisa mostraram que os meninos apresentaram maior freqüência de comportamentos problemáticos do que as meninas, tanto na avaliação dos pais, quanto das professoras, a partir da escala utilizada. Este mesmo resultado foi obtido quando os professores classificaram os alunos em três categorias de ocorrência de comportamentos problemáticos (nenhum, pouco e muito). Estes resultados corroboram os dados obtidos em outras pesquisas, nas quais os meninos também apresentaram mais comportamentos problemáticos e interagiam de maneira mais ativa, impaciente, desobediente e irrequieta do que as meninas (Alencar & Araújo, 1983; Ferreira & Marturano, 2002; Graminha, 1994; Souza & Rodrigues, 2002).

Quanto ao nível sócio-econômico, foi observado que esta variável influenciou significativamente a ocorrência de comportamentos problemáticos. Comparando-se os alunos de escolas pública e particular, verificou-se que os alunos da escola pública apresentaram mais comportamentos problemáticos do que os da escola particular, segundo a avaliação dos pais e dos professores. Também foi constatada uma correlação negativa significativa entre o nível sócio-econômico dos pais, medido pelo questionário Critério Brasil, e a freqüência de ocorrência de comportamentos problemáticos das crianças. Estes resultados estão em acordo com dados de outras pesquisas, as quais verificaram que o contexto social e o arranjo ambiental estavam associados à aquisição de habilidades de comunicação interpessoal e à ocorrência de comportamentos problemáticos (Carvalho, 1997; Ferreira & Marturano, 2002; Graminha et al., 1996).

Com relação à competência acadêmica dos estudantes, foi observado que quanto maior era essa competência, menor era a freqüência de comportamentos problemáticos. Esses resultados corroboram os dados levantados por outros estudos que observaram que crianças com dificuldades acadêmicas apresentavam ocorrência maior de problemas de comportamento (D'Avila-Bacarji et al., 2005; Marturano et al., 1997; Medeiros et al., 2000), ou que crianças referidas para atendimento clinico por comportamentos problemáticos apresentavam dificuldades de aprendizagem, como segundo fator de risco mais relatado pelas mães (Graminha et al., 1996).

A influência das habilidades sociais se mostrou igualmente importante, na presente pesquisa. Verificou-se que a ocorrência de comportamentos problemáticos nas crianças variou em função do seu repertório de habilidades sociais. Tanto na avaliação dos pais quanto dos professores, quanto maior era o nível de habilidades sociais dos estudantes, menor era a ocorrência de comportamentos problemáticos. Estes resultados corroboram os encontrados por Baraldi e Silvares (2003) e Elias e Marturano (2004), já descritos neste texto. Segundo estes autores, a aquisição de habilidades sociais e de habilidades de resolução de problemas interpessoais resulta na diminuição da ocorrência de comportamentos problemáticos em crianças.

Conclusões

Os resultados desta pesquisa confirmam dados obtidos em outras regiões do país, contribuindo assim para a generalização do conhecimento a respeito das relações entre comportamentos problemáticos, desempenho escolar e habilidades sociais de crianças de ensino fundamental. A análise foi realizada a partir de uma perspectiva integrativa, uma vez que partiu da percepção conjunta de pais, professores e alunos, avaliada por meio de um mesmo instrumento de medida.

Os resultados mostraram que 6,65% dos estudantes apresentavam muitos comportamentos problemáticos e 9,37% apresentavam estes comportamentos, porém em baixa freqüência. Constatou-se que a ocorrência de comportamentos problemáticos variou em função dos indicadores sócio-demográficos: crianças de nível sócio-econômico baixo, de escola pública e do sexo masculino apresentaram maior freqüência desses comportamentos. Esses alunos requerem, portanto, maior atenção dos educadores e pais, principalmente considerando-se que os comportamentos problemáticos podem levar, posteriormente, ao desenvolvimento de comportamentos anti-sociais e criminais.

Pode-se concluir ainda sobre a importância de fatores de proteção contra a ocorrência de comportamentos problemáticos. Os dados mostraram que as crianças com melhor desempenho escolar e nível mais elaborado de habilidades de comunicação e interação social apresentaram menor freqüência de comportamentos problemáticos. Estes resultados confirmam dados de outros autores a respeito da importância dos fatores de proteção, tanto do desenvolvimento das habilidades sociais e de resolução de problemas interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2003; Elias & Marturano, 2004; Ferreira & Marturano 2002), quanto de um bom desempenho acadêmico (Del Prette & Del Prette, 2003; Ferreira & Marturano, 2002; Graminha et al., 1996; Marturano et al., 1997; Medeiros et al., 2000).

Os resultados da presente pesquisa apontam para a necessidade de se elaborar e implantar ações preventivas, visando à diminuição de comportamentos problemáticos, no contexto escolar. Entre tais estratégias poderiam ser sugeridas as de implantação de programas de intervenção nas escolas, visando o desenvolvimento de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2003; 2005), de grupos de promoção de habilidades sociais em escolas (Baraldi & Silvares, 2003) e de programas especificamente voltados para pais, com objetivos de desenvolver suas habilidades sociais educativas (Del Prette & Del Prette, 2001), para que atuem na promoção de habilidades sociais dos filhos (Pinheiro, Haase, & Del Prette, 2002).

Recebido em 17.maio.05

Revisado em 22.jul.06

Aceito em 21.ago.06

Marina de Bittencourt Bandeira, doutora em Psicologia pela Université de Montréal (Canadá), é professora adjunta na Universidade Federal de São João del-Rei e pesquisadora do CNPq.

Sandra Silva Rocha, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professora assistente na Universidade Federal de São João del-Rei.

Thiago Magalhães Pereira de Souza, estudante de graduação de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, é bolsista de Iniciação Científica.

Zilda Aparecida Pereira Del Prette, doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, é professora adjunta na Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora do CNPq.

Almir Del Prette, doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, é professor adjunto na Universidade Federal de São Carlos e pesquisador do CNPq.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      17 Maio 2005
    • Revisado
      22 Jul 2006
    • Aceito
      21 Ago 2006
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