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Fatores associados à depressão relacionada ao trabalho de enfermagem

Aspects associated to work-related depression on nursing staff

Resumos

A depressão, problema enfrentado pelos profissionais de enfermagem, pode acarretar absenteísmo no trabalho. Este estudo teve por objetivo identificar evidências científicas sobre a ocorrência de depressão relacionada ao trabalho de enfermagem e caracterizar fatores desencadeantes e estratégias utilizadas para a prevenção da doença. Revisamos a literatura por meio de levantamento das pesquisas publicadas entre 1995-2005, em revistas indexadas nas bases nacionais e internacionais. Constatou-se que a saúde mental desses profissionais pode ser influenciada por fatores internos e externos ao trabalho. As estratégias propostas enfatizam o suporte administrativo, o relacionamento interpessoal e a divisão adequada do trabalho entre um número suficiente de profissionais. Estas estratégias devem estar apoiadas no gerenciamento da depressão, na redução do estresse laboral e na implantação de programas de atenção a Saúde do Trabalhador. Os resultados obtidos contribuem para com o avanço do conhecimento científico e como incentivo para a realização de novas pesquisas.

depressão; enfermagem; psicopatologia do trabalho; trabalho


The depression, problem faced by nursing professionals, can determine work absenteeism. This study intends to identify scientific evidence on the occurrence of work-related depression among nursing staff and to characterize the leading aspects of this illness and the strategies used to prevent it. To achieve these objectives a literature review was performed through published studies in the indexed journals of the international bases, from 1995 to 2005. The research disclosed that the mental health of the nursing workers can be influenced by internal and external work aspects. The proposed strategies emphasize the administrative support, the interpersonal relationship and the proper work division among an adequate number of professionals. These strategies should be supported by a depression management, a work-related stress reduction and the implementation of the Occupational Health programs. The results contribute to the advance of the scientific knowledge and as an incentive for the accomplishment of new researches.

depression; nursing; psychopathology work


ARTIGOS

Fatores associados à depressão relacionada ao trabalho de enfermagem

Aspects associated to work-related depression on nursing staff

Marcela Luísa Manetti; Maria Helena Palucci Marziale

Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. dos Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto, SP; CEP 14040-902 Tel.: (16) 3602-3430. Fax: (16) 3633-3271/ 3630-2561 E-mail: marcelamanetti@yahoo.com.br

RESUMO

A depressão, problema enfrentado pelos profissionais de enfermagem, pode acarretar absenteísmo no trabalho. Este estudo teve por objetivo identificar evidências científicas sobre a ocorrência de depressão relacionada ao trabalho de enfermagem e caracterizar fatores desencadeantes e estratégias utilizadas para a prevenção da doença. Revisamos a literatura por meio de levantamento das pesquisas publicadas entre 1995-2005, em revistas indexadas nas bases nacionais e internacionais. Constatou-se que a saúde mental desses profissionais pode ser influenciada por fatores internos e externos ao trabalho. As estratégias propostas enfatizam o suporte administrativo, o relacionamento interpessoal e a divisão adequada do trabalho entre um número suficiente de profissionais. Estas estratégias devem estar apoiadas no gerenciamento da depressão, na redução do estresse laboral e na implantação de programas de atenção a Saúde do Trabalhador. Os resultados obtidos contribuem para com o avanço do conhecimento científico e como incentivo para a realização de novas pesquisas.

Palavras-chave: depressão; enfermagem; psicopatologia do trabalho; trabalho

ABSTRACT

The depression, problem faced by nursing professionals, can determine work absenteeism. This study intends to identify scientific evidence on the occurrence of work-related depression among nursing staff and to characterize the leading aspects of this illness and the strategies used to prevent it. To achieve these objectives a literature review was performed through published studies in the indexed journals of the international bases, from 1995 to 2005. The research disclosed that the mental health of the nursing workers can be influenced by internal and external work aspects. The proposed strategies emphasize the administrative support, the interpersonal relationship and the proper work division among an adequate number of professionals. These strategies should be supported by a depression management, a work-related stress reduction and the implementation of the Occupational Health programs. The results contribute to the advance of the scientific knowledge and as an incentive for the accomplishment of new researches.

Keywords: depression; nursing; psychopathology work

As relações entre saúde mental e trabalho despontaram a partir da década de 1970 como marco fundamental da nova abordagem da Saúde do Trabalhador (Camarotti & Teixeira, 1996). A importância atribuída, pelos pesquisadores, à Saúde Ocupacional Mental (SOM) tem aumentado nos últimos anos e vários periódicos têm publicado artigos científicos sobre o tema, abordado em eventos científicos e em programas de assistência a trabalhadores nas corporações, hospitais, escolas e universidades (Baba, Galperin, & Lituchy, 1999).

Os transtornos psicológicos na população geral e na força de trabalho são preocupantes, devido ao aumento de sua prevalência e aos altos custos sociais (Bourbonnais, Comeau, Vézina, & Dion, 1998). Os profissionais mais suscetíveis aos problemas da saúde mental são aqueles que interagem, a maior parte do tempo, com indivíduos que necessitam de sua ajuda, como as enfermeiras, os professores, as assistentes sociais, entre outras profissões (Baba et al, 1999).

Pesquisas sugerem que fatores estressores e específicos do trabalho, como o clima de trabalho negativo, papéis ambíguos e a falta de clareza das tarefas executadas e de expectativas, têm efeitos adversos na saúde dos profissionais da saúde (Schaefer & Moos, 1996). As pressões no trabalho, como o conflito de interesses e a sobrecarga, contribuem para o desequilíbrio, e o estresse não resolvido leva à deterioração da saúde mental, manifestada por depressão e pela síndrome de burnout (Baba et al, 1999).

Segundo Baba et al (1999), a depressão é definida pelo prolongamento de sentimentos negativos e a incapacidade de concentração ou do funcionamento normal. Na literatura, verificamos a existência de inúmeros estudos relacionados à depressão, mas, em contrapartida, a prevalência de depressão entre os profissionais de enfermagem tem sido pouco pesquisada (Franco, Barros, & Nogueira-Martins, 2005).

Existem algumas pesquisas que abordam aspectos como a ansiedade, o estresse e a síndrome de burnout do enfermeiro, nas diversas áreas de atuação. A literatura claramente subestima a importância da depressão no entendimento da Saúde Ocupacional Mental (Baba et al, 1999), isso demonstra a necessidade da realização de novos estudos direcionados à população profissionais de enfermagem (Franco et al, 2005), sobretudo diante da constatação empírica do aumento de número de trabalhadores de enfermagem com depressão.

Um estudo realizado no Caribe entre trabalhadores de enfermagem, utilizando as variáveis depressão, estresse e burnout, encontrou forte correlação entre a saúde mental e o trabalho de enfermagem (Baba et al, 1999).

Uma investigação apontou o trabalho noturno como fator de risco para o desenvolvimento da depressão maior. As enfermeiras intensivistas com depressão não apresentavam um desempenho adequado no trabalho, afetando a assistência ao cliente e o ambiente de trabalho (Ruggiero, 2003).

Em estudo realizado em 23 unidades de saúde do Estado de Minas Gerais – Brasil (Murofuse & Marziale, 2005), objetivando identificar os transtornos mentais e comportamentais apresentados por trabalhadores de enfermagem, foi constatado que durante o ano de 2002, um total de 692 trabalhadores de enfermagem teve diagnósticos relacionados a transtornos mentais e comportamentais, com diagnósticos classificados, segundo o Código Internacional de Doenças (CID), como transtornos de humor (afetivos) (54,3%), transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somáticos (28,7%) e os transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas (5,5%). Foi constatado que 40,8% dos diagnósticos foram vinculados a patologias legalmente consideradas como doenças do trabalho, entre as quais se destacaram os episódios depressivos. Os transtornos mentais e comportamentais em trabalhadores de enfermagem se constituíram a segunda causa da demanda de atenção prestada pelo Serviço de Medicina do Trabalho.

Diante do aumento do número de trabalhadores com transtornos mentais, tem-se observado a ampliação da atuação dos serviços de psicologia e psiquiatria em ambientes hospitalares, que, além de prestarem assistência aos clientes internados e em atendimento ambulatorial, assistem aos empregados dessas instituições. Conseqüentemente, observa-se um incremento do número de publicações sobre este tema realizado por psicólogos e psiquiatras (Camarotti & Teixeira, 1996; Elias & Navarro, 2006; Greenglass & Burke, 2000; Schaefer & Moos, 1996; Tselebis, Moulou, & Ilias, 2001), originados de experiências em práticas de trabalho. Os trabalhadores de enfermagem são freqüentemente população alvo destas pesquisas, como observado, por exemplo, no estudo de Elias e Navarro (2006).

Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo identificar na literatura nacional e internacional, evidências científicas sobre os fatores associados à ocorrência de depressão entre trabalhadores de enfermagem e caracterizar os fatores desencadeantes e as estratégias utilizadas para a prevenção do adoecimento pelo trabalho.

Material e método

Procedeu-se a uma revisão sistematizada da literatura por meio de um levantamento retrospectivo das pesquisas publicadas no período de 1995-2005 nas revistas indexadas nas bases de dados Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (Medline), e International Science Index Web of Knowledge (ISI), com uso de terminologias incluídas nos Descritores de Saúde (DECS), do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), e do Medical Subject Headings (MESH), da National Library of Medicine (Medline). Foram selecionados como descritores os termos: depressão, enfermagem, saúde mental, saúde ocupacional, trabalho e transtornos depressivos, depressive disorder, nursing, nursing staff, mental health, occupational health, work, e workplace.

Para a seleção do material científico encontrado foram utilizados critérios de inclusão e exclusão apresentados a seguir:

Critérios de inclusão: artigos científicos nacionais e internacionais, publicados em português, inglês e espanhol, durante o período de janeiro de 1995 a dezembro de 2005, referentes à depressão relacionada ao trabalho de enfermagem e disponíveis no Brasil, na íntegra ou por via eletrônica (Internet).

Critérios de exclusão: dissertações e teses, artigos científicos em idiomas diferentes aos dos inclusos, publicação anterior a 1995 e posterior a dezembro de 2005, com estudo da população ou amostra não correspondente aos profissionais de enfermagem e/ou fora do assunto de pesquisa e/ou não disponíveis no Brasil, na íntegra ou por via eletrônica (Internet).

Foram realizadas a análise de conteúdo dos estudos encontrados e a análise estatística dos dados, por meio de medidas de distribuição (freqüências). Os artigos foram categorizados com vistas à identificação do ano de publicação, a procedência do estudo, a população estudada, o objeto da pesquisa, a metodologia utilizada, os instrumentos utilizados (questionário produzido pelo autor ou instrumento psicométrico padronizado), os fatores desencadeantes da depressão (internos ou externos ao trabalho), as conseqüências para o trabalhador e a instituição, e a utilização ou propostas de estratégias de prevenção.

Resultados

No período estudado foram encontrados dez artigos, sendo seis produções internacionais e quatro produções nacionais. Entre as seis publicações internacionais, três foram produzidas no Canadá, os demais estudos tiveram origem no Caribe (embora seu autor fosse canadense), na Grécia e nos Estados Unidos. A distribuição dos anos de publicação foi esparsa, quando observada na linha do tempo. Ainda entre os seis artigos internacionais, três estudaram os trabalhadores de enfermagem e três os enfermeiros.

Dos quatro estudos nacionais, dois abordaram os trabalhadores de enfermagem, enquanto graduandos e residentes de enfermagem foram o objeto de consideração dos outros dois.

A depressão nos trabalhadores de enfermagem foi estudada isoladamente em três estudos, dois nacionais e um internacional. O assunto foi correlacionado nas demais produções com: os aspectos psicossociais do trabalho, as estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelo trabalhador, o burnout, e a fadiga crônica.

Ao analisar as metodologias utilizadas nas pesquisas, observamos que todos os estudos utilizaram exclusivamente a abordagem quantitativa dos dados; nove tinham corte transversal e um longitudinal. Uma pesquisa nacional utilizou questionário produzido pelo autor para a avaliação do construto depressão (Camarotti & Teixeira, 1996); nas demais pesquisas foram aplicados instrumentos psicométricos validados para a mensuração do construto. Estudos epidemiológicos têm apontado a dificuldade para se definir a prevalência dos sintomas depressivos na população em geral, devido aos diferentes critérios diagnósticos e aos diversos instrumentos disponíveis para avaliação, dificultando, assim, realizar uma síntese (Santos, Almeida, Marins, & Moreno, 2003).

Observou-se, entre os instrumentos padronizados e utilizados, que 50% (quatro) aplicaram o Inventário de Depressão de Beck revisado - IDB (Beck, Steer, & Brown, 1996; Franco et al, 2005; Ruggiero, 2003; Santos et al, 2003; Tselebis et al, 2001). Esse instrumento, amplamente reconhecido e utilizado em diversos países do mundo, avalia a intensidade de depressão e pode ser aplicado em pacientes psiquiátricos ou na população não-clínica (Gorenstein & Andrade, 1996).

Os outros instrumentos padronizados aplicados foram: Psychiatric Symptom Index – PSI (Préville, Boyer, Perrault, & Légaré, 1992; Bourbonnais et al, 1998); Center for Epidemiology Studies - Depression - CES-D (Radloff, 1997; Baba et al, 1999); Health and Daily Living Form Manual (Moos, Cronkite, & Finney, 1990; Schaefer & Moos, 1996); The Hopkins Symptom Checklist – HSCL (Degoratis, Lipman, Rickels, Uhlenhuth, & Cori, 1979; Greenglass & Burke, 2000).

A média dos índices de prevalência de depressão apontados nos estudos correspondeu a 28,78%, e variaram entre 19% dos trabalhadores de enfermagem que responderam ao CES-D (Baba et al, 1999) e 41% dos graduandos de enfermagem, quando utilizado o IDB (Santos et al, 2003). Ao observar os dados verificados na aplicação do IBD, encontramos média igual a 30,64%, sendo a variação entre 23% em enfermeiros (Ruggiero, 2003) a 41% em graduandos de enfermagem (Santos et al, 2003). Estes dados são superiores ao encontrado na população em geral, que varia de 5 a 10% (Nunes, Bueno, & Nardi, 2001). Entretanto, aproximam-se da prevalência média entre as mulheres não-clínicas de 10 a 25% (Kessler, McGonagle, Swartz, Blazer, & Nelson, 1993). Historicamente, a enfermagem tem sido uma profissão composta por mulheres na maioria dos países (Booth, 2002), o que pode subsidiar os índices encontrados.

Vários foram os fatores associados à ocorrência de depressão identificada nas pesquisas analisadas, os quais podem ser subdivididos em fatores desencadeantes internos e externos ao ambiente de trabalho, conseqüências para o trabalhador e/ ou a instituição hospitalar e estratégias de prevenção propostas.

A Tabela 1 ilustra os temas relacionados aos fatores associados à ocorrência de depressão no trabalho de enfermagem, incluídos nos estudos analisados.

Entre os fatores internos ao ambiente de trabalho: 68,2% relacionavam-se à organização do trabalho (o setor ou unidade de atuação, turnos de trabalho, números de funcionários, as reestruturações organizacionais, sobrecarga de trabalho, problemas na escala, conflito de interesses, insegurança no trabalho); 22,7% às relações sociais de trabalho (o apoio social e o relacionamento interpessoal com colegas e supervisores); e 9,1% às condições de trabalho nas instituições hospitalares.

Os fatores externos ao trabalho relacionavam-se em 50% à categoria profissional; em 25% às características sócio-demográficas (sexo, idade e renda familiar); em 18,7% ao apoio familiar; e em 6,3% às características individuais (tipo de personalidade, senso de coerência e estratégias de enfrentamento utilizadas pelo trabalhador).

A depressão no trabalhador de enfermagem traz conseqüências para o trabalhador e para a instituição empregadora. Os artigos identificados apontaram o desgaste e a tensão gerada no ambiente de trabalho (30%), a influência na saúde física e/ ou psíquica dos profissionais (30%), o absenteísmo (10%), a insatisfação no trabalho (10%), o prejuízo na qualidade da assistência prestada (10%) e a rotatividade (10%).

As estratégias propostas para a prevenção ou minimização dos danos foram a implementação de programas de atenção à saúde do trabalhador (36,4%), o gerenciamento adequado do trabalho (18,2%), gerenciamento da depressão (18,2%), treinamento das chefias e supervisores (18,2%) e a promoção de clima de trabalho favorável (9,1%).

Discussão

Fatores desencadeantes da depressão

Os trabalhadores de enfermagem, em sua atividade laboral, encontram-se expostos a psicopatologias, como a depressão, em decorrência da relação entre o trabalho hospitalar e a saúde e, mais especificamente, o trabalho hospitalar e a saúde mental do profissional. Esta relação expõe os trabalhadores fisicamente, por exposição aos riscos químicos, às radiações, às contaminações biológicas, ao excesso de calor, ao sistema de plantões, à excessiva carga horária de trabalho, e à organização do trabalho de enfermagem; e psiquicamente, decorrente da convivência diuturna com o sofrimento, a dor, a doença e a morte, tendo que "digerir" tais circunstâncias paralelamente aos seus problemas emocionais (Camarotti & Teixeira, 1996).

Por meio da análise de conteúdo dos resultados encontrados, observou-se que a saúde mental dos trabalhadores de enfermagem pode ser influenciada por fatores internos ao ambiente e processo de trabalho e por fatores externos.

Fatores internos ao trabalho de enfermagem

A literatura científica nacional e internacional indica que alguns setores de trabalho da enfermagem, como a urgência e emergência, a Unidade de Terapia Intensiva -UTI e o Centro Cirúrgico - CC, são mais desgastantes e implicam na diminuição da qualidade de vida do trabalhador (Franco et al, 2005). Entretanto, em estudo realizado no Distrito Federal, a UTI (28,6%) e a emergência (13,3%) obtiveram as menores freqüências de depressão entre os trabalhadores de enfermagem, sendo que as maiores freqüências corresponderam aos setores: clínica de queimados – 71,4%; clínica pediátrica – 50,0%; centro cirúrgico – 40,0%; e ambulatório – 35,7% (Camarotti & Teixeira, 1996).

Ao analisar a relação da saúde mental com o trabalho, a falta de condições, a organização e a dificuldade de remanejamento, a possibilidade de participação na gestão e a concepção da tarefa correlacionam-se e interferem na saúde psíquica dos trabalhadores (Camarotti & Teixeira, 1996).

Os problemas de relacionamento com supervisores e médicos vivenciados pela equipe de enfermagem acarretam em maior sofrimento relacionado ao trabalho, menor satisfação no trabalho, menor intenção de permanecer no emprego, e humor deprimido. Em longo prazo, estes problemas podem estabelecer fator de risco para o desenvolvimento de depressão e problemas físicos (Schaefer & Moos, 1996).

Entretanto, os resultados encontrados em estudo realizado com trabalhadores de enfermagem canadenses (Schaefer & Moos, 1996) demonstraram que as tarefas relacionadas à assistência a clientes, como doentes crônicos e terminais, e o suporte das suas famílias, associou-se a maior satisfação no trabalho, e em longo prazo correlacionou-se com a redução do sofrimento no trabalho, da depressão e da presença de sintomas físicos entre os profissionais. Este efeito positivo, segundo os autores, pode ser relacionado ao sentimento de realização profissional da equipe, o que aumenta a auto-estima e o sentimento de competência. Afirmam ainda que, quando a equipe é adequada e os serviços de suporte disponíveis, clientes crônicos e terminais podem oferecer desafios e recompensas que afastam os efeitos adversos dos estressores do trabalho, sendo outro fator importante e que pode afetar os resultados produzidos, o próprio significado do trabalho.

O sofrimento psíquico do trabalhador está associado ao desgaste no trabalho, ao apoio social insuficiente, ao sentimento de insegurança no trabalho e à instituição de atuação do profissional (Bourbonnais et al, 1998). A depressão, avaliada em trabalhadores de enfermagem no Caribe, apresentou correlação positiva com a sobrecarga de trabalho e o conflito de interesses e correlação negativa com apoio social, entendido como o suporte oferecido pelos superiores, colegas de trabalho e familiares (Baba et al, 1999).

A sobrecarga de trabalho e os problemas na escala geram efeitos negativos na capacidade funcional e moral entre os profissionais de enfermagem, ocasionando a diminuição da satisfação, a menor intenção de permanecer no emprego, o aumento da depressão e do sofrimento, além de sintomas físicos como perda de apetite, nervosismos, indigestão, entre outros. Contudo, as equipes de enfermagem com maior autonomia, na execução das tarefas, reportam maior intenção de permanecer no emprego e menor sofrimento relacionado ao trabalho (Schaefer & Moos, 1996).

Em contraposição aos demais estudos, o número de horas trabalhadas na semana, o tipo de unidade, o tipo de treinamento recebido, a escala de trabalho, bem como a idade e a carga de trabalho doméstico, não se associaram ao sofrimento psíquico dos enfermeiros no estudo desenvolvido no Canadá (Bourbonnais et al, 1998).

A insegurança no trabalho contribui para a utilização do enfrentamento do tipo fuga, o qual implica em passividade e pessimismo, e foi considerado como precursor da depressão (Greenglass & Burke, 2000). Os autores observaram que, durante o período de reestruturação e de corte de pessoal nos hospitais, as enfermeiras precisam desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar com o caos associado às mudanças, e que este é um processo estressante e deletério psicologicamente, associando-se à presença de depressão entre as trabalhadoras. Ainda foi constatado que durante o processo de redução da força de trabalho, o fator estressor mais consistente e significante foi a carga de trabalho, ou seja, quanto maior a sobrecarga de trabalho, mais casos de depressão são observados entre as enfermeiras.

Fatores externos ao trabalho de enfermagem

A prevalência de depressão, avaliada em trabalhadores de enfermagem, apresentou correlação positiva com sexo feminino (Baba et al, 1999; Camarotti & Teixeira, 1996; Tselebis et al, 2001) e com a idade, havendo a preponderância no sexo feminino (37,4%), quando comparados aos índices masculinos (20,0%), e sendo verificada prevalência igual a 40% na faixa acima dos 59 anos, entre os profissionais de enfermagem do Distrito Federal (Camarotti & Teixeira, 1996).

A associação direta entre a renda familiar mensal e o aumento do nível de depressão foi verificada em estudo realizado com graduandos de enfermagem, entre os quais observou-se ainda que os eventos novos continham conotação de negatividade, os quais eram enfrentados com muito pessimismo, o que explicaria a alta presença de sintomatologia depressiva (41%) entre os estudantes (Santos et al, 2003). No Canadá, um estudo observou que o sofrimento psíquico do trabalhador de enfermagem estava associado à vivência de evento estressante nos últimos 12 meses (Bourbonnais et al, 1998).

Ao avaliar a qualidade de vida e a prevalência de sintomas depressivos em residentes de enfermagem, foi observado que os aspectos emocionais, a saúde mental e a vitalidade eram as dimensões mais comprometidas do estado geral de saúde destes indivíduos, e que 27,9% dos residentes apresentavam critérios de prevalência de disforia e depressão (Franco et al, 2005).

Identificamos nas pesquisas analisadas (Bourbonnais et al, 1998; Tselebis et al, 2001) que a depressão se correlaciona positivamente com a exaustão emocional, e forte e negativamente com o senso de coerência. Estes achados confirmaram a hipótese de que o grau do senso de coerência pode acarretar em vulnerabilidade ou resistência da enfermagem à depressão e ao burnout (Tselebis et al, 2001). Segundo o estudo de Bourbonnais et al (1998), o sofrimento psíquico do trabalhador está associado à personalidade do tipo A.

Verificou-se ainda, que os recursos individuais contribuíam mais do que os fatores estressores do trabalho para a variação dos níveis de depressão, sugerindo que as habilidades de enfrentamento trazidas para o trabalho são importantes precursores dos sentimentos de realização profissional, da depressão e da ansiedade (Greenglass & Burke, 2000).

Conseqüências para o trabalhador e a instituição

Os estressores no trabalho e os ambientes de trabalho negativos alteram a capacidade funcional e moral dos trabalhadores de enfermagem, e interferem em sua saúde psíquica. Geram tensões laborais patogênicas e insatisfação no trabalho, contribuem para o absenteísmo e a má qualidade da assistência prestada (Camarotti & Teixeira, 1996; Schaefer & Moos, 1996).

A depressão, avaliada em trabalhadores de enfermagem no Caribe, apresentou correlação positiva com o estresse, o burnout, o absenteísmo e a intenção de rotatividade pelo trabalhador. Os resultados encontrados pelos pesquisadores demonstraram que as enfermeiras vivenciavam estresse e apresentavam tendência a desenvolverem burnout. Este processo possibilitava o estabelecimento da depressão relacionada ao trabalho e as suas conseqüências disfuncionais, como o absenteísmo e a rotatividade (Baba et al, 1999).

Ao investigar a fadiga crônica em enfermeiras intensivistas americanas, Ruggiero (2003) observou, por meio da aplicação do IDB, que as enfermeiras cujo turno era noturno permanente, possuíam significativamente mais depressão do que as enfermeiras cujo turno permanente era o diurno, e que a depressão foi a variável de maior importância na explicação do estabelecimento deste processo patológico.

Estratégias de prevenção

As intervenções para a redução do sofrimento psíquico no trabalho estão associadas a uma melhor e mais clara divisão do trabalho, entre os trabalhadores de enfermagem e os demais profissionais da saúde; a reposição dos trabalhadores faltantes, para manter a eficiência de cada time de trabalho; o apoio do supervisor e dos colegas quando a solução de problemas na clínica; o reconhecimento por parte dos superiores; a participação no processo de tomada de decisão; a oportunidade para desenvolver suas habilidades; e oportunidades para falarem sobre as tensões no trabalho (Bourbonnais et al, 1998).

O treinamento das chefias e supervisores deve ser realizado de forma dinâmica e permanente para a liderança do grupo focados no suporte social no trabalho e na melhor comunicação entre supervisores e a equipe, acrescido de estratégias para aumentar a coesão entre o grupo, buscando assim, beneficiar tanto os trabalhadores, como o hospital, ao aliviar o estresse e o burnout (Camarotti & Teixeira, 1996; Schaefer & Moos, 1996).

A divisão do trabalho (Baba et al, 1999), deve buscar reduzir as cargas de trabalho e os problemas de escala (Schaefer & Moos, 1996), sendo sensível ao seu efeito potencial no estresse e na depressão, ao levar em conta seu impacto na saúde mental (Baba et al, 1999). Esta tarefa pode ser dificultada pelas restrições orçamentárias, a assistência a clientes críticos, a complexidades das tarefas e das tecnologias adicionadas ao trabalho de enfermagem, e a falta de pessoal, que desgasta a relação entre o supervisor, a equipe e os colegas de trabalho, e contribuem para o aumento das cargas de trabalho (Schaefer & Moos, 1996).

As pesquisas revelam a necessidade da implantação de programas de atenção à saúde dos trabalhadores que envolvam grupos de discussão, grupos de vivências, psicoterapia e administração participativa (Camarotti & Teixeira, 1996), com utilização de estratégias apropriadas, visando à minimização do estresse e do burnout, o gerenciamento da depressão relacionada ao trabalho, a redução do absenteísmo e da rotatividade entre os trabalhadores de enfermagem (Baba et al, 1999). Santos et al (2003), reforçam a necessidade de medidas de acompanhamento, por meio de programas preventivos e de tratamento.

Considerações finais

O estudo possibilitou identificar, em forma de síntese das informações disponíveis na última década, a depressão como um problema de saúde que tem acometido, com freqüência, os trabalhadores de enfermagem. Apesar do pequeno número de artigos divulgados nas principais bases de dados nacionais e internacionais, ou seja, 10 artigos, os resultados obtidos nas pesquisas realizadas contribuem, sobremaneira, para com o avanço do conhecimento cientifico e como incentivo para a realização de novas pesquisas.

Apesar da depressão não ser uma forma de adoecimento exclusiva de trabalhadores de enfermagem (ela atinge grande parte da população trabalhadora ou não e tem sido considerada como a doença do século), faz-se necessário direcionar estudos para minimizar o problema.

As evidências científicas mostram que existem diversos fatores desencadeantes associados à depressão, quais sejam desequilíbrios químicos cerebrais, características de personalidade, vulnerabilidade genética e eventos situacionais. Entre trabalhadores de enfermagem, a literatura mostra que os fatores desencadeantes associados podem estar relacionados a fatores internos ao ambiente e processo de trabalho, como: os setores de atuação profissional, o turno, o relacionamento interpessoal, a sobrecarga, serviço, os problemas na escala, a autonomia na execução de tarefas, a assistência a clientes, o desgaste, o suporte social, a insegurança, o conflito de interesses, e as estratégias de enfrentamento desenvolvidas; e a fatores externos ao trabalho, como: sexo, idade, carga de trabalho doméstico, suporte e renda familiar, estado de saúde geral do trabalhador, e as características individuais.

As estratégias e propostas para a prevenção da depressão enfatizam a melhora do suporte administrativo e do relacionamento interpessoal, entre a equipe de enfermagem e demais profissionais, a melhor divisão do trabalho entre um número adequado de profissionais, apoiados no gerenciamento da depressão e a redução do estresse relacionado ao trabalho, e a implantação de programas de atenção a saúde do trabalhador.

Recebido em 09.fev.06

Revisado em 21.nov.06

Aceito em 22.jan.07

Marcela Luisa Manetti, enfermeira pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP), é doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da mesma instituição.

Maria Helena Palucci Marrziale, doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP), é professora titular no Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da mesma instituição. E-mail: marziale@eerp.usp.br

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Revisado
      21 Nov 2006
    • Recebido
      09 Fev 2006
    • Aceito
      22 Jan 2006
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