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Em busca dos indicadores biossociais da hipogamia

The search for biosocial indicators of hipogamy

Resumos

O artigo teoriza em uma perspectiva biossocial sobre os indicadores biossociais da hipogamia, ou seja, sobre parâmetros biossociais que explicam a situação social das mulheres que contraem matrimônio com indivíduos situados posicionalmente abaixo delas. Para isto: (1) defende que o diálogo entre a sociologia e abordagens biossociais como a Psicologia Evolucionista pode contribuir para pensarmos uma teoria biossocial da hipogamia; (2) apresenta uma possível explicação do por que da negligência da literatura sociológica para com o fenômeno da hipogamia; (3) sugere que o fenômeno do crescimento do número de mulheres chefes de família pode ser um bom ponto de partida para estudarmos o fenômeno da hipogamia; (4) apresenta alguns referenciais teóricos como ponto de partida para explicarmos a hipogamia e determinar seus indicadores biossociais.

hipogamia; casamento; estratificação social; Psicologia Evolucionista


The article theorizes a biosocial perspective about the biosocial indicators of the hipogamy what means about biosocial parameters that explain the social situation of the women which get married with individuals in a social class below them. So: (1) It defends that the dialogue betwen the sociology and the biosocial approachs like Evolutionary Psychology can contributes for thinking a biosocial theory of hipogamy; (2) It present a possible explanation for the reason of the negligence of the sociological literature on hipergamy phenomenon; (3) it suggest that the phenomenon of the growth of the women householder headship can be a good point for starting to study the hipogamy phenomenon; (4) It present some theoric references as the beggining of an explanation of the hipogamy and to establish their biosocial indicators.

hipogamy; marriage; social stratification; Evolutionary Psychology


DOSSIÊ

André Luís Ribeiro Lacerda

Universidade Federal do Mato Grosso

RESUMO

O artigo teoriza em uma perspectiva biossocial sobre os indicadores biossociais da hipogamia, ou seja, sobre parâmetros biossociais que explicam a situação social das mulheres que contraem matrimônio com indivíduos situados posicionalmente abaixo delas. Para isto: (1) defende que o diálogo entre a sociologia e abordagens biossociais como a Psicologia Evolucionista pode contribuir para pensarmos uma teoria biossocial da hipogamia; (2) apresenta uma possível explicação do por que da negligência da literatura sociológica para com o fenômeno da hipogamia; (3) sugere que o fenômeno do crescimento do número de mulheres chefes de família pode ser um bom ponto de partida para estudarmos o fenômeno da hipogamia; (4) apresenta alguns referenciais teóricos como ponto de partida para explicarmos a hipogamia e determinar seus indicadores biossociais.

Palavras-Chave: hipogamia; casamento; estratificação social; Psicologia Evolucionista.

ABSTRACT

The article theorizes a biosocial perspective about the biosocial indicators of the hipogamy what means about biosocial parameters that explain the social situation of the women which get married with individuals in a social class below them. So: (1) It defends that the dialogue betwen the sociology and the biosocial approachs like Evolutionary Psychology can contributes for thinking a biosocial theory of hipogamy; (2) It present a possible explanation for the reason of the negligence of the sociological literature on hipergamy phenomenon; (3) it suggest that the phenomenon of the growth of the women householder headship can be a good point for starting to study the hipogamy phenomenon; (4) It present some theoric references as the beggining of an explanation of the hipogamy and to establish their biosocial indicators.

Keywords: hipogamy; marriage; social stratification; Evolutionary Psychology.

Na novela Duas Caras escrita por Aguinaldo Silva em 2007, o par romântico principal era formado por Evilásio, um jovem negro, morador de uma favela e por Júlia, uma jovem branca, rica, filha de um bem-sucedido advogado. Em um país em que os indivíduos embranquecem quanto mais sobem na escada da estratificação social, a história desse amor tão cercado de obstáculos não deixa de ser interessante do ponto de vista sociológico. E o interesse reside, fundamentalmente, no fato de que para a literatura sociológica sobre a escolha de parceiros, a situação social de Evilásio e Júlia inverte o que é estatisticamente mais esperado em termos do status socioeconômico dos sexos e mobilidade social. Pensando em termos de tendências e de perfis, a literatura sociológica indica que as mulheres tendem a se casar com indivíduos com mesma posição (homogamia) ou posição social superior a sua (women marry up), o que chamamos de hipergamia, enquanto os homens tendem a se casar com mulheres de mesma posição social (homogamia) ou posição social inferior a sua (men marry down). O caso de Júlia e Evilásio contraria, portanto, as tendências de mobilidade social para homens e mulheres, segundo a análise sociológica. Ele ilustra o tema em torno do qual gravita nossa discussão: a caracterização dos indicadores biossociais da hipogamia, ou seja, da situação social em que mulheres contraem matrimônio com indivíduos situados posicionalmente abaixo delas.

Entendemos indicadores biossociais como sendo medidas, em geral quantitativas, dotadas de significados biológicos e sociais, que poderão ser usados para referenciar, quantificar ou operacionalizar um conceito biossocial abstrato, de interesse teórico. Os indicadores biossociais nos fornecerão o tipo de variáveis sociais e biológicas que nos permitirão caracterizar o perfil das mulheres que têm tendência a contrair matrimônio hipogamicamente.

Para entendermos o fenômeno da hipogamia, temos que conhecer as bases de sustentação da hipótese da tendência hipergâmica das mulheres e da hipótese da tendência dos homens de olharem para seu estrato socioeconômico ou para baixo, quando pensam em termos de casamento. No Brasil, o crescimento de 19% do número de mulheres que são chefes de família entre 1992 e 1999 apresenta indícios de mudanças na estrutura da família e podem representar evidências de mudanças também na dinâmica do mercado de casamentos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2002). A literatura sociológica sugere que os homens não competem entre eles pelos recursos socioeconômicos das mulheres. Kalmijn (1998) afirma que existem boas razões para acreditar que isto está mudando em função da maior participação da mulher no mercado de trabalho. Se ele tiver razão, estamos então diante de um contexto social em que o fenômeno da hipogamia passa a ser sociologicamente significativo? Talvez. Na sociedade humana, as necessidades alimentares mínimas estão garantidas para a maioria da população. Portanto, as escolhas de homens e mulheres, no que se refere ao matrimônio, não estão pressionadas pela sobrevivência. Isso explica em parte porque a correlação entre posição socioeconômica e número de filhos não tem uma correlação positiva na sociedade moderna centrada no mercado (MacDonald, 1983; van den Berghe, 1979). A literatura sociológica tem caracterizado o perfil da mulher que casa hipergamicamente. Nosso objetivo é propor caminhos para determinarmos os indicadores biossociais da hipogamia dentro da perspectiva teórica de uma sociologia evolucionista, conforme sugerem os estudos de sociólogos biossociais como Ellis (2001), Hopcroft (2002, 2006a, 2006b), Lopreato e Crippen (1999), Nielsen (1994), Rossi (1984), e van den Berghe (1973, 1979). Para isto: (1) defende que o diálogo entre a Sociologia e as abordagens biossociais como a Psicologia Evolucionista pode contribuir para pensarmos em uma teoria biossocial da hipogamia; (2) apresenta uma possível explicação do por que da negligência da literatura sociológica para com o fenômeno da hipogamia; (3) sugere que o fenômeno do crescimento do número de mulheres chefes de família pode ser um bom ponto de partida para estudarmos o fenômeno da hipogamia e; (4) apresenta alguns referenciais teóricos como ponto de partida para explicarmos a hipogamia e determinarmos seus indicadores biossociais.

Sociologia, Psicologia Evolucionista e a busca por uma teoria biossocial da hipogamia

Para entendermos o fenômeno da hipogamia, temos que entender os fundamentos da diferença entre os sexos e como isso repercute na estratificação social.

Quando um homem e uma mulher se casam, podemos caracterizar o casamento em termos de posição socioeconômica de duas maneiras: (1) homogâmico, quando os parceiros têm a mesma posição nos seus status socioeconômicos ou afins; (2) heterogâmico, quando os parceiros têm posições distintas no seu status socioeconômico. É claro que para um fenômeno multidimensional como a escolha de parceiros no casamento, homogamia e heterogamia podem ser pensadas em relação a uma série de status sociais: idade, raça, etnia, escolaridade, religião e ocupação. Alguns desses status estão correlacionados, conforme veremos.

O nível de homogamia entre esposos é frequentemente usado para estudarmos mudanças nas bases da estratificação social das sociedades modernas (Blau, 1994; Kalmijn, 1991, 1994). Estudos sociológicos defendem que vem ocorrendo transformações na natureza da mobilidade social em função do grau de modernização a que as sociedades estão sujeitas (Kalmijn, 1991, 1994). A suposição básica desses estudos é que homogamia baseada em status atribuídos, como religião e status sociais herdados dos pais, diminuiria no curso do processo de modernização ao passo que homogamia baseada sobre status adquiridos, tal como educação, aumentaria.

Falar de nível de homogamia entre homens e mulheres no casamento convida-nos a pensar sobre as raízes das diferenças que desembocam em desigualdades sociais. Se pensarmos em uniformidades básicas, nós sabemos que todas as sociedades humanas atribuem papéis distintos para homens e mulheres, socializam seus filhos dentro de seus papéis sexuais desde a infância, estigmatizam desvios desses papéis e atribuem algum grau de dominância aos homens (van den Berghe, 1973).

Pesquisas de sociólogos e psicólogos sociais sobre interações em pequenos grupos detectaram manifestações de algumas das diferenças e desigualdades apontadas acima. Experimentos controlados em laboratório com grupos de indivíduos de ambos os sexos mostram que mulheres e homens em idade universitária comportam-se como se as mulheres fossem menos competentes que os homens em tarefas experimentais não tipificadas por sexo. Ou seja, mulheres participam menos, têm níveis mais baixos de influência e recebem menos recompensas que homens (Carli, 1989, 1991, 1992; Wagner & Berger, 1997), embora essas diferenças possam ser anuladas ou diminuídas (Wagner, Ford, & Ford, 1986).

Estas descobertas complementam outras, como aquelas que mostram o efeito de gênero sobre interrupções de conversações (Kollock, Blumstein, & Schwartz, 1985; Smith-Lovin & Brody, 1989) e sobre aquiescência a autoridade (Ridgeway & Berger, 1986). Estes estudos têm implicações no mundo real. Por exemplo, eles se mostram presentes em pesquisas que identificam efeitos de discriminação de gênero sobre resultados de realizações ocupacionais, sobre salários e autoridade (Hopcroft, 2006b).

Enquanto alguns sociólogos afirmam que a socialização diferencial afeta a expressão e persistência de diferenças sexuais, sociólogos evolucionistas afirmam que a universalidade da expressão dessas diferenças não pode ser tomada como um dado. É um problema fundamental que a ciência deve explicar. Até mesmo assumindo que o patriarcado é o culpado descoberto pela explicação ambientalista, para a qual a socialização explica todo o processo, é dever dos estudantes do comportamento explicar o surgimento do patriarcado em primeiro plano. A razão apresentada por Lopreato e Crippen (1999) é simples: se o patriarcado revela ser o efeito de causas mais profundas, é dificilmente justificável tratá-lo como causa primária.

Hopcroft (2002; 2006a) sugere que parte da resposta para entendermos o porquê da discriminação de gênero e o patriarcado serem tão freqüentes pode estar na emergente disciplina da Psicologia Evolucionista. Segundo Hopcroft (2002), embora a Psicologia Evolucionista tenha feito contribuições para entendermos as diferentes escolhas feitas por homens e mulheres (Buss, 1984, 1995; Kenrick, Trost, & Sheets, 1996), negligencia as implicações da teoria evolutiva para as restrições impostas às mulheres. Ela sugere que a cultura do patriarcado é sustentada não somente pelo interesse reprodutivo de machos e fêmeas, mas também por mecanismos psicológicos específicos ou tendências que promovem comportamento de deferência de jovens fêmeas em relação a machos adultos, mas não o inverso. Hopcroft (2002) propõe que esta tendência pode ter evoluído em jovens mulheres porque ela anuncia juventude e controlabilidade, características altamente desejáveis para potenciais parceiros no ambiente evolutivo ancestral. Inversamente, em homens a tendência é para tarefas relacionadas à alta auto-estima quando se comparam a jovens mulheres, mas não quando se comparam a outros homens. Isto pode ter evoluído em homens porque anuncia suas capacidades como provedores e protetores, características também desejáveis em prováveis parceiros no ambiente evolutivo ancestral.

O argumento de Hopcroft (2002) é importante para os nossos propósitos porque ele acrescenta um elemento fundamental para entendermos a variação do valor das mulheres no mercado de casamentos. Ela sugere que a distinção das tendências entre homens e mulheres em promover deferência, parece ter sido adaptativa quando as mulheres envolvidas estavam em idade reprodutiva, mas não quando as mulheres tinham ultrapassado seu período reprodutivo. Nesses termos, Hopcroft (2006a) defende que gênero não parece ser uma característica diferencial de status em mulheres mais velhas. Ou seja, a variável gênero diminui sua importância enquanto característica de status para as mulheres mais velhas. Se Hopcroft estiver certa, temos muito que estudar sobre o impacto dessa tendência no mercado de casamento.

Pensando na dinâmica do mercado de casamentos nos EUA anterior a 1960, Wright (1996) afirma que a fração da população com quarenta anos ou mais que nunca se casara era praticamente igual para homens e mulheres, mas, por volta de 1990, a proporção era acentuadamente maior para homens do que para mulheres. Wright afirma que os Estados Unidos deixaram de ser um país de monogamia institucionalizada para se tornar um país de monogamia seriada ou, sob certos aspectos, uma poliginia (Tucker, 1993).

A visualização de uma equação que faz distinções biológicas e sociológicas em status de gênero e idade sugere-nos que a negligência da literatura sociológica em relação à dimensão biológica na temática da escolha de parceiros impediu-nos de captar aspectos decisivos na dinâmica da mobilidade social por intermédio do casamento. Um dos fenômenos negligenciados foi precisamente a hipogamia. Conforme Buss (2004) nos mostra, a idade é uma variável decisiva para avaliarmos o valor de um indivíduo na escolha de parceiros. No caso das mulheres, podemos dizer que, quanto mais a mulher diminui a sua fertilidade e seu valor reprodutivo (Buss & Schmitt, 1993), menores as chances de sua escolha ser hipergâmica, pois menor será seu valor no mercado de casamentos.

Razões para a negligência da literatura sociológica acerca do fenômeno da hipogamia

Para os sociólogos, padrões de casamento surgem da interação entre três forças sociais: a preferência dos indivíduos por certas características nos parceiros, a influência do grupo social do qual eles são membros e as limitações do mercado de casamento no qual eles estão buscando por um esposo (Kalmijn, 1998).

Quando consideram a questão de quem casa com quem, sociólogos ilustram a centralidade das forças sociais no processo de escolha do parceiro. A idéia é mostrar que os indivíduos não têm liberdade completa na escolha de seus cônjuges e que há restrições de caráter sociológico interferindo nas suas escolhas. Nesse sentido, numerosos estudos empíricos têm descrito a tendência das pessoas escolherem parceiros tendo como parâmetros similares: posição social - Kalmijn (1991, 1994, 1998), Mare (1991), educação - Esteves e McCaa (2007), Nielsen e Svarer (2006), Rose (2004), Schwartz (2005); etnicidade - Pagnini e Morgan (1990); religião - Johnson (1980); status ocupacional - Hunt (1940); nacionalidade e natividade - Bossard (1939); homogamia residencial - Bossard (1932), Ellsworth Jr. (1948); fatores culturais - Hollingshead (1950), Kalmijn (1994), McGinnis (1958).

Em relação ao status socioeconômico dos cônjuges, a literatura sociológica indica que quanto maior a escolaridade e mais elevado na escada da estratificação social for o status socioprofissional dos homens, maior a probabilidade de contraírem matrimônio com mulheres com posição socioeconômica abaixo deles (Kalmijn, 1994; Mare, 1991). No caso das mulheres, quanto maior a escolaridade e mais elevada for sua posição na escada socioprofissional, mais difícil é para elas escolher um cônjuge que tenha o mesmo status socioprofissional ou escolaridade. A idéia de que é mais difícil expressa aqui uma dificuldade relacionada ao seu status socioeconômico, pois as pesquisas sociológicas apontam uma tendência das mulheres a buscarem indivíduos com mesma posição socioeconômica ou posição superior. Esta tendência está representada na hipótese de que as mulheres têm uma tendência hipergâmica. Contudo, é importante distinguir aqui esta hipótese em suas versões sociológica e psicológica evolucionista. Como será visto, a hipótese sociológica não faz distinção biológica entre os sexos e, portanto, não vê diferenças em termos de estratégia reprodutiva. Para entender por que a hipótese da hipergamia tem sido pouco testada na sociologia, sugerimos três explicações.

Em primeiro lugar, a literatura sociológica não é clara a respeito da hipergamia como uma tendência relacionada às mulheres. O termo, às vezes, é usado indistintamente para homens e mulheres. Na Sociologia é um padrão que emerge dos estudos empíricos, mas a vinculação hipergamia/mulheres não é explícita teoricamente, muito provavelmente porque os papéis sexuais são pensados como construções exclusivamente culturais. Portanto, se os papéis são desempenhados em função de exigências culturais, não faz muito sentido vincular a tendência a ascender socialmente por intermédio do casamento a um dos sexos.

A segunda explicação é uma conseqüência da primeira: a negligência da dimensão biológica das variáveis sexo e idade. Como as diferenças biológicas entre os sexos foram negligenciadas pelas Ciências Sociais durante muito tempo, a idéia de que homens e mulheres têm estratégias reprodutivas diferentes e, portanto, visualizariam a escolha de parceiros para casamento de maneira diferente também não foi levada adiante. Quando aparece, nos estudos citados acima, o faz de maneira tímida, sem qualquer pretensão teórica ou qualquer repercussão no próprio estudo. A idade, por outro lado, é mencionada, mas não enquanto variável biológica que distingue fundamentalmente homens e mulheres em termos reprodutivos. Os estudos sociológicos mostram que existe uma heterogamia de idade. Que as mulheres tendem a se casar com homens mais velhos e que o inverso é mais raro, mas não conseguem fornecer uma explicação satisfatória para a dinâmica do mercado de casamentos. Davis e van den Oever (1982) reconheceram algumas das dificuldades para se explicar a dinâmica do mercado de casamento sem recorrer à dimensão biológica das variáveis sexo e idade quando constataram que alguns padrões não podiam ser explicados por uma abordagem exclusivamente cultural: "However, three observations suggest that age choice is not determined solely by either culture or economics. First, the pattern of age hypergamy is too universal to be attributable to arbitrary custom" (p. 505).

E finalmente a terceira explicação. Em grande parte da literatura sociológica, homens e mulheres não são vistos como seres biológicos e nem como atores que tomam decisões e que, portanto, quando escolhem um parceiro, escolhem também uma posição na estrutura social, ou seja, olham para a escada da estratificação social. É importante sublinhar que este cálculo que é feito na escolha de um(a) esposo(a) tem fundamentos biossociais e, por isso, é diferente para homens e mulheres. Trata-se de um cálculo inconsciente. As estratégias reprodutivas não são desenhadas a partir de uma escolha consciente das características que potencializam o imperativo reprodutivo do indivíduo. A negligência em relação ao indivíduo como tomador de decisões é característica de abordagens sociológicas que não fazem mediações entre os indivíduos e as estruturas sociais. Por exemplo, para Davies (1941) e Merton (1941) os padrões encontrados em seus estudos empíricos podem ser pensados como resultados das interações das escolhas individuais realizadas em diferentes contextos sociais. É nesse sentido que Merton (1941) explica porque o padrão latente dos casamentos inter-raciais nos EUA se dava entre homens negros com status socioeconômico mais elevado que seus pares de mesmo status racial e mulheres brancas com status socioeconômico abaixo deles na estratificação social e não entre homens brancos e mulheres negras.

Portanto, o fato dos sociólogos negligenciarem a dimensão biológica das variáveis sexo e idade e de se colocarem majoritariamente contra uma perspectiva individualista, que elegesse a escolha do indivíduo como unidade de análise, no caso a mulher, impediu que eles visualizassem a hipergamia como uma tendência relacionada às mulheres. Provavelmente por isso, a hipótese da hipergamia permaneceu pouco atraente e, por extensão sócio-lógica, também a formulação de hipóteses para explicar a hipogamia.

Crescimento do número de mulheres chefes de família e hipogamia

Nos últimos 20 anos a sociedade brasileira experimentou significativas transformações demográficas, socioeconômicas e culturais que repercutiram na estrutura da vida familiar. Segundo o IBGE (2000), as tendências que mais se destacaram quanto às formas de organização doméstica foram a redução do tamanho das famílias e o crescimento da proporção das famílias cujas pessoas responsáveis são mulheres. Conforme mencionamos, as famílias chefiadas por mulheres experimentaram um crescimento relativo de 19% entre 1992 e 1999. Em 1992 este grupo representava 21,9% dos arranjos familiares e, em 1999, este percentual alcançava 26%. É nos municípios das capitais que a proporção de mulheres responsáveis pelos domicílios é bem mais elevada que a média nacional. Porto Alegre se destaca com a maior proporção de domicílios com responsáveis mulheres.

Segundo o (IBGE, 2002), a expectativa de vida feminina no estado do Rio Grande do Sul é das mais altas do país, em torno de 74 anos, o que poderia ser considerada uma das causas principais para o alto percentual encontrado. A explicação parece consistente com o número de mulheres responsáveis pelos domicílios que tem mais de 60 anos: um terço. O fato de as mulheres terem uma expectativa de vida mais elevada que a dos homens pode ter grande influência nessa constatação. Uma grande parte desse universo é constituído de viúvas. Os municípios de Salvador e Recife também apresentam proporções elevadas de mulheres responsáveis pelos domicílios (37,5% e 37,4%, respectivamente). Mas, diferentemente de Porto Alegre, o Censo explica as altas proporções para as duas capitais nordestinas como resultado do alto índice de emigração masculina que experimentam os Estados da Bahia e Pernambuco. Além disso, ainda segundo o Censo, o fenômeno da dissolução conjugal é muito freqüente nas camadas mais pobres da população e pode afetar os resultados verificados nas duas capitais. Estamos, é claro, diante de suposições no que se refere às explicações para os índices. Conforme nos mostra Teixeira (2004), a questão das mulheres chefes de família atinge mulheres das mais diversas etnias, inseridas em diferentes níveis socioeconômicos e culturais. Mulheres com marido ausente, mulheres que os maridos desertaram, viúvas, mães solteiras, isso no período entre 1765-1850, que é o estudado por Teixeira na região de Campinas-SP. Hoje temos que acrescentar as mulheres divorciadas. Na Campinas dos séculos XVIII e XIX, a chefia feminina da família ocorreu principalmente pela ausência do marido e era constituída de viúvas e mulheres que os maridos desertaram1 (Teixeira, 2004). Mas que correlação nós podemos estabelecer entre o crescimento do número de domicílios chefiados por mulheres e o fenômeno da hipogamia?

O Dicionário de Ciências Sociais entende que o conceito de hipergamia e, portanto, também o de hipogamia, não são conceitos fundamentais, pois eles devem ser entendidos como uma simples forma de matrimônio referente a uma teoria da estratificação (Fundação Getúlio Vargas, 1987). Na medida em que expressam possibilidades de mobilidade social em diferentes etapas da vida social, os conceitos de hipergamia e hipogamia são fundamentais. A escolha da mulher é decisiva nesse sentido. A posição do status socioeconômico dos filhos, sejam eles homens ou mulheres, constitui o ponto de partida que ajuda a entender suas escolhas na vida adulta. O princípio básico da Biologia e da Psicologia Evolucionista defende que o Homo sapiens é apenas mais uma espécie na natureza sujeita a todas as leis naturais, especialmente leis do processo de evolução por seleção natural e sexual. Um dos princípios biológicos básicos que distingue os sexos afirma que o sexo que investe menos na prole é sexualmente mais agressivo e o sexo que investe mais é sexualmente mais exigente e tímido (Trivers, 1972). Isso significa que entre a maioria das espécies de mamíferos (incluindo todos os primatas), a fêmea é mais exigente que o macho na escolha e assim sexo e acasalamento tornam-se uma escolha da fêmea (Ellis, 2001; Kanazawa 2001). Os conceitos de hipergamia e hipogamia são fundamentais porque fornecem indicações sobre o destino, na hierarquia de posições sociais que caracteriza as sociedades humanas, da mãe e de seus filhos. É recente o interesse da literatura sobre estratificação social pela mobilidade social das mulheres ou seu lugar no sistema de estratificação pensado a partir da escolha dela (Ellis, 2001; Lopreato & Crippen, 1999). Ainda predomina a idéia de que o que um homem faz define seu status, enquanto que, com quem uma mulher se casa define o status dela.

A família nuclear e o casamento são categorias culturais de universalidade duvidosa. Portanto, pontos de referência frágeis. A família nuclear não é mais do que um dos arranjos sociais possíveis. Ela não constitui a unidade básica. A estrutura da família nuclear com os dois pais e seus filhos não é a unidade do nosso passado ancestral. A família ampliada foi por muito tempo nossa estrutura padrão, assim como é hoje a família nuclear. Muitos indivíduos pertencentes à família ampliada desempenharam papel importante na socialização e na função de cuidar de filhos (Kaplan & VanDuser, 1999). Tais indivíduos incluíam avôs, avós, tios, tias, primos e primas mais velhos, irmãos e irmãs. Por isso, quando mencionamos hipergamia e hipogamia tendo a família nuclear como ponto de referência, temos que ter claro que estamos diante de algo recente na história humana. E a implicação biológica e sociológica disso é que como a família ampliada está se tornando cada vez mais rara, há um enfraquecimento de seus laços sociais, o que reduz as possibilidades do pai e da mãe tirarem proveito da ajuda de seus parentes. Como conseqüência, isso pode significar um aumento da responsabilidade dos pais na criação dos filhos. E talvez mudanças na diferença entre os investimentos do homem e da mulher em seus filhos. Por isso, o crescimento das mulheres chefes de família é um bom ponto de partida para estudarmos a hipogamia. Em um ambiente em que a responsabilidade dos pais na criação dos filhos é maior, como entender e escolha hipogâmica da mulher?

Um determinado número de mulheres chefes de família são mulheres que têm filhos e cujos maridos desertaram. Algumas engravidaram em função de relacionamentos de curto prazo. Outras, ao longo do casamento, passaram a ter uma melhor posição econômica que o marido. E uma parcela das mulheres casadas, desde o início, tinha posição de chefia econômica. Estas, as mulheres que fizeram escolhas hipogâmicas. Tudo isso ilustra o argumento de que machos e fêmeas têm diferentes estratégias reprodutivas. Sem esquecer, conforme já sublinhamos anteriormente, que as estratégias não são desenhadas conscientemente a partir de cálculos que visam maximizar o imperativo reprodutivo.

Nem uma perspectiva individualista da escolha racional nem a Psicologia Evolucionista postulam que as escolhas são decisões racionais tomadas conscientemente. A corte (galanteio), ritual que precede a formação do vínculo de par é, primariamente, um método pelo qual as fêmeas acessam e escolhem machos e pelo qual machos escolhem fêmeas. Uma fêmea submete seus pretendentes à prova que possibilite a ela fazer a melhor escolha possível de um cônjuge que seja provedor e possa contribuir maximamente para seu potencial genético. Como a estratégia do homem é instável, pois ele pode ter acesso a outras fêmeas ao mesmo tempo e por mais tempo, enquanto as mulheres estão limitadas pela sua biologia reprodutiva, muito da estratégia reprodutiva masculina é falseada. Assim o galanteio é um elaborado exercício pelo qual homens apresentam-se com estratégias enganosas para mulheres enquanto estas submetem os homens a sutis e múltiplos testes para detectar enganos. O objetivo do "jogo" é formar um vínculo de par reprodutivamente bem sucedido. Ou seja, a dimensão socioeconômica da escolha é extremamente importante, já que o maior investimento na criação dos filhos é, em média, da mulher. O fato das mulheres chefes de família pertencerem aos mais diferentes status socioeconômicos mostra-nos que mesmo que a racionalidade da escolha seja hipergâmica, isso não garante que ela terá companhia na criação dos filhos. O marido pode desertar. Tudo isso torna ainda mais interessante, teoricamente falando, as escolhas hipogâmicas. Há ambientes sociais que potencializam esse tipo de escolha? A maior participação das mulheres no mercado de trabalho e o fato das mulheres terem comparativamente um nível de escolaridade mais alto que o dos homens poderia ser descrito como um ambiente social potencializador das escolhas hipogâmicas? Qual o perfil da mulher que faz tal escolha? O crescimento das famílias brasileiras cujas pessoas de referência são mulheres indica crescimento de manifestação da hipogamia?

Segundo Gilberto Freyre, no Brasil a família emergiu não apenas como célula reprodutora, mas também como unidade colonizadora. Ele entende que, mais do que a Igreja e o Estado Português, foi a casa-grande que se tornou a "dona da terra". Freyre (1980) sugere que os senhores de engenho tiveram uma influência mais forte do que imaginamos na vida social da colônia. O modelo de "família patriarcal" descrito por Freyre aparece como referencial de contraste quando se fala das famílias chefiadas por mulheres (Samara 1989; Teixeira 2004). Mas não podemos esquecer que a "família patriarcal" de Freyre confunde-se com uma unidade doméstica ou domicílio. Nós sabemos que um mesmo domicílio pode abarcar mais de uma família, tomando o conceito de família como os pais biológicos e seus filhos. No Brasil de Casa Grande & Senzala podiam viver no mesmo domicílio famílias independentes, agregados e escravos. De qualquer forma, aqueles que fazem o contraste não deixam de ter razão quando vêem o modelo patriarcal como uma realidade possível dentre outras. A significativa presença de mulheres chefes de família na história brasileira deve ser visto como uma novidade evolutiva. Para os casos em que a família é constituída pela mãe e pelos filhos, do ponto de vista evolutivo podemos dizer que só recentemente as mulheres passaram a ter condições de criar seus filhos sozinhas. Chefias femininas estão presentes em segmentos pobres da população, como as mulheres negras pobres de Salvador da década de 1930 descritas por Landes (1967), as ialorixás (mães-de-santo) e outras sacerdotisas (filhas-de-santo) dos terreiros de candomblé, mulheres negras que gozavam de grande prestígio religioso e social dentro e fora dos terreiros baianos (Landes 1967; Pacheco 2006) e existiram também de maneira representativa em regiões agro-exportadoras de açúcar, como no caso de Santiago Maior do Iguape, na Bahia (Algranti 1993) e têm crescido no Brasil de 1980 para cá (IBGE, 2000). Mas, se a família patriarcal descrita por Gilberto Freyre é um dos arranjos sociais possíveis, com a maior participação da mulher no mercado de trabalho, famílias chefiadas por mulheres, ricas ou pobres, constituem hoje arranjos sociais crescentes.

Um ponto de partida para entendermos a hipogamia e determinar seus indicadores biossociais

Nos anos oitenta, Rossi (1984) sugeriu que diferenças persistentes entre homens e mulheres e variações na extensão para a qual tais diferenças são encontradas ao longo da linha da vida são funções de processos biológicos fundamentais de diferenciação e maturação sexual tanto quanto de processos históricos e sociais.

Um bom ponto de partida para se compreender as mudanças na estrutura da família nuclear e, portanto, também no sistema de estratificação social de uma sociedade é estudar as várias tendências demográficas: longevidade, proporção entre os sexos, casamento, fertilidade e composição do domicílio (Rossi 1984).

O crescimento das famílias chefiadas por mulheres representa uma transformação significativa na composição do domicílio que, certamente, tem impacto sobre a estratificação social. A maior participação da mulher no mercado de trabalho e o aumento no seu nível de educação têm provocado mudanças no mercado de casamentos: tanto os homens quanto as mulheres têm adiado o matrimônio e como os homens têm uma tendência a buscar mulheres mais jovens, um significativo número de mulheres solteiras atinge o limite de sua idade reprodutiva e têm dificuldade em arranjar um parceiro. Temos aqui condições favoráveis para a manifestação da hipogamia. No momento atual, as mulheres jovens dispõem de uma liberdade de escolha sem precedentes; com o anticoncepcional, o controle social imposto sobre elas, no sentido caracterizado por Hopcroft (2002), diminuiu consideravelmente. O crescimento do número de famílias chefiadas por mulheres, o aumento da gravidez entre adolescentes, o aumento nas taxas de divórcio e o fenômeno da monogamia seriada a que se refere Wright (1996) seriam sinais de que, no ambiente da sociedade moderna, a família nuclear também estaria sofrendo reconfigurações? Esta é uma interpretação possível. Ver a realidade de famílias uni-nucleares mãe/filhos que emerge das transformações demográficas a partir dos anos oitenta como manifestações de arranjos societais patológicos seria uma possibilidade se considerássemos a família nuclear como ponto de partida, o que ela não é.

Dizer que no momento atual as mulheres jovens dispõem de uma liberdade de escolha sem precedentes não significa que as mulheres em períodos anteriores não tivessem liberdade de escolha. Conforme já expressamos, na maioria das espécies de mamíferos (incluindo todos os primatas), a fêmea é mais exigente que o macho na escolha e assim sexo e acasalamento tornam-se uma escolha da fêmea (Ellis, 2001; Kanazawa 2001). É claro que esta escolha sempre se depara com obstáculos que podem ser sociais, econômicos e políticos, dentre outros. Referindo-se à escolha das mulheres kipsigs, Burgerhoff Mulder (1990) afirma que dado o envolvimento dos pais no processo de casamento, mulheres kipsigs não são tecnicamente livres para escolher seus próprios parceiros. O papel dos pais na escolha de suas filhas sugere que o termo "escolha dos pais da noiva" é mais apropriado (Burgerhoff Mulder, 1990). Segundo ela, quando a escolha envolve interesses políticos a escolha de um esposo pode contrariar os interesses reprodutivos da esposa. MacDonald (1983) mostra-nos como a manifestação de certos tipos de controle social e de ideologias pode contrariar a maximização de interesses reprodutivos. Mas isso não significa que o poder de escolha da mulher não esteja presente. No caso das mulheres kipsigs, Burgerhoff Mulder (1990) afirma que raramente elas são forçadas a um casamento indesejado porque uma esposa descontente pode desertar seu esposo, retornar para sua casa natal e continuar a ter filhos, o que gera encargos econômicos indesejáveis para seus pais. Em outro exemplo clássico, MacDonald (1983) descreve como as altas taxas de infanticído feminino na China coincidiam com a hipergamia, o dote e a poliginia na sociedade chinesa. Portanto, as mulheres fazem suas escolhas reprodutivas em contextos sociais de maior ou menor liberdade, adaptam suas estratégias ao que é socialmente valorizado. E fazem tais escolhas a partir do poder que elas têm. Mulheres com alto valor no mercado de casamento terão maior poder de escolha do que mulheres com menor valor.

Para determinarmos os indicadores biossociais da hipogamia, precisamos de um referencial teórico que nos forneça uma perspectiva evolutiva, que não visualize apenas os contextos e estruturais sociais, mas também as escolhas dos indivíduos e que encare as escolhas de parceiros de casamento como funções de processos biológicos fundamentais de diferenciação e maturação sexual tanto quanto de processos históricos e sociais, conforme sugestão de Rossi (1984). Propomos, portanto, no sentido abordado por Kanazawa (2001) uma recombinação da Psicologia Evolucionista com uma teoria sociológica da escolha racional.

Uma sociologia da escolha racional não objetiva explicar o que uma pessoa racional fará em uma situação particular. Esta questão situa-se no domínio de uma teoria da decisão. Partir do pressuposto de que cada indivíduo age racionalmente não implica necessariamente que os resultados de suas ações sejam racionais ou desejáveis. É nesse sentido que postulamos que homens e mulheres têm estratégias sexuais diferentes e é nesse sentido que defendemos que precisamos, portanto, de uma perspectiva teórica que enfatize o poder de escolha da mulher, conforme sugerem Buss e Schmitt (1993), mas que esteja conectada com uma teoria da estratificação social.

A teoria biossocial de escolha da fêmea da estratificação social de Ellis (2001) responde às nossas exigências. Segundo Ellis, a teoria pode ser pensada em termos de cinco componentes interligados: evolucionista, genético, fisiológico/comportamental, neuro-hormonal e aprendizado social. O componente evolucionista da teoria biossocial de Ellis tem dois sub-componentes: um dos sub-componentes diz respeito a por que as hierarquias se formam. O outro se concentra sobre o porquê os machos são mais propensos do que as fêmeas para organizarem-se em hierarquias sociais e competirem uns contra os outros por status social. Conforme já afirmamos, os conceitos de hiper/hipogamia só fazem sentido em relação a uma teoria da estratificação social. Pesquisas empíricas sociológicas que sustentam que as mulheres tendem socioeconomicamente a escolher seus parceiros hipergamicamente parecem compatíveis também com dados de estudos de primatas (Geary, 2005), que sugerem que, em espécies altamente sociais, o investimento direto nos filhotes envolve também a assistência no estabelecimento de posições na hierarquia social.

Na medida em que está interligada a uma teoria da estratificação social, a escolha de esposos pelas mulheres tende a ser vista, do ponto de vista de status socioeconômico, como sendo homogâmica, hipergâmica ou hipogâmica. A operacionalização desses conceitos pode ser feita segundo a classificação dos esposos em termos de status ocupacionais, conforme fizeram alguns dos trabalhos sociológicos citados. O conceito da Psicologia Evolucionista de valor de mercado (Barret, Dunbar, & Lycett, 2002) pode se constituir no parâmetro que indicará, a partir da posição do status socioeconômico da mulher e de seu valor real de mercado, se a escolha dela não oscilou, oscilou para cima ou para baixo em termos da estratificação social. A teoria de Ellis (2001) e o conceito de valor de mercado trabalham tanto com variáveis biológicas quanto com variáveis sociais. Nesse sentido, podem ser bons indicadores biossociais da hipogamia.

Os dados referentes ao crescimento do número de mulheres chefes de família indicam que alguns casamentos podem transformar escolhas hipergâmicas ou homogâmicas em relacionamentos hipogâmicos. O tempo altera não apenas o valor de mercado dos cônjuges, mas seu status socioeconômico na escada da estratificação social. Conhecer a realidade das mulheres chefes de família pode nos ajudar a entender a dinâmica biossocial das posições sociais nos casamentos e estrutura social.

Investigaremos a hipogamia partindo do pressuposto de que a hipergamia é uma tendência. Sendo uma tendência, uma disposição, ela não se refere a uma condição ou estado do indivíduo, mas a uma tendência de reagir de certa maneira, em determinadas circunstâncias. Sob certas situações sociais, a disposição expressará comportamentos. Eis um ponto de partida.

Notas

1. Teixeira (2004) utiliza o termo mulheres abandonadas para designar aquelas mulheres cujos maridos/companheiros optaram por deixá-las. Por ser um termo emocionalmente carregado, optamos pelo termo mulheres cujos maridos desertaram.

Recebido em 29.set.09

Revisado em 29.jan.10

Aceito em 07.mai.10

André Luís Ribeiro Lacerda, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, pós-doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é professor na Universidade Federal de Mato Grosso. Endereço: Clique - Laboratório de Metodologias Quantitativas e Abordagens Biossociais sobre a Família - ICHS - Campus - Avenida Fernando Correa da Costa - 2367, Boa Esperança. CEP.: 78060-900, Cuiabá-MT. E-mail: andreberiuce@uol.com.br

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  • Em busca dos indicadores biossociais da hipogamia

    The search for biosocial indicators of hipogamy
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Aceito
      07 Maio 2010
    • Revisado
      29 Jan 2010
    • Recebido
      29 Set 2009
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