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Os sentidos construídos por adolescentes e jovens em contextos institucionais no Barreiro (BH) e Betim (MG) para a participação social e política

The meanings constructed by adolescents and young people in institutional contexts in Barreiro (BH) and Betim (MG) for the social and political participation

Los sentidos construidos por los jóvenes en los entornos institucionales en Barreiro (BH) y Betim (MG) para la participación social y política

Resumos

O presente artigo apresenta e discute os sentidos construídos por adolescentes e jovens em contextos institucionais diversos no Barreiro (BH) e Betim (MG) sobre suas experiências de participação social e política, por meio da inclusão em grupos. Os participantes desta pesquisa responderam a um questionário composto por questões abertas e fechadas sobre o seu contexto sociofamiliar e participaram de entrevistas semiestruturadas sobre suas experiências de participação grupal e comunitária. O conteúdo das entrevistas foi tratado por meio da análise de conteúdo. A participação dos sujeitos deste estudo nos diversos grupos se dá motivada pelo sentimento de pertencimento, e pelos laços de amizade entre os membros do grupo, habitualmente os colegas de escola ou os amigos da vizinhança. Estas experiências significam para estes jovens um exercício de participação social e comunitária entendida por eles como uma atividade coletiva que objetiva transformar a realidade imediata em que vivem.

adolescência; juventude; participação; grupos


This article presents and discusses the meanings constructed by adolescents and young people in institutional contexts various in Barreiro (BH) and Betim (MG) about their experiences of social and political participation, through the inclusion in groups. The participants of this research answered a questionnaire composed of closed and open-ended questions about your background familial and participated in semi-structured interviews about their experiences of participation and community group. The content of the interviews was treated by means of content analysis. The participation of the subjects of this study in the various groups of motivated by a sense of belonging, and the ties of friendship between the members of the group, usually the schoolmates or friends from the neighborhood. These experiences mean for these young people an exercise in social participation and community understood by them as a collective activity that aims to transform the immediate reality in which they live.

adolescence; youth; participation; groups


En este artículo es presentado y discutido los sentidos construidos por los jóvenes en diversos contextos institucionales en Barreiro (BH) y Betim (MG) sobre sus experiencias de participación social y política, por medio de su inclusión en los grupos. Los participantes en este estudio respondieron un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas sobre su entorno social y familiar y, también, participaron en las entrevistas semiestructuradas sobre sus experiencias de participación en los grupos y en la comunidad. El contenido de las entrevistas fueron analizados mediante el la análisis de contenido. La participación de los sujetos de este estudio en los diferentes grupos se produce motivada por el sentimiento de pertenencia y por los vínculos de amistad entre los miembros del grupo, en general son los compañeros de clase o amigos del barrio. Estas experiencias significan para estos jóvenes un ejercicio de participación social y comunitaria percibida por ellos como una actividad colectiva que tiene como objetivo transformar la realidad inmediata en la que viven.

adolescencia; juventud; participación; grupos


DOSSIÊ JUVENTUDE E POLÍTICA

Os sentidos construídos por adolescentes e jovens em contextos institucionais no Barreiro (BH) e Betim (MG) para a participação social e política

The meanings constructed by adolescents and young people in institutional contexts in Barreiro (BH) and Betim (MG) for the social and political participation

Los sentidos construidos por los jóvenes en los entornos institucionales en Barreiro (BH) y Betim (MG) para la participación social y política

Maria Ignez Costa Moreira; Luiz Carlos Castello Branco Rena; Maria do Carmo Sousa

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

RESUMO

O presente artigo apresenta e discute os sentidos construídos por adolescentes e jovens em contextos institucionais diversos no Barreiro (BH) e Betim (MG) sobre suas experiências de participação social e política, por meio da inclusão em grupos. Os participantes desta pesquisa responderam a um questionário composto por questões abertas e fechadas sobre o seu contexto sociofamiliar e participaram de entrevistas semiestruturadas sobre suas experiências de participação grupal e comunitária. O conteúdo das entrevistas foi tratado por meio da análise de conteúdo. A participação dos sujeitos deste estudo nos diversos grupos se dá motivada pelo sentimento de pertencimento, e pelos laços de amizade entre os membros do grupo, habitualmente os colegas de escola ou os amigos da vizinhança. Estas experiências significam para estes jovens um exercício de participação social e comunitária entendida por eles como uma atividade coletiva que objetiva transformar a realidade imediata em que vivem.

Palavras-chave: adolescência; juventude; participação; grupos.

ABSTRACT

This article presents and discusses the meanings constructed by adolescents and young people in institutional contexts various in Barreiro (BH) and Betim (MG) about their experiences of social and political participation, through the inclusion in groups. The participants of this research answered a questionnaire composed of closed and open-ended questions about your background familial and participated in semi-structured interviews about their experiences of participation and community group. The content of the interviews was treated by means of content analysis. The participation of the subjects of this study in the various groups of motivated by a sense of belonging, and the ties of friendship between the members of the group, usually the schoolmates or friends from the neighborhood. These experiences mean for these young people an exercise in social participation and community understood by them as a collective activity that aims to transform the immediate reality in which they live.

Keywords: adolescence; youth; participation; groups.

RESUMEN

En este artículo es presentado y discutido los sentidos construidos por los jóvenes en diversos contextos institucionales en Barreiro (BH) y Betim (MG) sobre sus experiencias de participación social y política, por medio de su inclusión en los grupos. Los participantes en este estudio respondieron un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas sobre su entorno social y familiar y, también, participaron en las entrevistas semiestructuradas sobre sus experiencias de participación en los grupos y en la comunidad. El contenido de las entrevistas fueron analizados mediante el la análisis de contenido. La participación de los sujetos de este estudio en los diferentes grupos se produce motivada por el sentimiento de pertenencia y por los vínculos de amistad entre los miembros del grupo, en general son los compañeros de clase o amigos del barrio. Estas experiencias significan para estos jóvenes un ejercicio de participación social y comunitaria percibida por ellos como una actividad colectiva que tiene como objetivo transformar la realidad inmediata en la que viven.

Palabras clave: adolescencia; juventud; participación; grupos.

Neste artigo, apresentamos reflexões sobre os sentidos construídos pelos adolescentes e jovens moradores do bairro do Barreiro, em Belo Horizonte, e do município de Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte), ambos em Minas Gerais, sobre a própria experiência de participação em grupos, em seus contextos institucionais, sociais e comunitários.

A participação destes sujeitos nos diversos grupos se dá motivada, pelos laços de amizade entre os adolescentes e os jovens, habitualmente os colegas de escola ou os amigos da vizinhança. Outro aspecto importante é a busca de autoafirmação, pois a entrada em alguns grupos é sinal de prestígio entre os pares e, por isso, desejada pelos adolescentes e jovens. Os sentidos pessoais construídos por esses adolescentes e jovens sobre a participação nos diversos grupos resultam das interações com seus pares.

A experiência de participação desses adolescentes e jovens tem sido compreendida por eles como um exercício de participação social e comunitária, no entanto eles não atribuem às suas atividades grupais o sentido de uma participação política. A política para a maioria destes adolescentes e jovens é uma atividade relacionada aos partidos políticos.

O presente artigo está organizado em dois tópicos. No primeiro apresentamos de maneira sintética a trajetória da pesquisa. No segundo, discutimos os sentidos produzidos pelos sujeitos da pesquisa para as suas atividades grupais.

A trajetória da pesquisa

Os sujeitos desta pesquisa foram os adolescentes e jovens inseridos nas escolas públicas e em ONGs, grupos artísticos, religiosos e partido político do bairro do Barreiro, em Belo Horizonte, e da cidade de Betim, situada na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).

A escolha do bairro do Barreiro (BH/MG) deveu-se à inserção de um dos membros da equipe de pesquisa em uma escola municipal dali e de seu contato com os jovens que participam do Centro Cultural da Vila Santa Rita, naquela região. Quanto à cidade de Betim, abriga um campi da PUC Minas, em que é oferecido um curso de Psicologia. Nele trabalha um dos professores membro da equipe que desenvolve projetos no campo da juventude realizados por meio de parceria entre a PUC Minas e os equipamentos públicos e comunitários daquele município.

Nestes dois contextos foi realizado um mapeamento dos grupos organizados e neles a pesquisa foi divulgada, e os adolescentes e jovens aderiram espontaneamente ao convite para participar da pesquisa e indicaram seus colegas de grupo.

A primeira estratégia para a coleta de dados foi a aplicação de um questionário composto por questões abertas e fechadas. O questionário foi organizado em cinco eixos temáticos: a) identificação (idade, escolaridade, naturalidade, filiação etc.); b) dados sobre a família (renda familiar, condições de moradia, escolaridade e ocupação dos pais, relacionamento familiar); c) cotidiano do jovem (experiências de trabalho; opções de lazer, cultura e acesso à informação; experiências afetivo-sexuais); d) projetos de vida (planos de futuro); e) participação (experiências de inclusão em coletivos formais ou informais; as aprendizagens, dificuldades).

Foram aplicados 52 questionários com o objetivo de conhecer o contexto socioeconomico-cultural e familiar dos adolescentes e dos jovens. Entre os sujeitos que participaram desta pesquisa, 38 são adolescentes entre 13 e 18 anos incompletos e 12 são jovens entre 19 e 21 anos. Encontramos 22 adolescentes e jovens do sexo masculino, 26 do sexo feminino. A informação sobre a idade e sexo não foi preenchida, a primeira em dois questionários e, a segunda, em quatro.

Quanto ao nível de escolarização, 20 informantes cursavam o ensino fundamental em escola pública municipal, e 14 o ensino médio. Quatro jovens eram universitários e um fez o curso supletivo. Quanto ao estado civil, dois jovens, um homem, de 21 anos, e uma mulher sem declaração de idade são casados, mas sem filhos. Uma mãe adolescente de 16 anos é solteira. O item cor seguiu o critério de autodenominação utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com as opções: branca, parda, preta e amarela. A maioria dos adolescentes e jovens, 24 deles, declarou-se como não branca; 19 informantes se declararam brancos e outros seis amarelos. Em três questionários, esse dado não foi preenchido.

A maioria dos adolescentes e dos jovens mora com a própria família, com prevalência das famílias nucleares conjugais e das monoparentais femininas. As famílias são de camada popular, considerando-se o nível de escolarização dos pais, prevalentemente fundamental e médio e a sua inserção em postos de trabalho pouco qualificados, e o acesso restrito à circulação pela cidade e aos bens culturais. Uma adolescente mora numa entidade de acolhimento institucional, por ter recebido medida protetiva prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Após a análise dos questionários foram realizadas as entrevistas semiestruturadas com nove adolescentes e jovens entre os que haviam se declarado disponíveis para participar dessa etapa da pesquisa. Os entrevistados foram escolhidos, considerando-se a diversidade dos contextos de participação, distribuídos da seguinte forma:

1) Grupos de dança formados pelas adolescentes do sexo feminino em duas modalidades: a) Grupos ligados à igreja evangélica, mediados por um adulto, que organiza os ensaios do grupo e a agenda de apresentação das adolescentes. b) Grupo de dança (funk) do Centro Cultural da Vila Santa Rita, organizado pelas próprias adolescentes, que utilizam o espaço público do centro cultural para os ensaios;

2) Grêmio estudantil - nas escolas, em geral, o grêmio apareceu como espaço para o encontro e exercício de participação dos adolescentes alunos do ensino fundamental e médio. Apesar disso, os adolescentes disseram que os diretores e os professores não incentivam e raramente apoiam a criação dos grêmios estudantis. Os jovens, que atualmente são universitários e estão engajados em partidos políticos, em ONGs e no movimento estudantil, relataram que tiveram experiências positivas com o grêmio, o que nos permite concluir que se tratou de um exercício significativo de participação coletiva;

3) Partido político - os jovens que participam da União da Juventude Socialista, ligada ao PCdoB narraram são atualmente universitários e militam no movimento estudantil, em torno de lutas específicas dos universitários: passe livre, preço do bandejão, entre outras causas. O partido é entendido por eles como um espaço em que se lançam, fazem propostas, mas que é também regulado pelos adultos, que são os dirigentes do partido, e pela burocracia partidária;

4) "Antenados" - projeto social ligado a uma ONG que propõe a formação do jovem na área de comunicação social. Ainda não é um espaço de total autonomia e autogestão, mas permite um maior grau de interferência e decisão dos jovens em relação à pauta das matérias para a TV Betim;

(5) Grupo de vôlei - a participação em esportes coletivos e organizados é citada pelos adolescentes como uma experiência coletiva de participação.

A diversidade de experiências grupais tratada nesta pesquisa reflete a pluralidade das práticas dos sujeitos. Nas entrevistas realizadas buscou-se explorar as experiências de participação grupal dos jovens e dos adolescentes, bem como, os sentidos construídos por eles para tais experiências.

A participação grupal como exercício de participação política na visão dos adolescentes e dos jovens

As categorias de juventude e de adolescência têm sido problematizadas em diversos campos de conhecimento, tais como as ciências sociais, a educação, a psicologia. Além do esforço pela precisão conceitual das duas categorias, a temática da participação social, comunitária e política dos jovens têm sido tomadas como objeto de várias pesquisas. Faremos uma breve exposição sobre as categorias de juventude e adolescência e os sentidos de participação que têm sido apontados por alguns estudiosos do campo.

Leon (2009) ressalta que ambas as categorias (de adolescência e de juventude) revelam a pluralidade e diversidade interna tendo em vista o contexto social, o sexo, a posição de gênero, à orientação afetivo-sexual, a raça-etnia e o pertencimento geracional dos jovens e dos adolescentes A adolescência tem sido tomada especialmente, ainda segundo Leon (2009), pela psicologia como uma fase crucial do desenvolvimento humano caracterizada pelas intensas transformações de ordem biológica, emocional, cognitiva e social. Quanto à categoria de juventude tem sido compreendida como uma etapa específica da vida humana entre a infância e a vida adulta, segundo Dayrell e Corrochano (2006) e Sposito e Carrano (2003). Os autores apontam que a definição conceitual desta categoria, construída históricamente, tem sido uma tarefa difícil, uma vez que tal categoria abriga uma pluralidade de sujeitos inseridos em contextos diversos.

O entendimento de que a adolescência e a juventude são etapas específicas da vida humana é compartilhado no nosso atual contexto sócio-histórico. Há uma expectativa social de que os adolescentes e os jovens tenham condições materiais e simbólicas de desenvolverem-se de modo pleno, que possam exercer sua cidadania, que tenham acesso à escolarização, à saúde, ao lazer e à cultura.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990) e o Estatuto da Juventude (2004), ordenamentos jurídicos que regulam a proteção social de crianças, adolescentes e jovens, refletem os sentidos compartilhados de que estas pessoas vivem uma etapa peculiar e fundamental do desenvolvimento. O ECA estabelece que as pessoas entre 12 e 18 anos são adolescentes e que os mesmos são sujeitos de direitos. O Estatuto da Juventude (2004) considera que as pessoas entre 15 e 29 anos são jovens, e estende a eles direitos específicos de proteção social, já anteriormente destinados aos adolescentes.

Compartilhamos com Leon (2006), Dayrell e Corrochano (2006) e Sposito e Carrano (2003) a consideração de que a adolescência e a juventude são categorias construídas históricamente. Vygotsky nos ensina, segundo Molon que o "homem é constituído a partir das relações sociais" (Vygotsky [1996] citado por Molon, 2003, p.46), portanto, adolescentes e jovens são constituídos em seus contextos particulares, e ao mesmo tempo têm a potencialidade de transformar tais contextos e, produzir sentidos singulares para as suas vivências.

A questão da participação social, comunitária e política de adolescentes e jovens tem inquietado muitos pesquisadores. Castro (2011) considera que a afirmação dos direitos específicos dos jovens tem possibilitado a participação dos mesmos:

Os idiomas dos direitos e da cidadania têm se constituído como o dispositivo pelo qual muitos grupos de jovens têm podido articular demandas e fazer essa travessia dos espaços privados e silenciados na direção dos espaços públicos de constestação e reivindicação. (p. 316)

Abramo, Freitas e Sposito (2005) demonstraram que os jovens desejam participar mais intensamente em contextos sociais culturais e artísticos, diversos e, menor grau em organismos instituídos, por exemplo, os partidos políticos. Encontramos posições semelhantes entre os adolescentes e jovens que entrevistamos na pesquisa que aqui relatamos.

As relações que os adolescentes e jovens estabelecem com esses espaços diversos de participação (culturais, religiosos e comunitários) nos pareceram marcadas por muitas contradições e potencialidades. Se, por um lado, esses espaços reproduzem lógicas de dominação e de disciplina, por outro são potencializadores de resistência, nas relações micropolíticas; são espaços de inventividade cotidiana da própria cena coletiva, que não preexiste aos seus membros. Neste sentido os adolescentes e jovens experimentam o exercício da política, como entente Rancière (1996):

A política é primeiramente o conflito em torno da existência de uma cena comum, em torno da existência e a qualidade daqueles que estão ali presentes. [...]. As partes não preexistem ao conflito, que elas nomeiam e no qual são contadas como partes. A "discussão" do dano não é uma troca [...] entre parceiros constituídos. Ela diz respeito à própria situação de palavra e de seus atores. Não há política porque os homens, pelo privilégio da palavra, põem seus interesses em comum. Existe política porque aqueles que não têm direito de ser contados como seres falantes conseguem ser contados e instituem uma comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano que nada mais é que o próprio enfrentamento, a contradição de dois mundos alojados num só: o mundo em que estão e aquele em que não estão, o mundo onde há algo "entre" eles e aqueles que não os conhecem como seres falantes e contáveis e o mundo onde não há nada. (pp. 35-40)

Para discutirmos as significações que os adolescentes e os jovens constroem sobre suas experiências, buscamos em Vygotsky o conceito de mediação. Esse é um conceito central na tese vygotskiana, que afirma que as funções psicológicas superiores são relações sociais internalizadas. Vygotsky defendeu que "nós nos tornamos nós mesmos através dos outros" (Vygotsky, 1989, p. 56).

A ideia de mediação também está presente nas discussões sobre os processos de aprendizagem na formulação de Vygotsky do conceito de "zona de desenvolvimento proximal" (ZDP), assim definida: "a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes" (Vygotsky, 1989, p. 97). A análise de conteúdo da narrativa dos sujeitos, feita na perspectiva de Franco (2005), mostra que a participação deles nos diversos grupos sociais é um elemento de aprendizagem, não só no sentido de contato com novas informações, mas também de mudança nos modos de relacionamento familiar, comunitário, social. Os jovens e adolescentes afirmam que aprendem, não só com os adultos, mas também com seus pares de idade.

Sirgado (2000) adverte que o conceito de mediação não pode ser tomado de forma meramente instrumental. Esse autor discute a proposição de Vygotsky para o desenvolvimento cultural, compreendido em três estágios ou momentos articulados na perspectiva da dialética hegeliana:

O primeiro momento é constituído pelo "dado"

em si,

realidade natural ou biológica da criança enquanto algo que está dado. É o momento teórico que precede a emergência do estado de cultura. O segundo momento é aquele em que o "dado" em si adquire significação para os outros (para os homens, em sentido de coletividade ou gênero, como diz Marx). É o momento histórico da emergência do estado de cultura; momento de distanciamento do homem da realidade em si, a qual se desdobra nele na forma de representação, testemunhando a presença da consciência. Enfim, o terceiro momento é aquele em que a significação que os outros atribuem ao "dado" natural se torna significativo

para si,

ou seja, para o indíviduo singular. É o momento da constituição cultural do indivíduo quando, através desse outro, ele internaliza a significação do mundo transformado pela atividade produtiva, o que chamamos de mundo cultural. Portanto, o desenvolvimento cultural é o processo pelo qual o mundo adquire significação para o indíviduo, tornando-se um ser cultural. Fica claro que a significação é a mediadora universal nesse processo e que o portador dessa significação é o outro, lugar simbólico da humanidade histórica. (p. 66)

Embora não considerem que suas práticas grupais sejam práticas políticas, o tema da política está presente nas reflexões que estes jovens e adolescentes tecem em seus grupos. Neste sentido, a significação que os adolescentes e jovens constroem para a política é produzida dialeticamente, na medida em que os significados de política são compartilhados em seu grupo social, internalizados e transformados cotidianamente pela ação desses adolescentes e jovens, que, transformando significados prévios, constroem significações singulares.

O esforço em compreender os processos de inserção e/ou formação de coletivos nas biografias dos adolescentes e jovens que participaram desta pesquisa implica identificar e mapear as noções de política que se revelam em suas práticas e iniciativas.

Assim, nosso olhar socio-histórico sobre as trajetórias desses jovens pretende valorizar aqueles acontecimentos relevantes que marcaram seu percurso formativo no âmbito de seus grupos ou organizações. Referimo-nos a situações, vivências e fatos que se configuram como intervenção no cotidiano e que, numa primeira aproximação, poderiam ser percebidos como lugares-comuns e vazios de sentido. No entanto, numa leitura mais cuidadosa desses acontecimentos, considerando a política como dimensão inevitável, constitutiva mesma do humano e de suas relações, que se dão tanto no espaço doméstico da família quanto na arena pública dos movimentos sociais e dos partidos políticos, é possível encontrar uma ação política e ao mesmo tempo uma potencialidade política, ou seja, a formação de um sujeito político mobilizado para a ação coletiva. Encontramos na trajetória de alguns jovens, a participação no grêmio escolar como o primeiro momento de envolvimento em uma ação coletiva. Nesse sentido, a participação no grêmio é uma ação que repercute no cotidiano, mas também comporta o sentido de exercício, de ensaio, de aprendizagem para futuros engajamentos políticos, como exemplificados nos depoimentos que se seguem:

Olha, eu tive uma, a gente montou uma chapa, né, só que aí eu saí antes de ter a eleição, mas a gente tava lá montando uma chapa para concorrer ao grêmio. E eu participei, ajudei a montar o grêmio do Nossa Senhora do Carmo. Depois que eu já montei o grêmio eu já entrei pra Umes [União Municipal de Estudantes Secundaristas] (R, membro da UMES, Betim)

A análise do conjunto dos dados sistematizados aponta para uma multiplicidade de significados de política nos discursos dos diferentes sujeitos, mas duas noções fundamentais se destacam. A primeira enfatiza o exercício do diálogo, da negociação como mecanismo de enfrentamento e superação dos conflitos. Rocha, citando Hannah Arendt, afirma que:

[...] a política é a expressão da busca, através da fala, do consenso entre homens diferentes [...], concebendo a esfera política retratada pela ágora grega, na qual os cidadãos, através de uma ação comunicativa livre de coerção, buscam o entendimento recíproco, e não o próprio sucesso. (Arendt, 1999, p. 12)

A capacidade de comunicação e argumentação se torna fundamental para a manutenção do vínculo grupal e para a manutenção ou ampliação do poder de influência nas escolhas e decisões do coletivo. A palavra se constitui como ferramenta política:

É, nesses últimos meses pra cá eu venho crescendo muito no projeto, já sou meio que um líder lá dentro, vamos dizer assim, não um líder pra falar assim, sabe?! Mais de conversa, de entender as pessoas, de saber relacionar, e meu próprio coordenador já disse isso pra mim e isso me ajuda muito. (W, integrante de ONG, Betim)

Paulo Freire também nos oferece elementos para pensar a ação política como comunicação, como encontro que se dá pela palavra, afirmando que o ato de dizer sua própria palavra é um ato político, como indica Rena (2008):

Na luta contra a alienação de si próprio e no esforço de constituir-se como consciência entra em cena a "palavra" como ferramenta, como instrumento de individuação e de cumplicidade. Na introdução de

Pedagogia do oprimido

, principal obra de Paulo Freire, o professor Ernani Fiori comenta: "A palavra, porque lugar do encontro e do reconhecimento das consciências, também o é do reencontro e do reconhecimento de si". Nessa perspectiva a palavra não é uma convenção arbitrária que cumpre a tarefa de designar as coisas e os fatos. Mas é algo vivo que se confunde com a própria existência de quem a diz ou escreve. (pp. 3-4)

Para alguns dos adolescentes e jovens que participaram da pesquisa, a ideia de política está associada ao alcance de objetivos mais imediatos, como movimento mais reivindicatório e de defesa de direitos, sem uma agenda propositiva. No entanto, é evidente a noção de política como esforço de ocultação do conflito, no sentido de evitar o confronto e a disputa de poder que está no cerne da ação política. A experiência da liderança se constrói pragmaticamente em torno de interesses bem definidos e o líder eficaz é considerado aquele que cria as condições para se alcançar os objetivos sem grandes desgastes na relação com quem se negocia, como fica evidenciado na narrativa abaixo:

[...] foi do grêmio, eu falei com a galera que eles estavam começando a entender que, se a gente tivesse envolvido nesse projeto que era o grêmio, a gente tinha que entender e correr atrás dos nossos objetivos e o objetivo de todo mundo ali era passar de ano. Aí que veio a ideia. (T, membro da UJS, Betim)

Entretanto, nos grupos aos quais pertencem ou nos quais tentam se organizar, notamos que as mediações políticas (potenciais do processo de participação política desses adolescentes e jovens) estão presentes rotineiramente e que vários adultos e equipamentos sociais participam dessa rotina de mediação, de forma constante. Isso evidencia que a forma de pensar a política e de interagir com ela de maneira mais autônoma ou não é mediada pelo contexto socio-histórico desses adolescentes e jovens. A narrativa a seguir mostra o enfrentamento de um grupo de alunos com a direção da escola para a formação de um grêmio estudantil:

Primeiro o diretor pediu para a gente montar as chapas, tinham quatro chapas, das quatro só sobraram duas. Eram as duas chapas que queriam levar a sério mesmo, aí teve votação, e eu ganhei com a que no caso é a vice, né, aí a gente ganhou com cinco votos de diferença, que era a atual chapa que competiu com a gente. E foram cinco votos de diferença, pouca coisa. [...], só que o diretor, ele não quis, "tipo" ele não quis dar ousadia pra gente. Entendeu? Não quis tal... desde o início a gente sabia que a gente ia enfrentar alguma coisa, ele nunca gostou que a gente conversasse com o grupo, com os alunos, e querendo ou não a gente ia colocar ideias na cabeça dos alunos, entendeu? Isso eu acho que ele achava que a gente ia formar a revolução dentro da escola, só que a nossa intenção nunca foi essa, aí ele nunca deixou não. (T, membro da UJS, Betim)

A ação política dos jovens e adolescentes é dialeticamente mediadora e mediada por equipamentos sociais e pessoas adultas, que trazem implicitamente às suas ações uma opção política, mesmo que não necessariamente partidária, o que contribui intensamente para os sentidos que os adolescentes e jovens constroem sobre a temática da participação.

Compreender a vivência dos adolescentes e jovens como dialética significa conceber o processo de formação dos grupos como um acontecimento que se constitui historicamente e que vai se forjando na interação entre os sujeitos. Entendemos que a vivência dos sujeitos da pesquisa em grupos formais e informais distintos da escola transformou os próprios jovens, que se declararam menos tímidos nos contatos interpessoais e, na expressão deles próprios, "mais conscientes" dos problemas vividos no seu meio social e "mais dispostos a participar e contribuir para a mudança social". Inicialmente, a aproximação entre os adolescentes e jovens nos grupos foi motivada pelas relações de amizade, pela convivência no ambiente escolar e comunitário, mas, ao longo do tempo, eles construíram e partilharam objetivos comuns. Dessa forma, podemos afirmar que a mediação oferecida pelos coletivos dos quais os adolescentes e jovens participam será transformada e (re)criada em forma de novas compreensões sobre a política e a participação coletiva e de possibilidades de ação e engajamento. Os novos sentidos construídos por eles para a temática da participação política serão uma síntese provisória e, portanto, dialética. Nesse sentido, estudar o fenômeno da formação dos grupos entre os adolescentes e jovens significa estudar um processo em constante transformação e Vygotsky considera que "estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. [...] É somente em movimento que um corpo mostra o que é" (Vygotsky, 1999, pp. 85-86). As mudanças no processo de formação dos grupos pelos adolescentes e jovens modificam tanto os contextos nos quais estão inseridos, quanto os próprios adolescentes e jovens. Nesse sentido, concordamos com Zanella (2004):

Estudar os fenômenos em movimento é o mesmo que dizer que os estudamos historicamente, pois se compreende a historicidade dos processos como movimentos dialéticos, marcados por oposições, concordâncias, simetrias e assimetrias. Enfim, tensões que se objetivam em sínteses inexoravelmente provisórias. O sujeito, nessa perspectiva, apropria-se da realidade nos aspectos que lhe são significativos, sendo a maneira como se apropria única e fundamento de sua própria singularidade. (pp. 28-29)

As trajetórias pessoais, com maior ou menor possibilidade de engajamento político e em diferentes graus de intensidade, são determinantes para a construção da ideia de política. Para alguns iniciantes envolvidos em práticas sociais que implicam o exercício das habilidades e competências necessárias à ação política, há uma evidente dificuldade de ampliar a noção de política para além das esferas institucionais estabelecidas pela democracia formal e eles só percebem a ação política como algo distante, inacessível e fora da sua governabilidade: "É assim uma coisa longe, né? Também não gosto, parece que eles ganham dinheiro com as coisas da gente, sabe? Impostos que a gente paga... e nada que falam a gente vê depois". (M, integrante do grupo de Funk).

Entre os jovens com percursos de participação mais consolidados, alguns universitários, a política se traduz em engajamento político-partidário que resulta de uma mudança qualitativa da consciência da realidade. A compreensão mais ampliada e aprofundada dos mecanismos de exploração que movem as relações sociais na sociedade capitalista produz o deslocamento de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, expressões cunhadas por Paulo Freire (2006).

Freire (1981) concebe o homem como um ser de relações que está no mundo e com o mundo. A ação do homem no mundo, pensada dialeticamente, é a práxis, que, tranformando o mundo, transforma o próprio homem no mundo. Freire (2006) considera que é o trabalho educativo crítico que promove o processo de passagem da consciência ingênua para a consciência crítica.

Podemos aqui apontar o diálogo entre Paulo Freire e Vygotsky em torno da mediação, uma vez que o processo de transformação da consciência ingênua em consciência crítica não é espontâneo ou natural, mas construído no contexto de pertencimento dos sujeitos, transformando a um só tempo o sujeito e o contexto.

Oliveira e Carvalho explicam o conceito freiriano de consciência ingênua e consciência crítica. A consciência ingênua "é típica do homem massa que não consegue estabelecer uma progressão intensiva no diálogo com o mundo e com os homens" (Oliveira & Carvalho, 2007, p. 4). E continuam: "Não é uma consciência investigadora, mas é uma consciência que se contenta com as experiências vividas; parte do princípio de que a realidade é estática" (Oliveira & Carvalho, 2007, p. 4). Já a consciência crítica, ainda segundo Oliveira e Carvalho,

"É o conhecimento ou a percepção que consegue revelar algumas razões que explicam a maneira como os homens estão sendo no mundo; ela conduz o homem à sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se; fundamenta-se na criatividade e estimula tanto a reflexão quanto a ação do homem sobre a realidade, promovendo a transformação criadora." (p. 4)

Para os jovens ouvidos nesta pesquisa, a política se apresenta como uma atitude, como expressão da indignação frente à realidade perversa que emerge de uma sociedade estruturalmente injusta e impõe uma escolha: engajar-se, compartilhar da luta por uma causa e buscar a transformação social. Política é militância. É pautar o debate sobre as grandes questões nacionais nos espaços de convivência nos quais o jovem se insere e nos ambientes em que o sujeito transita.

Então é, a desigualdade social tá explícita aí pra gente, e a partir de um momento a gente começa a ver isso com certa indignação e quando você encontra um grupo que tem a linha de pensamento parecida com a sua, essa mesma linha de indignação com a desigualdade social, com todo tipo de exclusão social que existe aí (exclusão racial, exclusão sexual, todo tipo de exclusão), a gente se indigna com isso e quando você encontra esse grupo, a gente acaba se juntando a ele e se organizando de uma forma que você possa lutar contra todo esse tipo de desigualdade, de exclusão, e no partido pelo menos até agora foi que eu encontrei a maneira melhor de organizar e de encaminhar pra isso. [...] foi a política que eu achei mais acertada, a forma de organização mais acertada. (R, membro de partido político, Betim)

O acontecimento" que irrompe no cotidiano do jovem ou na rotina das organizações em que ele está inserido poderia ser interpretado, na perspectiva arendtiana, como aquilo que permite a novidade, a possibilidade de reinvenção das práticas individuais e coletivas. Utilizando a imagem do milagre, Arendt afirma: "Os milagres [...] devem ser sempre: interrupções de uma série de acontecimentos, de algum processo automático, em cujo contexto constitua o absolutamente inesperado." (Arendt, 2005, p. 217)

Lefort [1987], apoiado em Arendt (1999, p. 65) enfatiza o valor dos acontecimentos para a produção do pensamento historicamente situado: "'Pensar' não significa simplesmente mover-se no já pensado, mas recomeçar e, precisamente, recomeçar através das provações impostas pelos acontecimentos". Nesse sentido, a narrativa dos adolescentes e jovens nos sugere a necessidade de reflexão sobre a potência, o sentido e o papel desses pequenos acontecimentos que ocorrem e marcam as trajetórias pessoais com desdobramentos no entorno desse sujeito mobilizado e convocado a agir na formação dos coletivos.

Um dos acontecimentos potencializadores da participação dos adolescentes e jovens e de sua inclusão em espaços sociais mais amplos é sua inserção em pequenos grupos. A narrativa dos sujeitos que responderam ao questionário e que participaram das entrevistas mostra que eles estão inseridos em pequenos grupos, próximos à sua comunidade de origem. Esses pequenos grupos são, para a maioria deles, a primeira experiência de participação social e comunitária, para além do espaço escolar, ainda que em alguns casos provocada pela experiência escolar.

Encontramos uma pluralidade de motivações para a formação desses grupos: religiosas, políticas, artísticas, bem como uma diversidade de ações grupais com maior ou menor autonomia de seus participantes.

Os adolescentes e jovens relatam que entraram nesses grupos por convite de amigos e por compartilhar interesses comuns. Nas igrejas evangélicas eles se agrupam em torno da música, os encontros acontecem em função do ensaio das músicas e das apresentações nos cultos das igrejas. Nesses grupos os adolescentes e jovens sentem-se com menos autonomia.

No entanto, os adolescentes e os jovens relatam que a participação nos pequenos grupos tem o efeito imediato positivo de mudar suas relações familiares e sociais: vencem a timidez, aprendem a expressar suas ideias, a escutar.

Já as adolescentes mulheres que formam um grupo de funk e utilizam o espaço do Centro Cultural. O Centro Cultural é um equipamento público municipal, criado por demanda da comunidade local por meio do Orçamento Participativo (OP). Logo após a sua fundação, uma série de conflitos entre os gestores e a comunidade local resultou em seu fechamento temporário. Havia por parte da comunidade o desejo de participar e influir na gestão do centro cultural, mas esta demanda que não foi acolhida. As "meninas do funk" estabelecem com esse equipamento social uma relação tensa, como explicita uma das entrevistadas:

Tem que seguir as regras...não pode atrasar demais, não pode vir de barriga muito de fora.. acho que eles não gostam muito da música não, porque tem muito palavrão, né? Mas não falam nada não... Acho que a maioria dos grupos prefere ensaiar na academia ou em alguma escola no final de semana durante o escola aberta, porque aí pode ir de qualquer roupa, é menos rígido, né? (M, integrante do grupo

Funk

)

Embora insatisfeitas com as regras impostas pelo Centro Cultural elas não conseguiram propor nenhuma mudança. Elas anunciam que continuarão a ensaiar no espaço do Centro Cultural até que encontrem outro espaço.

O relato sobre as mudanças percebidas na própria vida entre as participantes do grupo de funk são consideradas significativas por elas: "Ah, muda, né, para melhor, a gente fica mais amiga, menos tímida, já aprende a falar, se colocar, antes eu não fazia nada disso". (S)

Como já apontamos a participação nesses pequenos grupos não foi associada na maioria das vezes, pelos adolescentes e jovens, com uma ação de significação política. Nesse sentido, o diálogo entre a pesquisadora e as participantes do grupo de funk é expressivo, quando indagadas sobre a significação da política: "É assim uma coisa longe, né? Também não gosto, parece que eles ganham dinheiro com as coisas da gente, sabe? Impostos que a gente paga... e nada que falam a gente vê depois". (M)

A pesquisadora retruca, perguntando se o que elas fazem não é também política: "Mas é uma política diferente... a gente combina e dá tudo certo..." (Grupo de Funk). Reaparece aqui a significação da política como um espaço de negociação e de produção de consenso, mas não de conflito: uma negociação que envolve a resolução de uma questão imediata, ligada às atividades do próprio grupo. É interessante observar que esse grupo não conseguiu se organizar para influir e participar da gestão do próprio espaço do centro cultural.

Conclusão

Procuramos conhecer o contexto familiar, escolar, comunitário e social dos adolescentes e jovens entrevistados, pois interessou-nos saber o quanto esses contextos se revelam potencializadores da participação autônoma desses adolescentes e jovens nos grupos e o quanto se revelam como instância de tutela. Interessou-nos saber, também, de que modo as ações dos adolescentes e jovens nomeadas como participação social e comunitária não estariam reduzidas às estratégias de uma boa ocupação dos "corações e mentes" desses adolescentes e jovens, que, em vez de potencializar a participação ativa e transformadora, promoveria a disciplina e o silenciamento. Interessou-nos, sobretudo, compreender de que modo os adolescentes e os jovens agem e reagem às contradições de seus contextos.

A participação não significa exclusivamente uma ação espontânea dos adolescentes e jovens, ela é também um exercício construído nas e pelas relações sociais vividas. Por outro lado, o exercício da participação nem sempre resulta em práticas emancipatórias e transformadoras. Muitas vezes, a retórica da participação é capturada como uma estratégia de controle social dos adolescentes e jovens e ainda como uma forma de gerenciar os recursos e das políticas públicas dirigidas a essa faixa da população. Os sujeitos envolvidos nesta pesquisa enfatizaram os ganhos pessoais e individuais do seu engajamento em algum grupo, tais como tornar-se menos tímidos e mais tolerantes nas relações familiares e de amizade.

Percebemos no relato dos adolescentes entrevistados uma relação menos autônoma com a escola e as igrejas, veículos para a realização de atividades esportivas e artísticas. Elas parecem ser aliadas das famílias, no sentido de prover uma "boa ocupação" para os adolescentes fora da jornada escolar. São instituições que, no contexto estudado, representam a oportunidade de acesso à informação, de troca de experiências e de sociabilidade entre os pares.

Os jovens, sobretudo os universitários, se aproximam de uma ação política mais formal incluindo-se nos partidos políticos e nas instâncias de representação dos estudantes universitários, tais como os diretórios acadêmicos.

As relações que os adolescentes e jovens estabelecem com esses espaços nos pareceram marcadas por muitas contradições e potencialidades. Se, por um lado, esses espaços reproduzem lógicas de dominação e de disciplina, por outro são potencializadores de resistência, nas relações micropolíticas; são espaços de inventividade cotidiana da própria cena coletiva, que não preexiste aos seus membros.

Assim, a participação grupal, para além do espaço organizado para a realização de atividades ou de luta pela garantia e/ou restituição de direitos, é um exercício no tempo presente de circulação da palavra entre pares, de enfrentamento dos conflitos que a própria vivência da cena coletiva impõe.

A participação dos sujeitos da pesquisa em variados grupos é uma experiência de aprendizagem entre pares e de construção de uma atividade coletiva. Os adolescentes e jovens avaliam que a experiência atual ampliou suas possibilidades de expressão entre os pares, na família, na escola, nos equipamentos públicos e sociais, e, neste sentido pode ser compreendida como embrionária de novos engajamentos políticos e sociais.

Recebido em 09. Nov. 12

Revisado em 25. Mai. 13

Aceito em 27. Mai. 13

Maria Ignez Costa Moreira, Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora Adjunta do Instituto de Psicologia, na graduação e Mestrado em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Endereço para correspondência: Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av. Itaú, nº 525 - Bairro Dom Cabral - Belo Horizonte/MG - CEP: 30535-012. Telefone: (31)33194568. E-mail: maigcomo@uol.com.br

Luiz Carlos Castello Branco Rena, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, é professor da Faculdade de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Núcleo Betim. E-mail: luizrena@oi.com.br

Maria do Carmo Sousa, Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: madupsi@yahoo.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2012
  • Aceito
    27 Maio 2013
  • Revisado
    25 Maio 2013
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