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O psicólogo no Núcleo de Apoio à saúde da Família: articulação de saberes e ações

The psychologist at the Health Family Support Nucleus: articulations of knowledge and actions

El psicólogo en el Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia: articulación de conocimientos y acciones

Resumo

O presente trabalho objetiva problematizar a prática dos profissionais de Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com foco no processo de articulação dos saberes dentro da equipe multiprofissional desse dispositivo e das ações desenvolvidas com outras equipes e instituições da rede de atenção. Os resultados apontam para dificuldades no estabelecimento de relações interdisciplinares dentro da equipe e falta de integração com a rede. Destaca-se ainda a pouca realização do apoio matricial às equipes Saúde da Família, apesar deste ser o eixo central da proposta de ação do NASF. Com um modelo de atuação tradicionalmente individual e fragmentário, a Psicologia deve dedicar-se à construção de novas práticas que, no contexto da Atenção Básica, contribuam para ações articuladas e contextualizadas que se reflitam na efetiva atenção integral aos usuários.

Palavras-chave:
NASF; atuação do psicólogo; atenção básica; interdisciplinaridade; intersetorialidade

Abstract

The present study aims to problematize the practice of the Psychology professionals at the Family Health Support Nucleus (FHSN), focusing in the process of articulating of knowledge inside the multiprofessional team of the FHSN, and the articulation of the actions developed with others teams and institutions of the social and health care network. The results indicate that there are difficulties in establishing interdisciplinary relations inside the teams, as well as a lack of integration with the healthcare network. It also stands out that very little matrix support has being made to Family Health's teams, although this is the central axis of the proposed actions for the FHSN. With a model of operation that is traditionally individual and fragmentary, the Psychology must dedicate itself to the building of new practices that, in the Basic Care context, contributes to articulated and contextualized practices that reflects on the effective integral care for the users.

Keywords:
family health support nucleus; psychologist practice; basic care; interdisciplinarity; intersectorality

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo discutirla práctica profesional de la psicología en el Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia (NASF), centrado en el proceso de articulación del conocimiento dentro del equipo multidisciplinar de este dispositivo, y las acciones de otros equipos e instituciones con la red de cuidado. Los resultados apuntan a las dificultades para establecer relaciones interdisciplinarias dentro del equipo y la falta de integración con la red. Otro punto a destacares la poca realización del soporte de la matriz de los equipos de salud familiar, a pesar de ser el núcleo de la acción propuesta de la NASF. Con un modelo de la acción individual y tradicionalmente fragmentada, la psicología debe dedicarse a la construcción de nuevas prácticas en el contexto de la atención primaria, contribuirá a las acciones articuladas y contextualizadas que se reflejan en usuarios efectivos de atención integral.

Palabras clave:
NASF; el psicólogo; la atención primaria; interdisciplinariedad; interseccionalidad

Nos anos 1980, ainda no processo de redemocratização, cria forças no Brasil um movimento em prol da reforma sanitária, tendo se originado no país ainda no final da década de 1960 como uma (desorganizada) combatividade ao regime autoritário (Pereira, 1996Pereira, C. A. (1996). A política pública como caixa de pandora: organização de interesses, processo decisório e efeitos perversos na reforma sanitária brasileira (1985-1989). Dados Revista de Ciências Sociais, 39(3), 423-78. doi: 10.1590/S0011-52581996000300006
https://doi.org/10.1590/S0011-5258199600...
). O Movimento Sanitário brasileiro abarca as propostas da Saúde Coletiva de superação da óptica biologicista, médicocentrada, curativa e medicalizadora que era hegemônica no entendimento do cuidado à saúde até então. A saúde coletiva trabalha, tendo as necessidades sociais de saúde como foco, com a dimensão sócio-política do cuidado, na qual se busca uma transformação na prática do cuidado à saúde visando à construção e fortalecimento da autonomia dos sujeitos (Cruz, 2009Cruz, M. C. C. (2009). O conceito de cuidado à saúde(Dissertação de Mestrado). Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA. Recuperado de http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/10398
http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/...
; Paim & Almeida Filho, 1998Paim, J., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma "nova saúde pública" ou um campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32(4), 299-316. doi: 10.1590/S0034-89101998000400001
https://doi.org/10.1590/S0034-8910199800...
).

Esta mudança de perspectiva faz com que o conceito de saúde saia da seara do abstrato para um constructo concreto determinado em um contexto histórico, sendo resultante de condições sociais diversas, como alimentação, habitação, renda, trabalho, lazer e posse de terra (Minstério da Saúde, 1987Ministério da Saúde (1987). Anais da VIII conferência nacional de saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde.). Passa-se a atentar para a relação da saúde com as for-mas de organização social da produção e as desigualdades geradas por ela. A saúde deixa de ser vista como uma responsabilidade individual pertencente ao campo do biológico, passando a abarcar aspectos sociais, opondo-se assim ao modelo biomédico tradicional (Minayo, 1986Ministério da Saúde (1986). Relatório final da VIII conferência nacional de saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde.; Traverso-Yépez, 2008Traverso-Yépez, M. (2008). A psicologia social e o trabalho em saúde . Natal : UFRN .).

As propostas do Movimento Sanitário foram incorporadas pela Constituição Federal de 1988, tendo como uma de suas definições a criação do Sistema único de Saúde (SUS) que vem se oficializar em 1990 com a Lei n.8080 (de 19 de setembro de 1990), que define e regulamenta a implantação e operacionalização do SUS.

O artigo 7º da Lei n.8080, em concordância com o previsto na Constituição Federal, determina que as ações desenvolvidas no SUS devem, necessariamente, estar de acordo com treze princípios norteadores, dentre eles: a universalidade, a equidade e a integralidade (Lei n.8080 de 19 de setembro de 1990; Ministério da Saúde 1986Ministério da Saúde (1986). Relatório final da VIII conferência nacional de saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde.).

Na busca por atender a esses princípios o SUS organiza-se em três níveis de atenção, tendo a Atenção Básica como eixo estruturador de todo o sistema. As ações e os serviços oferecidos pelo nível básico de atenção do SUS vão além da assistência médica e têm como base as necessidades de determinada comunidade; para reconhecê-las, é fundamental que se construa uma relação de proximidade e diálogo entre os profissionais, com o território e com a população atendida. O diálogo surge como instrumento fundamental de construção da atenção integral. Somente através de uma relação dialógica de cuidado é possível avançar no novo paradigma que relaciona finalidades e meios, a saúde ao mais amplo estado de bem estar social (Ayres, 2004Ayres, J. R. C. M. (2004). Cuidado e reconstrução das práticas de saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 8(14), 73-92. doi: 10.1590/S1414-32832004000100005
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200400...
; Heimann & Mendonça, 2005Heimann, L. S., & Mendonça, M. H. (2005). A trajetória da atenção básica em saúde e do programa de saúde da família no SUS: uma busca de identidade. In N. T. Lima, S. S. Gerchman & F. C. Edler (Orgs.), Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS (pp. 481-502). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.). A Estratégia Saúde da Família (ESF) surge como principal mecanismo de operacionalização da Atenção Básica, assim como um modelo ordenador de toda a rede de saúde do sistema (Ministério da Saúde, 2006Ministério da Saúde (2006). Portaria n. 399 de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 - Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Diário Oficial da União.). Tem como tática fundamental o estabelecimento de vínculos de corresponsabilidade entre os profissionais que compõem suas equipes e a população de usuários, indo de encontro ao modelo biomédico tradicional, médico-centrado e curativo (Ministério da Saúde, 1997Ministério da Saúde (1997). Saúde da família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial . Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação de saúde da comunidade. Brasília: Ministério da Saúde.).

A Estratégia Saúde da Família é a porta de entrada preferencial do SUS, oferecendo, além de ações de promoção de saúde e prevenção de agravos, assistência médica ambulatorial básica por profissionais em sua maioria generalistas. Na perspectiva de consolidar uma atenção integral e de qualidade aos usuários, complementando e qualificando a ação da ESF, surge o apoio matricial, uma estratégia que visa um espaço de construção coletiva de conhecimentos e práticas na saúde (Campos, 1999Campos, G. W. S. (1999). Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 4(2), 393-403. doi: 10.1590/S1413-81231999000200013
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).

Apoio matricial é a proposta de um arranjo organizacional para o trabalho em saúde que visa diminuir a fragmentação que se estabelece nesse campo. Operacionaliza-se através da constituição de uma equipe de especialistas diversos que oferece retaguarda assistencial e suporte técnico-pedagógico às equipes de referência, que no caso da atenção básica do SUS é a equipe Saúde da Família (Campos, 1999Campos, G. W. S. (1999). Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 4(2), 393-403. doi: 10.1590/S1413-81231999000200013
https://doi.org/10.1590/S1413-8123199900...
; Campos & Domitti, 2007Campos, G. W. S., & Dominitti, A. C. (2007). Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, 23(2), 399-407. doi: 10.1590/S0102-311X2007000200016
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200700...
).

Esperava-se que o SUS, por meio dos hospitais e centros de referência oferecesse às equipes de atenção básica o suporte especializado de que necessitassem. No entanto, por falta de recursos técnicos e materiais, as equipes de Saúde da Família não encontravam um caminho na rede que lhes permitissem o acesso a este apoio. Historicamente as políticas públicas de saúde no Brasil são marcadas pela lógica reformista, na qual novas instituições surgem para remediar falhas no planejamento ou execução do que fora anteriormente instituído. é nesta lógica, no momento em que a deficiência em oferecer a retaguarda especializada atravanca o funcionamento da rede, que surge o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Instituído pela Portaria n. 154/2008 do Ministério da Saúde (2008a)Ministério da Saúde (2008a). Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União., o NASF é criado como um dispositivo que integra o desenho assistencial do SUS, com o objetivo de "ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia de Saúde da Família na rede de serviços" (Ministério da Saúde, 2008aMinistério da Saúde (2008a). Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União., p.2).

Ainda de acordo com as Portarias que o regulamentam (Ministério da Saúde, 2008aMinistério da Saúde (2008a). Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União.; Ministério da Saúde, 2008bMinistério da Saúde (2008b). Portaria 409 de 23 de julho de 2008. Institui a FCES - Ficha Complementar de Cadastro das Equipes de Núcleo de Apoio a Saúde da Família - NASF no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde - SCNES. Diário Oficial da União.; Ministério da Saúde, 2009aMinistério da Saúde (2008a). Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União.), o NASF não deve se caracterizar como a porta de entrada do sistema, mas sim ter sua atuação diretamente ligada ao apoio às Equipes Saúde da Família (ESF), atuando na qualificação e complementaridade do trabalho das ESF. Desta forma a equipe NASF se configura como uma equipe matricial oferecendo a retaguarda especializada às equipes de referência, que são as equipes de Saúde da Família.

No intento de ser funcional à reestruturação do sistema de atenção, o NASF se organiza em nove áreas estratégicas que têm como pressupostos diversas políticas nacionais (Ministério da Saúde, 2009bMinistério da Saúde (2009b). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF. Ministério da Saúde: Brasília.). Dentre tais áreas estratégicas está a Saúde Mental, sobre a qual nos debruçamos neste trabalho.

No tocante à saúde mental, o NASF surge com a proposta de fortalecer a ESF, oferecendo apoio às equipes, utilizando desde as estratégias de capacitação dos profissionais aos necessários acompanhamentos de casos. Para tanto, realiza intervenções partindo do contexto familiar e comunitário dos usuários, por meio de ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação psicossocial (Ministério da Saúde, 2009bMinistério da Saúde (2009b). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF. Ministério da Saúde: Brasília.). A responsabilidade pelo cuidado em saúde mental dos usuários deve ser compartilhada entre as equipes de Saúde da Família, o NASF e os dispositivos de saúde mental presentes no território. Cabe à equipe SF a coordenação deste cuidado, e ao NASF um papel fundamental na articulação entre os serviços da Atenção Básica e os centros de cuidado mais especializados, como Centros de Atenção Psicossocial. Desta forma podemos afirmar que as ações do NASF se centram prioritariamente na lógica do Apoio Matricial.

O principal recurso utilizado na relação entre equipe matricial e equipe de referência no cuidado do usuário é a elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS). O PTS é o processo de elaboração de uma hipótese diagnóstica e um plano de tratamento e acompanhamento de um caso, que pode ser um indivíduo, uma família, um grupo ou um território. é importante ressaltar que o Projeto é elaborado na troca de saberes entre a equipe de apoio matricial e a de referência, sendo a última responsável pelo acompanhamento do caso e aplicação do projeto (Ministério da Saúde, 2011Ministério da Saúde. Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva (2011). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental . Brasília, DF: Ministério da Saúde.).

Para a elaboração, aplicação e necessária reavaliação do PTS, há diversas ações colaborativas entre as equipes, dentre elas: a interconsulta que pode ocorrer como uma discussão de casos por parte ou por toda a equipe, consultas conjuntas e visitas domiciliares conjuntas, de maneira a facilitar a troca de conhecimentos (sendo potente no processo de educação permanente) e a visão integral do processo saúde-doença (Ministério da Saúde, 2011Ministério da Saúde. Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva (2011). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental . Brasília, DF: Ministério da Saúde.).

A Portaria n.154/GM de 2008 indica que: "Tendo em vista a magnitude epidemiológica dos transtornos mentais, recomenda-se que cada Núcleo de Apoio a Saúde da Família conte com pelo menos 1 (um) profissional da área de saúde mental" (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde (2008a). Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008. Cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União., p. 3) . Como profissionais atrelados diretamente à área de Saúde Mental a equipe pode contar com: o Terapeuta Ocupacional, o Médico Psiquiatra e o Psicólogo.

No estado do Rio Grande do Norte, a preferência dos projetos submetidos para credenciamento do NASF é daqueles cuja equipe conta com um psicólogo como profissional de Saúde Mental, por considerar-se que a presença deste profissional (ao invés do profissional médico psiquiatra) tende a reforçar a integralidade do atendimento, na direção de construir diálogos interdisciplinares na equipe.

Historicamente a Psicologia se constrói como uma prática liberal voltada para os grupos de renda mais abastados, mantendo-se distante das necessidades da maior parcela da população (Botomé, 1979Botomé, S. P. (1979). A quem nós psicólogos servimos de fato? Psicologia, 5(1), 1-15.). Com as dificuldades que o mode-lo profissional autônomo se depara, somando-se a ampliação do campo profissional nos avanços do setor de bem-estar social (destacando-se o campo da saúde pública), a Psicologia segue uma tendência inercial: transpor o modelo teóricometodológico tradicional e elitista para o novo público (Boarini, 1996Boarini, M. (1996). A formação (necessária) do psicólogo para atuar na saúde pública. Psicologia em Estudo, 1(1), 93-132.; Yamamoto, 2007Yamamoto, O. H. (2007). Políticas sociais, "terceiro setor" e "compromisso social": perspectivas e limites do trabalho do Psicólogo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 30-37. doi: 10.1590/S0102-71822007000100005
https://doi.org/10.1590/S0102-7182200700...
). As técnicas, os instrumentos, as linguagens e os valores da Psicologia foram forjados para atender as demandas de um grupo com renda média, abastada, e seriam agora transpostas a uma parcela da população cuja realidade social é desconhecida dessa Psicologia tradicional. "Temos, portanto, uma situação de endogamia social, na qual terapeuta e paciente oriundos da mesma classe social permanecem cegos para as determinações sociais de tal prática" (Ferreira Neto, 2010Ferreira Neto, J. L. (2010). A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses. Psicologia: ciência e profissão, 30(2), 390-403. doi: 10.1590/S1414-98932010000200013
https://doi.org/10.1590/S1414-9893201000...
, p. 395).

Diante dos novos rumos que se abrem à Psicologia, em especial no campo da Saúde Pública e sua atuação no NASF, vê-se que mudanças são demandadas à prática dos psicólogos. Trabalhar com a concepção de saúde integral, considerando a saúde mental intrínseca à saúde e ao cuidado, traz a imperativa necessidade do trabalho em equipe multiprofissional, trazendo a perspectiva da corresponsabilidade em um contexto interdisciplinar (Zurba, 2011Zurba, M. C. (2011). Contribuições da psicologia social para o psicólogo na saúde coletiva. Psicologia & Sociedade ; 23(spe), 5-11. doi: 10.1590/S0102-71822011000400002
https://doi.org/10.1590/S0102-7182201100...
). O psicólogo, habituado com uma atuação solitária, ao se inserir no NASF depara-se com essa realidade de maneira ainda mais marcante, unindo-se a uma equipe multidisciplinar para trabalhar o apoio matricial e a corresponsabilidade entre profissionais, equipes e usuários. Desta forma, se faz necessário realizar seu trabalho de maneira interdependente com outros profissionais e saberes, e sua formação (da maneira como historicamente se constrói a Psicologia, em formação e prática) pouco contribui para isso (Ferreira Neto, 2010Ferreira Neto, J. L. (2010). A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses. Psicologia: ciência e profissão, 30(2), 390-403. doi: 10.1590/S1414-98932010000200013
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).

Nesta perspectiva, buscamos conhecer como ocorrem hoje, no Rio Grande do Norte, as articulações entre os profissionais da equipe NASF, e entre a equipe NASF e equipes Saúde da Família, centrando-se na posição do profissional de Psicologia nestas relações.

Procedimentos metodológicos

Para atender aos objetivos propostos, buscou-se inicialmente um mapeamento dos psicólogos vinculados profissionalmente a equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família em todo o território do estado do Rio Grande do Norte. Este mapeamento foi realizado através de consulta ao banco de dados oficial do Sistema único de Saúde (DataSUS), mais especificamente do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES - disponível online em http://cnes.datasus.gov.br/).

Depois dessa etapa construiu-se um banco de dados no qual foram organizadas informações sobre os estabelecimentos de saúde existentes nos municípios que contam com equipes NASF, a data de implantação das equipes, o nome e ocupação dos profissionais nelas atuantes. Este banco de dados permitiu que se visualizasse a distribuição temporal e geográfica dos NASF no RN, permitindo adotar para a coleta o critério de antiguidade das equipes NASF, o que, em tese, implicaria consolidação mais efetiva do serviço. Foram escolhidas, portanto, sete equipes NASF com oito psicólogos atuantes, distribuídas por seis municípios do RN. Dos oito, sete se disponibilizaram a participar da pesquisa, submetendo-se a entrevistas individuais, semiestruturadas, registradas em áudio e transcritas, realizadas no período entre agosto de 2010 e setembro de 2011.

O roteiro de entrevista, por meio de tópicos norteadores, contemplou blocos de informações referentes aos determinantes da entrada do psicólogo nos serviços; à formação para a prática atual; ao funcionamento do NASF; às atividades realizadas pela equipe NASF e pelo psicólogo; aos desafios e possibilidades da atuação do psicólogo no NASF; e à articulação de ações entre os profissionais da equipe NASF, entre equipe NASF e equipes de referência e, ainda, entre equipe NASF e outras instituições da rede de sócio-assistencial. Neste artigo nos focaremos na exploração do conteúdo contemplado por este último bloco de informações, referente a articulação das ações do psicólogo com outros campos de atuação e saber.

A análise dos dados fundamentou-se pelo materialismo histórico dialético de inspiração marxista, na busca por apreender as determinações históricas que estruturam a realidade, por meio das relações sociais investigadas na prática dos psicólogos atuantes no NASF.

Para operacionalizar a análise deste material foram realizados três passos metodológicos, traçado de acordo com os blocos de informação constantes no roteiro de entrevista, conforme os passos indicados por Minayo (1992)Minayo, M. C. (1992). O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em saúde . Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco.: Ordenação dos dados, Classificação dos dados (com construção de categorias específicas de análise), e Análise final.

Resultados e análises

Por meio da análise das descrições das atividades realizadas pelas equipes NASF (e aquelas realizadas exclusivamente pelos psicólogos nas equipes), do modo de funcionamento do NASF, e de questionamentos diretos sobre as formas de articulação presentes na atuação da equipe, podese inferir como se dá a relação entre os profissionais da equipe NASF, entre estes e as equipes Saúde da Família, e entre a ENASF e outros dispositivos.

Articulação da equipe NASF

Os profissionais indicam que a equipe NASF é bem articulada (em alguns casos fazendo a ressalva que os profissionais médicos se distanciam dessa integração), no entanto, nem sempre o que parece aos profissionais uma boa articulação da equipe é de fato uma atuação interdisciplinar.

Considerando que o conceito de interdisciplinaridade baseia-se na concepção do desenvolvimento de relações de interação dinâmica dos saberes, partindo de uma atitude integrativa entre e dentro das disciplinas, essa prática se diferencia de uma simples troca de saberes (como referido pelos psicólogos) na qual cada especialidade ensina as outras o seu saber, "no projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se" (Ministério da Saúde, 2009bMinistério da Saúde (2009b). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF. Ministério da Saúde: Brasília.).

O relato dos entrevistados refere-se a encaminhamentos, organização conjunta de cronogramas (como planejamento logístico apenas), e a troca de informações sobre casos específicos.

Essa troca de informações, por vezes nomeada de "discussão de caso" pelos profissionais, ocorre por iniciativa do profissional que está conduzindo algum procedimento ou acompanhamento, quando este sente a necessidade de obter informações ou ajuda na condução do tratamento. Apesar de nomearem assim, esta ação fica aquém do que de fato seria a discussão conjunta de casos.

De acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde (2011)Ministério da Saúde. Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva (2011). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental . Brasília, DF: Ministério da Saúde., o processo de interconsulta sob a lógica matricial envolve a discussão de caso para atender aos propósitos de construção de um Projeto Terapêutico Singular. Para tanto, se fundamenta na construção de uma visão unificada das diferentes dimensões da demanda, ou seja, muito mais que troca de informações.

A articulação dos saberes de forma interdisciplinar em uma equipe não descaracteriza as especialidades, mantendo cada um seu olhar diferenciado aos sujeitos de suas ações, mas constrói uma visão ampliada e integral dos casos e processos nos quais se envolvem. Desta forma, amplia-se também a compreensão de seu papel na equipe e no sistema de saúde, buscando romper com a fragmentação da atenção direcionando-se a verdadeira integralidade do cuidado.

Vemos esse movimento interdisciplinar e integrativo presente de fato no discurso de um dos entrevistados (o Psicólogo 5). No caso,o psicólogo (com uma trajetória acadêmica e profissional na área da saúde pública) conduziu a estruturação da equipe NASF de forma a preparar os profissionais para a atuação coerente com os princípios norteadores da Atenção Básica, e com a lógica matricial que deve reger o funcionamento do NASF. Esta trajetória peculiar, fez com que seu discurso se destacasse na análise de todas as categorias, por apresentar um modelo de trabalho que preza pela articulação interdisciplinar dos saberes epela lógica matricial, de forma que oferece a este estudo uma perspectiva sobre possibilidades de desenvolvimento das premissas e diretrizes do NASF.

O psicólogo 5, aponta que há em sua equipe integração interdisciplinar, de forma que ele começa a ver a si mesmo não mais como um especialista em seu trabalho isolado, mas como um profissional da saúde. Ainda ressalta, em diversos momentos de sua fala, que seu conhecimento da Psicologia se faz presente e fundamental em todas as atividades desenvolvidas por ele.

Eu me penso, eu penso como um profissional de saúde, que tem que ter uma visão integral da comunidade, das necessidades da comunidade, e que eu posso contribuir de alguma forma com aquela realidade ali, que eu tô inserido. (Psicólogo 5)

Em outra entrevista temos a descrição de consultas conjuntas (nomeadas pelo psicólogo de atendimento multidisciplinar) como uma forma de articulação da equipe. As consultas conjuntas, como um aprofundamento da interconsulta, devem contar com a participação de pelo menos um membro da equipe de matriciamento (ENASF) e um membro da equipe de referência (SF), e devem combinar elementos de atenção assistencial com características pedagógicas para contemplar o objetivo de apoio matricial na ação (Ministério da Saúde, 2011Ministério da Saúde. Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva (2011). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental . Brasília, DF: Ministério da Saúde.). O que é descrito nas entrevistas como uma consulta conjunta envolve os profissionais da ENASF, mas não inclui a equipe Saúde da Família. Essa dinâmica é contraditória à lógica do apoio matricial, eixo central das ações desenvolvidas pelo NASF.

"A gente também trabalha junto, a gente atende determinado paciente todos juntos, a gente chama de atendimento multidisciplinar (...) o atendimento multidisciplinar é mais com a gente do NASF mesmo." (Psicólogo 3)"

A consulta conjunta nestes moldes pode trazer ganhos para a visão mais integral do caso (em relação à consulta direta em uma especialidade), no entanto, se perde a possibilidade de promover uma atividade de grande potencial para a integralidade da atenção e capacitação das equipes SF, além de enfraquecer a coordenação de caso sob a responsabilidade da equipe Saúde da Família.

Articulação entre ENASF e equipe SF

O NASF foi criado e elaborado para oferecer à ESF uma retaguarda especializada, contribuindo para a ampliação da abrangência e inserção dessas equipes, assim como melhorar qualitativamente sua atuação nas comunidades atendidas. O NASF, então, é, por definição, vinculado à Estratégia Saúde da Família. A articulação entre as equipes NASF e as equipes Saúde da Família é, portanto, condição para que se cumpra o papel do NASF.

Este vínculo entre NASF e ESF se faz seguindo a lógica da corresponsabilidade, por meio de uma relação de apoio matricial. Sendo assim, se espera dessa articulação a constante e permanente comunicação, prezando pelo caráter pedagógico e a manutenção da coordenação do cuidado no âmbito da equipe SF. Isso significar pensar as atividades do NASF em todo momento como retaguarda das ações da equipe Saúde da Família, ou seja, do planejamento das ações à execução das atividades, o caráter pedagógico e a participação efetiva da equipe SF devem se fazer presentes.

A realização pela equipe NASF, de ações assistenciais diretas à população também é parte das ações pretendidas pelo NASF, no entanto, ainda são ações subordinadas à lógica matricial e à corresponsabilidade das equipes, sendo fundamental promover a participação da equipe SF nos direcionamentos destas atividades e na continuidade do acompanhamento.

O que constatamos nos relatos é que, na prática cotidiana das equipes NASF, essa articulação se dá prioritariamente por meio de encaminhamentos vindos das equipes Saúde da Família para a ENASF. Assim se reproduz uma lógica tradicional no sistema de saúde de estabelecer relações verticalizadas (ao contrário da lógica horizontalizada proposta para os serviços) de transferência de responsabilidade sobre o caso, por meio de comunicação precária entre diferentes níveis hierárquicos.

Além da manutenção desse sistema tradicional de referência e contra referência que oferece pouca resolubilidade ao Sistema, observamos que, quando há alguma participação da equipe SF nas ações desenvolvidas pela ENASF, essa participação se restringe a questões operacionais das atividades. Ou seja, a equipe SF viabiliza (por meio de agendamento de local, horário e divulgação da ação) a realização da atividade, mas não está presente na elaboração e execução da mesma. Corroborando assim com os dados anteriormente citados que apontam para a reprodução de relações hierarquizadas, verticais e desarticuladas, que são planejadas e promovidas pelos especialistas da equipe NASF (não se caracterizando aqui como uma equipe matricial).

Contrapondo-se a estas constatações temos a fala do Psicólogo 5, que destaca-se pelo constante esforço que a equipe NASF realiza de aproximar-se das equipes SF, e da permeabilidade da lógica matricial em todas as atividades desenvolvidas.

No discurso do Psicólogo5 é notória a tentativa de romper com a verticalização dos encaminhamentos, buscando manter a responsabilidade do caso na esfera da Saúde da Família, capacitando e oferecendo a retaguarda necessária para a melhor resolutividade do mesmo. Prezando pelo caráter matricial, pedagógico e pela corresponsabilidade, vemos na fala do Psicólogo 5 a aplicação prática da alternativa proposta à lógica verticalizada de relacionamento com a Estratégia Saúde da Família: "Muitas vezes, eles mandam o caso pra gente e a gente diz: 'olhe, esse caso não é só da gente'. Entendeu? E a gente acaba voltando nos postos de saúde pra conversar, muitas vezes." (Psicólogo 5).

No relato das atividades realizadas pela ENASF na qual atua o Psicólogo 5 também vemos a diferente forma com que se articula com as equipes Saúde da Família. Enquanto nos demais casos predomina a relação burocrática de operacionalização de atividades, no relato do Psicólogo 5 vemos o estímulo à participação da equipe SF em todos os momentos da ação, da elaboração da atividade à realização da mesma, buscando incentivar a participação da equipe SF na dianteira das ações. Também constatamos em sua fala que há ainda barreiras para a realização desta integração das equipes SF nas atividades desenvolvidas, indicando que além da articulação entre os profissionais da ENASF ser fundamental para o funcionamento neste modelo, é também fundamental a coesão da equipe SF para que se adéquem e aceitem o trabalho conjunto com a equipe NASF.

Porque a gente sabe que o NASF é pra fazer apoio. Na verdade, quem é pra tocar o grupo são as equipes de saúde da família (...) O que acontece, alguns grupos que a equipe, elas são articuladas, são atuantes, esses grupos eles conseguem... A equipe consegue conduzir. (Psicólogo 5)

A articulação das atividades da equipe NASF com a equipe Saúde da Família é essencial, de forma que se estabeleça como articulação entre equipe apoiadora e equipe de referência. Para tanto a integração de suas ações, com a manutenção da equipe Saúde da Família como responsável pelo acompanhamento integral do caso, deve sempre contar com um forte caráter pedagógico que vise à autonomia das equipes de referência e a complementaridade dos saberes na oferta do cuidado integral ao usuário.

Na fala do Psicólogo 5, o único a apresentar no seu discurso uma atuação de fato condizente com a proposta de realização do matriciamento às equipes Saúde da Família, vemos como este percebe a participação do psicólogo como fundamental ao funcionamento desde modelo de trabalho: "Não tem como a gente pensar em apoio matricial sem pensar no psicólogo. Porque o psicólogo, ele... Ele pode participar desse processo de sensibilização, que precisa ser feito, entendeu?" (Psicólogo 5).

De fato a Psicologia pode se constituir como uma disciplina importante para a concretização prática do apoio matricial, contribuindo no processo de estabelecimento das relações entre os profissionais (de uma ou mais equipes/instituições), e ainda no estreitamento dos laços da comunidade com os profissionais que compõe o sistema de saúde.

No entanto, para que o psicólogo em sua equipe se caracterize como facilitador destas mudanças, que corroboram com a mudança paradigmática da saúde (no sentido de promover ações menos fragmentadas, médico-centradas, curativas e individualistas), é necessário superar barreiras que se colocam a esta atuação em diversos níveis, desde empecilhos operacionais no cotidiano do trabalho à dificuldades que remontam a aspectos do modelo tradicional de atuação que marca fortemente a formação destes profissionais (Boing, Crepaldi, & Moré, 2009Boing, E., Crepaldi, M. A., & Moré, C. L. O. O. (2009). A epistemologia sistêmica comosubstrato à atuação do psicólogo na atenção básica. Psicologia Ciência e Profissão, 29(4), 828-845. doi: 10.1590/S1414-98932009000400013
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).

Articulação do NASF com outros dispositivos

O conceito ampliado de saúde, que é base para a reformulação da atenção concretizada na proposição do SUS, reconhece os processos de saúde e doença em uma complexa rede de condicionantes sociais. Nesta perspectiva é impensável uma rede de cuidado em saúde descolada da atenção aos demais determinantes que têm peso e influência sobre a qualidade de vida da população atendida. Assim a intersetorialidade é cabal para a integralidade do cuidado na Atenção Básica à Saúde.

Ao NASF, em conjunto com a ESF, cabe a interação com as redes de atenção sócio-assistencial de forma intersetorial. Assim como a interdisciplinaridade transcende a pura troca de informações, a intersetorialidade vai além da construção de uma rede de encaminhamentos e tem também papel fundamental na construção do Projeto Terapêutico Singular, e do diagnóstico da situação das comunidades atendidas.

À exceção do Psicólogo 5, que descreve a discussão e acompanhamento conjunto de casos com profissionais de outros dispositivos da rede (como trabalhadores do CRAS, CREAS e conselhos tutelares), o que observamos é a inserção do NASF na rede intersetorial sendo realizada, predominantemente, por meio de encaminhamentos e solicitação de pareceres. Não há aqui a articulação de saberes para a promoção da atenção integral aos sujeitos das ações realizadas pelo NASF e por toda a rede de atenção.

O CREAS, a Casa da família, o centro de reabilitação - CRE, ai a gente vai desafogando aqui, porque se a gente atende um paciente e vê que ele tem uma necessidade mais específica, precisa de um atendimento mais especial a gente vai encaminhar. (Psicólogo 3)

Em alguns casos a realização de palestras solicitadas por outras instituições do município é tida como uma atividade de troca de saberes dentro da rede de atenção, no entanto as palestras não se direcionam aos profissionais e funcionam como um serviço "terceirizado" prestado pela equipe NASF ao público de outra instituição. Não sendo, desta forma, uma contribuição para uma visão ampliada e conhecimento aprofundado da situação da comunidade atendida, tão pouco integra as ações para promover melhor resolutividade e qualidade na atenção.

Os encaminhamentos vindos de outros dispositivos para o NASF ainda revela a distorção do papel do NASF dentro da rede. Ao encaminhar casos para o NASF faz-se desse dispositivo uma porta de entrada para o Sistema de Saúde, o que é incompatível com o posicionamento do NASF na Atenção Básica, sendo a ESF responsável pela coordenação dos casos e a entrada prioritária para o sistema. é assim reforçado o desvirtuamento das atividades realizadas pelo NASF, sendo os encaminhamentos da rede sócio assistencial recebidos como pressão para o atendimento ambulatorial direto ao usuário do sistema.

"E vinham também muitos encaminhamentos das escolas, com demandasespecíficas, de transtorno de aprendizagem. E não é bem a proposta do NASF, né? A proposta do NASF é dar um suporte às Estratégias, né?" (Psicólogo 6)

Os desafios para a construção de uma articulação intersetorial, passam não somente por dificuldades de profissionais e equipes em compreender a dimensão desta interação, mas também pelas deficiências na constituição de uma rede atenção completa e qualificada. A rede de atenção enfraquecida se torna um grande complicador na concretização da atenção integral aos usuários. Uma vez que a rede esteja defasada os dispositivos disponíveis nela acabam por assumir funções e demandas que não lhes cabiam, abarrotando os serviços que oferecem acesso ao sistema (as equipes Saúde da Família) e pressionando outros espaços a suprirem necessidades das populações atendidas sem precisamente se prestarem oficialmente a este papel.

É complicado você, pra você fazer apoio, quando a rede está extremamente fragilizada, a rede de atenção da saúde, de uma forma geral, ela está fragilizada. (...) então é complicado você poder fazer o apoio assim. Muito complicado mesmo, é tanto que a gente corre atrás, a gente tem conseguido avançar muito também, mas ainda tem muita necessidade no município. Os municípios do interior, acho que eles precisam muito fortalecer a rede e atenção a saúde, precisa ser fortalecida para que também desafogue as equipes de saúde da família e cada um possa fazer seu papel de forma adequada. (Psicólogo 5)

Outro desafio para a concretização da intersetorialidade, especificamente no trabalho do psicólogo, é a necessidade de superação de vieses fragmentários que marcam uma atuação tradicional da Psicologia.

Nos início das formulações teórico-metodológicas em Psicologia, com Wundt, já nascia a proposta fragmentária da compreensão dicotômica dos fenômenos, dividindo-os em "individuais" ou "sociais". é marca então das ciências psicológicas a concepção de existência em pólos distintos do que é "interno" ao sujeito e o que lhe é "externo", derivando daí uma compreensão dicotômica entre o individual e o social (Bock, 1999Bock, A. M. B. (1999). A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, 4(2), 315-329. doi: 10.1590/S1413-294X1999000200008
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; Lacerda Júnior, 2010Lacerda Júnior, F. (2010). Psicologia para fazer a crítica? Apologética, individualismo e marxismo em alguns projetos Psi (Tese de Doutorado). Universidade Católica de Campinas, Campinas. Recuperado de http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=576
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).

A Psicologia, então, se enquadra em uma lógica de produção do conhecimento setorializada, que se debruça sobre uma compreensão fragmentada da realidade, tomando recortes isolados como objetos de suas especialidades. Neste formato, a ciência de fato atinge os objetivos de colaboração à reprodução do capital, ao perder de vista as relações determinantes para compreensão da vida social (Lacerda Júnior, 2010Lacerda Júnior, F. (2010). Psicologia para fazer a crítica? Apologética, individualismo e marxismo em alguns projetos Psi (Tese de Doutorado). Universidade Católica de Campinas, Campinas. Recuperado de http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=576
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). Fazse, assim, uma Psicologia, que tende a isolar-se em seu trabalho clínico individual, voltado para o indivíduo e sua subjetividade ("interna"); considerando este como apartado do que é político, social, coletivo e "externo" (Benevides, 2005Benevides, R. (2005). A Psicologia e o sistema único de saúde: quais interfaces? Psicologia & Sociedade, 17(2), 21-25. doi: 10.1590/S0102-71822005000200004
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).

Considerações finais

Investigar a atuação do psicólogo no contexto da Atenção Básica à Saúde já é tido como necessidade imperativa desde os primórdios de sua inserção no campo da saúde pública. Esta tarefa se faz ainda mais urgente diante do surgimento do NASF, sendo este um dispositivo que tem sua proposta de atuação diretamente intervindo na integração da rede de atenção e na integralidade do cuidado, por meio (essencialmente) do apoio matricial às Equipe Saúde da Família.

Estudos sobre a inserção do psicólogo no NASF em outros estados brasiros apontam para a dificuldade do profissional de Psicologia adequar-se à lógica matricial de atenção que rege o funcionamento do Núcleo (Azevedo & Kind, 2013Azevedo, N. S., & Kind, L. (2013). Psicologia nos núcleos de apoio à saúde da família em Belo Horizonte. Psicologia: Ciência e Profissão ; 33(3), 520-535. doi: 10.1590/S1414-98932013000300002
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; Leite, Andrade, & Bosi, 2013Leite, D. C.; Andrade, A. B., & Bosi, M. L. M. (2013). A inserção da psicologia nos núcleos de apoio à saúde da família. Physis, 23(4), 1167-1187. doi: 10.1590/S0103-73312013000400008
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). Tal lógica de atuação impõe à Psicologia a necessidade de transformar sua prática, distanciando-se de um modelo de prática tradicional da Psicologia.

A Psicologia em seu modelo mais tradicional assume uma perspectiva ideológica que se afina ao modelo médico-centrado curativo. Por ver a realidade através de dicotomias, tende a focar sua atenção no sujeito negligenciando a realidade social que o cerca, e que é também produtora de sua subjetividade. Essa aproximação ideológica é incoerente com a proposta de cuidado integral do Sistema único de Saúde, que requer, portanto, uma mudança nessa concepção tradicionalmente dicotomizada da Psicologia.

Outra mudança que a inserção do psicólogo no contexto da saúde pública requer é a imperativa necessidade do trabalho em equipe multiprofissional, trazendo a perspectiva da corresponsabilidade em um contexto interdisciplinar (Zurba, 2011Zurba, M. C. (2011). Contribuições da psicologia social para o psicólogo na saúde coletiva. Psicologia & Sociedade ; 23(spe), 5-11. doi: 10.1590/S0102-71822011000400002
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). O psicólogo, habituado com uma atuação solitária, precisa realizar seu trabalho de maneira interdependente com outros profissionais e saberes, e sua formação pouco contribui para isso (Ferreira Neto, 2010Ferreira Neto, J. L. (2010). A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses. Psicologia: ciência e profissão, 30(2), 390-403. doi: 10.1590/S1414-98932010000200013
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).

Toda atuação condizente com o cenário de atuação proposto pelo Sistema único de Saúde deve buscar sua efetividade na contextualização dos sujeitos atendidos (usuários, famílias e comunidades) para que assim se proporcione a integralidade da atenção. Para que isso ocorra é preciso uma nova mentalidade profissional que seja centrada na participação e no compromisso social (Boing, Crepaldi, &Moré, 2009Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2010). O psicólogo na atenção básica - uma incursão pelas políticas públicas de saúde brasileiras. Psicologia Ciência e Profissão, 30(3), 634-649. doi: 10.1590/S1414-98932010000300014
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).

Ao falar de "compromisso social" é importante esclarecer o termo. Bock (1999)Bock, A. M. B. (1999). A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, 4(2), 315-329. doi: 10.1590/S1413-294X1999000200008
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aponta alguns dos critérios para que seja considerada uma atuação comprometida com a sociedade. O primeiro deles é que o trabalho do psicólogo vise, como objetivo final, à mudança na condição de vida da população brasileira; outro critério é realizar uma prática que não se centre na doença e sim na promoção de saúde, a compreensão do sujeito em seu contexto de maneira integral; e, por último, aponta a importância de adequar as técnicas e saberes da Psicologia às demandas da população atendida, partindo para isso de sua realidade social.

é preciso desconstruir a ideia de uma Psicologia pretensamente despolitizada e encarar o fato de que toda intervenção é uma intervenção social. Deixar de alienar a realidade subjetiva dos indivíduos de seus determinantes sociais. é preciso compreender que o fazer da Psicologia e o conhecimento que dela deriva interferem na sociedade, e a história da profissão não nega exemplos de como a Psicologia e seu saber serviram aos interesses do sistema, de fortalecer seus ideais e encobrir suas perversidades (Bock, 1999Bock, A. M. B. (1999). A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, 4(2), 315-329. doi: 10.1590/S1413-294X1999000200008
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).

A Psicologia se constrói no Brasil em uma tradição elitizada, curativa e terapêutica, mas a aproximação com a realidade social vem exigindo há décadas que esta forma de fazer Psicologia se transforme, superando o limitador viés naturalizante dos fenômenos psicológicos. Os resultados desta pesquisa apontam que a Psicologia em seus moldes tradicionais ainda é transposta para os novos campos de atuação, havendo a dificuldade de compreensão e adequação de suas práticas a novas estratégias de ações, como é o caso da atuação no apoio matricial. No entanto vemos também (através da apresentação do caso 5) que a integração da psicologia a este novo modelo de ação não só é possível de ser realizada, como pode ser uma grande contribuição para o campo da saúde pública, particularmente para a Atenção Básica. Enfim, temos visto avanços na construção de um corpo teórico e de novas práticas no campo da Psicologia, em especial na atuação na saúde pública, como diz Bock (1999)Bock, A. M. B. (1999). A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, 4(2), 315-329. doi: 10.1590/S1413-294X1999000200008
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, "ainda não superamos a dicotomia... mas estamos caminhando" (p. 324).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2014
  • Revisado
    17 Fev 2015
  • Aceito
    09 Abr 2015
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