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Influência de práticas maternas no desenvolvimento motor de lactentes do 6º ao 12º meses de vida

Influence of child-rearing practices on infants' motor development between the sixth and twelfth months of life

Resumos

CONTEXTO: Práticas maternas são comportamentos específicos, por meio dos quais as mães/cuidadores desempenham suas tarefas maternais. Estas práticas poderiam influenciar o desenvolvimento motor de lactentes. OBJETIVO: verificar a influência de práticas maternas, utilizadas no cuidado diário de lactentes saudáveis, sobre seu desenvolvimento motor do 6º ao 12º meses de vida. MÉTODO: Selecionados 14 lactentes, nascidos a termo e saudáveis, avaliados longitudinalmente no 6º, 9º e 12º meses de vida, utilizando-se a Alberta Infant Motor Scale. Em cada avaliação/idade a mãe respondeu a um questionário fechado sobre práticas, predominantemente adotadas no cuidado diário do lactente durante os períodos de vigília. Considerou-se neste estudo a postura predominantemente adotada pelo lactente, local preferencial de permanência e a forma de carregar o lactente no colo. RESULTADOS: No 9º mês de vida o desempenho motor dos lactentes foi influenciado positivamente pela predominância na postura de quatro apoios, em relação à sentada e prono ou supino e pela permanência no chão em relação ao carrinho de bebê. No 12º mês houve influência positiva da predominância na postura de quatro apoios e em pé. A postura predominante no 6º mês de vida e a forma de carregar o lactente no 6º, 9º e 12º meses de vida não influenciaram o desempenho motor do grupo estudado. CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que as práticas que estimulam a adoção da postura de quatro apoios e a utilização do chão como local de permanência influenciam positivamente o desenvolvimento motor de lactentes saudáveis a partir do 6º mês de vida.

desenvolvimento motor; lactente; ambiente; práticas maternas


BACKGROUND: Child-rearing practices are defined as specific behavioral patterns used during maternal duties. These practices could influence infants' motor development. OBJECTIVE: To verify the influence of daily child-rearing practices on the motor development of healthy infants from their sixth to twelfth months of life. METHOD: Fourteen healthy full-term infants were selected and longitudinally assessed at the ages of six, nine and twelve months using the Alberta Infant Motor Scale. At each assessment, the mothers answered a closed questionnaire about their main daily childcare practices when the infant was awake. The infants' predominant posture, the places where they were usually kept and how mothers carried the infants in their arms were evaluated. RESULTS: Motor performance at the ninth month was positively influenced by predominance of the hands-and-knees crawling posture, in relation to sitting, prone or supine postures, and by staying on the floor in relation to being in a baby buggy. At the twelfth month, it was positively influenced by hands-and-knees crawling and standing postures. The predominant posture at the sixth month and the way of carrying the infants at six, nine and twelve months did not influence motor development in the study group. CONCLUSIONS: The results suggest that practices that stimulate adoption of the hands-and-knees crawling posture, and utilization of the floor as a place to keep the infant, positively influence the motor development of healthy infants from six months of age onwards.

motor development; infant; environment; child-rearing practices


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Influência de práticas maternas no desenvolvimento motor de lactentes do 6º ao 12º meses de vida

Influence of child-rearing practices on infants' motor development between the sixth and twelfth months of life

Silva PLI; Santos DCCII; Gonçalves VMGIII

IDepartamento de Fisioterapia, Centro Universitário Hermínio Ometto, Araras, SP

IIPrograma de Pós-Graduação em Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP

IIIDepartamento de Neurologia, Centro de Investigações em Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP

Correspondência para Correspondência para: Profa. Dra. Denise Castilho Cabrera Santos Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia — Bloco 07, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba (FACIS/UNIMEP) Rodovia do Açúcar Km 156, CEP 13400-911, Piracicaba, SP e-mail: dcsantose@unimep.br; paulalumy@uniararas.br

RESUMO

CONTEXTO: Práticas maternas são comportamentos específicos, por meio dos quais as mães/cuidadores desempenham suas tarefas maternais. Estas práticas poderiam influenciar o desenvolvimento motor de lactentes.

OBJETIVO: verificar a influência de práticas maternas, utilizadas no cuidado diário de lactentes saudáveis, sobre seu desenvolvimento motor do 6º ao 12º meses de vida.

MÉTODO: Selecionados 14 lactentes, nascidos a termo e saudáveis, avaliados longitudinalmente no 6º, 9º e 12º meses de vida, utilizando-se a Alberta Infant Motor Scale. Em cada avaliação/idade a mãe respondeu a um questionário fechado sobre práticas, predominantemente adotadas no cuidado diário do lactente durante os períodos de vigília. Considerou-se neste estudo a postura predominantemente adotada pelo lactente, local preferencial de permanência e a forma de carregar o lactente no colo.

RESULTADOS: No 9º mês de vida o desempenho motor dos lactentes foi influenciado positivamente pela predominância na postura de quatro apoios, em relação à sentada e prono ou supino e pela permanência no chão em relação ao carrinho de bebê. No 12º mês houve influência positiva da predominância na postura de quatro apoios e em pé. A postura predominante no 6º mês de vida e a forma de carregar o lactente no 6º, 9º e 12º meses de vida não influenciaram o desempenho motor do grupo estudado.

CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que as práticas que estimulam a adoção da postura de quatro apoios e a utilização do chão como local de permanência influenciam positivamente o desenvolvimento motor de lactentes saudáveis a partir do 6º mês de vida.

Palavras-chave: desenvolvimento motor, lactente, ambiente, práticas maternas.

ABSTRACT

BACKGROUND: Child-rearing practices are defined as specific behavioral patterns used during maternal duties. These practices could influence infants' motor development.

OBJECTIVE: To verify the influence of daily child-rearing practices on the motor development of healthy infants from their sixth to twelfth months of life.

METHOD: Fourteen healthy full-term infants were selected and longitudinally assessed at the ages of six, nine and twelve months using the Alberta Infant Motor Scale. At each assessment, the mothers answered a closed questionnaire about their main daily childcare practices when the infant was awake. The infants' predominant posture, the places where they were usually kept and how mothers carried the infants in their arms were evaluated.

RESULTS: Motor performance at the ninth month was positively influenced by predominance of the hands-and-knees crawling posture, in relation to sitting, prone or supine postures, and by staying on the floor in relation to being in a baby buggy. At the twelfth month, it was positively influenced by hands-and-knees crawling and standing postures. The predominant posture at the sixth month and the way of carrying the infants at six, nine and twelve months did not influence motor development in the study group.

CONCLUSIONS: The results suggest that practices that stimulate adoption of the hands-and-knees crawling posture, and utilization of the floor as a place to keep the infant, positively influence the motor development of healthy infants from six months of age onwards.

Key words: motor development, infant, environment, child-rearing practices.

INTRODUÇÃO

O primeiro ano de vida da criança é caracterizado por grandes mudanças. O termo desenvolvimento, quando aplicado à evolução da criança, significa constante observação no crescimento das estruturas somáticas e aumento das possibilidades individuais de agir sobre o ambiente1. O ambiente em que o lactente vive pode dar diferentes formatos ou moldar aspectos do seu comportamento motor. O ambiente positivo age como facilitador do desenvolvimento normal, pois possibilita a exploração e interação com o meio. Entretanto, o ambiente desfavorável lentifica o ritmo de desenvolvimento e restringe as possibilidades de aprendizado da criança. Paralelamente aos fatores de risco biológicos, as desvantagens ambientais podem influenciar negativamente a evolução do desenvolvimento das crianças2,3.

Segundo De Vries as experiências culturais e ambientais podem levar os resultados do desenvolvimento para uma ou outra direção, inúmeras vezes durante os primeiros estágios da vida, provavelmente promovendo ou inibindo taxas de maturação4.

Estudos sobre o desenvolvimento motor têm encontrado diferenças nos padrões e épocas de surgimento de certas habilidades no primeiro ano de vida da criança. Estas diferenças referem-se tanto a grupos culturais distintos como entre lactentes do mesmo grupo cultural5,6,7,8,9. Possíveis explicações para este fato são as diferenças socioeconômicas e culturais entre os grupos estudados, que influenciam o ambiente e as práticas maternas utilizadas no cuidado de lactentes.

Práticas maternas são definidas como comportamentos específicos, com objetivos dirigidos, por meio dos quais as mães/cuidadores desempenham suas tarefas maternais10. Dentre os fatores ambientais influenciadores do desenvolvimento, as práticas maternas empregadas no cuidado diário de lactentes são uma constante em estudos que comparam diferentes populações9.

Profissionais engajados na intervenção precoce se preocupam com a relação entre as idéias dos pais sobre cuidados com a criança, seus atos e as repercussões no desenvolvimento. Fisioterapeutas, que atuam com crianças, dependem, em alguma extensão, dos pais para promover a saúde e desenvolvimento de seus pacientes11.

Embora seja evidente que práticas maternas permeiam e influenciam o desenvolvimento tanto de crianças saudáveis como das crianças com alguma alteração, pouco se conhece sobre suas especificidades (comportamentos tipicamente empregados no cuidado da criança) e suas influências. Desta forma a identificação dessas práticas e o conhecimento de sua influência sobre o desenvolvimento motor de lactentes podem ser ferramentas valiosas na direção da promoção do desenvolvimento infantil. Com base nesses pressupostos, o presente trabalho objetiva verificar a influência de práticas maternas, rotineiramente utilizadas no cuidado diário de um grupo de lactentes saudáveis, sobre seu desenvolvimento motor do 6º ao 12º meses de vida.

Os resultados desse estudo contribuirão para o conhecimento das características da motricidade dos lactentes estudados e das práticas maternas que os circundam. Mais especificamente pretende-se contribuir para a identificação dos fatores ambientais, nomeadamente práticas maternas, que teriam efeito positivo no desempenho motor de lactentes saudáveis.

MATERIAL E MÉTODOS

Sujeitos

Participaram do estudo 14 lactentes saudáveis (seis do sexo feminino e oito do sexo masculino); nascidos a termo com idade gestacional média de 39 semanas (+ 1,11); com peso médio ao nascimento de 2950,71 gramas (+ 356,12); índice de Apgar médio de 1º e 5º minutos 8,71 (+0,61) e 9,79 (+0,58) respectivamente; acompanhados longitudinalmente no 6º, 9º e 12º meses de vida. Critérios de inclusão: gestação de feto único; nascidos a termo com idade gestacional (IG) entre 37-41 semanas 12; índice de Apgar maior ou igual a sete no 1' e 5' minuto de vida; sem intercorrências pré-natais ou neonatais. Critérios de exclusão: malformações congênitas (musculoesqueléticas), sinais de comprometimento neurológico (convulsão, infecções do sistema nervoso, asfixia neonatal, hemorragias do sistema nervoso), síndromes genéticas, alterações sensoriais, portadores de infecções congênitas (STORCH-HIV) diagnosticadas no período neonatal.

Material

1. Termo de consentimento livre e esclarecido. 2. Roteiro de anamnese para dados neonatais, maternos e familiares. 3. Questionário de práticas maternas: foi desenvolvido para esta pesquisa um questionário fechado com questionamentos sobre as práticas predominantemente adotadas no cuidado diário do lactente durante os períodos de vigília. Considerou-se neste estudo, como práticas maternas, a postura predominantemente adotada pelo lactente (categorias: prono, supino, deitado de lado, sentado, quatro apoios ou em pé); o local onde a criança permanece a maior parte do tempo (categorias: berço, bebê conforto, quadrado, chão, carrinho de bebê, cadeira de bebê, andador ou especificar outro local não contemplado no questionário); e a forma predominante de carregar o lactente no colo (na coleta desta informação levou-se em consideração a postura adotada pela mãe e bebê quando solicitado às mesmas que mostrassem para a pesquisadora como costumeiramente carregavam seus filhos no colo). 4. Ficha de registro da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)13. A AIMS avalia o desenvolvimento motor de lactentes nas posições supino, prono, sentada e em pé. Devem ser considerados na avaliação a descarga de peso, alinhamento postural e movimentos antigravitacionais. Cada item observado recebe um crédito, ao final da avaliação é realizada a soma dos itens observados em cada posição e calculado o escore total. Para aplicação foram utilizados brinquedos adequados à faixa etária, colchonete e banco para apoio.

Procedimentos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIMEP (nº. 94/03), os pais que concordaram em participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram coletados, os dados neonatais, maternos e familiares dos lactentes e preenchido o questionário sobre práticas maternas. Na aplicação deste questionário foi solicitado às mães que respondessem a alternativa que melhor correspondesse à sua realidade e do lactente.

Os lactentes foram avaliados utilizando a AIMS no 6º, 9º e 12º meses de vida considerando a data de aniversário com variação de 7 dias14. Considerando o intenso ritmo de mudanças no desempenho motor no primeiro ano de vida, essa medida foi importante para assegurar que os participantes não apresentassem diferenças no desempenho motor por discrepância em suas idades cronológicas, como recomendado por Bayley14. As avaliações foram realizadas no domicílio dos sujeitos com exceção de dois lactentes de 6 meses avaliados na Clínica de Fisioterapia da UNIARARAS, sempre na presença da mãe ou cuidador responsável. Antes de iniciar a avaliação, os lactentes eram despidos pelas mães e colocados sobre o colchonete. Em seguida eram posicionados em prono, supino, sentado e em pé, salvo quando assumissem espontaneamente as posturas, que então eram aleatórias. Durante a avaliação as mães poderiam estimular seus filhos por meio de brincadeiras e brinquedos de forma natural a fim de possibilitar as observações. As avaliações duravam cerca de 20 a 30 minutos.

Análise Estatística

Primeiramente foi realizada estatística descritiva, para caracterização da amostra, considerando medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão) para as variáveis contínuas, idade gestacional, peso ao nascer e índice de Apgar. A identificação das práticas maternas características do grupo estudado foi expressa por meio de freqüências relativas, para as categorias de postura predominante, local preferencial de permanência e forma de carregar o lactente no colo. A análise do desempenho motor considerou como variável dependente o escore médio obtido pelo grupo na avaliação pela AIMS e a idade dos lactentes como variável independente. Para análise da evolução do escore médio dos lactentes no 6º, 9º e 12º meses de vida foi utilizado o teste de Friedman e para comparação mês a mês foi utilizado o teste de Wilcoxon. Na análise da influência das práticas maternas identificadas sobre o desempenho motor considerou-se o escore médio obtido na AIMS (aos seis, nove e doze meses) como variável dependente, relacionado às categorias de postura predominante, local de permanência e forma de carregar no colo (variáveis independentes). A comparação das práticas maternas pesquisadas com o escore motor foi realizada pelo teste de Mann-Whitney, na comparação de duas categorias, e pelo teste de Kruskall-Wallis na comparação de três categorias. Adicionalmente esses resultados foram expressos em gráficos tipos Box-Plot considerando a distribuição do escore motor pelas categorias das práticas maternas. O nível de significância adotado foi de 5%. O programa estatístico utilizado foi o Statistical Package for Social Sciencies for Personal Computer (SPSS-PC) versão 11.0.

RESULTADOS

Os lactentes apresentaram evolução significativa no desempenho motor de acordo com o aumento da idade cronológica no decorrer do 6º, 9º e 12º meses de vida (Teste de Friedman; p< 0,001). A diferença foi significante entre o 6º e 9º mês, 9º e 12º mês e 6º e 12º mês de vida (Teste de Wilcoxon; p< 0,001).

Foram identificadas como práticas utilizadas no cuidado diário dos lactentes estudados as seguintes categorias relacionadas às idades:

Aos seis meses: as posturas predominantemente adotadas foram prono ou supino por 35,7% e sentado por 64,3% dos lactentes; os locais preferenciais de permanência foram chão para 28,6% e carrinho de bebê para 71,4% dos lactentes.

Aos nove meses: as posturas predominantemente adotadas foram prono ou supino por 14,3%, sentado por 50% e quatro apoios e em pé por 35,7% dos lactentes; os locais preferenciais de permanência foram chão para 71,4% e carrinho de bebê para 28,6% dos lactentes.

Aos 12 meses: as posturas predominantemente adotadas foram sentada por 21,4%, quatro apoios e em pé por 42,9% e em pé por 35,7% dos lactentes; o local preferencial de permanência foi o chão para 100% dos lactentes.

Foram identificadas duas formas de carregar o bebê no colo durante o estudo: em pé segurado pelos glúteos com apoio no ombro da mãe e sentado de frente ou de lado. Entre o 6º e 9º meses de vida, 42,85% eram segurados em pé e 57,15% sentados. Entre o 9º e o 12º meses 21, 43% eram segurados em pé e 78,57% sentados.

As comparações das categorias de posturas predominante, local de permanência e forma de carregar no colo com o desempenho motor dos lactentes no 6º, 9º e 12º meses de vida, estão apresentadas nas figuras 1 (A, B e C); 2 (A e B ) e 3 (A e B ).


As Figuras 1A, 1B e 1C indicam que o desempenho motor do grupo estudado foi positivamente influenciado pela adoção predominante de posturas que representam estágios motores mais evoluídos para cada uma das idades pesquisadas. Desta forma, embora sem significância estatística, os lactentes que aos seis meses de idade adotavam a postura sentada apresentaram melhor desempenho motor do que os que permaneciam em supino ou prono (Fig. 1A; p= 0,134). A adoção preferencial da postura de quatro apoios se associou significativamente ao melhor desempenho motor aos nove meses de vida, comparada às posturas sentado e supino ou prono (Fig. 1B; p= 0,012). Aos 12 meses a preferência das posturas em pé ou quatro apoios e em pé também esteve associada ao melhor desempenho motor. Destaca-se que o máximo valor de escore obtido pelos lactentes que adotavam a postura sentada esteve abaixo do menor escore obtido pelos que preferiam as posturas em pé ou quatro apoios e em pé (Fig. 1C; p= 0,018).

As Figuras 2A e 2B indicam que a adoção do chão como local de permanência preferencial do lactente poderia influenciar positivamente seu desempenho motor. Embora sem significância estatística, a figura 2A mostra uma tendência dos lactentes que permaneciam no chão de apresentarem escores mais altos do que os que utilizavam preferencialmente o carrinho de bebê, aos seis meses de vida. Aos nove meses essa tendência se confirma e os lactentes que permanecem no chão apresentam escores significativamente mais elevados que os que utilizam o carrinho de bebê. Nota-se que a mediana do escore do grupo "chão" está acima do maior valor de escore obtido pelo grupo "carrinho de bebê" (Fig. 2B ; p= 0,046). Com 12 meses de vida todos lactentes estudados permaneciam no chão, portanto, a comparação do local de permanência e desempenho motor não foi realizada.

As Figuras 3A e 3B indicam que não houve influência da maneira de carregar os lactentes no colo, identificadas neste estudo, e o desempenho motor dos seis aos nove meses e dos nove aos doze meses de vida. A figura 3A mostra que os lactentes carregados sentados de frente/lado apresentaram o valor mediano do escore abaixo do percentil 25 do grupo de lactentes carregados em pé sobre os ombros. Entretanto, o percentil 75 foi praticamente igual nos dois grupos (p= 0,363). A figura 3B mostra uma tendência dos lactentes que eram carregados sentados de frente/lado em apresentar escores mais altos, porém as medianas coincidem e não há diferença estatisticamente significante (p= 0,473).

DISCUSSÃO

A análise da evolução do desempenho motor e os dados descritivos das características neonatais do grupo estudado revelam lactentes com desenvolvimento considerado típico, apresentando diferenças estatisticamente significante entre as idades estudadas. Estes resultados espelham os critérios de seleção da amostra empregados neste estudo, os quais buscavam um grupo de estudo saudável, livre de indicadores de risco biológicos e com potencial para apresentar normalidade em seu desempenho motor. A partir da caracterização deste grupo, com desempenho motor típico ou em franca evolução, pôde-se analisar e entender os resultados do desempenho motor avaliado no 6º, 9º e 12º meses de vida relacionando-os ás diferentes categorias de práticas maternas identificadas neste estudo.

Diversas pesquisas relatam que as diferenças no desenvolvimento motor de lactentes podem surgir na presença de variações nas práticas maternas, por sua vez as práticas maternas se modificam de acordo com o costume ou cultura de cada local15,16,3,8. O desenvolvimento motor constitui o resultado do aprendizado e das habilidades adquiridas na execução dos atos. A oportunidade para a prática é dada pelos pais ou cuidadores do lactente, através de hábitos culturais17, do ambiente onde está inserida ou do treino específico de alguma habilidade6.

Lactentes nortes americanos gastam mais tempo na posição prono comparados aos lactentes britânicos, que são colocados mais freqüentemente na posição supina para brincar. O tempo gasto em uma determinada postura influência positivamente a aquisição dos ganhos motores naquela postura, enquanto as habilidades em outras posturas podem ocorrer ligeiramente mais tarde18. Lactentes africanos demonstram precocidade nas habilidades de sentar sozinho e ficar em pé sem apoio e atraso nas habilidades de levantar a cabeça e engatinhar, comparados aos americanos. O costume materno em estimular a postura sentada favorece o ganho motor nesta postura, e a falta de costume em posicionar o lactente em prono pode atrasar as habilidades de apoio nas mãos e engatinhar19.

De maneira geral os resultados desse estudo indicam que as práticas maternas pesquisadas influenciaram o desempenho motor deste grupo de lactentes a partir do 9º mês de vida. Os resultados encontrados em relação à postura predominante do lactente sugerem que as experiências e o tempo gasto em uma posição podem influenciar a seqüência e época da aquisição de certas habilidades motoras. Foi característica do grupo estudado a predominância da adoção da postura sentada aos seis e da postura de quatro apoios e/ou em pé aos nove e 12 meses.

Destaca-se que no 6º mês de vida não é esperado um controle postural suficiente para permanência na postura sentada sem apoio, o que possivelmente explica o desempenho semelhante apresentado entre os lactentes que permaneciam em prono/supino e sentado (Fig. 1A). Dos cinco lactentes que permaneciam deitados, apenas dois permaneciam em prono. A falta de costume materno de posicionar o lactente em prono foi relatada em estudos anteriores20,21. Uma das possíveis razões para a não utilização da posição prono é a síndrome da morte súbita do lactente22,23.

A variável postura predominante influenciou o desempenho motor dos lactentes estudados no 9º e 12º meses de vida. No 9º mês foi considerada positiva para o desempenho motor a postura de quatro apoios (Fig. 1B) e no 12º mês a postura de quatro apoios e em pé (Fig. 1C). Este resultado coincide com o predomínio nos lactentes da adoção do chão como local preferencial de permanência (Fig. 2B ). Possivelmente no 9º mês de vida as mães tenham uma atitude menos protetora com seus lactentes e estes por sua vez, pela própria expressão de seu desenvolvimento, buscam espaço para se moverem e dificilmente se deixam restringir por carrinhos de bebê ou outro equipamento, por períodos longos de tempo. Desta forma o desempenho motor dos lactentes que utilizavam o chão como espaço para brincar, manifestou desenvolvimento motor além dos que utilizavam o carrinho como local de permanência. No carrinho uma quantidade menor de estímulos é oferecida, além da restrição visual e movimentação, o lactente pode apoiar-se na parte posterior do carrinho diminuindo a quantidade de reações e ajustes posturais de tronco. Quando crianças são mantidas sem condições de moverem-se livremente, podem ocorrer prejuízos no aprendizado e na utilização dos mecanismos de feedback e feedforward, essenciais para aquisição das habilidades motoras3. Manter lactentes a maior parte do tempo no colo, no berço, no carrinho ou cadeira de bebê pode ser considerado uma condição negativa para o desenvolvimento motor3,6,7.

Em Yucatan (México) os lactentes permanecem a maior parte do tempo no colo e desenvolvem precocemente habilidades motoras apendiculares e tardiamente habilidades motoras axiais como engatinhar e andar com e sem apoio 7. Habilidades de sentar, ficar em pé e andar sem apoio, ocorrem de maneira mais precoce nos lactentes africanos em relação aos americanos. As mães ocidentais deixavam seus bebês por muito tempo no berço, enquanto as africanas os carregavam a maior parte do dia enquanto realizavam suas atividades5,6,24 .

No Brasil uma pesquisa comparou o desempenho motor de lactentes brasileiros e americanos durante o primeiro ano de vida. Foram observadas diferenças no 3º, 4º e 5º mês de vida em favor dos americanos nas habilidades de sentar e de preensão, provavelmente por variações no ambiente e nas práticas maternas distintas8,9. Lactentes brasileiros apresentaram desempenho inferior aos canadenses durante o primeiro semestre de vida e uma possível explicação para o baixo desempenho seria a falta de costume materno das brasileiras em posicionar seus filhos em prono20,21.

Não foi encontrada diferença significativa relacionando o escore motor e a forma de carregar lactentes no colo. No entanto, a variável "tempo carregado" não foi controlada neste estudo. Possivelmente o tempo e freqüência de permanência no colo sejam mais importantes para o desempenho motor do que a forma de carregar o lactente, principalmente após o 6º mês de vida6.

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que as práticas que estimulam a adoção da postura de quatro apoios e a utilização do chão como local de permanência influenciam positivamente o desenvolvimento motor de lactentes. No entanto essas práticas e suas influências positivas só foram evidentes a partir do 9º mês de vida dos lactentes estudados. Estes resultados trazem o desafio de conseguir a adesão das famílias, às freqüentes orientações sobre a utilização do chão como espaço enriquecedor para o desenvolvimento de lactentes com alterações no desenvolvimento motor.

Recebido: 03/06/2005 — Aceito: 22/02/2006

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  • Correspondência para:

    Profa. Dra. Denise Castilho Cabrera Santos
    Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia — Bloco 07, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba (FACIS/UNIMEP)
    Rodovia do Açúcar Km 156, CEP 13400-911, Piracicaba, SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 2006
    • Recebido
      03 Jun 2005
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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