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Parâmetros cinemáticos da marcha com obstáculos em idosos com Doença de Parkinson, com e sem efeito da levodopa: um estudo piloto

Kinematic parameters for gait with obstacles among elderly patients with Parkinson's disease, with and without levodopa: a pilot study

Resumos

CONTEXTO: Os efeitos da levodopa na marcha de pacientes com Doença de Parkinson (DP) em terrenos desobstruídos são conhecidos, mas pouco se conhece sobre seus efeitos na marcha com obstáculos. OBJETIVO: Este estudo objetivou descrever, por meio de ferramenta cinemática, o comportamento locomotor de pacientes com DP e verificar as estratégias locomotoras, sem e sob o efeito da levodopa, durante a ultrapassagem de obstáculos de diferentes alturas. MÉTODO: Cinco pacientes com DP (Hoehn e Yahr= 2±0; idade= 68,4±5,7 anos) percorreram, andando, 10m e ultrapassaram um de dois obstáculos (alto= metade da altura do joelho e baixo= altura do tornozelo) posicionado no meio da passarela em duas sessões (em jejum e no pico de ação do medicamento). As seguintes variáveis foram coletadas e analisadas: distância horizontal pé-obstáculo (DHPO), distância vertical pé-obstáculo (DVPO); distância horizontal obstáculo-pé (DHOP) e velocidades médias, horizontais e verticais, nas fases de abordagem e aterrissagem (respectivamente, VHAO,VVAO; VHDO,VVDO). RESULTADOS: A ANOVA, por tentativa, revelou efeito principal de obstáculo para DVPO (F1,49=15,33; p< 0,001), para VVAO (F1,49= 82,184; p< 0,001), para VHDO (F1,49= 15,33; p< 0,001) e para VVDO (F1,49= 31,30; p< 0,001); e efeito principal de medicamento para DVPO (F1,49= 6,66; p< 0,013) e para VVAO (F1,49= 10,174; p< 0,002). CONCLUSÕES: Pacientes foram mais perturbados pelo obstáculo alto. Os sintomas da DP (bradicinesia e hipocinesia) foram diminuídos com o medicamento, evidenciando aumento geral da velocidade da perna de abordagem e da margem de segurança sobre os obstáculos. Pacientes com DP, independente da condição de medicamento, apresentaram um comportamento que garantiu segurança e estabilidade na marcha.

Doença de Parkinson; marcha; levodopa; idoso; marcha com obstáculo


BACKGROUND: The effect of levodopa on the gait of Parkinson's disease (PD) patients over unobstructed terrain is known, but little is known about its effect on gait over obstacles. OBJECTIVE: To describe the locomotor behavior of PD patients by means of kinematic tools and to verify their locomotor strategies during obstacle avoidance at different heights, with and without the effect of levodopa. METHOD: Five PD patients (Hoehn & Yahr= 2 ± 0; age= 68.4 ± 5.7 years old) walked 10m and stepped over one of two obstacles (high obstacle at half of knee height; low obstacle at ankle height) in two separate sessions: without medication (fasting) and at the peak of levodopa action. The following variables were collected and analyzed: foot placement prior to the obstacle (FPPO), leading toe clearance (LTCL), foot placement after the obstacle (FPAO) and horizontal and vertical mean velocities in the approach and landing phases (respectively, HVAP, VVAP, HVLP and VVLP). RESULTS: ANOVA by trials revealed that the main effects from the obstacle were on LTCL (F1.49= 15.33; p< 0.001), VVAP (F1.49= 82.184; p< 0.001), HVLP (F1.49= 15.33; p< 0.001) and VVLP (F1.49= 31.30; p< 0.001). Medication had its main effects on LTCL (F1.49= 6.66; p< 0.013) and VVAP (F1.49= 10.174; p< 0.002). CONCLUSION: Patients were more disturbed by the high obstacle. The PD symptoms (bradykinesia and hypokinesia) decreased under medication, as shown by increases in leading limb velocity and the safety margin over the obstacles. The patients presented gait patterns that ensured safety and stability, regardless of whether medicated or not.

Parkinson's disease; gait; levodopa; elderly; gait with obstacle


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Parâmetros cinemáticos da marcha com obstáculos em idosos com Doença de Parkinson, com e sem efeito da levodopa: um estudo piloto

Kinematic parameters for gait with obstacles among elderly patients with Parkinson's disease, with and without levodopa: a pilot study

Pieruccini-Faria FI; Menuchi MRTPI; Vitório RI; Gobbi LTBI; Stella FII; Gobbi SI

IDepartamento de Educação Física, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - UNESP, Rio Claro, SP

IIDepto de Educação, Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, SP

Correspondência para Correspondência para: Lilian Teresa Bucken Gobbi Av. 5-A, 1225, Vila Bela, CEP13506-795, Rio Claro, SP e-mail: ltbgobbi@rc.unesp.br

RESUMO

CONTEXTO: Os efeitos da levodopa na marcha de pacientes com Doença de Parkinson (DP) em terrenos desobstruídos são conhecidos, mas pouco se conhece sobre seus efeitos na marcha com obstáculos.

OBJETIVO: Este estudo objetivou descrever, por meio de ferramenta cinemática, o comportamento locomotor de pacientes com DP e verificar as estratégias locomotoras, sem e sob o efeito da levodopa, durante a ultrapassagem de obstáculos de diferentes alturas.

MÉTODO: Cinco pacientes com DP (Hoehn e Yahr= 2±0; idade= 68,4±5,7 anos) percorreram, andando, 10m e ultrapassaram um de dois obstáculos (alto= metade da altura do joelho e baixo= altura do tornozelo) posicionado no meio da passarela em duas sessões (em jejum e no pico de ação do medicamento). As seguintes variáveis foram coletadas e analisadas: distância horizontal pé-obstáculo (DHPO), distância vertical pé-obstáculo (DVPO); distância horizontal obstáculo-pé (DHOP) e velocidades médias, horizontais e verticais, nas fases de abordagem e aterrissagem (respectivamente, VHAO,VVAO; VHDO,VVDO).

RESULTADOS: A ANOVA, por tentativa, revelou efeito principal de obstáculo para DVPO (F1,49=15,33; p< 0,001), para VVAO (F1,49= 82,184; p< 0,001), para VHDO (F1,49= 15,33; p< 0,001) e para VVDO (F1,49= 31,30; p< 0,001); e efeito principal de medicamento para DVPO (F1,49= 6,66; p< 0,013) e para VVAO (F1,49= 10,174; p< 0,002).

CONCLUSÕES: Pacientes foram mais perturbados pelo obstáculo alto. Os sintomas da DP (bradicinesia e hipocinesia) foram diminuídos com o medicamento, evidenciando aumento geral da velocidade da perna de abordagem e da margem de segurança sobre os obstáculos. Pacientes com DP, independente da condição de medicamento, apresentaram um comportamento que garantiu segurança e estabilidade na marcha.

Palavras-chave: Doença de Parkinson, marcha, levodopa, idoso, marcha com obstáculo

ABSTRACT

BACKGROUND: The effect of levodopa on the gait of Parkinson's disease (PD) patients over unobstructed terrain is known, but little is known about its effect on gait over obstacles.

OBJECTIVE: To describe the locomotor behavior of PD patients by means of kinematic tools and to verify their locomotor strategies during obstacle avoidance at different heights, with and without the effect of levodopa.

METHOD: Five PD patients (Hoehn & Yahr= 2 ± 0; age= 68.4 ± 5.7 years old) walked 10m and stepped over one of two obstacles (high obstacle at half of knee height; low obstacle at ankle height) in two separate sessions: without medication (fasting) and at the peak of levodopa action. The following variables were collected and analyzed: foot placement prior to the obstacle (FPPO), leading toe clearance (LTCL), foot placement after the obstacle (FPAO) and horizontal and vertical mean velocities in the approach and landing phases (respectively, HVAP, VVAP, HVLP and VVLP).

RESULTS: ANOVA by trials revealed that the main effects from the obstacle were on LTCL (F1.49= 15.33; p< 0.001), VVAP (F1.49= 82.184; p< 0.001), HVLP (F1.49= 15.33; p< 0.001) and VVLP (F1.49= 31.30; p< 0.001). Medication had its main effects on LTCL (F1.49= 6.66; p< 0.013) and VVAP (F1.49= 10.174; p< 0.002).

CONCLUSION: Patients were more disturbed by the high obstacle. The PD symptoms (bradykinesia and hypokinesia) decreased under medication, as shown by increases in leading limb velocity and the safety margin over the obstacles. The patients presented gait patterns that ensured safety and stability, regardless of whether medicated or not.

Key words: Parkinson's disease, gait, levodopa, elderly, gait with obstacle.

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) ocorre devido à degeneração progressiva de neurônios da pars compacta da substância negra1, que é capaz de produzir o neurotransmissor dopamina. Apesar das causas não totalmente esclarecidas, sabe-se que fatores genéticos e/ou ambientais podem provocar a neurodegeneração seletiva dos neurônios que fazem conexões subcortico-corticais, desencadeando a DP2. A lentidão (bradicinesia) e a diminuição da amplitude movimentos (hipocinesia) podem ser provocadas pela perda da capacidade do córtex motor em gerar impulsos motores adequados para atingir a meta que foi planejada3.

O uso da dopamina exógena permite que o paciente acometido pela DP normalize parte de sua performance motora, por aliviar alguns dos sintomas (tremores involuntários, rigidez muscular, acinesia, bradicinesia, hipocinesia e alterações posturais, entre outros). De forma geral, este agente melhora, entre outros, o desempenho motor da marcha, enquanto que outros sintomas podem não ser aliviados4-6. Na marcha em superfície regular, a Levodopa tem desencadeado, por exemplo, aumento na amplitude das passadas atribuído à melhora na modulação muscular para a produção de força7.

Neste contexto, pouco é conhecido sobre a interação entre os efeitos do medicamento e as respostas locomotoras na marcha com obstáculos, uma tarefa locomotora de maior complexidade. Considerando que o desenvolvimento do sistema locomotor ocorre por meio do acoplamento entre informação sensorial e modulação do sistema efetor8,9, qualquer possível degeneração dos componentes ou subsistemas comprometeria a ação de ultrapassar obstáculo9,10. Na marcha com obstáculo, a perna de abordagem realiza a ação primeiro e, normalmente, está posicionada mais distante do obstáculo antes de perder o contato com o solo. O pé da perna de abordagem é elevado à frente pela flexão simultânea do quadril e do joelho. No momento da ultrapassagem, o centro de massa está se deslocando em direção ao novo ponto de apoio, ou seja, movimenta-se de uma base estável para uma posição ainda instável e próxima do obstáculo10-12.

Diante do exposto, questionou-se: como idosos portadores da DP realizam a ultrapassagem da perna de abordagem sobre obstáculos de diferentes alturas? Quais parâmetros espaciais e temporais da perna de abordagem seriam modificados quando sob efeito do medicamento? Para responder a estas questões, os objetivos do presente estudo foram: 1) verificar as estratégias motoras utilizadas pelos pacientes durante a marcha com obstáculos com e sem o efeito da levodopa; 2) caracterizar cinematicamente o comportamento motor dos indivíduos na mesma atividade motora.

MATERIAL E MÉTODO

Participantes: 5 pacientes com DP participaram deste estudo. Nenhum era institucionalizado e todos faziam atividade física de leve intensidade (caminhadas, exercícios terapêuticos na água e alongamento) e apresentavam locomoção independente na realização de atividades da vida diária. O participante B obteve 40 pontos na UPDRS e duração da doença de 17 anos, entretanto, era ativo e independente. O diagnóstico inicial da doença foi realizado por uma médica neurologista. Ao chegarem ao laboratório, os participantes foram reavaliados, clinicamente, por um neuropsiquiatra experiente e capacitado para determinar as condições motoras gerais por meio da Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS13, Subescala III-Motora; Versão adaptada pela equipe do Ambulatório de Distúrbios do Movimento/Doença de Parkinson, da FCM/Unicamp, sem data). Como critérios de inclusão, foram considerados: idade igual ou superior a 60 anos, os estágios 1 a 3 da Escala de Hoehn e Yahr14 (Versão adaptada empregada por Schenkman et al.15) e a condição motora/capacidade funcional observada por meio da UPDRS, Subescala IIIMotora. A Tabela 1 sumariza as características dos participantes.

Procedimentos Experimentais: A coleta dos dados dos participantes foi feita pela manhã e em duas etapas: na primeira, o paciente deveria estar em jejum do remédio (pela planilha de ingestão do medicamento de cada paciente, ocorreu jejum da Levodopa por 12 horas); na segunda etapa, uma hora após a ingestão do medicamento (pico de efeito do remédio), o mesmo protocolo foi repetido. O jejum da Levodopa foi controlado a partir das informações sobre os horários diários de ingestão (última dose do dia às 20:00 horas) e confirmado pelos participantes no horário da coleta (8:00 horas). Todos os procedimentos experimentais seguiram as normas da Declaração de Helsinki e foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa local.

Cada participante, após assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, foi convidado a realizar o seguinte protocolo: 1) Medidas antropométricas. A massa corporal e a estatura foram coletadas usando as técnicas descritas por Alvarez e Pavan16. As alturas do obstáculo foram normalizadas de acordo com as alturas do joelho e do tornozelo do membro inferior direito (MID), membro que ultrapassou primeiro o obstáculo, para minimizar os efeitos antropométricos. 2) Passarela e Obstáculo: A passarela consiste de um corredor livre com um carpete de espuma de borracha (10 x 1,42 x 0,003m). A figura 1 ilustra a situação experimental. Duas alturas de obstáculo (baixo = altura do tornozelo e alto = metade da altura do joelho) foram selecionadas e variaram para cada paciente. Os obstáculos, de eucadur liso (marca Eucatex), têm 60cm de largura e possuem um marcador passivo fixado na base. 3) Tarefa: cada participante foi instruído a percorrer andando a passarela, na velocidade preferida, ultrapassar o obstáculo (posicionado no meio da passarela) e continuar andando até o final. Tentativas iniciais sem a presença do obstáculo foram realizadas para ajustar o ponto de partida de forma a garantir que sempre o MID ultrapassasse primeiro o obstáculo (perna de abordagem). Este procedimento garantiu precisão na medição, evitando a oclusão de alguns marcadores durante a realização da tarefa. Cada etapa do protocolo experimental consistiu de 10 tentativas, sendo 5 para cada altura de obstáculo, filmadas no plano sagital direito do participante. A ordem de apresentação das tentativas foi totalmente randomizada por meio do programa rand.exe (Gait and Posture Lab, University of Waterloo, 2000). 4) Coleta e análise dos dados: Para registro cinemático dos dados, 3 marcadores passivos (esferas de isopor de 1,5cm de diâmetro) foram afixados com velcro, nos seguintes pontos anatômicos: quinto metatarso, face lateral do calcâneo e maléolo lateral. As imagens foram registradas a uma freqüência de 60 Hz por uma câmera analógica (marca Panasonic, modelo NV-M 9000), gerando dados cinemáticos em 2D. A digitalização das imagens foi realizada por uma placa de captura de vídeo (marca Pinnacle, modelo Studio DV), acoplada a um microcomputador. O procedimento fotogramétrico foi realizado pelo software Digital Vídeo for Windows (Dvideow, Laboratório de Instrumentação em BiomecânicaUnicamp, 1998). Para cálculo das variáveis dependentes e produção de gráficos, os dados foram filtrados pelo filtro digital de Butterworth de segunda ordem a 5 Hz em rotina Matlab (The Matworks Inc., 1998). A calibração do espaço bidimensional, registrado pela câmera, foi realizada por meio da filmagem de um objeto em forma de cruz, com medidas conhecidas de uma extremidade a outra (1m por 1m), posicionada no lugar do obstáculo antes que o participante realizasse as ultrapassagens. Os pontos afixados em cada extremidade deste objeto permitiram delimitar o espaço bidimensional a partir de referências na forma de sistema de coordenadas dentro do plano cartesiano e, assim, o Dvideow pôde calibrar o espaço percorrido pelos participantes na filmagem e reconstruí-lo em uma matriz bidimensional. Os testes de acurácia e precisão, seguindo os conceitos de Vuolo17, apresentaram valores de 0,7 cm e 0,38 cm, respectivamente. Todas as variáveis dependentes foram coletadas e calculadas a partir da perda de contato do MID com o solo antes do obstáculo até o contato inicial do pé com o solo após a ultrapassagem. Assim, as variáveis dependentes selecionadas foram: a distância horizontal pé-obstáculo antes da ultrapassagem (DHPO: distância entre a marca do quinto metatarso no momento da perda do contato com o solo e o obstáculo); distância horizontal obstáculo-pé (DHOP: distância entre o obstáculo e a marca do quinto metatarso ao entrar em contato com o solo após a ultrapassagem); variabilidade da DHPO e DHOP (DHPO_var e DHOP_var: médias dos resultados da transformação logarítmica dos desvios-padrão dessas duas variáveis, respectivamente); distância vertical pé-obstáculo (DVPO: distância entre a marca do quinto metatarso e o obstáculo, no momento em que o pé está sobre o mesmo); e velocidades médias horizontais e verticais em duas fases: a) abordagem: desde o momento em que o pé deixa o solo até o momento em que a marca do quinto metatarso encontra-se sobre o obstáculo (VHAO e VVAO, respectivamente horizontal e vertical); b) aterrissagem: do momento em que a marca do quinto metatarso encontra-se sobre o obstáculo até o momento em que ela toca o solo depois do obstáculo (VHDO e VVDO, respectivamente horizontal e vertical). A DHPO e a DHOP foram divididas pelo comprimento do MID para minimizar os efeitos antropométricos, normalizando-as.


Análise Estatística: Devido à baixa qualidade de algumas imagens, por problemas no travamento do foco da câmera, as análises estatísticas foram realizadas com 53 tentativas, sendo 28 na fase de jejum do medicamento e 25 na fase do pico da ação do medicamento. Foram conduzidas Análises de Variância, por tentativa, tendo como fatores obstáculo (baixo X alto) e medicamento (jejum X pico de ação do medicamento) para cada variável dependente. Os dois fatores foram tratados como medidas repetidas dentro das análises. Foi mantido o nível de significância de p< 0,05 para todas as análises.

RESULTADOS

A estatística descritiva de cada variável dependente é apresentada na Tabela 2. A ANOVA evidenciou que os valores médios para DVPO foram maiores para o obstáculo alto (F1,49=15,33; p< 0,001), independente da etapa de coleta, e quando sob efeito do medicamento (F1,49=6,66; p< 0,013), independente da altura do obstáculo. Não houve interação entre os fatores para a DVPO. As ANOVAs não revelaram efeitos ou interações entre obstáculo e medicamento para DHPO normalizado (respectivamente, F1,49= 0,033; p< 0,856; F1,49= 0,032; p< 0,571) e para DHOP normalizado (respectivamente, F1,49= 0,008; p< 0,929; F1,49= 0,870; p< 0,355). Estes resultados evidenciam que não há alteração do padrão locomotor em função do obstáculo ou da condição de medicamento. Entretanto, a análise da variabilidade (transformação logarítmica do desvio-padrão) mostrou que os pacientes foram mais estáveis quando sob efeito do medicamento, tanto antes (DHPO normalizado, F1,49= 4,323; p< 0,043) como depois do obstáculo (DHOP normalizado, F1,49= 3,99; p< 0,051). A transformação logarítmica foi necessária para que o conjunto de dados, referentes ao desvio-padrão, se comportassem dentro da curva normal e desta forma pudesse ser inserido na estatística paramétrica, como as demais variáveis. Para as velocidades médias antes do obstáculo, a ANOVA revelou que sob efeito do medicamento (F1,49= 10,174; p< 0,002) e ao ultrapassar o obstáculo alto (F1,49= 82,184; p< 0,001), os participantes aumentaram a velocidade vertical antes do obstáculo. A ANOVA não revelou efeitos de obstáculo e medicamento ou interações para a VHAO. Em relação às velocidades médias da perna de abordagem depois do obstáculo, as ANOVAs revelaram que, ao ultrapassar o obstáculo alto, menores valores médios foram observados para VHDO (F1,49= 15,33; p< 0,001) e maiores valores médios para VVDO (F1,49= 31,30; p< 0,001).

DISCUSSÃO

A ação motora de ultrapassar obstáculos apresenta um risco potencial de tropeço e queda. Nenhum dos participantes, em nenhuma das tentativas, tropeçou no obstáculo, concordando com estudos realizados com idosos saudáveis11,18.

Restrições do Ambiente (altura do obstáculo)

Ajustes no padrão locomotor dos pacientes foram observados diante de uma grande perturbação no ambiente (obstáculo alto). O aumento na velocidade vertical antes e depois do obstáculo parece refletir a necessidade de ultrapassá-lo de forma rápida e segura, diminuindo o tempo de suporte simples. Quando os participantes se encontravam em jejum da levodopa, a VVAO foi menor do que quando sob efeito do medicamento. Apesar de parecer uma contradição, pois refletiria maior tempo em suporte simples, comprometendo o equilíbrio, tal comportamento pode estar relacionado a melhorar a precisão na abordagem, diminuindo as velocidades da perna até a borda superior dos obstáculos. Este comportamento ainda favoreceria a utilização da visão para possíveis ajustes, garantindo uma margem de segurança ideal entre o pé e o obstáculo. A bradicinesia pode estar associada a uma estratégia desenvolvida pelo sistema nervoso central para melhorar a precisão dos movimentos3 em uma tarefa que demanda mais atenção ao idoso19. A lentidão encontrada no MID, na condição de jejum, pode ser uma estratégia para facilitar o controle visual11 em função da forte ou maior dependência que pacientes com DP possuem da visão, causada por um comprometimento proprioceptivo generalizado20. Para as velocidades horizontais, ocorreu aumento apenas na fase de aterrissagem e, ao contrário do esperado, para o obstáculo baixo. A pouca demanda motora no sentido vertical para o obstáculo baixo permite que o movimento não seja desacelerado de forma brusca como é necessário para o obstáculo alto.

Os parâmetros espaciais de negociação com o obstáculo refletem a modulação do sistema efetor de acordo com o julgamento perceptivo das características do obstáculo (dimensões e localização)12,18,21. Esta modulação ocorre em relação à tomada de decisões em função da distância de aproximação do obstáculo antes de ultrapassá-lo (DHPO), margem de segurança sobre o obstáculo (DVPO) e colocação do pé na aterrissagem (DHOP), que são necessárias para garantir segurança e estabilidade18,22. Como outros estudos avaliando a marcha com obstáculos em pacientes com DP são raros, resultados de idosos saudáveis são utilizados para comparação.

As variáveis DHPO e DHOP, em pacientes com DP, mostraram-se resistentes em relação à altura do obstáculo, o que está em concordância com os resultados encontrados em idosos saudáveis22. Desta forma, pode-se especular que a modulação destas distâncias não foi afetada pela DP e sim pelo processo de envelhecimento. O aumento da DVPO na ultrapassagem de obstáculos altos foi revelado e pode ser explicado tanto pela capacidade intacta de se variar a resposta motora de acordo com a percepção das características dos objetos no ambiente como pelo fato de que se o obstáculo já é alto, elevar a perna além do necessário coloca em risco o controle do equilíbrio, mas evita-se o tropeço. Para elevar mais a perna, o paciente com DP provavelmente realizou uma flexão lateral oposta à perna de abordagem, que exige maior controle no sentido médio-lateral. O aumento da VHDO parece refletir a necessidade de se atingir rapidamente um ponto de apoio estável para reduzir o deslocamento médio-lateral. Talvez o medo de uma possível queda por tropeço possa ter provocado o aumento na DVPO. A modulação do sistema efetor de acordo com a altura do obstáculo, especialmente em relação à margem de segurança, não era esperada. Estudos com adultos jovens e idosos saudáveis têm revelado que a DVPO é um parâmetro robusto do planejamento motor que não se altera em relação à altura do obstáculo11,21,22.

Restrições do Organismo (Medicamento)

Os pacientes com DP não alteraram a distância de aproximação do obstáculo antes de ultrapassá-lo (DHPO) e a colocação do pé na aterrissagem (DHOP) entre as condições de medicamento. Estes resultados podem indicar que estes parâmetros espaciais integram o plano motor da tarefa de ultrapassar obstáculos e que, provavelmente, ainda não foram afetados pela DP. Entretanto, ocorreu aumento da variabilidade nestas distâncias quando sob efeito do medicamento, indicando que o medicamento favoreceu a implementação de ajustes na colocação dos pés antes e depois da ultrapassagem do obstáculo. A margem de segurança sobre o obstáculo apresentou valores médios estatisticamente maiores quando os pacientes estavam sob efeito do medicamento. Este resultado pode ser causado pela melhora da integração sensorial (informações visuais e cinestésicas), que subsidia modificações na precisão de parâmetros motores espaciais em detrimento das exigências do ambiente, melhorando os sintomas da hipocinesia DP23-26.A Levodopa também provocou efeitos significativos na hipocinesia, corroborando com resultados de outros estudos que avaliaram a marcha de pacientes com DP23.

Este estudo piloto possui algumas limitações, como o tamanho da amostra, a concentração em estágio leve da DP e a ausência de grupo controle, que dificultam a generalização dos resultados. No entanto, as diferenças estatisticamente observadas nos resultados não são discrepantes daquelas referenciadas na literatura, mesmo não estando especificamente ligadas à marcha com obstáculos. Assim, este estudo contribui para outras observações que venham fortalecer os referenciais sobre a temática, que merece ser ainda mais investigada.

CONCLUSÃO

Os participantes foram capazes de ultrapassar, sem tropeços ou quedas, tanto os obstáculos baixos quanto os altos, mesmo quando estavam em jejum da levodopa. No entanto, algumas estratégias foram reveladas para melhorar a precisão na tarefa, o que pôde ser observado na diminuição das velocidades vertical e horizontal antes da abordagem dos obstáculos, na condição de jejum da levodopa. Ainda, a levodopa proporcionou um aumento da margem de segurança do pé com o obstáculo e facilitou os ajustes no posicionamento do pé em relação ao obstáculo para a abordagem.

Parâmetros importantes revelaram melhora significativa nos sintomas da DP, como a lentidão do MID para abordagem ao obstáculo alto e a sua margem de segurança, com o uso da levodopa. Este comportamento garante maior segurança e estabilidade na marcha com obstáculos. Ainda, os obstáculos altos revelaram-se mais perturbadores do que os baixos, para estes indivíduos, por provocarem um aumento nas margens de segurança do pé com a sua borda superior.

Agradecimentos: Os autores agradecem a Dra. Elisabete Burigo pelo auxílio no recrutamento dos pacientes, a Danilla I. Corazza, Andrei G. Lopes, Ana Francisca R. Kleiner e Maria Dilailça T. de Oliveira pelo auxílio na coleta dos dados e às sugestões dos revisores anônimos.

Recebido: 04/08/2005 — Aceito: 14/12/2005

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  • Correspondência para:

    Lilian Teresa Bucken Gobbi
    Av. 5-A, 1225, Vila Bela, CEP13506-795, Rio Claro, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      14 Dez 2005
    • Recebido
      04 Ago 2005
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