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Análise da confiabilidade de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais

Resumos

INTRODUÇÃO: O comprimento muscular pode ser inferido através da determinação da relação comprimento-tensão do músculo. Essa relação é tradicionalmente investigada por meio da medida do torque máximo produzido pelo músculo e do ângulo em que esse torque é gerado. OBJETIVO: O presente estudo verificou a confiabilidade teste-reteste de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais em jovens saudáveis. MÉTODO: Vinte e cinco indivíduos saudáveis (22,88 ± 1,67 anos) foram avaliados duas vezes em um intervalo de três semanas. Um dinamômetro isocinético foi utilizado no modo passivo para avaliar o torque passivo dos isquiossurais. A atividade muscular foi monitorada para garantir silêncio eletromio-gráfico. O dinamômetro foi utilizado no modo concêntrico para determinar o torque total dos isquiossurais. O torque ativo foi obtido subtraindo-se o torque passivo do torque total. O ângulo do pico de torque ativo foi utilizado para a análise. RESULTADO: Não houve diferença estatisticamente significativa entre as duas medidas realizadas (t= 1,009; p= 0,323). O Coeficiente de Correlação Intraclasse para os valores obtidos do ângulo de pico de torque ativo foi de 0,948 (p= 0,0001; IC 95% 0,881 - 0,977). CONCLUSÃO: O presente estudo demonstrou que o método descrito é confiável para a quantificação deste ângulo, sugerindo que este método pode ser utilizado para avaliar mudanças da curva torque-ângulo promovidas por alterações de comprimento muscular.

músculo; comprimento; confiabilidade; torque


INTRODUCTION: Muscle length can be inferred from the length-tension relationship of the muscle. This relationship is traditionally investigated by measuring the peak torque produced by the muscle and the angle at which it is generated. OBJECTIVE: The present study investigated the test-retest reliability of a method for measuring hamstring active peak torque angle in healthy young adults. METHOD: Twenty-five healthy individuals (22.88 ± 1.67 years) were assessed twice with an interval of three weeks. An isokinetic dynamometer was used in passive mode to assess hamstring passive torque. Muscle activity was monitored to ensure electromyographic silence. The dynamometer was also used in concentric mode to determine hamstring total torque. The active torque was obtained as the difference between total torque and passive torque. The active peak torque angle was used for the analysis. RESULTS: There was no significant difference between the two measurements (t= 1.009; p= 0.323). The intraclass correlation coefficient for the active peak torque angle values obtained was 0.948 (p= 0.0001; 95% CI: 0.883 - 0.977). CONCLUSION: This study has shown that the method described is reliable for the quantification of active peak torque angle, thus suggesting that this method can be used to evaluate shifts in the torque-angle curve produced by muscle length changes.

muscle; length; reliability; torque


ARTIGO METODOLÓGICO

Análise da confiabilidade de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais

Aquino CFI; Freire MTFII; Neves NMII; Ferreira PCAII; Fonseca STIII

IFundação Educacional de Divinópolis, Divinópolis, MG - Brasil

IIEscola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil

IIIDepartamento de Fisioterapia, UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil

correspondência para Corrrespondência para: Cecília Ferreira de Aquino Av. Sete de Setembro, 949, Bairro Centro CEP 35500-011, Divinópolis, MG Brasil e-mail: cferaquino@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O comprimento muscular pode ser inferido através da determinação da relação comprimento-tensão do músculo. Essa relação é tradicionalmente investigada por meio da medida do torque máximo produzido pelo músculo e do ângulo em que esse torque é gerado.

OBJETIVO: O presente estudo verificou a confiabilidade teste-reteste de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais em jovens saudáveis.

MÉTODO: Vinte e cinco indivíduos saudáveis (22,88 ± 1,67 anos) foram avaliados duas vezes em um intervalo de três semanas. Um dinamômetro isocinético foi utilizado no modo passivo para avaliar o torque passivo dos isquiossurais. A atividade muscular foi monitorada para garantir silêncio eletromio-gráfico. O dinamômetro foi utilizado no modo concêntrico para determinar o torque total dos isquiossurais. O torque ativo foi obtido subtraindo-se o torque passivo do torque total. O ângulo do pico de torque ativo foi utilizado para a análise.

RESULTADO: Não houve diferença estatisticamente significativa entre as duas medidas realizadas (t= 1,009; p= 0,323). O Coeficiente de Correlação Intraclasse para os valores obtidos do ângulo de pico de torque ativo foi de 0,948 (p= 0,0001; IC 95% 0,881 – 0,977).

CONCLUSÃO: O presente estudo demonstrou que o método descrito é confiável para a quantificação deste ângulo, sugerindo que este método pode ser utilizado para avaliar mudanças da curva torque-ângulo promovidas por alterações de comprimento muscular.

Palavras-chave: músculo, comprimento, confiabilidade, torque.

INTRODUÇÃO

Musculoesqueléticos alteram a sua capacidade de produzir torque ao longo da amplitude de movimento articular1. A produção de torque durante o arco de movimento é determinada pela variação do braço de alavanca do músculo (distância perpendicular do vetor de ação muscular ao eixo articular) à medida que a articulação se desloca e pela relação comprimento-tensão muscular1,2. A relação comprimento-tensão do músculo demonstra a propriedade fisiológica do tecido muscular de modificar a capacidade de produzir tensão à medida que o seu comprimento varia3. Procedimentos experimentais realizados com animais, através de métodos cirúrgicos para remoção do tecido conectivo e estimulação neural do músculo com eletrodos, permitem a obtenção direta de informações sobre a curva comprimento-tensão utilizando a avaliação da tensão máxima produzida pelos músculos4. No entanto, o mesmo não pode ser realizado em experimentos com humanos. Dessa forma, em condições de pesquisa em que o braço de alavanca do músculo não sofre variações, o torque muscular máximo e o ângulo em que esse torque é gerado têm sido avaliados como forma de fazer inferências sobre a curva comprimento-tensão5,6,7.

A análise da relação comprimento-tensão tem sido tradicionalmente utilizada para informar indiretamente sobre o comprimento muscular5,8,9. Existem evidências de que alterações do comprimento muscular estão associadas a deslocamentos da curva comprimento-tensão10,11. Estudos realizados em animais verificaram que músculos imobilizados em posição encurtada apresentam uma redução de cerca de 40% do número de sarcômeros em série10, produzindo uma diminuição do tamanho do músculo e um deslocamento da curva comprimento-tensão para a esquerda (menor comprimento muscular)10,11,12. Por outro lado, músculos imobilizados em posição alongada demonstraram um acréscimo de 19% do número de sarcômeros em série10, além de um aumento do comprimento muscular e um deslocamento da curva comprimento-tensão para a direita (maior comprimento muscular)10,11,12. Após a realização de protocolos de treinamento que envolvem o fortalecimento muscular, também foram observadas mudanças do comprimento muscular, demonstradas através de modificações da relação comprimento-tensão do músculo10,12. Assim, aumento e/ou diminuição do comprimento muscular promovidos por diferentes protocolos de intervenção podem ser avaliados através do deslocamento da curva comprimento-tensão do músculo.

Modificações do comprimento muscular são capazes de alterar o ponto ótimo em que o músculo gera tensão máxima5,9,13. A mensuração objetiva do ângulo articular em que o músculo produz o máximo de torque possibilitaria fazer inferências sobre possíveis mudanças do comprimento do músculo5,6. Entretanto, as informações obtidas com essa avaliação em seres humanos correspondem ao somatório das forças passivas e ativas do músculo9,14. Assim, a medida do ângulo de torque máximo obtido pode não representar o comprimento muscular em que apenas os componentes ativos do músculo geram tensão máxima através da sobreposição entre os filamentos de actina e miosina. Considerando-se que a força total produzida pelos músculos corresponde ao somatório das forças passiva e ativa, sendo ambas influenciadas pelo comprimento muscular14, a mensuração do torque muscular ativo deve ser feita subtraindo-se a força passiva da força total produzida1,9. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo verificar a confiabilidade teste-reteste de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais em indivíduos saudáveis.

MATERIAIS E MÉTODOS

Amostra

Vinte e cinco indivíduos saudáveis participaram deste estudo, sendo 3 homens e 22 mulheres, com média de idade de 22,88 ± 1,67 anos, massa corporal média de 55,38 ± 9,88 kg e estatura média de 1,65 ± 0,06 metros (Tabela 1). Foi utilizada uma amostra de conveniência composta por estudantes universitários, e o único critério de inclusão utilizado foi a ausência de história de lesão dos membros inferiores. Embora nenhum voluntário praticasse atividade física regularmente, não houve restrição quanto ao nível de atividade dos participantes.

Os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido concordando em submeter-se às avaliações desta pesquisa. O projeto deste estudo e o termo de consentimento foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, onde o estudo foi realizado (parecer nº 074/04).

Instrumentação

Um dinamômetro isocinético (Biodex Medical System Inc., Shirley, NY) foi utilizado para avaliação do torque passivo e da performance muscular isocinética dos isquiossurais.

Para monitorar a atividade eletromiográfica produzida pelos músculos vasto lateral (VL) e bíceps femoral (BF), durante o registro do torque passivo dos isquiossurais, foi utilizado um eletromiógrafo MP150WSW (Biopac System Inc., Goleta, CA) ligado a um microcomputador. Esse equipamento possui impedância de entrada de dois mega ohms (MW) e capacidade de Rejeição do Modo Comum de 1000MW. Para a captação dos sinais eletromiográficos do VL e BF, foram utilizados dois pares de eletrodos ativos de superfície, com diâmetro de 11,4 mm e distância intereletrodos de 20 mm (TSD150A, Biopac System Inc., Goleta, CA). Um eletrodo "terra" (LEAD110A, Biopac System Inc., Goleta, CA) foi utilizado sobre uma superfície óssea (acrômio).

Procedimentos

Inicialmente, os procedimentos da pesquisa foram explicados aos voluntários, que assinaram um termo de consentimento concordando em participar do estudo. As medidas foram realizadas somente na perna não-dominante. O membro considerado dominante foi aquele escolhido pelo participante para chutar uma bola15. Foram realizadas duas avaliações, com intervalo de três semanas entre elas. Todos os participantes realizaram as duas medidas planejadas, não havendo perda amostral.

Após a determinação do membro inferior a ser avaliado, foram feitas a retirada dos pêlos e a limpeza da pele com álcool para a colocação dos eletrodos. Pares de eletrodos ativos de superfície foram colocados sobre a área de maior ventre muscular do VL e BF do membro inferior não-dominante, seguindo a orientação das fibras. Um eletrodo "terra" foi posicionado sobre o acrômio.

Em seguida à colocação dos eletrodos, os participantes foram posicionados assentados na cadeira do dinamômetro com o quadril posicionado a 90 graus de flexão. O eixo articular do joelho foi alinhado com o eixo de rotação do aparelho, e o adaptador para joelho do dinamômetro foi posicionado logo acima do maléolo lateral (Figura 1). A amplitude de movimento foi limitada de 0 a 90 graus de flexão do joelho para todos os voluntários nas avaliações inicial e final.


Para a medida do torque passivo dos isquiossurais, utilizou-se o modo passivo do dinamômetro isocinético, a uma velocidade de 60º/s. Os voluntários foram orientados a não resistir voluntariamente ao deslocamento do adaptador do dinamômetro, que se iniciava a partir de 90 graus de flexão do joelho até a extensão completa e, em seguida, era feito o retorno passivo à posição de flexão. Durante esse retorno, realizado passivamente, o software do dinamômetro isocinético registrava o torque gerado pelo peso da perna, pelo peso do adaptador do dinamômetro e pela força produzida pela energia conservada nos elementos elásticos dos músculos em torno da articulação. Esse torque foi definido como o torque passivo do movimento de retorno à posição de flexão do joelho.

Durante a avaliação do torque passivo, os dados eletromiográficos do VL e do BF foram coletados simulta- neamente a uma freqüência de 1000 Hz, o que permitia monitorar a atividade muscular e assegurar que o teste era realizado passivamente. Estes dois músculos foram monitorados por serem representativos da atividade do quadríceps e dos isquiossurais. Somente foram aceitas para análise as medidas em que a atividade de ambos os músculos não excedia a atividade média registrada durante o repouso acrescida de dois desvios-padrão da média16. Um programa foi desenvolvido no software Matlab® para fazer a comparação da atividade muscular apresentada durante o teste com o sinal eletromiográfico de repouso, em intervalos de tempo de 50 milisegundos. O programa foi aplicado logo após a medida, permitindo-se então descartar ou aceitar o teste.

Após a medida do torque passivo, mantendo-se o mesmo posicionamento e a mesma amplitude de teste, foi feita uma avaliação da performance isocinética dos isquiossurais (torque total isocinético). Essa avaliação também foi realizada na velocidade de 60º/s, no modo concêntrico, com sete repetições do movimento de flexão e extensão do joelho. Somente os dados referentes à flexão do joelho, em que os isquiossurais realizavam uma contração concêntrica, foram utilizados para análise. Antes da coleta dos dados, os voluntários tiveram a oportunidade de praticar três repetições submáximas como treinamento. Durante a realização do teste, foi dado um estímulo verbal aos participantes para obtenção da força máxima. Após a conclusão da avaliação, os dados fornecidos pelo software sobre o coeficiente de variação da medida de torque dos flexores do joelho durante o teste e sobre o ângulo de torque máximo desses músculos em cada uma das repetições foram analisados. As repetições que apresentaram o maior e o menor valor do ângulo de torque máximo foram descartadas, restando cinco valores para análise. Caso o teste demonstrasse um coeficiente de variação dos dados de torque acima de 10% e os cinco valores restantes do ângulo apresentassem uma variação de mais de 10 graus, a medida era descartada. Esse procedimento visava garantir uma avaliação mais consistente dos dados. Os participantes que necessitaram repetir a medida tiveram 10 minutos de descanso para realizarem a nova tentativa.

Redução dos dados

Para a determinação do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais, foram utilizados os valores de torque e ângulo obtidos das avaliações do torque passivo e do torque total isocinético à velocidade de 60º/s, coletados a uma freqüência de 100 Hz. Na avaliação do torque total isocinético, o software do dinamômetro permite a obtenção dos dados de torque com e sem a correção do efeito da gravidade sobre as massas do adaptador do aparelho e dos segmentos corporais. Uma vez que esse torque gravitacional, presente nas mensurações do torque passivo e do torque total isocinético, seria anulado durante a redução dos dados através da subtração entre os valores desses torques, coletaram-se os dados sem a correção do efeito da gravidade. Assim, os dados sem correção coletados na medida da flexão passiva do joelho e nas cinco repetições mais consistentes da avaliação isocinética dos isquiossurais foram transferidos para um computador para serem analisados. Um programa desenvolvido no software Matlab® foi utilizado para determinar o ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais. Os dados de torque foram filtrados com um filtro de Butterworth de 4ª ordem e um cut-off de 1,25Hz. A partir da curva de torque total, em função do ângulo do joelho, obtida da avaliação isocinética, foram subtraídos os valores de torque passivo para cada ângulo articular correspondente, obtidos durante a flexão passiva do joelho, com os torques resultantes representando o torque ativo dos isquiossurais. O ângulo onde foi produzido o torque ativo muscular pelos isquiossurais foi identificado pelo programa, para cada uma das cinco repetições do torque total, com a média dos valores, em graus, sendo analisada.

Análise estatística

O teste t pareado foi utilizado para avaliar a diferença entre as médias dos valores do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais obtidos nas duas medidas realizadas (teste e reteste). Para analisar a confiabilidade teste-reteste da medida descrita neste estudo, foi utilizado o Coeficiente de Correlação Intraclasse (Intraclass Correlation Coeficient ICC) e o intervalo de confiança do ICC (IC 95%). Os valores de ICC variam de 0,00 a 1,00, sendo que quanto mais próximo do valor 1,00 estiver o resultado do ICC, mais confiável é o instrumento. De acordo com Portney e Watkins17, para a confiabilidade teste-reteste ser considerada adequada deve-se obter o ICC> 0,75. Para medidas clínicas, a confiabilidade deve exceder 0,9017. O nível de significância de 0,05 foi estabelecido para todas as análises. O tratamento estatístico foi realizado através do aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS® – Versão 13.0).

RESULTADOS

A média do ângulo de pico de torque ativo obtido no teste foi 26,40 graus (DP= 6,97) e no reteste foi 25,76 graus (DP= 7,24). A Tabela 1 apresenta os valores do pico de torque ativo obtidos em todos os voluntários na primeira e segunda mensurações. Não houve diferença estatisticamente signi- ficativa entre as duas medidas realizadas com intervalo de três semanas (t= 1,009; p= 0,323). Esse resultado não se modificou com a exclusão dos participantes do sexo masculino (t= 1,170; p= 0,255). O Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC), utilizado para analisar a confiabilidade teste-reteste dos valores de torque ativo dos isquiossurais obtidos pelo método descrito neste estudo, demonstrou uma correlação de 0,948 (p< 0,001; IC 95% 0,881 - 0,977). Esse resultado também não se alterou quando a análise excluiu os indivíduos do sexo masculino, apresentando um ICC de 0,952 (p< 0,001; IC 95% 0,884 - 0,980).

DISCUSSÃO

O presente estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a confiabilidade teste-reteste de um método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais. Os resultados demonstraram que o método de mensuração analisado no estudo para a quantificação desse ângulo é confiável, podendo fornecer informações objetivas sobre mudanças da curva torque-ângulo dos isquiossurais que podem ser produzidas por alterações de comprimento muscular.

Mensurações objetivas do comprimento muscular são necessárias para documentar a eficácia de intervenções terapêuticas que tenham o propósito de modificar estrutural-mente o músculo5,18. Mudanças do alinhamento dos segmentos corporais e da amplitude de movimento disponível em uma articulação estão associadas a alterações do comprimento muscular8,19. Assim, a boa confiabilidade encontrada na mensuração do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais possibilita que esse método contribua para a elaboração de estudos que avaliem a eficácia de programas de tratamento envolvendo mudanças do comprimento muscular para a correção postural ou para o aumento da amplitude de movimento articular.

A medida de flexibilidade, operacionalizada através da amplitude de movimento máxima da articulação, é freqüen-temente utilizada para fazer inferências sobre as alterações do comprimento muscular7,15,20. Entretanto, alguns autores sugerem que o possível mecanismo envolvido no ganho de flexibilidade após programas de alongamento e/ou fortale-cimento muscular estaria relacionado a um aumento da tolerância do indivíduo ao alongamento e não a mudanças no comprimento muscular18,21. Com o aumento da tolerância ao alongamento, o indivíduo permite a aplicação de uma maior quantidade de força sobre a articulação, possibilitando a obtenção de valores superiores de amplitude de movimento na determinação da flexibilidade22. Além disso, os resultados obtidos na avaliação da flexibilidade podem variar de acordo com a força aplicada durante a mensuração, uma vez que na medida de amplitude de movimento máxima, sem controlar a força utilizada para a mensuração, fatores como o aumento da tolerância ou o desejo do participante de demonstrar progresso podem interferir nos resultados18,21. Assim, alterações dessa medida podem não demonstrar uma real modificação estrutural do tecido muscular.

A análise da relação comprimento-tensão do músculo não apresenta as limitações demonstradas pela medida de flexibilidade, sendo um método capaz de informar indiretamente sobre o comprimento muscular deste tecido5,6,9. No entanto, existe a impossibilidade de mensuração direta da relação comprimento-tensão muscular em seres humanos. Assim, medidas do ângulo de pico de torque, obtidas através da análise da curva torque-ângulo, foram utilizadas por estudos que investigaram o efeito de intervenções, como o fortalecimento5,23 e o alongamento muscular7,24, no aumento do comprimento do músculo. Nesses estudos, utilizou-se a medida do ângulo de pico de torque para inferir sobre o comprimento muscular, mas não foi descrita a confiabilidade do método, além de não ter sido retirado o torque passivo do torque total produzido5,7. Entretanto, como os torques passivo e ativo são influenciados pelo comprimento do músculo14, e nessas pesquisas foi utilizada uma intervenção com o propósito de aumentar o comprimento muscular7, seria possível que, ao final do estudo, o torque total não se modificasse, embora a resistência passiva e a relação comprimento-tensão tivessem sofrido mudanças. Dessa forma, diminuição do torque passivo e deslocamento da curva comprimento-tensão (componente ativo) na direção de um maior comprimento muscular, caso ocorressem simultaneamente, poderiam não resultar em mudança no ângulo de pico de torque total, pois os dois efeitos se anulariam na determinação do torque total produzido. Portanto, se o objetivo de um estudo for avaliar o impacto de uma intervenção no comprimento muscular, a utilização de um método que não retira o torque passivo para o cálculo do ângulo de pico de torque pode mascarar os resultados.

Uma limitação do presente estudo refere-se à dificuldade de utilização clínica do método de mensuração do ângulo de pico de torque ativo, uma vez que essa medida exige equipamentos de dinamometria isocinética que são pouco comuns no ambiente clínico. Embora a metodologia proposta minimize a interferência do paciente e do examinador na determinação da medida, é necessária a investigação de procedimentos de avaliação do comprimento muscular capazes de serem aplicados não só em pesquisas científicas, mas também na prática clínica. Outra possível limitação estaria relacionada à composição da amostra, que apresentou um número reduzido de indivíduos do sexo masculino. Entretanto, conforme foi demonstrado na análise estatística, esse fator não interferiu nos resultados encontrados.

Os resultados do presente estudo indicaram que os isquiossurais apresentam o torque ativo máximo próximo de 25 graus de flexão do joelho. Na obtenção do ângulo de pico de torque, o padrão da curva torque-ângulo é influenciado por fatores mecânico, relacionado com o braço de alavanca do músculo, e fisiológico, associado à relação comprimento-tensão13. Determinados músculos, como os flexores de cotovelo, apresentam o fator mecânico (alavancagem) predominante na determinação do padrão da curva torque-ângulo. Por outro lado, o padrão da curva torque-ângulo dos isquiossurais, com o torque máximo produzido próximo à extensão completa, reflete a contribuição do componente fisiológico sem o predomínio do fator mecânico25. Nesse caso, não é possível afirmar se o alto valor de confiabilidade encontrado é específico dos isquiossurais ou se a metodologia investigada poderia ser aplicada para avaliação de outros músculos. Portanto, a utilização da medida de ângulo de pico de torque ativo para avaliação de mudanças de comprimento de músculos em que o componente mecânico se sobrepõe ao fator fisiológico na determinação da curva torque-ângulo deve ser investigada em futuros estudos.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados encontrados, pode-se concluir que o método descrito neste estudo é confiável para a determinação do ângulo de pico de torque ativo dos isquiossurais. Esse método pode ser utilizado em estudos que tenham como objetivo investigar mudanças da curva torque-ângulo devido a alterações de comprimento desse grupo muscular promovidas por diferentes protocolos de intervenção. No entanto, não se pode afirmar que o método proposto é adequado para a medida do ângulo de pico de torque ativo de outros músculos.

Recebido: 31/07/2006

Revisado: 01/12/2006

Aceito: 26/01/2007

Apoio: CNPq (bolsa PIBIC/ CNPq) e a CAPES (bolsa PROF/CAPES).

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  • Corrrespondência para:

    Cecília Ferreira de Aquino
    Av. Sete de Setembro, 949, Bairro Centro
    CEP 35500-011, Divinópolis, MG Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2006
    • Revisado
      01 Dez 2006
    • Aceito
      26 Jan 2007
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