Acessibilidade / Reportar erro

Confiabilidade da fotogrametria em relação a goniometria para avaliação postural de membros inferiores

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A avaliação postural bem como a mensuração da amplitude articular são instrumentos fundamentais para o diagnóstico, planejamento e acompanhamento da evolução e dos resultados de um tratamento fisioterapêutico. Elas podem ser realizadas tanto pela goniometria - método mais utilizado na clínica fisioterapêutica - como, com o avanço tecnológico, pela fotogrametria. OBJETIVOS: Verificar a confiabilidade paralela da fotogrametria computadorizada, utilizando dois softwares, o Corel Draw e o SAPo, em relação à goniometria para quatro ângulos nos membros inferiores. CASUÍSTICA E MÉTODOS:Foram estudados 26 voluntários de ambos os sexos, assintomáticos, com idade entre 18 e 45 anos, sem anisomelia de membros inferiores maior que 1 cm. Foram mensurados os ângulos tíbio-társico (TT), de flexo/extensão do joelho (flex/ext), ângulo Q (Q) e ângulo do retropé, inicialmente, com um goniômetro manual e, posteriormente, pela fotogrametria digital por meio dos softwares Corel Draw v. 12 e SAPo v.0.63. RESULTADOS: Os ângulos TT (p= 0,9991), do retropé (p= 0,2159) e de flexo/extensão do joelho (p= 0,4027) não foram estatisticamente diferentes entre os 3 métodos de avaliação. Já o ângulo Q foi significativamente diferente entre a goniometria e os dois softwares usados na fotogrametria (p= 0,0067), embora os valores obtidos pelos mesmos não tenham diferido entre si (p= 0,9920), demonstrando que os resultados da fotogrametria não foram influenciados pelos softwares utilizados. CONCLUSÃO: Para os ângulos avaliados em sujeitos jovens assintomáticos, a fotogrametria computadorizada é confiável paralelamente à goniometria, exceto para o ângulo Q. Portanto, na clínica fisioterapêutica, deve-se ter cautela no uso de medidas de ângulo Q provenientes de diferentes métodos de avaliação postural.

goniometria; fotogrametria; postura


BACKGROUND: Postural assessment and joint range-of-motion measurements are fundamental in diagnosing, planning and following up the evolution and results from physical therapy treatment. These can be done with the aid of goniometry the most common method in physical therapy practice - and also, through technological advances, by means of photogrammetry. OBJECTIVE: To investigate the parallel reliability of computerized photogrammetry, using two software tools (Corel Draw and SAPo), in relation to goniometry, in four angles of the lower limbs. METHOD: Twenty-six asymptomatic volunteers of both sexes, aged between 18 and 45 years, were studied. None of them had leg length discrepancy greater than 1 cm. The tibiotarsal angle (TT), knee flexion/extension angle (F/E), quadriceps angle (Q) and subtalar angle (S) were measured. The measurement was done first with a manual goniometer and then with digital photogrammetry by means of the Corel Draw v. 12 and SAPo v.0.63 software. RESULTS: There were no statistical differences between the three evaluation methods for the TT (p= 0.9991), S (p= 0.2159) and F/E (p= 0.4027) angles. However, for the Q angle there was a significant difference between goniometry and the software used in photogrammetry (p= 0.0067), although there was no significant difference between two software tools (p= 0.9920). This showed that the photogrammetry results were not influenced by the software used. CONCLUSION: In these healthy young subjects, computerized photogrammetry showed good parallel reliability in comparison with goniometry, for all the angles evaluated except for the Q angle. Therefore, in physical therapy practice, caution is needed in using Q angle measurements coming from different postural assessment methods.

goniometry; photogrammetry; posture


ARTIGO METODOLÓGICO

Confiabilidade da fotogrametria em relação a goniometria para avaliação postural de membros inferiores

Sacco ICN; Alibert S; Queiroz BWC; Pripas D; Kieling I; Kimura AA; Sellmer AE; Malvestio RA; Sera MT

Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo - Brasil

Correspondência para Correspondência para: Isabel de C. N. Sacco Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo Rua Cipotânia, 51, Cidade Universitária CEP 05360-000, São Paulo, SP Brasil e-mail: icnsacco@usp.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A avaliação postural bem como a mensuração da amplitude articular são instrumentos fundamentais para o diagnóstico, planejamento e acompanhamento da evolução e dos resultados de um tratamento fisioterapêutico. Elas podem ser realizadas tanto pela goniometria - método mais utilizado na clínica fisioterapêutica – como, com o avanço tecnológico, pela fotogrametria.

OBJETIVOS: Verificar a confiabilidade paralela da fotogrametria computadorizada, utilizando dois softwares, o Corel Draw e o SAPo, em relação à goniometria para quatro ângulos nos membros inferiores.

CASUÍSTICA E MÉTODOS:Foram estudados 26 voluntários de ambos os sexos, assintomáticos, com idade entre 18 e 45 anos, sem anisomelia de membros inferiores maior que 1 cm. Foram mensurados os ângulos tíbio-társico (TT), de flexo/extensão do joelho (flex/ext), ângulo Q (Q) e ângulo do retropé, inicialmente, com um goniômetro manual e, posteriormente, pela fotogrametria digital por meio dos softwares Corel Draw v. 12 e SAPo v.0.63.

RESULTADOS: Os ângulos TT (p= 0,9991), do retropé (p= 0,2159) e de flexo/extensão do joelho (p= 0,4027) não foram estatisticamente diferentes entre os 3 métodos de avaliação. Já o ângulo Q foi significativamente diferente entre a goniometria e os dois softwares usados na fotogrametria (p= 0,0067), embora os valores obtidos pelos mesmos não tenham diferido entre si (p= 0,9920), demonstrando que os resultados da fotogrametria não foram influenciados pelos softwares utilizados.

CONCLUSÃO: Para os ângulos avaliados em sujeitos jovens assintomáticos, a fotogrametria computadorizada é confiável paralelamente à goniometria, exceto para o ângulo Q. Portanto, na clínica fisioterapêutica, deve-se ter cautela no uso de medidas de ângulo Q provenientes de diferentes métodos de avaliação postural.

Palavras-chave: goniometria; fotogrametria; postura.

INTRODUÇÃO

A postura humana é a relação cinemática entre as posições dos complexos articulares do corpo em um dado momento. Em um alinhamento esquelético ideal, espera-se que os músculos, articulações e suas estruturas esqueléticas encontrem-se em estado de equilíbrio dinâmico, gerando uma quantidade mínima de esforço e sobrecarga, conduzindo a uma eficiência ótima para o aparelho locomotor1. A avaliação postural bem como a mensuração objetiva da amplitude articular são de fundamental importância para o diagnóstico, planejamento e acompanhamento da evolução e dos resultados de um tratamento fisioterapêutico1,2. Apesar de haver consenso em torno do fato de que uma postura equilibrada é importante para um bom funcionamento das estruturas musculoesqueléticas, a avaliação postural é um fenômeno complexo e de difícil mensuração3. Segundo Iunes et al.3, isso pode explicar por que existem poucos resultados de estudos que conseguem associar alterações posturais a lesões ou disfunções musculoesqueléticas específicas. Portanto, é importante o estabelecimento de métodos fidedignos e confiáveis que objetivem quantificar variáveis que auxiliem na avaliação postural, contribuindo para o desenvolvimento da fisioterapia baseada em evidências.

A goniometria manual é um método largamente utilizado na clínica fisioterapêutica para a avaliação da amplitude de movimento4-6. Para a avaliação postural, o goniômetro também pode ser utilizado na mensuração de ângulos articulares4-7. Entre as vantagens dessa metodologia, pode-se citar o baixo custo do instrumento e a fácil mensuração, que depende quase que exclusivamente da experiência anterior do avaliador4. Essas vantagens tornam a goniometria manual bastante acessível na clínica fisioterapêutica. O goniômetro universal, como instrumento de mensuração para as articulações dos membros superiores e inferiores, possui uma confiabilidade considerada de boa a excelente, embora apresente baixa confiabilidade para a mensuração da amplitude de movimento do tronco8. Estudos mostram alta confiabilidade da goniometria para medidas de amplitude de movimento do ombro e do joelho, se comparada com os métodos de estimativa visual e radiografia, respectivamente9,10, e confiabilidade moderada da goniometria para dorsiflexão de tornozelo, quando comparada à confiabilidade do inclinômetro digital11. Também foram encontradas altas correlações entre medidas goniométricas e radiográficas10 e entre medidas realizadas por goniometria e dinamometria isocinética12, ambas para amplitude de movimento de joelho, além de reprodutibilidade de boa a excelente para medidas de amplitude de movimento do ombro9.

Com o advento da tecnologia, a fotogrametria digital vem sendo considerada uma alternativa para a avaliação quantitativa das assimetrias posturais na avaliação postural, podendo ser utilizada para se efetuarem medidas lineares e angulares3,13,14. De acordo com a American Society for Photogrammetry and Remote Sensing, a fotogrametria é a arte, ciência e tecnologia de obtenção de informação confiável sobre objetos físicos e o meio ambiente por meio de processos de gravação, medição e interpretação de imagens fotográficas e padrões de energia eletromagnética radiante e outras fontes3,14. A fotogrametria possibilita o registro de mudanças sutis e da inter-relação entre partes diferentes do corpo humano difíceis de serem mensuradas ou registradas por outros meios13,15.

A utilização da fotogrametria pode facilitar a quantificação das variáveis morfológicas relacionadas à postura, trazendo dados mais confiáveis do que aqueles obtidos pela observação visual. Esse fato é importante tanto para a credibilidade da fisioterapia clínica quanto para a confiabilidade das pesquisas em reabilitação3.

Além disso, na fotogrametria existe uma facilitação no processo de arquivamento, com a economia de espaço e também de tempo no acesso aos registros arquivados. Uma outra vantagem da fotografia digital é a sua possibilidade de conjugação a processos computadorizados de mensuração, tendo como resultado a fotogrametria computadorizada16. Portanto, a fotogrametria computadorizada é a combinação da fotografia digital com softwares que permitem a mensuração de ângulos e distâncias horizontais e verticais para finalidades diversas, como o Corel Draw17-19, ou outros softwares especificamente desenvolvidos para a avaliação postural, como o SAPo (Software para Avaliação Postural), software livre e gratuito desenvolvido com financiamento de pesquisa nacional com fundamentação científica, banco de dados e acesso pela internet20,21 .

As mensurações efetuadas das medidas de amplitude articular e das posições das partes do corpo entre si devem ser confiáveis e feitas de maneira padronizada, permitindo, além das comparações das fases e avaliação da eficácia de um tratamento, a divulgação dos resultados a outros profissionais2,16,22.

A fotogrametria computadorizada na avaliação postural, em estudo de Iunes et al.3, apresentou confiabilidade aceitável (valores do Índice de Correlação Intraclasse entre 0,71 e 0,79 inter e intra-examinadores para a maioria das medidas angulares avaliadas, sendo, portanto, indicada para avaliações de assimetrias e de desvios posturais, muito embora a repetibilidade desse método tenha sido baixa e, portanto, o acompanhamento de resultados pré e pós-tratamento pode não ser suficientemente confiável3. Zonnenberg et al.23 concluíram uma alta confiabilidade inter e intra-examinadores para todas as medidas angulares realizadas pela fotogrametria, entretanto, assim como em Iunes et al.3, a repetibilidade do método foi baixa. Por outro lado, Braun e Amundson24 encontraram tanto confiabilidade quanto repetibilidade adequadas da fotogrametria para a avaliação postural de cabeça e ombros. Outros estudos também demonstraram alta confiabilidade de técnicas fotogramétricas para a avaliação da amplitude de movimento do ombro e tronco25,26.

Rothstein27 classifica os diferentes tipos de confiabilidade em intra-avaliador, interavaliador e paralela. A confiabilidade paralela compara os valores ou resultados obtidos por diferentes instrumentos ou testes em um mesmo momento. É utilizada quando se objetiva obter instrumentos alternativos, similares ao instrumento de referência. Considera-se que, para a análise da confiabilidade paralela de um novo instrumento, ele precisa ser comparado com um instrumento referencial, que tenha sido previamente testado e considerado confiável28,29. Considerando-se que a goniometria manual é o método mais utilizado na prática fisioterapêutica com uma confiabilidade de boa a excelente2,8, ela constitui, portanto, o instrumento referencial diante do qual novos métodos e instrumentos, como a fotogrametria computadorizada, podem ser comparados.

Diante disso, o objetivo deste trabalho foi verificar a confiabilidade paralela da fotogrametria computadorizada em relação à goniometria para quatro ângulos nos membros inferiores, utilizando-se dois softwares: o Corel Draw v.12 e o SAPo v.0.63. Dessa forma, buscou-se estudar características de medidas que possam contribuir para o desenvolvimento de um processo de avaliação clínica fisioterapêutica baseado em evidências.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo teve delineamento de pesquisa observacional transversal e foi aprovado pelo comitê de ética local (1237/05). Foram estudados 26 voluntários de ambos os sexos (9 homens e 17 mulheres), totalizando 52 membros inferiores. Os critérios de inclusão foram indivíduos assintomáticos com idade entre 18 e 45 anos. Os critérios de exclusão foram assimetrias posturais importantes, diferença de membros inferiores (maior do que 1 cm) e ocorrência de episódios de dor nos membros inferiores e na coluna lombar nos últimos três meses. Para a realização do estudo, foi solicitado que os sujeitos assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Todos os sujeitos responderam a um questionário inicial, no qual constavam dados pessoais (nome, idade, telefones para contato, sexo e profissão) e perguntas a respeito dos critérios de exclusão já mencionados. Realizou-se a medida de massa corporal e estatura dos indivíduos.

Foram mensurados os ângulos tíbio társico (TT), de flexo/extensão do joelho (flex/ext), ângulo Q (Q) e ângulo do retropé (retropé) (Tabela 1), por meio da goniometria manual22 e da fotogrametria digital13 por um mesmo avaliador. Para todas as medidas goniométricas e fotogramétricas, o indivíduo encontrava-se em posição ortostática, sobre um banco de 20 cm de altura por 40 cm de comprimento e 40 cm de largura, posicionado a uma distância de 15 cm da parede onde havia fixado um simetrógrafo e dois fios de prumo, um de cada lado do banco de posicionamento, pendurados no teto e ultrapassando os pés dos sujeitos posicionados. Também foi utilizado um retângulo de etil vinil acetato (EVA) (7cm de largura X 30cm de comprimento) entre os pés de cada sujeito para que o posicionamento fosse mantido inter e intra sujeitos em todas as medidas realizadas.

Para a goniometria aproximar-se ao máximo daquela realizada na clínica fisioterapêutica, ela foi realizada sem que houvesse marcação dos pontos anatômicos. Essa opção pode influenciar nos resultados da pesquisa, no entanto a colocação dos pontos anatômicos na mensuração da goniometria implicaria a descaracterização do uso do instrumento.

Os sujeitos trajavam sunga ou biquíni tanto na avaliação goniométrica quanto na fotogramétrica. A goniometria foi realizada com o sujeito na posição ortostática, em que o primeiro ângulo medido foi o TT, posicionando o eixo do goniômetro no maléolo lateral do tornozelo, o braço fixo na direção da tuberosidade da diáfise distal do quinto metatarso e o braço móvel na direção da cabeça da fíbula. Em seguida, o ângulo de flex/ext de joelho foi mensurado com o eixo do goniômetro na cabeça da fíbula, o braço fixo na superfície lateral da coxa, em direção ao trocânter maior do fêmur e braço móvel na fíbula, em direção ao maléolo lateral do tornozelo. Os dois ângulos foram mensurados primeiro no membro inferior direito e depois no esquerdo. Após esses procedimentos, mediu-se o ângulo Q, posicionando o eixo do goniômetro no centro da patela, o braço fixo posicionado ao longo do fêmur, em direção à espinha ilíaca ântero-superior (EIAS) e o braço móvel na tuberosidade tibial. Por fim, foi medido o ângulo do retropé com o eixo do goniômetro no ponto médio entre os dois maléolos do tornozelo, o braço fixo no terço inferior da tíbia e o braço móvel acompanhando o alinhamento do calcâneo.

Após a goniometria, os sujeitos eram conduzidos a uma sala bem iluminada, aquecida, com fundo não reflexivo e reservada, permitindo a privacidade dos sujeitos a serem fotografados. Pontos anatômicos foram palpados e, em seguida, marcados bilateralmente com etiquetas vermelhas auto-adesivas de 0,9cm de diâmetro para posterior cálculo dos ângulos nos softwares: centro da patela, tuberosidade da tíbia e espinha ilíaca ântero-superior (EIAS) (plano frontal anterior); ponto médio do terço inferior da perna, ponto médio do corpo do calcâneo, ponto médio entre os maléolos (plano frontal posterior); tuberosidade da diáfise distal do quinto metatarso, maléolo lateral, cabeça da fíbula e trocânter maior do fêmur (plano sagital).

Os sujeitos foram fotografados nos planos sagital direito e esquerdo, frontal anterior e posterior com uma câmara digital com uma resolução por registro fotográfico de 2 Megapixels (1600 x 1200 pixels). A máquina fotográfica estava posicionada paralela ao chão, a uma distância de 3m do banco, sobre um tripé nivelado a uma altura de 70 cm, à altura do joelho (Figura 1). No plano sagital, o indivíduo encontrava-se com os cotovelos flexionados a 90º e, no plano frontal, os braços encontravam-se ao longo do corpo.


O cálculo fotogramétrico dos ângulos de interesse foi realizado por meio de dois softwares: Corel Draw v. 12 e SAPo v.0.63. Para realizar as medidas dos ângulos, foram utilizados os pontos anatômicos marcados, sendo que os eixos e vértices de cada ângulo eram os mesmos referidos na goniometria (Tabela 1), exceto para o ângulo Q para o qual foi utilizado o prolongamento da reta que unia o centro da patela à tuberosidade da tíbia, chegando diretamente ao ângulo desejado, sem a necessidade de subtraí-lo de 180º (Figura 2).


Após a coleta, organização e verificação da normalidade dos dados pelo teste de aderência de Shapiro Wilks, as variáveis calculadas foram comparadas entre os métodos por meio do teste ANOVA para medidas repetidas (a= 0,06) e post hoc de Scheffé. Também foi feita a Correlação de Pearson entre os métodos para verificar a força da relação entre eles. A correlação de Pearson foi considerada significativa quando o valor de p foi menor que 0,05. Para os valores de r, valores abaixo de 0,40 foram considerados como correlação baixa; entre 0,41 e 0,59, moderada; entre 0,60 e 0,79, boa e acima de 0,80, alta. A confiabilidade paralela tende a ser mais baixa do que a confiabilidade intra-avaliadores e de instrumento por envolver medidas de diferentes aparelhos e, na maioria das vezes, com escalas diferentes28. Neste estudo, por exemplo, a escala de medida do Goniômetro e do software Corel Draw era numeral, enquanto que a do SAPo era decimal.

RESULTADOS

Os 26 sujeitos avaliados (9 homens e 17 mulheres) apresentaram idade média de 21,7 ± 4,9 anos, massa corporal média de 62,7 ± 13,8 kg e estatura média de 168,1 ± 11,8 cm. Os ângulos tíbio-társico (p= 0,9991), do retropé (p= 0,2159) e de flexo/extensão de joelho (p= 0,4027) não foram estatisticamente diferentes entre os 3 métodos de avaliação (Tabela 2). Já o ângulo Q foi significativamente diferente entre a goniometria e os dois softwares usados na fotogrametria (p= 0,0067) (Tabela 2), muito embora os valores obtidos pelos softwares Corel Draw e SAPo não tenham diferido entre si (p= 0,9920), demonstrando que os resultados da fotogrametria não foram influenciados pelo software utilizado para todos os ângulos avaliados.

O ângulo tíbio-társico apresentou correlação significativa (p< 0,05) entre todos os métodos, sendo a correlação entre a goniometria e os softwares próxima a 50%, e de 85% entre os dois softwares da fotogrametria. O ângulo de flexo/extensão de joelho apresentou correlação significativa entre a goniometria e a fotogrametria pelo software Corel Draw, mas entre o SAPo e a goniometria e entre o SAPo e o Corel, verificou-se baixa e não significativa correlação. O ângulo Q apresentou uma boa e significativa correlação entre o Corel e a goniometria, mas não entre a goniometria e o SAPo, e uma alta correlação entre os dois softwares. O ângulo do retropé apresentou correlação baixa e não significativa entre a goniometria e os dois softwares. Por outro lado, notou-se que os dois métodos de fotogrametria mostraram uma alta e significativa correlação entre si nesse ângulo (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A partir dos resultados encontrados, foi possível observar que a goniometria e a fotogrametria computadorizada pelos dois softwares (Corel Draw e SAPo) apresentaram-se bastante semelhantes para os ângulos tíbio-társico, do retropé e de flexo/extensão de joelho. A exceção se fez para o ângulo Q que se apresentou de forma diferente entre os métodos goniometria e fotogrametria, mas semelhante entre os dois softwares utilizados nos cálculos fotogramétricos.

Apesar de o ângulo Q ser amplamente utilizado na clínica fisioterapêutica, poucos estudos realizaram testes de confiabilidade dessa medida30. Acredita-se que os resultados não satisfatórios, encontrados neste estudo, devem-se ao fato de que, para esse ângulo, os pontos anatômicos de referência são distantes entre si e dispostos de maneira que a conformação dos segmentos, inclusive devido à massa muscular, atrapalha o posicionamento dos braços do goniômetro. Além disto, a medida do ângulo Q envolve posturas de mais de um complexo articular, dentre os quais destacam-se a pelve, quadril, fêmuro-patelar e fêmuro-tibial, somando entre si quase uma dezena de graus de liberdade. Dessa forma, alterações posturais em cada um dos graus de liberdade desses três complexos articulares (pelve, quadril e joelho) podem alterar a medida do ângulo Q tanto na goniometria quanto na fotogrametria.

Este achado está de acordo com estudos que encontraram uma confiabilidade intra e interexaminadores baixa (ICC entre 0,14 e 0,37) da medida clínica do ângulo Q, assim como baixa correlação da medida clínica desse ângulo com a medida radiogáfica30. Por outro lado, há um estudo que encontrou resultados de ICC acima de 0,80 para a confiabilidade intra-examinadores e acima de 0,60 para confiabilidade interexaminadores para a medida do ângulo Q31. Existe ainda a discussão de que a lateralização da patela pode alterar as medidas do ângulo Q, levando à obtenção de valores menores desse ângulo. Nesse caso, há uma proposta de se medir a orientação médio-lateral da patela para melhorar a confiabilidade e aplicabilidade clínica dessa medida32.

Já para os demais ângulos, os pontos anatômicos ou são próximos das hastes do goniômetro ou são dispostos de forma mais planar no corpo humano, sem haver a necessidade de as hastes contornarem irregularidades anatômicas. Assim, para o ângulo de flexo/extensão do joelho, por exemplo, a lateral da coxa serve como referência para o posicionamento do braço do goniômetro, alinhando-o com o trocânter maior do fêmur, pontos esses que podem ser posicionados exatamente por baixo de uma haste do goniômetro.

Quanto às correlações de Pearson realizadas, pode-se observar que, entre os dois softwares utilizados na fotogrametria, observou-se, de forma geral, uma alta e significativa correlação. Isso indica que, proporcionalmente, as medidas variam de forma semelhante, têm relação uma com a outra e são paralelamente confiáveis. Não foram encontrados, na literatura, estudos que comparassem esses dois softwares na análise postural dos ângulos avaliados.

Entre a goniometria e a fotogrametria pelo Corel Draw, encontrou-se correlações moderadas e boas, com exceção do ângulo do retropé que se apresentou baixa.

Já ao relacionar a goniometria com a fotogrametria pelo SAPo, verificou-se baixa e não significativa correlação entre eles. Como já foi descrito anteriormente, a escala da goniometria e do software Corel Draw é numeral, enquanto que a do SAPo é decimal, conferindo diferenças nos resultados que podem ser expressas por essas baixas correlações.

CONCLUSÃO

O estudo mostrou que, para os ângulos avaliados em sujeitos jovens assintomáticos, a fotogrametria computadorizada é confiável paralelamente à goniometria, exceto para o ângulo Q. E as medidas feitas pela fotogrametria, independente do software utilizado, foram semelhantes, portanto não interferindo nas avaliações. Portanto, na clínica fisioterapêutica, deve-se ter cautela no uso das medidas de ângulo Q provenientes de diferentes métodos de avaliação postural.

Recebido: 08/03/2007

Revisado: 30/06/2007

Aceito: 21/08/2007

  • 1. Kendall FP, McCreary EK, Provance PG. Músculos Provas e funções. 4Ş ed. São Paulo: Editora Manole; 1995.
  • 2. Harrelson GL, Swann E. Medidas em reabilitação. In: Andrews JR, Harrelson GL, Wilk KE. Reabilitação física do atleta. 3Ş ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p. 105-34.
  • 3. Iunes DH, Castro FA, Salgado HS, Moura IC, Oliveira AS, Bevilaqua-Grossi D. Confiabilidade intra e interexaminadores e repetibilidade da avaliação postural pela fotogrametria. Rev Bras Fisioter. 2005;9(3):327-34.
  • 4. Venturni C, André A, Aguilar BP, Giacomelli B. Confiabilidade de dois métodos de avaliação da amplitude de movimento ativa de dorsiflexão do tornozelo em indivíduos saudáveis. Acta Fisiatr. 2006;13(1):41-5.
  • 5. Brosseau L, Tousignant M, Budd J, Chartier N, Duciaume L, Plamondon S, et al. Intratester and intertester reliability and criterion validity of the parallelogram and universal goniometers for active knee flexion in healthy subjects. Physiother Res Int. 1997;2(3):150-66.
  • 6. Sabari JS, Maltzev I, Lubarsky D, Liszkay E, Homel R. Goniometric assessment of shoulder range of motion: comparison testing in supine and sitting positions. Arch Phys Med Rehabil. 1998;79:647-51.
  • 7. Tomsich DA, Nitz AJ, Threlkeld AJ, Shapiro R. Patellofemoral alignment: reliability. J Orthop Phys Ther. 1996;23(3):200-8.
  • 8. Amado-João SM. Avaliação articular. In: Amado-João SM. Métodos de avaliação clínica e funcional em fisioterapia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 39-50.
  • 9. Andrade JA, Leite VM, Teixeira-Salmela LF, Araújo PMP, Juliano Y. Estudo comparativo entre os métodos de estimativa visual e goniometria para avaliação das amplitudes de movimento da articulação do ombro. Acta Fisiatr. 2003;10(1):12-6.
  • 10. Gogia PP, Braatz JH, Rose SJ, Norton BJ. Reliability and validity of goniometric measurements at the knee. Phys Ther. 1987; 67:192-5.
  • 11. Venturni C, Andrade A, Aguilar BP, Giacomelli B. Confiabilidade de dois métodos de avaliação da amplitude de movimento ativa de dorsiflexão do tornozelo em indivíduos saudáveis. Acta Fisiatr. 2006;13(1):41-5.
  • 12. Batista LH, Camargo PR, Aiello GV, Oishi J, Salvini TF. Avaliação da amplitude articular do joelho: correlação entre as medidas realizadas com o goniômetro universal e no dinamômetro isocinético. Rev Bras Fisioter. 2006;10(2):193-8.
  • 13. Watson AWS. Procedure for the production of high quality photographs suitable for the recording and evaluation of posture. Rev Fisioter Univ São Paulo. 1998;5(1):20-6.
  • 14
    ASPRS American Society for Photogrammetry and Remote Sensing. What is ASPRS – definition [homepage na Internet]. Bethesda: American Society for Photogrammetry and Remote Sensing; 2000 [atualizada em 2006 Nov 16; acesso em 2006 Out 24]. Disponível em: http://www.asprs.org/society/about.html
  • 15. Cowan DN, Jones BH, Frykman PN, Polly Jr. DW, Harman EA, Rosenstein RM, et al. Lower limb morphology and risk of overuse injury among male infantry trainees. Med Sci Sports Exerc. 1996;28(8):945-52.
  • 16. Watson AW, Mac Donncha C. A reliable technique for the assessment of posture: assessment criteria for aspects of posture. J Sports Med Phys Fitness. 2000;40:260-70.
  • 17. Mattos F, Rodrigues AL. Corel Draw 11. Rio de Janeiro: Brasport; 2003.
  • 18. Sacco ICN, Morioka EH, Gomes AA, Sartor CD, Noguera GC, Onodera AN, et al. Implicações da antropometria para posturas sentadas em automóvel estudos de caso. Rev Fisioter Univ São Paulo. 2003;10(1):34-42.
  • 19. Sacco ICN, Andrade MS, Souza PS, Nisiyama M, Cantuária AL, Maeda FYI, et al. Método Pilates em revista: aspectos biomecânicos de movimentos específicos para reestruturação postural estudos de caso. Rev Bras Ciên e Mov. 2005;13(4): 65-78.
  • 20
    Portal do projeto Software para Avaliação Postural [homepage na Internet]. São Paulo: Incubadora Virtual Fapesp; 2004 [atualizada em 2007 Jan 06; acesso em 2006 Out 24]. Disponível em: http://sapo.incubadora.fapesp.br/portal
  • 21. Ferreira EAG. Postura e controle postural: desenvolvimento e aplicação de método quantitativo de avaliação postural [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2005.
  • 22. Marques AP. Manual de goniometria. 2Ş ed. São Paulo: Manole; 2003.
  • 23. Zonnenberg AJJ, Maanen V, Elvers JWH, Oostendorp RAB. Intra/interrater reliability of measurements on body posture photographs. J Cranomand Pract. 1996;14(4):326-31.
  • 24. Braun BL, Amundson LR. Quantitative assessment of head and shoulder posture. Arch Med Phys Rehabil. 1989;70(4):322-9.
  • 25. Sato TO, Vieira ER, Gil Coury H. Análise da confiabilidade de técnicas fotogramétricas para medir a flexão anterior do tronco. Rev Bras Fisioter. 2003;7(1):53-99.
  • 26. Hayes K, Walton JR, Szomor ZL, Murrel GAC. Reliability of five methods for assessing shoulder range of motion. Aust J Physiother. 2001;47:289-94.
  • 27. Rothestein JM. Measurement and clinical practice: theory and application. In: Rothstein JM. Measurement in physical therapy. New York: Churchill Livingstone; 1985.
  • 28. Gadotti IC, Vieira ER, Magee DJ. Importance and clarification of measurement properties in rehabilitation. Rev Bras Fisioter. 2006;10(2):137-46.
  • 29. Rodrigues FL, Vieira ER, Benze BG, Coury HJCG. Comparação entre o duplo flexímetro e o eletrogoniômetro durante o movimento de flexão anterior da coluna lombar. Rev Bras Fisioter. 2003;7(3):269-74.
  • 30. Greene CC, Edwards TB, Wade MR, Carson EW. Reliability of the quadriceps angle measurement. Am J Knee Surg. 2001;14(2):97-103.
  • 31. Caylor D, Fites R, Worrel TW. The relationship between quadriceps angle and anterior knee pain syndrome. J Orthop Sports Phys Ther. 1993;17(1):11-6.
  • 32. Herrington L, Nester C. Q angle undervaluated? The relationship between Q angle and medio lateral position of the patella. Clin Biomech. 2004;19(10):1070-3.
  • Correspondência para:
    Isabel de C. N. Sacco
    Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo
    Rua Cipotânia, 51, Cidade Universitária
    CEP 05360-000, São Paulo, SP Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Ago 2007
    • Revisado
      30 Jun 2007
    • Recebido
      08 Mar 2007
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br