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Efeitos da obesidade na distribuição de pressão plantar em crianças

Resumos

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo determinar se há diferenças na distribuição de pressão plantar estática e dinâmica entre crianças obesas e eutróficas. MÉTODO: Foram avaliadas vinte crianças, divididas em dois grupos (grupo de obesos e grupo de eutróficos), com idades entre nove e onze anos. As avaliações incluíram medidas das variáveis de pressão plantar na postura ereta e na marcha por meio do sistema Pedar (Novel GMbH). RESULTADOS: Constatou-se que as crianças obesas apresentaram maiores áreas de contato, picos de pressão, pressões médias máximas e integrais pressão-tempo, quando comparadas às eutróficas, com diferenças significativas, principalmente nas regiões do médio-pé e antepé. CONCLUSÕES: As diferenças observadas entre os grupos indicam que crianças obesas podem apresentar modificações importantes nos pés em função da sobrecarga excessiva e repetitiva à qual estão expostas, aumentando o risco para o desenvolvimento de lesões e patologias nos pés. Portanto, é necessário que programas de intervenção sejam implantados a fim de interferir também na progressão de problemas de natureza estrutural e funcional relacionados à obesidade.

pressão plantar; postura ereta; marcha; crianças; obesidade


OBJECTIVE: The aim of this study was to determine whether there were differences in static and dynamic plantar pressure distribution between obese and non-obese children. METHOD: Twenty children aged from nine to eleven years were assessed and divided into two groups (obese and non-obese groups). The assessments included measurements of plantar pressure variables while standing and walking, by means of the Pedar System (Novel GMbH). RESULTS: The obese children presented greater contact area, peak pressure, maximum mean pressure and pressure-time integral, in comparison with the non-obese children, with significant differences particularly in the midfoot and forefoot areas. CONCLUSION: The differences observed between the groups indicated that obese children may present significant modifications to their feet because of the excessive and repetitive loads that they are exposed to, which increases the risk of developing foot injuries and pathologies. It is suggested that there is a need to implement intervention programs with the aim of interfering with the progression of obesity-related problems from a structural and functional perspective.

plantar pressure; standing; walking; children; obesity


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Efeitos da obesidade na distribuição de pressão plantar em crianças

Filippin NTI; Barbosa VLPII; Sacco ICNIII; Lobo da Costa PHIV

IPrograma de Pós-Graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, São Carlos, SP - Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação em Ciências na Saúde, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

IIIDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

IVDepartamento de Educação Física e Motricidade Humana, UFSCar

Correspondência para Correspondência para: Nadiesca Taisa Filippin Departamento de Educação Física e Motricidade Humana Universidade Federal de São Carlos, Rod.Washington Luis, Km 235 CEP 13565-905, São Carlos, SP – Brasil e-mail: nadifilippin@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O estudo teve como objetivo determinar se há diferenças na distribuição de pressão plantar estática e dinâmica entre crianças obesas e eutróficas.

MÉTODO: Foram avaliadas vinte crianças, divididas em dois grupos (grupo de obesos e grupo de eutróficos), com idades entre nove e onze anos. As avaliações incluíram medidas das variáveis de pressão plantar na postura ereta e na marcha por meio do sistema Pedar (Novel GMbH).

RESULTADOS: Constatou-se que as crianças obesas apresentaram maiores áreas de contato, picos de pressão, pressões médias máximas e integrais pressão-tempo, quando comparadas às eutróficas, com diferenças significativas, principalmente nas regiões do médio-pé e antepé.

CONCLUSÕES: As diferenças observadas entre os grupos indicam que crianças obesas podem apresentar modificações importantes nos pés em função da sobrecarga excessiva e repetitiva à qual estão expostas, aumentando o risco para o desenvolvimento de lesões e patologias nos pés. Portanto, é necessário que programas de intervenção sejam implantados a fim de interferir também na progressão de problemas de natureza estrutural e funcional relacionados à obesidade.

Palavras-chave: pressão plantar; postura ereta; marcha; crianças; obesidade.

INTRODUÇÃO

O conhecimento acerca das características da postura ereta e da marcha de obesos, em geral, inicia-se com avaliações clínicas subjetivas, baseadas nas observações de que existe uma séria dificuldade para que estes indivíduos executem atividades de vida diária, dentre as quais pode-se destacar a locomoção. Portanto, é urgente dirigir a atenção para as conseqüências físicas da sobrecarga repetitiva, principalmente nas extremidades inferiores e, assim, oferecer um suporte para prevenção, tratamento e controle das condições de obesidade1. A avaliação da distribuição de pressão plantar constitui uma importante ferramenta clínica para se compreenderem as implicações estruturais e funcionais impostas pela obesidade.

Importantes estudos sobre a distribuição de pressão plantar têm sido realizados com a população infantil, enfocando, principalmente, crianças eutróficas, de diferentes faixas etárias2-4. Estudos com crianças obesas também vêm sendo realizados, evidenciando parâmetros espaço-temporais, cinemáticos, eletromiográficos5,6 e de distribuição da pressão plantar7-10. Esses últimos estudos avaliaram os picos de pressão plantar durante a postura ereta e a marcha e encontraram valores aumentados para as crianças obesas, comparadas às eutróficas, em toda a região plantar; porém, as diferenças mais significativas estão na região do médio-pé e no antepé, provavelmente pelas modificações estruturais e funcionais dos pés de crianças obesas. Esse comportamento se repete para adultos obesos quando comparados a eutróficos, tanto em condições estáticas quanto dinâmicas11-13.

Apesar de os estudos citados acima já terem avaliado crianças obesas quanto à distribuição de pressão plantar, os dados de pressão apresentam grande variabilidade e, quando coletados com diferentes equipamentos, dificultam a comparação e padronização dos valores. Além disso, ainda não está clara a influência da massa corporal sobre as variáveis de pressão plantar. Nesse sentido, faz-se necessário compreender os principais efeitos da obesidade sobre características biomecânicas da postura ereta e da marcha, bem como sobre a função dos pés, o que pode contribuir para o entendimento de como a obesidade se manifesta nas atividades de suporte de peso. Portanto, o objetivo deste estudo foi determinar se há diferenças na distribuição de pressão plantar estática e dinâmica entre crianças obesas e eutróficas e, especificamente, onde as pressões estão localizadas no pé e em que proporção estão correlacionadas com a massa corporal.

MATERIAIS E MÉTODOS

Sujeitos

Participaram do estudo vinte crianças de ambos os sexos, divididas em dois grupos: grupo de obesas (GO), composto por dez crianças, com idade média de 10,1 (±1,0) anos, massa corporal de 59,0 (±10,9) kg, estatura de 1,48 (±8,2) m; e grupo de eutróficas (GE), também composto por dez crianças, com idade média de 9,6 (±0,7) anos, massa corporal de 32,1 (±6,6) kg e estatura de 1,42 (±7,8) m. Nenhuma das crianças apresentava alteração de origem músculoesquelética ou neurológica aparente nos membros inferiores. A caracterização da obesidade foi dada pelo percentil >95 da escala do índice de massa corporal (IMC), conforme padronização internacional proposta pelo National Center for Health Statistics (NCHS)14. O projeto foi aprovado pelo Comitêde Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de São Carlos (Parecer nº 259/2005). Os pais ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a participação de seus filhos na pesquisa.

Instrumentos e procedimentos

Inicialmente, foi mensurada a massa corporal e a estatura das crianças a fim de se calcular o IMC. Para tanto, foi utilizada uma balança digital (Filizola Personal), tipo plataforma, com precisão de 0,1 kg e um estadiômetro de parede (Tonelli e Gomes), com precisão em milímetros. Em seguida, as crianças foram submetidas à avaliação das pressões plantares durante a postura ereta e a marcha por meio do sistema Pedar (Novel GMbH) que mensura a distribuição das pressões plantares desenvolvidas em áreas específicas dos pés. Esse equipamento é composto por palmilhas que contêm 99 sensores capacitivos, com resolução espacial dependente do tamanho da palmilha (aproximadamente 1 sensor/cm2). Os testes foram realizados com a criança descalça, sendo que as palmilhas foram presas aos pés por meio de fitas e meias antiderrapantes15. A freqüência de amostragem utilizada foi 50 Hz.

Para o registro das pressões na postura ereta, cada criança foi instruída a permanecer em pé, parada, durante 10 segundos, mantendo os pés ligeiramente afastados, distribuindo o peso igualmente entre eles, com os braços ao longo do corpo e olhando para um ponto fixo na parede na altura dos olhos. Já para a medida dinâmica, cada criança caminhou em uma passarela de 10 m de comprimento, sendo orientada a manter a velocidade da marcha, olhar para frente e não prestar atenção nos pés. Por interferir nos padrões de pressão, a velocidade foi controlada, variando de 1,08 a 1,28 m/s (variação de 10%), conforme estudo piloto. Antes do início das coletas, as crianças foram orientadas a treinar algumas vezes, pois só seriam registradas as tentativas em que a velocidade encontrava-se dentro do limite estabelecido. Em cada condição, foram coletadas três tentativas válidas para cada pé.

A fim de analisar os dados, o pé foi dividido em seis áreas anatômicas, as quais são mostradas na Figura 1. As variáveis analisadas por área selecionada durante a postura ereta foram área de contato (AC), pico de pressão (PP) e pressão média máxima (PMM). Para a marcha, além dessas variáveis foi analisada também a integral pressão-tempo (IPT). A área de contato é determinada pela soma da área de todos os sensores sobrecarregados dentro de uma região; pico de pressão descreve a mais alta pressão registrada dentro de cada região do pé; pressão média máxima indica o valor máximo dentre os comportamentos médios das pressões registrados em todos os sensores durante toda a fase de apoio e a integral pressão-tempo é calculada como o produto da pressão média e tempo sobre o qual foi aplicada e fornece um indicador da duração da aplicação da carga sobre uma área específica. As variáveis de pressão e suas derivadas serão dadas em unidades


Análise dos dados

Para a análise estatística dos dados, foi feita a média de todas as tentativas, considerando pés direito e esquerdo, ou seja, vinte pés de cada grupo. Depois do cálculo da estatística descritiva (média ( x ), desvio-padrão (sd) e coeficiente de variação (CV)), os dados foram analisados usando-se o programa Statistica, versão 7.0. Define-se CV como sendo a razão entre o desvio-padrão e a média (CV= sd/ ). A normalidade dos dados foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste t independente foi aplicado para confirmar a diferença significativa nos valores de IMC entre os grupos e para comparar as variáveis de distribuição de pressão entre os grupos em cada área anatômica dos pés. Quando necessário, foi aplicado o teste Mann-Whitney. Por fim, o coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para relacionar a pressão plantar com a massa corporal. Para todos os testes, considerou-se um nível de significância de 5% (p< 0,05).

RESULTADOS

O valor do IMC calculado para crianças obesas (26,6 ± 2,7 kg/m2) foi significantemente maior (p< 0,01) que o encontrado para crianças eutróficas (15,8 ± 1,9 kg/m2). Portanto, esses grupos representam verdadeiramente a população selecionada.

Na postura ereta, o GO mostrou maiores áreas de contato em todas as regiões do pé e área de contato total (p< 0,01), quando comparado ao GE. Os picos de pressão também foram maiores para o GO; porém, diferenças significativas entre os grupos foram encontradas somente nas regiões do médio-pé medial e lateral e antepé lateral (p< 0,01). A pressão média máxima também foi maior para os obesos, com diferenças significativas nas regiões do médio-pé medial e lateral e antepé central (p< 0,05). A Figura 2 ilustra o comportamento das variáveis de pressão na postura ereta nos dois grupos.


Na marcha, o GO apresentou maiores áreas de contato que o GE, com diferenças significativas em todas as regiões do pé (p< 0,01), como na postura ereta. Quanto aos picos de pressão, o GO mostrou os maiores valores, sendo estatisticamente diferente do GE em todas as regiões do pé (p< 0,01 e p< 0,05), com exceção do médio-pé medial (p> 0,05). Para a pressão média máxima, as diferenças foram encontradas nas regiões do médio-pé lateral (p< 0,01), antepé medial (p< 0,05), central e lateral (p< 0,01), também com os maiores valores para o GO. A integral pressão-tempo repetiu o comportamento da variável anterior, apresentando diferenças estatisticamente significativas entre os grupos nas mesmas regiões do pé. A Figura 3 representa a comparação entre os dois grupos durante a marcha.


Os coeficientes de variação foram calculados para as variáveis pico de pressão e pressão média máxima durante a marcha, pois há grande preocupação com a variabilidade dessas medidas. Os valores encontrados variaram de 17 a 45%, para o GO e de 16 a 41%, para o GE, considerando as duas variáveis.

As pressões médias máximas na postura ereta e na marcha foram correlacionadas com a massa corporal (Tabela 1).

Na postura ereta, os dois grupos apresentaram correlações positivas entre as variáveis, sendo que para o GO essas correlações ocorreram nas regiões do antepé medial e central e para o GE, nas regiões do médio-pé medial e lateral. Na marcha, o GO não mostrou correlação entre as variáveis, já o GE apresentou correlações positivas nas regiões do antepé central e lateral.

DISCUSSÃO

Em todas as regiões do pé, o GO apresentou maiores áreas de contato que o GE, tanto na postura ereta quanto na marcha, sendo as maiores diferenças encontradas na região do médio-pé. No entanto, a forma de contato do pé foi semelhante entre os grupos, na postura ereta e na marcha, com maior apoio na região posterior (retropé) e lateral (médio-pé lateral e antepé lateral). Os resultados aqui encontrados são suportados por estudos que compararam crianças7,8,10 e adultos obesos com eutróficos11-13.

Considerando que as maiores áreas de contato foram encontradas para o GO e que a maior diferença entre os grupos ocorreu na região do médio-pé para a postura ereta e para a marcha, poder-se-ia supor que os obesos apresentam um aplainamento do arco longitudinal medial. Porém, ainda não está claro por que esse aplainamento e, conseqüentemente, o aumento da área de contato na região do médio-pé ocorrem. Sabe-se que a obesidade modifica as superfícies plantares de ambos os sexos13 e que o arco longitudinal medial parece ser afetado por mecanismos de adaptação à sobrecargas exercidas a longo prazo11, ao contrário da condição de carga temporária, em que o pé parece manter a estrutura do arco por meio de mecanismos compensatórios, tanto em obesos quanto em eutróficos7.

Quanto aos picos de pressão, de maneira geral, os obesos mostraram valores maiores que os eutróficos, sendo as maiores diferenças entre os grupos encontradas na região do médio-pé, na postura ereta e antepé, seguido do médio-pé na marcha. Na postura ereta, a sobrecarga foi maior na região do retropé e do médio-pé. Já na marcha, as regiões do retropé e antepé sofreram maiores pressões, sendo o médio-pé a região com os menores picos. Essa distribuição dos picos de pressão ao longo do pé durante a postura ereta e a marcha, tanto em eutróficos quanto em obesos, é suportada pela literatura2,3,8,12,16.

O fato de os obesos apresentarem maiores picos de pressão em todas as áreas do pé quando comparados com eutróficos concorda com estudos realizados tanto com crianças8,9 quanto com adultos obesos12,13 durante a postura ereta e a marcha. Isso significa que o excesso de tecido adiposo que deve ser carregado pelas crianças obesas faz com que seus membros inferiores e, especificamente, seus pés sofram maiores sobrecargas, aumentando o risco de lesões.

As maiores diferenças entre os grupos foram encontradas, principalmente, na região do médio-pé, além da região do antepé durante a marcha. Esses resultados estão de acordo com a literatura8,9,11,17, sendo que o comportamento assemelha-se ao encontrado para a área de contato e, provavelmente, se deva às conhecidas modificações dos pés de crianças obesas, principalmente na região do médio-pé, tais como rebaixamento do arco plantar e ampla área de contato, observadas em estudo anterior18.

Para a pressão média máxima há falta de relação com a literatura, uma vez que esta variável recentemente tem sido incluída nos estudos sobre distribuição de pressão plantar. Sua magnitude é menor quando comparada aos picos de pressão por refletir mais a distribuição da pressão dentro de uma determinada região do pé. De maneira geral, o GO mostrou maiores valores para essa variável quando comparado ao GE. As maiores diferenças entre obesos e eutróficos ocorreram na região do médio-pé, na postura ereta e na região do antepé, na marcha. Ambos os grupos apresentaram maior sobrecarga na região do retropé, durante a postura ereta e nas regiões do retropé e antepé, durante a marcha. Portanto, a variável pressão média máxima apresentou comportamento semelhante ao dos picos de pressão na comparação entre crianças obesas e eutróficas, refletindo os mesmos problemas associados à condição de obesidade.

As elevadas pressões observadas nos pés de crianças obesas são preocupantes, uma vez que podem aumentar o risco de desenvolvimento de dores, desconfortos e patologias nos pés, principalmente considerando o pé imaturo de crianças8,13. Dowling et al.7destacam que, no antepé, os riscos são maiores, pois essa região é composta por pequenos ossos e tem menor habilidade em dissipar forças associadas com tarefas dinâmicas de suporte de peso; dessa forma, a sobrecarga excessiva pode vir a causar fraturas por estresse, ulcerações e outras patologias. As mudanças estruturais e funcionais associadas à sintomatologia podem desencorajar as crianças a participarem de atividades físicas, o que, conseqüentemente, pode propagar o ciclo de obesidade.

Os valores de coeficiente de variação das variáveis pico de pressão e pressão média máxima para ambos os grupos apresentaram menores amplitudes quando comparados aos obtidos por Cavanagh et al.16, que encontraram variações de até 100% em sujeitos eutróficos. Os valores médios para as variáveis de pressão plantar permitem reconhecer padrões gerais de comportamento; porém, a variabilidade identificada dificulta o estabelecimento de limites de sobrecarga nos tecidos plantares em condições normais e patológicas.

Com relação à variável integral pressão-tempo, observou-se que as regiões mais sobrecarregadas ao longo do tempo foram o retropé, seguido do antepé, independente do grupo, confirmando, mais uma vez, a sobrecarga posterior do pé durante a marcha. Valores mais elevados foram encontrados para os grupos de obesos, o que concorda com outros estudos que avaliaram essa variável8,9. Esse aumento da integral pressão-tempo em crianças obesas pode indicar prejuízo aos tecidos moles do pé, principalmente na região do antepé que, conforme já mencionado, possui as menores estruturas ósseassendo, portanto, mais vulnerável a lesões. É importante lembrar que tanto a magnitude das pressões quanto a duração de sua aplicação afetam a função do pé. Uma baixa pressão aplicada por um longo período de tempo ou uma alta pressão aplicada em um tempo muito curto pode causar prejuízos à estrutura e função do pé19, aumentando o risco de lesões, principalmente em crianças obesas.

A massa corporal mostrou, de maneira geral, baixa correlação com a pressão média máxima. Isso quer dizer que essa medida explica pouco das variações na pressão plantar de obesos e eutróficos. A literatura diverge no que diz respeito à influência de fatores como massa corporal ou IMC sobre os dados de pressão plantar. Alguns estudos apontam que há uma ausência ou uma baixa correlação entre massa corporal e picos de pressão tanto na postura ereta quanto na marcha2,16. Esses autores atribuem a falta de relação entre essas variáveis ao aumento da área de contato do pé, o que causaria uma redistribuição da sobrecarga plantar. Por outro lado, alguns autores afirmam que há uma relação direta entre esses fatores12,13, considerando indivíduos obesos, sendo que a influência do IMC ou da massa corporal sobre as pressões plantares pode trazer conseqüências estruturais para os pés e membros inferiores como um todo13.

No presente estudo, apesar de a massa corporal apresentar baixa correlação com a pressão média máxima para a maioria das áreas anatômicas dos pés das crianças obesas, principalmente no médio-pé, que é a região que mais difere entre obesos e eutróficos, sabe-se que a obesidade está associada ao aumento nas pressões plantares. Dessa forma, é possível que outros fatores estejam exercendo influência sobre o comportamento dessa variável. Cavanagh et al.16 apontam que talvez o que influencie a magnitude das pressões não seja diretamente a massa corporal, mas sim a estrutura esquelética, a variação da anatomia óssea, o padrão de movimento do apoio e a composição e localização do enchimento plantar, que tende a distribuir a pressão. Além disso, outros componentes da composição corporal, como a massa gorda, podem contribuir para esse comportamento20.

Em resumo, crianças obesas possuem um risco aumentado para o desenvolvimento de lesões e patologias nos pés em função da sobrecarga excessiva e repetitiva causada pelo aumento da massa corporal. Porém, não é somente a massa corporal que contribui para o aumento das variáveis de pressão, uma vez que essa se mostrou pobremente correlacionada com a pressão média máxima. As mudanças verificadas, principalmente na região do médiopé de crianças obesas, indicam que essa sobrecarga excessiva pode causar modificações importantes do pé e, dessa forma, prejudicar suas funções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diferenças no comportamento das pressões plantares observadas entre crianças obesas e eutróficas são preocupantes. Por isso, programas de intervenção poderiam incluir também um trabalho específico para os pés durante as atividades, enfocando a estrutura e a função, de maneira a haver uma redistribuição das forças e pressões sobre eles. Isso é necessário na medida em que pode interferir no aparecimento e na progressão de problemas relacionados à obesidade, evitando que crianças obesas tornem-se adultos obesos com riscos potenciais de desenvolver maiores complicações, além de melhorar a auto-estima e a qualidade de vida dessas pessoas. A implementação de exercícios de fortalecimento e alongamento da musculatura dos membros inferiores, correção da postura, manutenção da integridade da pele, bem como o tratamento da dor por fisioterapeutas são úteis para reduzir as implicações da obesidade sobre as atividades de vida diária. Além disso, a intervenção de uma equipe multidisciplinar pode trabalhar questões relacionadas a problemas cardiovasculares e respiratórios, muito comuns nessa população. As características peculiares observadas nos pés de obesos devem ser levadas em consideração quando da escolha de um calçado, para que dores e desconfortos sejam minimizados. O uso de palmilhas também pode ser recomendado para esse fim.

Agradecimento: Aos pais e às crianças que participaram do estudo, à CAPES, pelo suporte financeiro, e ao Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura da Universidade de São Paulo (USP).

Recebido: 04/04/2007

Revisado: 09/07/2007

Aceito: 12/09/2007

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  • Correspondência para:

    Nadiesca Taisa Filippin
    Departamento de Educação Física e Motricidade Humana
    Universidade Federal de São Carlos, Rod.Washington Luis, Km 235
    CEP 13565-905, São Carlos, SP – Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2007
    • Revisado
      09 Jul 2007
    • Recebido
      04 Abr 2007
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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