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Software didático para modelagem do padrão de aquecimento dos tecidos irradiados por ultra-som fisioterapêutico

Resumos

INTRODUÇÃO: O ultra-som é um recurso bastante utilizado em Fisioterapia. Entretanto, a aplicação inadequada pode promover aquecimento insuficiente ou causar danos aos tecidos biológicos. Por isso, é importante que se conheçam os parâmetros ótimos para atingir a temperatura adequada, dentro dos limites seguros. A geração de calor é função dos parâmetros do equipamento e das propriedades físicas dos tecidos. Este trabalho apresentou um software que simula a variação da energia e da temperatura nos tecidos ao longo do tempo, permitindo ao usuário visualizar o padrão de aquecimento nos tecidos em função dos parâmetros. MATERIAIS E MÉTODOS: O software foi implementado com base na equação biotérmica, supondo quatro camadas (pele, gordura, músculo e osso), das quais o usuário pode alterar espessura e propriedades acústicas e térmicas. Pode-se também escolher intensidade, freqüência e tempo de aplicação. São apresentados gráficos com o percentual de energia absorvida ao longo da profundidade e a respectiva variação de temperatura por cada milímetro de tecido. RESULTADOS: Foram realizadas simulações exemplificando situações de interesse para a terapia, variando tempo de aplicação, espessura e freqüência do ultra-som. Podem ser observadas as diferenças do padrão de aquecimento, em especial nas fronteiras das interfaces. CONCLUSÕES: O software permitiu o estudo do aquecimento de tecidos biológicos por ultra-som e pode ser usado tanto para fins didáticos como para planejamento de doses de aquecimento, para ondas contínuas. Numa próxima etapa, pretende-se adequá-lo para estimar qual dose deve ser regulada no aparelho, para manter a temperatura desejada pelo tempo escolhido. Software disponível em: http://www.peb.ufrj.br/lus.htm.

fisioterapia; ensino; ultra-som; campo térmico


INTRODUCTION: Ultrasound is a resource commonly used in Physical Therapy. However, its inadequate application may produce insufficient heating or cause damage to biological tissues. Therefore, the knowledge on the optimum parameters for achieving the appropriate temperature, within safe limits, is necessary. Heat generation depends on equipment parameters and the physical properties of tissues. This study presented a software that simulates the energy and temperature variation in tissues over time, thus allowing users to view the heating patterns in tissues as a function of these parameters. METHODS: The software was implemented based on the bioheat transfer equation for four layers (skin, fat, muscle and bone), in which the user can change the thickness and thermal or acoustic properties of these tissues. The intensity, frequency and time of application can also be chosen. Graphs showing the percentage energy absorption in relation to depth and the respective temperature variation per millimeter of tissue are presented. RESULTS: Simulations were produced to give examples of situations of interest for therapy, by varying the time of application, thickness and ultrasound frequency. Differences in heating patterns are seen, especially at the interfaces. CONCLUSIONS: The software made it possible to study the heating of biological tissues by ultrasound and can be used both for teaching purposes and for planning heating doses for continuous waves. In the future, the software will be adapted, in order to estimate which dose should be regulated in the apparatus to maintain the desired temperature for the time chosen. Software available in: http://www.peb.ufrj.br/lus.htm.

physical therapy; education; ultrasound; thermal field


ARTIGO CIENTÍFICO

RECURSOS TERAPÊUTICOS FÍSICOS E NATURAIS

Software didático para modelagem do padrão de aquecimento dos tecidos irradiados por ultra-som fisioterapêutico

Maggi LEI, II; Omena TPII; von Krüger MAII; Pereira WCAII

IUniversidade Estadual de Goiás (UEG) – Goiânia (GO), Brasil

IIPrograma de Engenharia Biomédica da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (COPPE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Luís Eduardo Maggi Programa de Engenharia Biomédica, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro Caixa Postal 68.510 CEP 21941-972, Rio de Janeiro (RJ), Brasil e-mail: luis.maggi@gmail.com *

RESUMO

INTRODUÇÃO: O ultra-som é um recurso bastante utilizado em Fisioterapia. Entretanto, a aplicação inadequada pode promover aquecimento insuficiente ou causar danos aos tecidos biológicos. Por isso, é importante que se conheçam os parâmetros ótimos para atingir a temperatura adequada, dentro dos limites seguros. A geração de calor é função dos parâmetros do equipamento e das propriedades físicas dos tecidos. Este trabalho apresentou um software que simula a variação da energia e da temperatura nos tecidos ao longo do tempo, permitindo ao usuário visualizar o padrão de aquecimento nos tecidos em função dos parâmetros.

MATERIAIS E MÉTODOS: O software foi implementado com base na equação biotérmica, supondo quatro camadas (pele, gordura, músculo e osso), das quais o usuário pode alterar espessura e propriedades acústicas e térmicas. Pode-se também escolher intensidade, freqüência e tempo de aplicação. São apresentados gráficos com o percentual de energia absorvida ao longo da profundidade e a respectiva variação de temperatura por cada milímetro de tecido.

RESULTADOS: Foram realizadas simulações exemplificando situações de interesse para a terapia, variando tempo de aplicação, espessura e freqüência do ultra-som. Podem ser observadas as diferenças do padrão de aquecimento, em especial nas fronteiras das interfaces.

CONCLUSÕES: O software permitiu o estudo do aquecimento de tecidos biológicos por ultra-som e pode ser usado tanto para fins didáticos como para planejamento de doses de aquecimento, para ondas contínuas. Numa próxima etapa, pretende-se adequá-lo para estimar qual dose deve ser regulada no aparelho, para manter a temperatura desejada pelo tempo escolhido. Software disponível em: http://www.peb.ufrj.br/lus.htm.

Palavras-chave: fisioterapia; ensino; ultra-som; campo térmico.

Introdução

Em Fisioterapia, os tratamentos termoterápicos costumam ser classificados em calor superficial e profundo e, em ambos, a transmissão do calor aos tecidos pode ocorrer por três diferentes formas: condução, convecção e radiação1. No caso dos tratamentos por calor profundo, cujas ferramentas terapêuticas (ultra-som, microondas e ondas curtas) são capazes de aquecer os tecidos mais internos com pouca influência sobre os mais superficiais, a principal forma de transmissão de calor é a radiação (diatermia)2.

As alterações fisiológicas da aplicação do ultra-som terapêutico (UST) em tecidos biológicos são tradicionalmente agrupadas em duas classes: efeitos térmicos e efeitos mecânicos (não-térmicos). Ambos ocorrem no organismo, mas a proporção e a magnitude de cada um deles dependem do ciclo de fornecimento e da intensidade de saída3.

Desde que foi desenvolvido, nos anos 1950, o UST tem sido utilizado no tratamento de doenças musculoesqueléticas, com o intuito de promover aquecimento. Quando os tecidos atingem a faixa de temperatura entre 40 e 45°C, por aproximadamente cinco minutos, obtém-se os seguintes efeitos biológicos: aumento do metabolismo, alívio da dor, redução da rigidez articular e aumento do fluxo sanguíneo local4. Temperaturas acima desta faixa podem promover danos celulares e, se inferiores, podem ser insuficientes para produzir os efeitos desejados.

A produção de calor por ultra-som resulta da interação entre as propriedades acústicas e térmicas dos tecidos e a onda irradiada. Para se fazer uma aplicação eficiente e segura do UST, o fisioterapeuta precisa conhecer o número, a seqüência e a espessura das camadas de tecidos a serem irradiados, além das seguintes propriedades físicas de cada tecido: impedância acústica, coeficiente de absorção, calor específico e condutividade térmica. Em relação à fonte de irradiação (aparelho de UST), o profissional deve definir a freqüência da onda (1 ou 3MHz), seu modo de emissão (contínuo ou pulsado), sua intensidade e o tempo do tratamento.

Na rotina clínica, o fisioterapeuta geralmente seleciona a dosagem (intensidade e tempo de tratamento) baseando-se nas informações contidas nos manuais dos aparelhos, os quais se limitam a recomendar tabelas de dosagem de acordo com cada patologia, sem referenciar adequadamente a literatura científica5. Por outro lado, os livros-texto de Eletroterapia dão noções gerais de ultra-som e de seus efeitos no tecido biológico3,6, restando ao fisioterapeuta o aprendizado empírico do método. Neste ponto, vale salientar que estudos mais recentes vêm apontando um erro sistemático no procedimento de aplicação da terapia por ultra-som, que, por sua vez, tem uma causa mais profunda – qual seja a escassez de desenvolvimento teórico e de experimentos controlados para avaliar e mesmo quantificar a eficácia do ultra-som em Fisioterapia7-10.

Vários modelos matemáticos têm sido implementados para auxiliar a compreensão do comportamento da energia e da temperatura em aplicações de feixes ultra-sônicos contínuos11,12. Entretanto, o emprego desses modelos requer, muitas vezes, o conhecimento de matemática avançada, programas (softwares) complexos e inacessíveis para os profissionais da área de Saúde; além disso, apresentam muitos parâmetros físicos pré-estabelecidos de difícil manipulação e, muitas vezes, inalteráveis.

Dado este cenário, o presente trabalho apresentou um software didático que simula o padrão de aquecimento dos tecidos por uma onda ultra-sônica, baseado em uma modelagem matemática simplificada da equação biotérmica (Bioheat Transfer, BHT)13. Esta equação descreve o comportamento da temperatura ao longo do tempo, nos tecidos, em diferentes profundidades. O simulador contém parâmetros acústicos e térmicos ajustáveis pelo operador e permite visualizar a evolução da distribuição de energia e da temperatura nos tecidos (pele, gordura, músculo e osso) durante a propagação ultra-sônica. O objetivo do software é dotar o fisioterapeuta de uma ferramenta que auxilie na compreensão dos fenômenos físicos básicos envolvidos no aquecimento por ultra-som, melhorando, assim, sua capacidade de avaliar as doses propostas para cada caso.

Materiais e métodos

Esta sessão é composta por duas partes. Na primeira, descreve-se, de forma sucinta, o modelo matemático utilizado na elaboração do software, buscando atender ao leitor que tenha afinidade com a formulação matemática do problema. Na segunda parte, apresenta-se a interface do simulador, mostrando as quatro camadas de tecidos em diferentes tipos de gráficos e os parâmetros passíveis de serem alterados pelo usuário.

Modelagem matemática

O modelo implementado foi obtido a partir da equação que descreve a variação de temperatura de um corpo em função da quantidade de calor aportada14 e sua descrição detalhada pode ser vista na referência.

Partiu-se do princípio de que a quantidade de energia responsável pelo aquecimento está relacionada à intensidade ultra-sônica I(x) fornecida ao tecido ao longo de sua profundidade x (mm), que é descrita pela equação (1).

onde Io é a intensidade inicial, dada em W.cm-2, e é a base neperiana, α é o coeficiente de atenuação do tecido (Np.mm-1) e f é a freqüência ultra-sônica (MHz). A porção de energia ΔI(x) (W.cm-2), que fica numa fração Δx da espessura do tecido após a passagem do UST, é dada pela diferença entre a intensidade que chega e a que sai desta espessura, conforme a equação (2)15.

Chegou-se, então, a uma versão unidimensional simplificada da equação biotérmica, comumente utilizada para simular o aquecimento dos tecidos pelo ultra-som, que pode ser vista na equação (3). Nesta, por questões de simplicidade, não foi levada em conta a perda por perfusão sangüínea e considerou-se que a variação da temperatura por unidade de espaço é igual à variação da temperatura por unidade de tempo, o que pode ser assumido para meios com pequenas espessuras (da ordem de milímetros)16, 17.

onde, θf é a temperatura final, após t segundos de aquecimento. O parâmetro r é a densidade do tecido (g.cm-3), c é o calor específico (J.g-1.ºC-1), k é o coeficiente de condutividade térmica (W.cm-1.ºC-1) e θo é a temperatura inicial do corpo humano.

As equações foram empregadas para simular uma aplicação do UST em uma região do corpo humano com quatro camadas de tecidos, ao longo da profundidade (com incrementos de 1mm) e do tempo (com incrementos de um segundo), supondo transdutor (cabeçote) imóvel. Importante observar que, da forma como foi implementada a equação (3), pode-se simular tecidos de grandes espessuras e o software se encarrega de subdividir internamente cada camada em fatias consecutivas de 1mm de espessura, antes de aplicar a equação em questão. Este procedimento é transparente ao usuário.

O software simulador

Quando o ultra-som fisioterapêutico é aplicado, seu feixe se propaga atingindo até quatro camadas de tecidos: pele, hipoderme (gordura), músculo e osso18. O software foi desenvolvido em LabVIEW® 7.1 (National Instruments®), implementando estas camadas (conforme propriedades destes tecidos, na Tabela 119,20) e simulando a passagem de uma onda plana, segundo as equações anteriormente descritas. O software permite que se alterem os seguintes parâmetros de cada camada: espessura (x), coeficiente de atenuação (α), impedância acústica (Z), densidade (r), calor específico (c) e condutividade térmica (k). Assim, para simular outros tecidos (conjuntivo denso, como tendões), órgãos (fígado, baço) ou até mesmo materiais, como, por exemplo, metais que compõem próteses (titânio), basta que o usuário tenha as propriedades solicitadas pelo software, referentes à camada que se deseja simular.

O software permite ainda que se modifiquem os valores selecionados no aparelho para a realização da terapia: a freqüência do transdutor (f), a intensidade inicial aplicada (Io) e o tempo de aplicação (t). A temperatura inicial do tecido (θo) é padronizada em 36ºC, que é a temperatura média do corpo humano, mas também pode ser alterada na simulação, de acordo com o interesse do usuário.

O software apresenta uma tela com 12 gráficos distribuídos em uma matriz 3x4 (Figura 1). Na primeira linha, estão os gráficos da variação da intensidade em função da profundidade dos tecidos I(x) (conforme a primeira equação), que, além de representarem a perda percentual da intensidade ultra-sônica durante sua passagem (linha contínua), mostram a quantidade de energia (If) que chega a cada interface. A linha tracejada representa a perda percentual de intensidade, após sofrer uma reflexão. O parâmetro Et(%) indica o percentual total de energia que ficou na camada de tecido, após a passagem do ultra-som (incluindo uma reflexão).


Na segunda linha de gráficos, a escala de cinza (no software, esta escala é colorida) representa a variação da quantidade de energia ΔI(x) que permanece em cada Δx de 1mm de espessura do tecido, após a passagem do ultra-som (conforme a segunda equação). As cores variam do preto (mínimo) ao branco (máximo), passando por tons de azul, de acordo com a intensidade de energia depositada em cada milímetro de cada camada.

Na terceira linha de gráficos, está representada, em escala de cinza (no software, esta escala é colorida), a temperatura final θf em cada milímetro de espessura x, após irradiação por t segundos (conforme a terceira equação). O código de cores varia entre azul, amarelo, alaranjado, chegando ao vermelho, de acordo com o aumento da temperatura. Fazendo a análise por colunas, têm-se os gráficos que representam as respectivas camadas de tecidos pelas quais a onda deve passar: pele, gordura, músculo e osso. Na parte superior da tela, há botões de controle por meio dos quais podem ser alterados (pelo usuário) os coeficientes de absorção, as espessuras e as impedâncias acústicas de cada tecido (Figura 1). A porcentagem de intensidade refletida (R1, R2 e R3) e transmitida (T1, T2 e T3) na interface entre os meios é calculada automaticamente baseada na diferença de impedância acústica entre estes e pode ser observada logo acima, na borda superior de cada gráfico da primeira linha.

A perda de intensidade ao longo do tecido não é constante; ela decresce exponencialmente (conforme a primeira equação). Sendo assim, os quatro gráficos intermediários representam a distribuição de energia percentual ΔI(x) absorvida por cada camada de espessura Δx ao longo dos tecidos. Esta energia é utilizada na equação (3), para calcular a temperatura final de cada fatia Δx de 1mm no tecido e mostrar a distribuição da temperatura, ao longo do tempo (quatro gráficos inferiores da Figura 1).

Resultados

A seguir, serão exemplificadas quatro simulações de situações de interesse para os profissionais de Fisioterapia, demonstrando as potencialidades do software para a compreensão da influência das propriedades físicas do tecido e da onda ultra-sônica.

Primeira simulação: influência da variação da densidade do osso no aquecimento dos tecidos

Segundo a literatura18, a impedância acústica depende da densidade e da velocidade da onda no meio (Z=ρ.c). Sendo o osso um tecido que pode variar sua densidade de 1,38 a 1,81g.cm-3 e, conseqüentemente, sua impedância acústica de 3,75 a 7.40kg.m-1s-2, é importante saber qual a influência da variação dessas propriedades no aquecimento do tecido. Para tanto, foram feitas duas simulações, utilizando as quatro camadas consecutivas de tecidos, tendo a pele 4mm de espessura e os demais, 10mm. Todas irradiadas durante 180 segundos, com intensidade de 2,0W.cm-2 à freqüência de 1MHz. No primeiro caso (Figura 2), a densidade (r) do osso foi de 1,38g.cm-3 e a impedância acústica (Z), de 3,75kg.m-1s-2.


No segundo caso (Figura 3), a densidade do osso foi de 1,80g.cm-3 e sua impedância de 7,4kg.m-1s-2. Pode-se observar a influência da densidade e, conseqüentemente, da impedância acústica do osso, na temperatura final. No caso em que estes valores foram mínimos, a temperatura no osso atingiu um valor limite de 43,25ºC; já no caso de valores máximos, a temperatura se elevou até 40,63ºC. Isso mostra a influência da densidade na impedância acústica e, assim, na reflexão da energia (15,12% para valores mínimos e 40,37% para valores máximos) na interface músculo-osso.


Note-se que as curvas de aquecimento da gordura e do músculo estão praticamente sobrepostas quando os valores são mínimos (Figura 4) e o maior aquecimento do músculo em relação à gordura, devido à reflexão quando os valores são máximos (Figura 5).



Segunda simulação: influência da espessura do músculo no aquecimento

Neste caso, tem-se pele com 4mm, gordura e osso com 10mm e músculo com 30mm de espessura, aquecidos durante 180 segundos. Os demais valores foram mantidos de acordo com a simulação anterior, com os valores máximos de densidade e impedância acústica do osso. É comum o fisioterapeuta pensar que o tecido que absorve maior quantidade de energia aquece mais, entretanto, nessa simulação, pode-se observar que, apesar do músculo ter absorvido 41,3% de energia e a gordura, 10,8%, a temperatura final na camada mais superficial desses tecidos foi similar (Figura 6).


Para verificar o comportamento térmico desses tecidos, foi feito um gráfico da curva de temperatura versus tempo (Figura 7). É importante salientar que o tempo de aplicação do ultra-som determina qual dos tecidos vai aquecer mais em relação a outro. Pode-se observar que, quando se aquece por 60 segundos, a temperatura final da camada de osso (37,66ºC) foi maior do que a da pele (37,27ºC); mas, quando o tempo de aplicação é de 160 segundos, a parte inicial da camada da pele aqueceu mais (39,22ºC) do que a do osso (38,84ºC). Esse fenômeno também ocorre entre a gordura e músculo, embora essa diferença seja menos acentuada.


Terceira simulação: influência da espessura da gordura no aquecimento dos demais tecidos

Para efeito de comparação da influência da espessura da gordura na energia absorvida pelos demais tecidos, triplicou-se a sua espessura em relação à simulação anterior, mantendo-se os demais parâmetros constantes. Costuma-se divulgar que, devido ao baixo coeficiente de absorção da gordura, a influência da sua espessura no aquecimento dos demais tecidos é irrisória. Pode-se observar que os percentuais de energia que residem no músculo e no osso tiveram redução significativa quando a espessura da gordura aumentou para 30mm (Figura 8). No primeiro caso (Figura 6), o músculo e o osso absorveram 41,3 e 21,2% de energia total, respectivamente, porém, quando a camada de gordura é mais espessa (Figura 8), esses percentuais caíram para 31,2 e 16%, respectivamente. Entretanto, a redução da temperatura final na camada mais superficial do músculo foi de 0,32ºC (37,29ºC para 36,97ºC) e, no osso, de 0,73ºC (38,98ºC para 38,25ºC), sendo, portanto, uma redução de leve a moderada.


Quarta simulação: influência da freqüência no aquecimento

No ramo da Fisioterapia, é muito comum ouvir falar que quanto mais profundo for o tratamento, menor é a freqüência do transdutor a ser utilizada (1MHz, no caso). Portanto, havendo necessidade de um tratamento superficial, utiliza-se um transdutor com freqüências mais altas (3MHz, por exemplo)1. Para esta simulação, foram utilizados os seguintes parâmetros: pele com 4mm, gordura e músculo com 30mm e osso com 10mm de espessura, durante 180 segundos e com transdutor de 3MHz. Observa-se uma absorção da energia ultra-sônica mais acentuada na pele e, conseqüentemente, um aquecimento maior (a temperatura final foi de 46ºC), conforme Figura 9, em comparação aos resultados apresentados para a freqüência de 1MHz (Figura 8). Isso ocorre graças ao aumento do coeficiente de absorção com a freqüência2 e, assim, da quantidade de energia depositada a cada centímetro nos tecidos mais superficiais, podendo causar até uma grave lesão.


Discussão

Foi desenvolvido um software capaz de simular um meio biológico com quatro camadas de tecidos. O software tem como objetivo principal criar condições para que fisioterapeutas possam incrementar seus conhecimentos sobre os fenômenos físicos envolvidos na propagação e aquecimento dos tecidos biológicos por ultra-som. Isso permitirá que estes profissionais tenham maiores condições de escolher as doses e compreender a evolução do tratamento proposto.

O modelo matemático implementado leva em conta as perdas de calor por condução para os tecidos adjacentes, porém, ainda não considera o resfriamento devido à perfusão sanguínea. Portanto, os valores de temperatura final podem estar superestimados, mas isto não invalida os resultados qualitativos obtidos.

Outra limitação do modelo é o fato da equação biotérmica não ser resolvida de forma analítica, sendo proposta uma solução aproximada por incrementos infinitesimais. O modelo também não prevê a mobilidade do transdutor, pois esta forma de aplicação é difícil de ser modelada devido às diversas formas e velocidade de movimentação do cabeçote. Entretanto, estes resultados com o cabeçote fixo permitem ao fisioterapeuta saber, com segurança, quanto tempo poderá aplicar ultra-som em uma mesma área de tratamento, para que a temperatura se eleve ao nível esperado.

Foram feitas quatro simulações exemplificando situações comuns de interesse do fisioterapeuta. Na primeira delas foi observado o efeito da variação do coeficiente de reflexão na interface músculo-osso, em função da variação da impedância deste último. Quando a impedância dobrou, o coeficiente de reflexão triplicou, provocando uma redução de cerca de 2ºC na camada superficial do tecido ósseo.

Na segunda simulação, pôde-se observar que não necessariamente o tecido que absorveu maior quantidade de energia foi aquele que apresentou maior aquecimento. Isso se deve ao fato de que a variação da temperatura no meio depende não somente do coeficiente de absorção, mas da quantidade de calor perdida (condutividade térmica) e da quantidade de energia que ele precisa para elevar em 1ºC sua temperatura (calor específico). Ainda nesta simulação, pôde-se observar que o tecido que mais aquece não é sempre o mesmo, mas depende do tempo de aplicação. Isto demonstra que o aquecimento produzido pela propagação do ultra-som nos tecidos biológicos é um fenômeno complexo e que as regras comumente encontradas nos manuais para auxiliar o profissional podem ser demasiado simples e sem valor prático efetivo.

Na terceira simulação, buscou-se avaliar a influência da espessura da camada de gordura no aquecimento. Ao se triplicar a espessura da gordura, a variação de temperatura no músculo foi quase insignificante, porém, no osso, foi moderada, o que indica que a espessura da camada de gordura deve ser avaliada também, ao contrário do que se divulga no meio profissional.

Já na última simulação, estudou-se o efeito da mudança de freqüência e foi possível mostrar que, a 1MHz, a temperatura final foi maior nos tecidos pele e osso e, na de 3MHz, foi maior na pele e gordura. Conforme a literatura4, ocorre um aquecimento acentuado nos tecidos mais superficiais (pele e gordura), mas não se chama a atenção de que, além deste aquecimento ser mais superficial, também é mais intenso do que seria se a aplicação fosse feita a uma freqüência inferior, utilizando-se a mesma intensidade. Como em altas freqüências a atenuação é maior, a queda percentual de energia, em função da profundidade, é mais acentuada. Isto faz com que haja um delta de energia maior nos centímetros iniciais dos tecidos, o que, por sua vez, promove uma elevação de temperatura mais proeminente, podendo ultrapassar 46ºC e causar desnaturação protéica. Em resumo, para uma mesma intensidade e um mesmo tempo de aplicação, o aquecimento é maior a 3MHz do que a 1MHz.

Como conclusão deste trabalho, tem-se que o software simulador proposto mostrou-se útil ao estudo da distribuição de intensidades e de temperatura em tecidos biológicos e pode ser utilizado, inicialmente, para fins didáticos – por exemplo, em cursos regulares de Biofísica e Eletrotermoterapia, para a formação de fisioterapeutas. O modelo implementado, apesar de simples, mostrou-se capaz de simular situações de interesse para o profissional que trabalha com UST.

Os próximos passos são incrementar a equação para incluir perdas por perfusão e dotar o simulador com a capacidade de calcular qual a dose (intensidade e freqüência) necessária para que haja um aquecimento de "X"ºC, numa determinada profundidade, durante um determinado tempo. Essa facilidade permitiria ao profissional a elaboração de protocolos de tratamento a serem testados.

Planeja-se gerar uma versão executável do software, usando-se os próprios recursos do LabVIEW®, para os futuros potenciais usuários. Este deverá estar disponível para acesso on-line na homepage do Laboratório de Ultra-som do Programa de Engenharia Biomédica da COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro.

Recebido: 04/07/2007

Revisado: 03/12/2007

Aceito: 25/04/2008

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  • Correspondência para:
    Luís Eduardo Maggi
    Programa de Engenharia Biomédica, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Caixa Postal 68.510
    CEP 21941-972, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
    e-mail:
    * * Parte deste trabalho foi publicada nos anais do Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica 2006 (ver referência número 12) e um resumo também foi apresentado no 3º Congresso Internacional de Fisioterapia 2007 (ver referência número 13)
  • *
    Parte deste trabalho foi publicada nos anais do Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica 2006 (ver referência número 12) e um resumo também foi apresentado no 3º Congresso Internacional de Fisioterapia 2007 (ver referência número 13)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      25 Abr 2008
    • Revisado
      03 Dez 2007
    • Recebido
      04 Jul 2007
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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