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Preditores espaço-temporais do andar para testes de capacidade funcional em pacientes com doença de Parkinson

Resumos

OBJETIVOS: Determinar quais parâmetros espaço-temporais são preditores do andar de indivíduos com doença de Parkinson idiopática para os testes de resistência aeróbia e agilidade, propostos pela bateria de testes da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (AAHPERD). MATERIAIS E MÉTODOS: Foram selecionados seis homens e seis mulheres com comprometimento e estágio da doença em níveis leve e moderado, que realizaram os testes de agilidade e resistência aeróbia, conforme o protocolo da AAHPERD, e andaram 8m sobre uma passarela. Uma câmera digital registrou uma passada central. Marcadores foram fixados no quinto metatarso e na face lateral do calcâneo do membro inferior direito e no primeiro metatarso e na face medial do calcâneo do membro inferior esquerdo. As variáveis dependentes selecionadas foram: tempo nos testes de agilidade e resistência e as variáveis cinemáticas (comprimento da passada - CP, cadência - CAD, duração da passada - DP, duração da fase de duplo suporte - DDS, duração do suporte simples - SS, duração da fase de balanço - DB e velocidade da passada - VP). RESULTADOS: Para agilidade, o teste de Pearson apontou correlação estatisticamente significativa entre as variáveis CP (r=-0,70; p<0,05), CAD (r=-0,72; p<0,01), VP (r=-0,83; p<0,01), DP (r=0,71; p<0,01) e DDS (r=0,90; p<0,01). Para resistência, houve correlação com as variáveis CP (r=-0,67; p<0,05), CAD (r=-0,72; p<0,01), VP (r=-0,82; p<0,01), DP (r=0,71; p<0,01) e DDS (r=0,90; p<0,01). A análise de regressão múltipla revelou que a DDS foi a única variável preditora dos testes de agilidade (R²=0,82; p<0,01) e resistência (R²=0,81; p<0,01). CONCLUSÕES: Observou-se o uso potencial da DDS como parâmetro espaço-temporal do andar preditor do desempenho dos testes de resistência aeróbia e agilidade em pacientes com doença de Parkinson idiopática.

doença de Parkinson; andar; análise e desempenho de tarefas; agilidade, equilíbrio dinâmico; resistência física


OBJECTIVE: To determine which spatial and temporal parameters are predictors of the gait pattern of individuals with idiopathic Parkinson's disease, for the aerobic endurance and agility tests included in the battery of tests of the AAHPERD protocol. METHODS: Six men and six women with mild and moderate impairment and disease stage were selected. They performed agility and aerobic endurance test in accordance with the AAHPERD protocol, and walked 8 m on a walkway. A digital video camera recorded one central stride. Markers were attached to the fifth metatarsal and lateral face of the calcaneus of the right leg and to the first metatarsal and medial face of the calcaneus of the left leg. The dependent variables selected were the time taken in the agility and endurance tests and the kinematic variables: stride length (SL), cadence (CAD), stride time (ST), double support time (DS), single support time (SS), swing time (SW) and stride velocity (SV). RESULTS: For agility, Pearson's test showed statistically significant correlations with SL (r=-0.70; p<0.05), CAD (r=-0.72; p<0.01), SV (r=-0.83; p<0.01), ST (r=0.71; p<0.01) and DS (r=0.90; p<0.01). For endurance, there were correlations with SL (r=-0.67; p<0.05), CAD (r=-0.72; p<0.01), SV (r=-0.82; p<0.01), ST (r=0.71; p<0.01), and DS (r=0.90; p<0.01). Multiple regression analysis revealed that DS was the only variable that predicted performance in both the agility (R²=0.82; p<0.01) and the endurance (R²=0.81; p<0.01) tests. CONCLUSIONS: It was observed that DS measure has a potential use as a kinematic parameter of gait that predicts the performance in agility and aerobic endurance tests in patients with idiopathic Parkinson's disease.

Parkinson disease; gait; task performance and analysis; agility; dynamic balance; physical endurance


ARTIGO ORIGINAL

Preditores espaço-temporais do andar para testes de capacidade funcional em pacientes com doença de Parkinson

Sánchez-Arias MDRI; Silveira CRAI; Caetano MJDI; Pieruccini-Faria FI; Gobbi LTBI; Stella FI, II

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Rio Claro (SP), Brasil

IIAmbulatório de Neuropsiquiatria e Saúde Mental do Idoso, Hospital das Clínicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Lilian Teresa Bucken Gobbi Avenida 24-A, 1.515, Bela Vista CEP 13506-900, Rio Claro (SP), Brasil e-mail: ltbgobbi@rc.unesp.br

RESUMO

OBJETIVOS: Determinar quais parâmetros espaço-temporais são preditores do andar de indivíduos com doença de Parkinson idiopática para os testes de resistência aeróbia e agilidade, propostos pela bateria de testes da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (AAHPERD).

MATERIAIS E MÉTODOS: Foram selecionados seis homens e seis mulheres com comprometimento e estágio da doença em níveis leve e moderado, que realizaram os testes de agilidade e resistência aeróbia, conforme o protocolo da AAHPERD, e andaram 8m sobre uma passarela. Uma câmera digital registrou uma passada central. Marcadores foram fixados no quinto metatarso e na face lateral do calcâneo do membro inferior direito e no primeiro metatarso e na face medial do calcâneo do membro inferior esquerdo. As variáveis dependentes selecionadas foram: tempo nos testes de agilidade e resistência e as variáveis cinemáticas (comprimento da passada - CP, cadência - CAD, duração da passada - DP, duração da fase de duplo suporte - DDS, duração do suporte simples - SS, duração da fase de balanço - DB e velocidade da passada - VP).

RESULTADOS: Para agilidade, o teste de Pearson apontou correlação estatisticamente significativa entre as variáveis CP (r=-0,70; p<0,05), CAD (r=-0,72; p<0,01), VP (r=-0,83; p<0,01), DP (r=0,71; p<0,01) e DDS (r=0,90; p<0,01). Para resistência, houve correlação com as variáveis CP (r=-0,67; p<0,05), CAD (r=-0,72; p<0,01), VP (r=-0,82; p<0,01), DP (r=0,71; p<0,01) e DDS (r=0,90; p<0,01). A análise de regressão múltipla revelou que a DDS foi a única variável preditora dos testes de agilidade (R2=0,82; p<0,01) e resistência (R2=0,81; p<0,01).

CONCLUSÕES: Observou-se o uso potencial da DDS como parâmetro espaço-temporal do andar preditor do desempenho dos testes de resistência aeróbia e agilidade em pacientes com doença de Parkinson idiopática.

Palavras-chave: doença de Parkinson; andar; análise e desempenho de tarefas; agilidade, equilíbrio dinâmico; resistência física.

Introdução

Em indivíduos com doença de Parkinson idiopática (DPI), os parâmetros espaço-temporais do andar têm sido usados para avaliar o comprometimento ocasionado pela degeneração do trato nigro-estriatal nas funções motoras1. Redução do balanço dos braços, redução da amplitude de movimento nos quadris, joelhos e tornozelos, diminuição do comprimento da passada, aumento no tempo em duplo suporte e a lentificação do andar, entre outras características, estão presentes na DPI; algumas das quais podem ser moduladas com as demandas do ambiente2-4.

O andar é utilizado freqüentemente nas atividades da vida diária e o indivíduo com DPI precisa andar de forma segura e eficaz para enfrentar as demandas inesperadas da vida diária5. Porém, a fadiga pode gerar dificuldade6 e as características do andar podem comprometer a disponibilidade de realizar atividade física e afetar a capacidade funcional nestes indivíduos7. Conseqüentemente, como as situações cotidianas exigem muitas vezes da capacidade funcional, justifica-se uma abordagem do andar com resistência, agilidade e equilíbrio segundo as demandas do ambiente.

A análise quantitativa dos parâmetros espaço-temporais do andar tem sido utilizada para avaliar os efeitos do tratamento na DPI empregando sistemas e ferramentas cinemáticas8. Embora a análise quantitativa do andar seja uma avaliação acurada das características do andar parkinsoniano, nem sempre é possível utilizar parâmetros espaço-temporais derivados de ferramenta cinemática para analisar os resultados de programas de atividade física que visem trabalhar a resistência, agilidade, equilíbrio e, de forma geral, a capacidade funcional nos indivíduos com DPI.

Em população idosa, cálculos do índice de capacidade funcional geral utilizando testes motores de coordenação, força, flexibilidade, agilidade e equilíbrio dinâmico (AGIL), resistência aeróbia geral e habilidade de andar (RAG) são propostos pela bateria de testes da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (AAHPERD)9, destacando-se a existência de valores normativos para a população idosa brasileira10. Comparações entre idosos com e sem DPI, utilizando esta bateria, evidenciaram declínio da capacidade funcional nos idosos com DPI11. Especificamente em indivíduos com DPI de nível leve e moderado, melhora no desempenho no teste de AGIL e manutenção no teste de RAG foram observadas após um programa de treinamento específico de quatro meses, justificando assim a importância da atividade física e do teste adotado12.

Existe evidência de correlações positivas entre os parâmetros de andar e os testes de tempo tradicionais dedo-nariz-dedo e levantar-se andar e sentar-se, utilizados freqüentemente para avaliar quantitativamente a bradicinecia na DPI, como comprimento da passada, velocidade da passada, duração do suporte simples e do suporte duplo8. Em outro aspecto, sabe-se que o comprimento da passada em pacientes com DPI é o mais efetivo preditor dos testes de tempo dedo-nariz-dedo, levantar-se andar e sentar-se e pontuação do componente motor da Unifiyng Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS)8.

Considerando que a bateria de testes da AAHPERD utiliza a tarefa de andar nos testes de AGIL e RAG, possíveis relacionamentos entre o desempenho destes testes com os parâmetros espaço-temporais próprios do andar parkinsoniano, utilizando ferramenta cinemática, seriam esperados. Entretanto, estes relacionamentos não têm sido investigados. Conseqüentemente, questiona-se se parâmetros espaço-temporais do andar característicos dos pacientes com DPI, obtidos com ferramenta cinemática, poderiam se relacionar com os resultados dos testes de RAG e AGIL nestes indivíduos.

Informações do relacionamento e predição do desempenho da resistência aeróbia, agilidade e equilíbrio dinâmico por meio dos parâmetros espaço-temporais do andar típico de indivíduos com DPI poderiam ser relevantes para interpretar os resultados dos testes de AGIL e RAG, observando as características próprias do andar parkinsoniano.

Adicionalmente, deve-se destacar a praticidade de aplicação da bateria de testes da AAHPERD, já que esta não necessita de equipamentos sofisticados ou treinamento complexo por parte dos experimentadores, o que facilita sua implementação em programas de atividade física para pacientes com DPI.

Assim, os vínculos entre os resultados dos testes de RAG e AGIL e as características inerentes do andar dos indivíduos com DPI poderão ser considerados nos programas de atividade física que muitas vezes estimulam a melhora da agilidade, resistência aeróbia, capacidade funcional e a independência física nesta população. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi determinar quais os parâmetros espaço-temporais que são preditores do andar de indivíduos com DPI para os testes de RAG e AGIL, propostos pela bateria de testes da AAHPERD.

Materiais e métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Instituto de Biociências da Unesp - Rio Claro (Processo nº 2722/05). Cada participante assinou um termo de consentimento livre e esclarecido.

Participaram seis homens e seis mulheres com diagnóstico clínico de DPI, realizado por um médico neurologista. Um neuropsiquiatra geriatra da equipe (F.S.) avaliou o comprometimento e estágio clínico de evolução da doença com os instrumentos UPDRS13 e Hoehn e Yahr (HY)14. Na UPDRS, a maior pontuação obtida, entre 0 e 176, reflete maior acometimento geral da DPI, mostrando assim as restrições que a doença está causando à cognição, às tarefas da vida diária e às funções motoras. Na HY, o maior estágio, entre 1 e 5, reflete maior avanço de evolução da DPI. Neste estudo foram incluídos indivíduos até o estágio 3 da escala HY, com capacidades cognitivas preservadas e foram excluídos os indivíduos nos estágios 4 e 5 na escala de HY, com episódios de congelamento, festinação e com quadro de demência. Os sujeitos realizaram todos os testes sob efeito da medicação anti-parkinsoniana. As características dos participantes são apresentadas na Tabela 1.

O teste RAG reflete a resistência aeróbia e a habilidade de andar em indivíduos idosos. Como uma avaliação da capacidade aeróbia, sua validade é moderada, mas é comparável a outros testes de andar/correr9. O participante foi orientado a percorrer andando o mais rápido possível 804,67m em uma pista de atletismo de 400m. O tempo gasto para realizar tal tarefa foi anotado em minutos e segundos e transformado em segundos como resultado final.

O teste AGIL envolve atividade total do corpo com movimentos para frente, mudanças de direção e posição do corpo9. O participante iniciou o teste sentado em uma cadeira com os calcanhares apoiados no solo. Ao sinal de "pronto, já " moveu-se para a direita e circundou um cone que estava posicionado a 1,50m para trás e 1,80m para o lado da cadeira, retornando à cadeira e sentando-se. Imediatamente, o participante se levantou, moveu-se para a esquerda e circundou o segundo cone, retornando à cadeira e sentando-se novamente, completando um circuito, de dois exigidos. O avaliado fez uma leve elevação dos pés, retirando-os do solo, a cada movimento de sentar para garantir que o movimento de sentar havia sido realizado. Foram realizadas duas tentativas e o menor tempo de execução em segundos foi anotado como o resultado final. Os participantes receberam instrução verbal e estímulo para fazer os testes o mais rápido possível e todos eles conseguiram realizar adequadamente ambos os testes.

A avaliação cinemática do andar consistiu em andar com velocidade preferida um percurso de 8m sobre uma passarela antiderrapante. A velocidade preferida foi selecionada para garantir as diferenças individuais, por ser internamente dirigida, pelo conforto dos participantes e por assumir a variabilidade intrínseca aos participantes e à tarefa.

Uma câmera digital afixada a um tripé, perpendicularmente a uma altura de 98,5cm do chão e a uma distância de 4,95m do centro da passarela foi posicionada no plano sagital direito do participante registrando uma passada central de cinco tentativas com freqüência de amostragem de 60Hz. O participante estava vestido com calça justa e meias pretas, onde marcadores passivos foram fixados no quinto metatarso e na face lateral do calcâneo do membro inferior direito e no primeiro metatarso e na face medial do calcâneo do membro inferior esquerdo. Dois holofotes de 500w, posicionados ao lado da câmera, foram utilizados para ampliar a reflexão dos marcadores e facilitar a medição dos pontos. O sistema de calibração foi feito com dois fios de prumo como referências dos eixos ortogonais "x " e "y " eqüidistantes (3,01m x 1,30m) e obter, assim, as respectivas coordenadas horizontal e vertical. Uma placa de vídeo capturou as imagens e, posteriormente, foram feitos os procedimentos de reconstrução bidimensional do movimento pelo software Digital Vídeo for Windows 5.1 (Dvideow)15.

A média dos valores de uma passada em cinco tentativas foi utilizada para calcular as variáveis cinemáticas de comprimento da passada (CP), cadência (CAD), duração da passada (DP), duração da fase de duplo suporte (DDS), duração do suporte simples (SS), duração da fase de balanço (DB) e velocidade da passada (VP)16. O software Matlab 6.5 foi utilizado para a realização dos cálculos.

O software SPSS 10.0 foi utilizado para realizar as correlações de Pearson e regressões lineares (stepwise), sendo o nível de significância adotado de p<0,05.

Resultados

Comprovada a normalidade dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnov, Pearson apontou correlação estatisticamente significativa entre AGIL e as variáveis CP (r=-0,70; p<0,05; Figura 1A), CAD (r=-0,72; p<0,01; Figura 1B), DP (r=0,71; p<0,01; Figura 1C) e VP (r=-0,83; p<0,01; Figura 1D).


Pearson também apontou correlação estatisticamente significativa entre RAG e as variáveis CP (r=-0,67; p<0,05; Figura 2A), CAD (r=-0,72; p<0,01; Figura 2B), DP (r=0,71; p<0,01; Figura 2C) e VP (r=-0,82; p<0,01; Figura 2D).


Adicionalmente, foram encontradas correlações entre DDS e AGIL (r=0,90; p<0,01) e RAG (r=0,90; p<0,01). A análise de regressão múltipla evidenciou que apenas a variável DDS foi a preditora para AGIL (R2=0,82; p<0,01; Figura 3A) e para RAG (R2=0,81; p<0,01; Figura 3B).


Discussão

De forma geral, a marcha foi a tarefa comum entre todos os testes, exigindo similaridades no controle do tronco e dos membros inferiores para se deslocar. Os parâmetros espaço-temporais de indivíduos com DPI foram relacionados com os resultados dos testes de AGIL e RAG.

Correlação negativa forte foi encontrada entre CP, CAD e VP com os resultados nos testes AGIL e RAG, indicando que o pior desempenho da tarefa de agilidade, equilíbrio dinâmico e resistência aeróbia geral, foi relacionado com a diminuição no CP, na CAD e na VP. Além disso, foi encontrada uma correlação positiva forte entre DP, DDS com os testes AGIL e RAG, indicando que o pior desempenho nas tarefas de agilidade, equilíbrio dinâmico e resistência aeróbia geral foi relacionado ao aumento na DP e na DDS nos indivíduos com DPI.

A DPI é caracterizada pela redução do CP e da velocidade da passada e aumento no tempo despendido na fase de duplo suporte em comparação com indivíduos neurologicamente sadios17,18. Pacientes com DPI são mais lentos quando é solicitado que se movam o mais rápido possível, em comparação com indivíduos neurologicamente sadios19. Nestas condições, também apresentam modulação da cadência, o que é uma estratégia compensatória à dificuldade de regular o comprimento da passada20, que pode ser tanto com velocidade preferida quanto com velocidade rápida21. Freqüentemente, este comportamento pode ser explicado pelo problema no escalonamento apropriado do output motor (produzindo, por exemplo, um encurtamento do passo). Entretanto, o feedback proprioceptivo reduzido dos membros inferiores adicionado a uma limitação intrínseca na execução do movimento22 pode dificultar a modulação da velocidade do andar, de acordo com as instruções recebidas. Então, as correlações dos parâmetros espaço-temporais do andar com os testes de AGIL e RAG sugerem que o comportamento destes parâmetros está relacionado diretamente com o tempo da execução do andar em ambos os testes, nos indivíduos com DPI.

O funcionamento inadequado dos núcleos da base compromete, por um lado, os rápidos ajustamentos nos timings musculares que mudam a direção e dão seqüência às ações que caracterizam a agilidade23 e, por outro, o adequado recrutamento de grupos musculares durante a locomoção, inclusive a velocidade de recrutamento, podendo prejudicar a produção de força para a propulsão do corpo a cada passo24,25. A inabilidade para gerar força muscular em velocidade e quantidade adequada pode explicar as correlações encontradas, em que os indivíduos que tiveram pior desempenho nos testes de AGIL e RAG tiveram menor CP, CAD, VP e maior DP e DDS. Desta forma, as alterações motoras ocasionadas pela doença podem refletir tanto nos parâmetros espaço-temporais do andar quanto no desempenho de resistência aeróbia e agilidade.

Os resultados desta pesquisa revelaram que a DDS foi o único parâmetro preditor dos testes AGIL e RAG, indicando que o pior desempenho nas tarefas de agilidade, equilíbrio dinâmico e resistência aeróbia geral foi predito com o aumento na DDS. No que se refere à lentidão tanto para planejar quanto para executar o movimento, chamada de bradicinesia25, o comprimento da passada é o indicador mais efetivo para avaliá-la7. Entre os parâmetros espaço-temporais do andar, esperava-se encontrar que o comprimento da passada fosse preditor do desempenho nos testes de AGIL e RAG. No entanto, as análises de regressão apontaram a DDS como o único parâmetro espaço-temporal preditor do desempenho dos participantes nos testes AGIL e RAG.

Para Grillner et al.26, o aumento na DDS na DPI, reflete a perda da capacidade de realizar automaticamente o seqüenciamento de passos devido à propriedade, dos núcleos da base, de iniciar e terminar programas motores em uma seqüência. Mais concretamente, o fato de que a DDS fosse o único preditor entre todos os parâmetros espaço-temporais do andar para os testes de AGIL e RAG pode ser explicado, justamente, porque este parâmetro pode refletir a dificuldade dos parkinsonianos para andar de forma seqüencial.

Com outras palavras, o aumento na DDS destaca a dificuldade na execução de movimentos seqüenciais no andar, neste caso, caracterizados pelas trocas de movimento, que podem desencadear "pausas ", tornando o movimento fragmentado e comprometendo o tempo para execução da tarefa25. Conseqüentemente, os parkinsonianos que tiveram maior DDS foram aqueles que utilizaram mais tempo para realizar os testes AGIL e RAG. Cabe destacar que o RAG e o AGIL são testes de campo que exigem ação seqüenciada, ou seja, sem fragmentação.

A fase de suporte duplo é o momento de maior estabilidade do ciclo do andar e seu aumento indica a necessidade de re-estabelecer a estabilidade16. Mudanças nas acelerações lineares e angulares da cabeça e na direção, altura e sentido de deslocamento do centro de massa foram impostas pelos testes utilizados nesta pesquisa. Assim, interpretou-se o aumento da DDS como necessidade para re-estabelecer a estabilidade.

Os déficits de equilíbrio em indivíduos com DPI estão relacionados com problemas na integração sensorial27, declínio motor, habilidade funcional e medo de quedas28,29. Estes déficits podem explicar o aumento da DDS dos indivíduos com DPI desta pesquisa, que foi refletido no aumento do tempo final dos testes de AGIL e RAG. Ainda, no momento da execução dos testes, o acréscimo do tempo em duplo suporte pode ser uma estratégia que os pacientes utilizaram para andar com segurança.

Dicas no ambiente, especialmente dicas visuais, utilizadas como fontes atencionais ou como reforço sensorial, têm ação comprovada na melhora do comprimento da passada e, conseqüentemente, na velocidade da passada destes indivíduos2,20,30,31. Sendo assim, novos estudos podem ser feitos visando evidenciar o comportamento dos parâmetros espaço-temporais do andar com a utilização destas dicas nos testes de AGIL e RAG.

A DDS, como parâmetro preditor do desempenho dos testes de AGIL e RAG, é relevante para o treinamento do andar. Exercícios que promovam a melhora da capacidade funcional observando o comportamento deste parâmetro devem ser propostos.

Finalmente, os resultados revelaram a DDS como o único parâmetro espaço-temporal preditor do desempenho nos testes AGIL e RAG, sugerindo o uso potencial deste parâmetro, como avaliação prospectiva, para detectar os problemas de equilíbrio ocasionados pela doença, que podem dificultar o desempenho em ambos os testes. Com base nestes resultados, sugere-se que atividades de equilíbrio dinâmico que manipulem o tempo em duplo suporte sejam priorizadas no planejamento de intervenções motoras para pacientes com DPI.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Estudos da Postura e Locomoção (Leplo) e Laboratório de Atividade Física e Envelhecimento (Lafe), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Fundo Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde (FNS/MS), Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep) e Fundação para o Desenvolvimento da Unesp (Fundunesp).

Recebido: 16/04/2007

Revisado: 03/12/2007

Aceito: 07/08/2008

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  • Correspondência para:

    Lilian Teresa Bucken Gobbi
    Avenida 24-A, 1.515, Bela Vista
    CEP 13506-900, Rio Claro (SP), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      07 Ago 2008
    • Revisado
      03 Dez 2007
    • Recebido
      16 Abr 2007
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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