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Análise eletromiográfica e força do grupo muscular extensor do punho durante isquemia induzida

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o efeito da isquemia induzida sobre os parâmetros do sinal eletromiográfico e a força do grupo muscular extensor do punho (GMEP) em mulheres saudáveis. MÉTODOS: Participaram 13 voluntárias, destras, sedentárias, com idade de 23,38±2,32 anos e índice de massa corporal (IMC) de 20,68±1,87kg/m². Para determinar a força do GMEP, foram realizadas 3 contrações isométricas voluntárias máximas (CIVM), utilizando-se uma célula de carga por 15 segundos, com intervalos de 2 minutos entre cada contração, sendo todo procedimento repetido por 3 dias não consecutivos. A isquemia foi realizada por 5 minutos, utilizando um esfigmomanômetro posicionado no braço dominante e inflado até a ausência do fluxo sanguíneo, confirmada pelo ultrassom Doppler. Para coleta do sinal eletromiográfico do GMEP, utilizou-se o equipamento EMG1000 (Lynx®) com eletrodo de superfície diferencial (Lynx®). Foram coletadas 3 CIVM por 15 segundos, com intervalo de 30 segundos entre elas, nas situações de pré-isquemia; isquemia; pós-isquemia imediata (pós-1) e pós-isquemia tardia (pós-2 - após 10 minutos do início da isquemia). Para análise dos parâmetros do sinal eletromiográfico, root mean square (RMS), e frequência mediana do espectro de potência do sinal foi utilizado o software MATLAB 6.5.1. Para análise estatística, foram utilizados os testes de Friedman e ANOVA two-way. RESULTADOS: A isquemia promoveu redução significativa (p<0,05) da força do GMEP. Entretanto, não provocou alterações significativas nos parâmetros eletromiográficos RMS (p=0,05) e frequência mediana do espectro de potência do sinal (p=0,09). CONCLUSÃO: A isquemia induzida promoveu fadiga do GMEP quando relacionada à produção da força muscular. Porém, não provocou fadiga eletromiográfica do grupo muscular avaliado.

eletromiografia; força; isquemia


OBJECTIVE: To analyze the effect of induced ischemia on the parameters of electromyographic signals and the strength of the wrist extensor muscle group (WEMG) in healthy women. METHODS: Thirteen right-handed sedentary subjects aged 23.38±2.32 years old, with body mass index (BMI) of 20.68±1.87kg/m², took part. To determine WEMG strength, three maximal voluntary isometric contractions (MVIC) were performed using a load cell for 15 seconds, with 2 minutes intervals between contractions. The entire procedure was repeated on three nonconsecutive days. Ischemia was induced for 5 minutes using a sphygmomanometer placed on the dominant arm and inflated until blood flow was absent, as confirmed by Doppler ultrasound. The EMG1000 module (Lynx®) was used with differential surface electrodes (Lynx®) to record the electromyographic signal of the WEMG. Three MVIC were recorded for 15 seconds, with 30 seconds intervals between them, under the following conditions: pre-ischemia, ischemia, immediate post-ischemia (post-1) and later post-ischemia (post-2: 10 minutes after the onset of ischemia). The MATLAB 6.5.1 software was used to analyze the parameters for the electromyographic signal, the root mean square (RMS) and the median frequency of the signal power spectrum. For statistical analysis, two-way ANOVA and the Friedman test were used. RESULTS: Ischemia caused a significant reduction (p<0.05) in WEMG strength. However, there were no significant changes in the RMS electromyographic parameters (p=0.05) or the median frequency of the signal power spectrum (p=0.09). CONCLUSION: Induced ischemia caused WEMG fatigue in relation to muscle strength production. However, it did not cause electromyographic fatigue in the evaluated muscle group.

electromyography; strength; ischemia


ARTIGO ORIGINAL

Análise eletromiográfica e força do grupo muscular extensor do punho durante isquemia induzida

Bandeira CCA; Berni KCS; Rodrigues-Bigaton D

Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Piracicaba (SP), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Delaine Rodrigues Bigaton Rua Dom João Bosco, 139 – apto. 11, Vila Rezende CEP 13405-137, Piracicaba (SP), Brasil e-mail: drodrigues@unimep.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito da isquemia induzida sobre os parâmetros do sinal eletromiográfico e a força do grupo muscular extensor do punho (GMEP) em mulheres saudáveis.

MÉTODOS: Participaram 13 voluntárias, destras, sedentárias, com idade de 23,38±2,32 anos e índice de massa corporal (IMC) de 20,68±1,87kg/m2. Para determinar a força do GMEP, foram realizadas 3 contrações isométricas voluntárias máximas (CIVM), utilizando-se uma célula de carga por 15 segundos, com intervalos de 2 minutos entre cada contração, sendo todo procedimento repetido por 3 dias não consecutivos. A isquemia foi realizada por 5 minutos, utilizando um esfigmomanômetro posicionado no braço dominante e inflado até a ausência do fluxo sanguíneo, confirmada pelo ultrassom Doppler. Para coleta do sinal eletromiográfico do GMEP, utilizou-se o equipamento EMG1000 (Lynx®) com eletrodo de superfície diferencial (Lynx®). Foram coletadas 3 CIVM por 15 segundos, com intervalo de 30 segundos entre elas, nas situações de pré-isquemia; isquemia; pós-isquemia imediata (pós-1) e pós-isquemia tardia (pós-2 - após 10 minutos do início da isquemia). Para análise dos parâmetros do sinal eletromiográfico, root mean square (RMS), e frequência mediana do espectro de potência do sinal foi utilizado o software MATLAB 6.5.1. Para análise estatística, foram utilizados os testes de Friedman e ANOVA two-way.

RESULTADOS: A isquemia promoveu redução significativa (p<0,05) da força do GMEP. Entretanto, não provocou alterações significativas nos parâmetros eletromiográficos RMS (p=0,05) e frequência mediana do espectro de potência do sinal (p=0,09).

CONCLUSÃO: A isquemia induzida promoveu fadiga do GMEP quando relacionada à produção da força muscular. Porém, não provocou fadiga eletromiográfica do grupo muscular avaliado.

Palavras-chave: eletromiografia; força; isquemia.

Introdução

É conhecido que, em condições isquêmicas, a ausência de aporte sanguíneo adequado leva à diminuição da produção de força muscular1. Nesse contexto, as atividades repetitivas sustentadas dos membros superiores, presentes em atividades ocupacionais, podem ocasionar diminuição local do fluxo sanguíneo e da oxigenação tecidual, causando fadiga, dor e déficit funcional do membro envolvido2. Segundo Murthy et al.3, os músculos extensores do punho, principalmente o extensor radial curto do carpo, é o mais comumente afetado em atividades estáticas prolongadas e/ou repetitivas.

A redução do fluxo sanguíneo4 e a diminuição da oxigenação5 muscular estão associadas à fadiga. Murthy et al.6, avaliaram o efeito da isquemia sobre a fadiga do músculo extensor radial do carpo em 8 indivíduos saudáveis e observaram que 3 a 5 minutos de isquemia levaram à fadiga muscular. No referido estudo, os autores avaliaram a fadiga muscular por meio da diminuição da produção da força.

A fadiga muscular, provocada ou não pela isquemia, pode também ser avaliada por meio da eletromiografia de superfície (EMGs), pois esse é um método não-invasivo de avaliação da função muscular que compreende a somatória dos potenciais elétricos oriundos de unidades motoras ativas, detectados por meio de eletrodos posicionados na pele7.

Quando determinada por meio da EMGs, a fadiga muscular pode receber a denominação de fadiga eletromiográfica e, por definição, tal situação ocorre quando há comportamento crescente da amplitude do sinal eletromiográfico (constatada pelos valores de root mean square (RMS) sugerindo recrutamento motor adicional) concomitante à alteração do espectro de potência do sinal eletromiográfico em direção às baixas frequências (constatada pelos valores de frequência mediana em virtude da diminuição da taxa de disparo das unidades motoras)8.

Estudos recentes9 têm utilizado a EMGs na avaliação da atividade muscular em situações de isquemia induzida, relatando diminuição da amplitude e alteração do espectro de potência do sinal eletromiográfico em direção às baixas frequências, ocasionado pela diminuição do pH e alteração do balanço eletrolítico (desequilíbrio da bomba de Na+/K+) ao longo da membrana da fibra muscular, fato que altera a velocidade de condução e a frequência de descarga da unidade motora, podendo causar fadiga ou redução de força muscular6.

Entretanto, o comportamento dos parâmetros eletromiográficos perante situação isquêmica ainda não estão bem definidos na literatura, pois alguns estudos mostram alteração dos parâmetros do sinal eletromiográfico9 e outros, não10. Além disso, outro fato a ser considerado é que alguns estudos4,5 mostram que a isquemia está relacionada à fadiga muscular e esta, quando avaliada pela eletromiografia, promove aumento da amplitude do sinal eletromiográfico, fato não observado Chung, Callahan e Kent-Braun9.

Com base nos estudos supracitados, a hipótese do presente estudo é que a isquemia induzida promove fadiga do grupo muscular extensor do punho em mulheres saudáveis, sendo essa condição constatada pela redução nos níveis de produção de força, assim como pelo aumento da amplitude e alteração do espectro de potência do sinal eletromiográfico em direção às baixas frequências, caracterizando a fadiga eletromiográfica.

A compreensão do comportamento muscular em condição isquêmica, como em atividades ocupacionais, possibilita o desenvolvimento de melhores métodos de avaliação e tratamento das disfunções que têm como característica a isquemia, sendo essa a principal justificativa para realização do presente estudo.

A proposta deste trabalho foi analisar os parâmetros do sinal eletromiográfico e a força do grupo muscular extensor do punho (GMEP) durante a isquemia induzida em mulheres saudáveis.

Materiais e métodos

O poder da amostra foi avaliado com base no parâmetro eletromiográfico RMS, obtido em um estudo piloto com 6 voluntárias. O tamanho mínimo da amostra (n=9) foi determinado pelo teste t para amostras pareadas (média da diferença entre os grupos 17,86; desvio-padrão da diferença 14,26, poder de 0,95, α de 0,05 e teste unilateral), no qual utilizou-se o parâmetro RMS obtido nas situações pré-isquemia e isquemia. Os cálculos foram processados com o uso BioEstat 4.0.

Foram selecionadas, para este estudo, 14 voluntárias (23,38±2,32 anos; 53,75±7,56kg; 1,61±0,06m, IMC 20,68±1,87kg/ m2), saudáveis, sedentárias, de acordo com o International Physical Activity Questionnare (IPAQ)11, sem disfunções ortopédicas, neurológicas e vasculares dos membros superiores. Optou-se por avaliar apenas o gênero feminino, pois vários estudos sugerem que mulheres têm maior resistência à fadiga que homens em contração isométrica submáxima12 e máxima13.

Foram excluídas do estudo mulheres com idade inferior a 20 e superior a 30 anos; sinistras; as que apresentavam disfunção de membro superior; com IMC abaixo de 18,5 e acima de 25 e as não classificadas como sedentárias, segundo o IPAQ.

Todas as voluntárias assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, sendo a pesquisa conduzida de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de Piracicaba sob protocolo nº 83/2006.

Para determinar a real produção da força do grupo muscular extensor do punho, foi realizada linha de base da força muscular, a qual foi efetuada previamente à coleta de dados, por três dias não consecutivos, em que se obteve a média do valor de contração isométrica voluntária máxima (CIVM), empregada como valor de referência para produção da força no momento da coleta do sinal eletromiográfico.

A medida da força (kgf) do grupo muscular extensor do punho foi realizada por meio de uma célula de carga modelo MM-100 (Kratos®, São Paulo, SP, Brasil). A célula de carga foi posicionada de forma perpendicular, com uma de suas extremidades fixada à mão da voluntária por meio de uma corrente metálica e cinta de couro, e a outra extremidade foi fixada ao solo, permitindo ajustar o comprimento da corrente para cada voluntária (Figura 1 D e E). A voluntária foi posicionada sentada, ombro em posição neutra, cotovelo flexionado a 90°, antebraço pronado e apoiado em um suporte, dedos fletidos, sendo essa posição a mesma utilizada posteriormente para a coleta do sinal eletromiográfico (Figura 1).


Em cada linha de base, a voluntária realizava 3 CIVM por 15 segundos, com intervalo de 2 minutos entre as contrações. Nesse processo, utilizou-se estímulo verbal e feedback visual, no qual a voluntária observava uma linha no monitor do computador e era solicitada a elevar ao máximo essa linha referente à força. O registro da coleta era feito após a estabilização da força muscular.

A isquemia foi induzida por 5 minutos, utilizando um esfigmomanômetro da marca Pressure N/C, posicionado no braço dominante (Figura 1A) e inflado até a ausência do fluxo sanguíneo da artéria braquial, confirmada por meio do ultrassom Doppler (Nicolet Vascular Versalab®), com transdutor de 8 MHz. Para que não houvesse alterações circulatórias irreversíveis funcionais, metabólicas e musculares, o tempo máximo de isquemia foi inferior a 2 horas14.

Para coleta do sinal eletromiográfico, foi utilizado um módulo de aquisição de sinal modelo EMG1000 (Lynx®, São Paulo, SP, Brasil) e um eletrodo de superfície diferencial (Lynx®, São Paulo, SP, Brasil), os quais seguem as recomendações do ISEK e SENIAM.

O módulo de aquisição de sinais EMG1000 (Lynx®, São Paulo, SP, Brasil) apresenta impedância de 109 Ohms, conversor analógico/digital com resolução de 16 bits e faixa de entrada variando de ±1V a ±10V, com frequência de aquisição de 2000Hz, filtro do tipo Butterworth com passa alta de 20Hz e passa baixa de 1000Hz. O EMG1000 (Lynx®, São Paulo, SP, Brasil) foi conectado a um microcomputador desktop Pentium III. O sistema de aquisição de sinais foi conectado a uma bateria com capacidade de 10 àmpere hora (AH) de 12 volts, e sua conexão com o microcomputador foi feita por meio de fibra óptica para retirar a interferência da rede elétrica sobre o eletromiógrafo, segundo procedimento descrito por Guirro, Forti e Rodrigues-Bigaton15.

O eletrodo de superfície diferencial (constituído por duas barras de prata pura de 10mm de comprimento, 1mm de largura e distância entre as barras de 10mm, com circuito pré-amplificador com ganho de 20 vezes (±1%), IRMC >100 dB e razão sinal/ruído <3µV RMS) foi posicionado perpendicularmente às fibras do grupo muscular extensor do punho, na região dorsal do braço, a aproximadamente 5cm do cotovelo, na massa muscular que emergiu quando a voluntária foi solicitada a realizar extensão do punho contra-resistência16 (Figura 1B). Previamente à colocação do eletrodo, a pele foi tricotomizada e limpa com álcool a 70%. O eletrodo de referência (30x40mm), constituído de placa metálica, foi posicionado no processo estilóide da ulna do mesmo lado avaliado (Figura 1C).

Para a aquisição do sinal digitalizado e o armazenamento dos dados em arquivos, foi utilizado o software Aqdados (Lynx®, São Paulo, SP, Brasil), versão 7.02 para Windows.

A coleta do sinal eletromiográfico foi realizada durante três CIVM por 15 segundos, com intervalo de 30 segundos, nas situações de pré-isquemia (em condições normais de fluxo sanguíneo); isquemia (em que a coleta se iniciou após 5 minutos de insuflação do esfigmomanômetro e confirmação da ausência do fluxo sanguíneo feita pelo ultrassom Doppler); pós-isquemia imediata (pós-1) (em que as contrações foram iniciadas na retirada do esfigmomanômetro e confirmação da reperfusão sanguínea pelo ultrassom Doppler); pós-isquemia tardia (pós-2) (após 10 minutos do início da isquemia).

O sinal eletromiográfico foi processado nos domínios do tempo e da frequência. Para análise no domínio do tempo, foi calculado o valor de RMS; pois, segundo De Luca17, essa é a forma de processamento que melhor representa amplitude do sinal eletromiográfico em contrações musculares voluntárias. Para análise no domínio da frequência, a Transformada Rápida de Fourier (Fast Fourier Transform – FFT) foi aplicada ao sinal eletromiográfico com o propósito de gerar a densidade espectral de potência. Para tal, foram utilizadas janelas de 512 pontos com 256ms do tipo hanning, com superposição de 50%. A frequência mediana foi utilizada; pois, segundo Stulen e De Luca18, esse parâmetro estatístico tem a função de dividir o espectro de potência em duas regiões de igual energia, sendo esse o que melhor reflete as alterações fisiológicas que ocorrem no músculo durante contrações sustentadas17, tais como a velocidade de condução das fibras musculares e o recrutamento da unidade motora19.

O processamento do sinal eletromiográfico foi executado pela análise off-line, no software Matlab® 6.5.1, utilizando-se funções específicas para avaliar a qualidade do sinal aquisitado e para obter os valores de RMS e frequência mediana.

O sinal eletromiográfico não foi normalizado; pois, segundo Soderberg e Knutson20, se, em um procedimento experimental, o indivíduo é seu próprio controle, e as comparações são realizadas no mesmo dia e músculo sem retirar o eletrodo, a normalização não é necessária. O procedimento experimental do presente estudo contempla as orientações supracitadas.

Para análise dos dados, foram utilizados os programas Stastical Package for Social Science for Personal Computer (SPSS/PC versão 11.0) e BioEstat 4.0®, com o teste de Shapiro Wilk aplicado para determinar a normalidade da amostra, seguido dos testes de Friedman e ANOVA two-way, sendo 5% o nível de significância estabelecido para a análise das variáveis.

Resultados

Os valores de força muscular foram expressos por média e desvio-padrão, e os valores de RMS e frequência mediana, por mediana (MED) e intervalo interquartílico (AIQ).

Na Figura 2, pode-se observar que a isquemia promoveu redução da força do grupo muscular extensor do punho (8,63±1,98kgf na pré-isquemia e 4,79±1,64kgf na isquemia, p<0,01). Nas situações de pós-1 e pós-2, houve aumento estatisticamente significativo da força muscular em relação à situação de isquemia (7,44±1,65kgf no pós-1 e 7,13±1,18kgf no pós-2, p<0,05).


Para o RMS (µv), pode-se observar que não houve alteração significativa (p=0,05) nas situações de isquemia (MED:50,09; AIQ:68,72), pós-1 (MED:30,99; AIQ:87,19) e pós-2 (MED:30,35; AIQ:95,39), como mostra a Figura 3.


Com relação à frequência mediana (Figura 4), não foram observadas alterações significativas (p=0,09) nas situações de isquemia (MED:59,89; AIQ:21,32), pós-1 (MED:63,47; AIQ:17,25) e pós-2 (MED:63,47; AIQ:22,13).


Discussão

A isquemia pode ocasionar uma série de alterações nos processos metabólicos e enzimáticos no músculo, e a reversibilidade desse processo está relacionada diretamente com a duração do período isquêmico21.

Essas alterações são ocasionadas pela diminuição do pH intracelular e desequilíbrio da bomba de Na+/ K+, com aumento do influxo de Na+ e diminuição do K+ intracelular1,21 e incapacidade de liberação dos íons Ca2+ no interior da fibra muscular, ocasionando queda na capacidade de produção de força22.

No presente estudo, observou-se que 5 minutos de isquemia induzida, adicionados a 15 segundos de contração isométrica voluntária máxima do grupo muscular extensor do punho, que possui predomínio de fibras musculares do tipo I no lado dominante22, foram suficientes para gerar um declínio da força, que foi imediatamente recuperada após o retorno do fluxo sanguíneo, alcançando níveis próximos do valor da força produzida na fase pré-isquêmica. Entretanto, mesmo após 5 minutos de reperfusão sanguínea, não houve recuperação da força para seu valor inicial.

Resultados semelhantes foram observados no músculo gastrocnêmio de cães submetidos a um período isquêmico de 2 minutos, em que 30 segundos de reperfusão ocasionaram recuperação de 67% do valor inicial da força muscular. Entretanto, a recuperação total da força mediante reperfusão sanguínea é desconhecida23.

A força muscular foi analisada nos músculos extensores do joelho, submetidos a 5 minutos de isquemia e 5 minutos de isquemia com contração isométrica, sendo que verificou-se a diminuição de força mais acentuada nesta última condição24.

Também se observou alteração da força muscular na avaliação do torque máximo e trabalho total dos músculos flexores e extensores do cotovelo em indivíduos com isquemia patológica nos membros superiores por meio de dinamometria isocinética, sendo a diminuição da força mais evidente na musculatura extensora do cotovelo1.

Em relação à amplitude do sinal eletromiográfico, não foram observadas alterações significativas dos valores médios de RMS durante e após a isquemia induzida. Os resultados do presente estudo concordam com os achados de Farina, Gazzoni e Camelia10, que não observaram, em situação de isquemia, alteração significativa da amplitude do sinal eletromiográfico do músculo abdutor curto do polegar, que foi submetido a 16 minutos de oclusão do fluxo sanguíneo. Porém, discordam dos achados de Leonard et al.25, que observaram redução dos valores de RMS do músculo sóleo após 8 a 12 minutos de isquemia.

Em relação à frequência do sinal eletromiográfico, não foram observadas alterações significativas nos valores medianos de frequência mediana do espectro de potência do sinal durante e após isquemia induzida. Discordando desse achado, Merletti, Sabbahi e De Luca27 constataram que a isquemia induzida por 10 minutos com contração isométrica, imposta ao músculo primeiro interósseo dorsal, ocasionou diminuição significativa da velocidade de condução da fibra muscular, ou seja, da frequência mediana do espectro de potência do sinal eletromiográfico, originada pelo acúmulo de metabólitos nesta condição. A vasodilatação e consequentemente aumento da temperatura ocorrida na reperfusão sanguínea levaram a rápida remoção dos bioprodutos metabólicos, resultando no restabelecimento imediato da frequência mediana do espectro de potência do sinal eletromiográfico 26.

O músculo abdutor curto do polegar de 9 indivíduos do gênero masculino foi submetido a 16 minutos de isquemia para analisar a velocidade de condução de unidades motoras isoladas e observou-se que a velocidade de condução desse músculo reduziu após 13 minutos de oclusão do fluxo sanguíneo10.

Utilizando o mesmo músculo em contrações isométricas com fluxo sanguíneo normal e com isquemia induzida por 8 minutos, observou-se que a força muscular, a velocidade de condução da fibra muscular e, consequentemente, a frequência média do espectro de potência do sinal eletromiográfico diminuíram neste tempo de isquemia. Nas condições normais de fluxo sanguíneo, a velocidade de condução de fibras musculares inativas diminuiu em 5 minutos de contração muscular, entretanto, em 3 minutos de isquemia, a velocidade de condução de fibras inativas do músculo estudado triplicou o seu valor22.

Acredita-se que a metodologia empregada, o tipo de fibra muscular e o tempo de isquemia tenham sido causadores da divergência entre o presente estudo e os demais citados.

Há uma discordância na literatura com relação ao tipo de fibra muscular afetada pela isquemia. Estudos sugerem que as fibras lentas do tipo I são as mais susceptíveis à isquemia, pois dependem de adequado suprimento sanguíneo e oxigenação para a síntese de ATP25. Entretanto, há relatos de que a isquemia leva a alterações mais pronunciadas na velocidade de condução das fibras musculares do tipo II, pois são fibras de contração rápida e, consequentemente, produzem mais bioprodutos metabólicos durante a contração muscular27.

Os músculos extensor radial curto do carpo, extensor radial longo do carpo e o extensor ulnar do carpo são os músculos que constituem o grupo muscular extensor do punho, os quais apresentam, no lado dominante, maior predomínio de fibras musculares do tipo I, o que pode ser alterado por fatores genéticos, demanda funcional e variação intraindividual28.

Sabe-se que as fibras do tipo I são mais resistentes à fadiga do que as fibras do tipo II e que as unidades motoras são recrutadas de acordo com o limiar de ativação. Dessa forma, as fibras do tipo I, por terem limiar menor, são ativadas inicialmente para, em seguida, serem recrutadas as fibras do tipo II29.

Considerando que o grupo muscular extensor do punho tenha maior quantidade de fibras oxidativas e que o aporte de oxigênio para estas fibras tenha diminuído com a isquemia, sugere-se que, nesta ocasião, tenham sido ativadas as fibras musculares do tipo II e que, com o retorno do fluxo sanguíneo, as fibras do tipo I tenham sido novamente ativadas.

As implicações clínicas desse estudo são importantes, pois enfatiza que a produção de força muscular é afetada pela isquemia e que esta deve ser considerada na avaliação clínica do fisioterapeuta, já que, dentre outros sinais e sintomas, a diminuição na produção de força pode indicar uma condição isquêmica.

Em relação ao exame eletromiográfico, realizado por meio de eletrodo de superfície diferencial, sugere-se a realização de mais estudos para fundamentar seu uso na avaliação clínica de pacientes com disfunções isquêmicas.

Conclusão

Conclui-se que a isquemia induzida por 5 minutos promoveu fadiga do grupo muscular extensor do punho quando relacionada à produção da força muscular. Porém, quando relacionada ao sinal eletromiográfico, pode-se relatar que a isquemia induzida não provocou fadiga eletromiográfica do grupo muscular avaliado.

Recebido: 18/02/2008 – Revisado: 14/05/2008 – Aceito: 26/09/2008

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  • Correspondência para:
    Delaine Rodrigues Bigaton
    Rua Dom João Bosco, 139 – apto. 11, Vila Rezende
    CEP 13405-137, Piracicaba (SP), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Aceito
      26 Set 2008
    • Revisado
      14 Maio 2008
    • Recebido
      18 Fev 2008
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