Acessibilidade / Reportar erro

Sintomas musculoesqueléticos em eletricistas de rede de distribuição de energia

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A presença de sintomas musculoesqueléticos em eletricistas deve ser caracterizada para auxiliar na identificação de fatores de riscos para os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) e para possibilitar implementação de medidas preventivas. OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de sintomas de DORT em eletricistas de uma regional de uma empresa de distribuição de energia elétrica, verificar se existiam diferenças entre as funções exercidas quanto à proporção de trabalhadores sintomáticos, e realizar um levantamento preliminar dos principais fatores de riscos presentes. MÉTODOS: Foram avaliados 30 eletricistas do sexo masculino (38,1±5,5 anos), divididos em três equipes conforme a função exercida (ELV=Eletricistas Linha Viva; EEM=Eletricistas Emergência/Manutenção; EC=Eletricistas Comerciais). Sintomas musculoesqueléticos foram identificados em mapa corporal, qualificados pelo Questionário McGill e quantificados por escala numérica. O questionário DASH também foi aplicado para avaliar impacto dos sintomas nos ombros na performance dos trabalhadores. RESULTADOS: 70% dos eletricistas apresentaram ao menos um sintoma musculoesquelético nos ombros, coluna ou joelhos. A equipe ELV apresentou sintomas musculoesqueléticos em 100% dos trabalhadores e maior pontuação no questionário DASH (28±15). A equipe EEM apresentou sintomas em 67% dos trabalhadores e pontuação DASH de 8±11, e a equipe EC apresentou sintomas em 50%, mas sem sintomas nos ombros. A proporção de trabalhadores sintomáticos nos ombros estava associada à função exercida (p=0.02). CONCLUSÕES: Eletricistas avaliados apresentaram alta proporção de trabalhadores sintomáticos, que variou conforme a atividade ocupacional. Intervenções são necessárias para reduzir os riscos de DORT dentre os eletricistas avaliados.

sintomas musculoesqueléticos; fatores de risco; DORT; eletricistas de distribuição


BACKGROUND: Linemen should be evaluated regarding the presence of musculoskeletal symptoms to guide the identification of risk factors for development of work-related musculoskeletal disorders (WMSD) and to allow the implementation of preventive measures. OBJECTIVE: To assess the occurrence of WMSD symptoms among linemen working at a regional branch of an electricity distribution company, to investigate whether there were differences in the proportions of symptomatic workers among the functions performed, and to perform a preliminary survey of the main risk factors present. METHODS: Thirty male linemen (mean age 38.1±5.5 years) were evaluated, divided into three teams according to their job function (Live Line Linemen, LLL; Maintenance/Emergency Linemen, MEL; Commercial Linemen, CL). Musculoskeletal symptoms were identified on a body map, qualified using the McGill questionnaire and quantified using a numerical scale. The DASH questionnaire was also applied to evaluate the impact of the shoulder symptoms on the workers' performance. RESULTS: Seventy percent of the linemen presented at least one musculoskeletal symptom in the shoulders, back or knees. All of the LLL team presented musculoskeletal symptoms and these workers had the highest scores in the DASH questionnaire (28±15). Sixty-seven percent of the MEL team presented symptoms, and their DASH score was 8±11. Fifty percent of the CL team presented symptoms, but none of them had shoulder symptoms. The proportion of workers with shoulder symptoms was related to their job function (p=0.02). CONCLUSIONS: A high proportion of the linemen presented symptoms which varied according to the occupational activity. Interventions are needed to reduce the risk of WMSD among the linemen evaluated.

musculoskeletal symptoms; risk factors; WMSD; distribution linemen


ARTIGOS ORIGINAIS

Sintomas musculoesqueléticos em eletricistas de rede de distribuição de energia

Moriguchi CSI; Alencar JFI; Miranda-Júnior LCII; Coury HJCGI

IDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos (SP), Brasil

IICentro Superior de Educação Tecnológica, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas (SP), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Cristiane Shinohara Moriguchi Rua Miguel Alves Margarido, 330 - apto 211, Cidade Jardim CEP 13566-580, São Carlos (SP), Brasil e-mail: crisshinohara@gmail.com

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A presença de sintomas musculoesqueléticos em eletricistas deve ser caracterizada para auxiliar na identificação de fatores de riscos para os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) e para possibilitar implementação de medidas preventivas.

OBJETIVO: Avaliar a ocorrência de sintomas de DORT em eletricistas de uma regional de uma empresa de distribuição de energia elétrica, verificar se existiam diferenças entre as funções exercidas quanto à proporção de trabalhadores sintomáticos, e realizar um levantamento preliminar dos principais fatores de riscos presentes.

MÉTODOS: Foram avaliados 30 eletricistas do sexo masculino (38,1±5,5 anos), divididos em três equipes conforme a função exercida (ELV=Eletricistas Linha Viva; EEM=Eletricistas Emergência/Manutenção; EC=Eletricistas Comerciais). Sintomas musculoesqueléticos foram identificados em mapa corporal, qualificados pelo Questionário McGill e quantificados por escala numérica. O questionário DASH também foi aplicado para avaliar impacto dos sintomas nos ombros na performance dos trabalhadores.

RESULTADOS: 70% dos eletricistas apresentaram ao menos um sintoma musculoesquelético nos ombros, coluna ou joelhos. A equipe ELV apresentou sintomas musculoesqueléticos em 100% dos trabalhadores e maior pontuação no questionário DASH (28±15). A equipe EEM apresentou sintomas em 67% dos trabalhadores e pontuação DASH de 8±11, e a equipe EC apresentou sintomas em 50%, mas sem sintomas nos ombros. A proporção de trabalhadores sintomáticos nos ombros estava associada à função exercida (p=0.02).

CONCLUSÕES: Eletricistas avaliados apresentaram alta proporção de trabalhadores sintomáticos, que variou conforme a atividade ocupacional. Intervenções são necessárias para reduzir os riscos de DORT dentre os eletricistas avaliados.

Palavras-chave: sintomas musculoesqueléticos; fatores de risco; DORT; eletricistas de distribuição.

Introdução

Segundo Seeley e Marklin1 poucos eletricistas têm capacidade física para exercer a função durante toda a vida de trabalho, pois um grande número deles apresenta lesões musculoesqueléticas após anos de exposição à atividade, principalmente devido ao uso excessivo de força. A atividade dos eletricistas apresenta também riscos associados ao desenvolvimento de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) devido à exposição a tarefas pesadas, posturas inadequadas, manuseio de materiais e às condições climáticas variáveis por realizarem trabalho de campo2,3.

De acordo com o Ministério da Previdência Social do Brasil de 20054, o grau de risco para o desenvolvimento de doença profissional ou desencadeada pelo exercício do trabalho na Produção e Distribuição de Energia Elétrica é máximo e corresponde a três pontos. Apesar da pontuação máxima neste setor, ainda há poucos estudos publicados com eletricistas brasileiros. Estudos recentes encontrados na literatura disponível enfocaram apenas a avaliação do impacto da privatização do setor elétrico5 e avaliações de saúde e da capacidade do trabalhador6. Ainda não foram encontrados estudos sobre a prevalência de sintomas musculoesqueléticos em eletricistas de distribuição brasileiros com perspectiva de identificação dos fatores de riscos. O conhecimento dos riscos impostos pelo trabalho poderá amenizar os índices de acidente de trabalho, já que, segundo estudo da literatura realizado com enfermeiras, intervenções ergonômicas melhoram também a segurança do trabalho e diminuem taxas de absenteísmos7.

Além disto, estudos sobre a presença de fatores de riscos podem ser complementados por avaliações funcionais dos trabalhadores. Dessa forma, o impacto dos distúrbios na performance dos trabalhadores pode ser verificado, o que fornece um indicador da necessidade de intervenção ergonômica para controle desses fatores de risco8,9. Como resultado, medidas preventivas específicas podem tentar diminuir ou remover os principais fatores de risco e, assim, melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores10.

Considerando uma avaliação preliminar das atividades de eletricistas de distribuição, hipotetizou-se que a proporção de trabalhadores com sintomas musculoesqueléticos seja alta dentre esses profissionais e que os sintomas diferem quanto a sua localização de acordo com a função desempenhada pelo eletricista.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência de sintomas de DORT em eletricistas de uma regional de uma empresa de distribuição de energia elétrica, verificar se existiam diferenças entre as funções exercidas quanto à proporção de trabalhadores sintomáticos e realizar um levantamento preliminar dos principais fatores de riscos presentes.

Materiais e métodos

Sujeitos

Participaram do estudo 30 eletricistas trabalhadores exclusivos de uma empresa de distribuição de energia elétrica, do sexo masculino (média de idade de 38,1±5,5 anos), que realizavam diversos trabalhos de campo em uma região do interior do Estado de São Paulo. Esses eletricistas correspondem a 84% dos eletricistas da regional avaliada e fazem parte de um grupo de 1233 eletricistas com funções semelhantes na empresa. Apenas um trabalhador foi excluído da amostra (N total=31), pois apresentou sintomas musculoesqueléticos decorrentes de neurocisticercose. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (Parecer 0032.0.135.000-07).

Os eletricistas de distribuição foram divididos em três equipes de acordo com o tipo de atividades que realizam (Figura 1):

1) Eletricista de Linha Viva (ELV) (6 eletricistas): eletricistas que executam manutenção de rede de distribuição energizada de alta e baixa tensão. Essa equipe utiliza caminhões com cestas aéreas para suspensão do eletricista (Figura 1A).

2) Eletricista de Emergência e Manutenção (EEM) (18 eletricistas): eletricistas que atuam em situações emergenciais e em serviços pré-programados, são responsáveis pela inspeção e manutenção da rede elétrica de média e baixa tensão e manutenção da iluminação pública. A equipe EEM realiza suas atividades com suspensão por escadas e os eletricistas são presos ao poste ou à escada por cintos. São utilizados três tamanhos de escada: uma central (10,2m), fixa ao veículo e não carregada pelo eletricista; e duas removíveis, uma de 7,8m e 31kg que deve ser carregada em dupla e outra de 6,6m e 26kg, carregada por apenas um eletricista (Figura 1B).

3) Eletricista Comercial (EC) (6 eletricistas): eletricistas de fiscalização, que são responsáveis pela ligação/desligamento do fornecimento de energia e manutenção/retirada de medidores de consumo de energia, tarefas que envolvem pouco uso de escadas e menor esforço muscular, com uso ocasional de ferramentas (Figura 1C).


Procedimentos

A coleta de dados foi realizada por meio de questionários no período de 25 de abril a 03 de julho de 2007. Os questionários foram aplicados em grupos de, no máximo, cinco pessoas por vez, em locais reservados, antes do início do turno de trabalho. Os sujeitos foram informados sobre os procedimentos gerais da pesquisa e assinaram um termo de consentimento formal, livre e esclarecido, no qual foi assegurada a confidencialidade dos dados.

O questionário utilizado foi aprimorado em dois estudos pilotos para obtenção da versão final. O primeiro piloto foi realizado com o engenheiro líder da empresa, que sugeriu algumas alterações para facilitar o entendimento das questões por parte dos funcionários. O segundo piloto foi realizado com quatro eletricistas que avaliaram a clareza das questões e, aquelas que não foram corretamente compreendidas, foram reformuladas.

A primeira parte do questionário apresentava questões gerais que coletavam dados demográficos (idade, sexo, altura, peso) e ocupacionais (tempo de serviço na empresa, descrição da atividade desempenhada atual e anteriormente, período de tempo em que estava na mesma função, exposição a determinadas tarefas e duração delas em relação à semana de trabalho, tais como: viagens, caminhadas, preparação do local e observação). Além dessas, também foram incluídas perguntas sobre afastamentos, saúde geral, nível de atividade física e se realizava atividades domésticas.

Na segunda parte do questionário, solicitava-se ao trabalhador identificar, no mapa corporal adaptado de Corlett e Bishop11, as regiões que apresentavam algum desconforto que tivesse ocorrido mais que três vezes no último ano ou durado mais que três dias consecutivos, que não estivesse associado a lesão traumática. Em seguida, solicitou-se aos trabalhadores que caracterizassem os sintomas de acordo com os descritores do Questionário de dor McGill traduzido e validado em português12. A última parte do questionário continha escalas de dor numéricas13 de 0 a 10, nas quais eram identificadas as intensidades de desconforto percebidas em cada região corporal no momento da avaliação.

Pela análise prévia dos resultados dos questionários, a região dos ombros apresentou-se como a mais acometida por sintomas musculoesqueléticos. Para avaliar o impacto dos sintomas musculoesqueléticos na performance do trabalhador, uma nova coleta de dados foi planejada, na qual foi utilizado o item opcional sobre trabalho, presente na versão em português do Questionário DASH14. De acordo com o procedimento de análise desse questionário, foi calculada a pontuação para comparação descritiva entre as equipes que apresentaram trabalhadores sintomáticos devido ao pequeno número de indivíduos por grupo.

Dados referentes a afastamentos e faltas foram disponibilizados pelo Departamento Pessoal da empresa para verificar quanto os sintomas musculoesqueléticos têm afetado os trabalhadores.

Para verificar as principais atividades realizadas pelos eletricistas de cada equipe, foi solicitado o preenchimento de planilhas de controle de atividades. Nessas planilhas, os eletricistas registraram as atividades realizadas durante um dia de trabalho. A planilha já era adotada pela empresa e usada com relativa frequência, não exigindo treinamento dos funcionários para seu preenchimento.

Observações diretas sistemáticas no ambiente de trabalho também foram realizadas por dois observadores treinados a fim de identificar os fatores de riscos presentes nas atividades mais frequentemente realizadas por cada equipe. As atividades ocupacionais avaliadas pelos observadores também foram registradas por vídeo para complementar a avaliação. Os fatores de risco para os DORTs presentes nas atividades foram identificados por esses avaliadores que, após obterem consenso nas descrições dos riscos, foram interpretados à luz da literatura de acordo com metodologia de Wells15 e estudos pertinentes disponíveis na literatura16-19.

Análise dos dados

As informações foram analisadas descritivamente por médias e desvio-padrão. As equipes foram comparadas quanto à idade, IMC, período na função de eletricistas e exposição pelo teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, com teste de Mann-Whitney para comparação múltipla com ajuste de Bonferroni. Foi utilizado teste χ2 (Tabela 2x2) para verificar associação dos aspectos da vida diária (trabalho doméstico e atividade física) na incidência de sintomas e o teste χ2 de frequência observada versus a esperada para verificar associação entre as equipes e a proporção de eletricistas sintomáticos e assintomáticos. Para essa análise, foram montadas tabelas de contingência para cada região corporal sintomática. Os cálculos estatísticos foram realizados no software Statistica, com nível de significância de α=0,05.

Resultados

Não houve diferença estatisticamente significante entre as equipes quanto às características antropométricas idade (p=0,364) e IMC (p=0,2362). A média de idade e IMC das equipes foram: ELV 41,6±6,4 anos e 25,9±2,8kg/m2; EEM 37±5,1 anos e 27,5±2,5 kg/m2; EC 38±4,6 anos e 25,8±2,3kg/m2. As equipes também não diferiram quanto ao período na função (p=0,3528) ou ao período em que permanecem em viagem (p=0,0647), caminhando (p=0,33), preparando local (p=0,65) ou em observação (p=0,31) durante uma semana de trabalho, mas diferem quanto à utilização da cesta aérea e escada. Apenas as equipes EEM e EC fazem uso das escadas, sendo que a primeira está mais exposta ao uso (p=0,003).

Os resultados do teste χ2 revelaram que não houve associação entre incidência de relato de desconforto e os fatores não ocupacionais: atividade doméstica (p=0,14) e atividade física (p=0,42). A presença de doença crônica não foi considerada no teste porque apenas dois indivíduos apresentaram problemas crônicos de saúde. Já o teste χ2 de frequência observada versus a esperada revelou diferença significativa na distribuição de relatos de sintomas por regiões corporais apenas para a região dos ombros (p=0,02).

A proporção de trabalhadores sintomáticos que apresentaram ao menos um relato de desconforto dentre os 30 funcionários avaliados foi de 87% (26 em 30), nos quais as regiões dolorosas mais frequentes foram: ombro, coluna e joelho. A Tabela 1 apresenta a proporção de trabalhadores sintomáticos e a intensidade média dos desconfortos nas regiões mais frequentes por equipe. Os relatos de desconforto na coluna (13 eletricistas) apresentaram-se principalmente na região lombar (62%), seguida pela torácica (31%), cervical e cóccix (15% cada). Caso os sintomas relatados para essas regiões da coluna fossem considerados separadamente, a proporção de trabalhadores sintomáticos para cada região da coluna seria comparativamente inferior à proporção dos sintomáticos para região dos ombros. Assim, a região dos ombros apresenta-se, individualmente, como a mais acometida por sintomas musculoesqueléticos nesses eletricistas. Outras regiões com menor ocorrência de relatos de sintomas foram antebraços (13%), cotovelos (10%), braços, nádegas e coxa (7% cada). Assim, a proporção de desconforto nos membros superiores foi de 57%.

A presença de sintomas variou conforme as equipes, apesar de a intensidade de desconforto média ter sido similar. Conforme observa-se na Tabela 1, houve maior número de trabalhadores sintomáticos na equipe ELV, com o ombro sendo a principal região de desconforto dentre os eletricistas dessa equipe.

Os sintomas do Questionário McGill relatados pelos eletricistas na região dos ombros foram: dor, sensação de peso, agulhada, pontada, fisgada, formigamento e fadiga. Na região da coluna, os sintomas reportados pelos eletricistas foram apenas referentes a dor e fisgada. Nos joelhos, os indivíduos relataram apenas o sintoma doloroso.

Onze dos 13 funcionários sintomáticos em ombro responderam o Questionário DASH, cinco eletricistas da equipe ELV e seis da equipe EEM. As questões sobre o impacto do problema no trabalho revelaram que a equipe ELV apresenta de nenhuma a média dificuldade para realizar trabalho habitual, com pontuação média de 28±15 e a equipe EEM, de nenhuma a pouca dificuldade e pontuação média de 8±11. Apenas um eletricista da equipe ELV não respondeu a todas as questões do DASH quanto ao trabalho.

A Tabela 2 separa as atividades mais frequentes por equipes e descreve os principais riscos identificados pelos observadores para os DORTs nas regiões dos ombros, coluna e joelho. A separação não é rigorosa já que algumas tarefas são comuns entre as equipes.

Apesar do alto índice de relato de sintomas musculoesqueléticos, no ano de 2006 não houve comunicação de acidente de trabalho. O absenteísmo totalizou 297 dias (18,5 dias/ano por funcionário), com motivos diversos, sendo que as lesões esportivas e cirurgia de joelho foram motivos de afastamento de quatro eletricistas (total de 59 dias). Dores e cirurgia na coluna motivaram 17 dias de afastamentos para outros eletricistas. Assim, coluna e joelhos foram responsáveis por 25,5% de ausência no trabalho.

Discussão

As principais regiões acometidas por sintomas musculoesqueléticos encontradas nos eletricistas de distribuição do presente estudo, apresentadas na Tabela 1, estão de acordo com Graves et al.2. No entanto, esses autores encontraram maior prevalência de sintomas em coluna lombar (64%). Outra diferença entre Graves et al.2 e o presente estudo é a identificação de diferentes tarefas entre os eletricistas.

A separação em equipes permitiu a identificação de diferentes fatores de risco conforme a atividade realizada, isso porque, como não houve diferença entre as equipes quanto a dados antropométricos; período de exercício da função; tempo gasto em atividades tais como: período em viagem, caminhando, em preparação do local e em observação, a proporção de trabalhadores sintomáticos encontrada para cada equipe pode ser atribuída a fatores ocupacionais específicos a cada equipe como: tipo das tarefas realizadas e uso de escada/cesta aérea.

A diferença entre as equipes era esperada, pois as funções diferem quanto à exposição a fatores de riscos, apesar de algumas tarefas serem comuns. No entanto, o alto índice de relatos de desconforto nos ombros na equipe ELV não era esperado, pois a versatilidade do braço mecânico da cesta aérea permite maior proximidade ao posto de trabalho e melhor posicionamento do trabalhador. Além disso, esses eletricistas não trabalham com escadas e, portanto, não necessitam manusear o dispositivo, que é um fator de risco para disfunções na região do ombro e coluna. O manuseio da escada oferece riscos tanto durante a retirada da escada do veículo, por esta ficar presa em suportes rígidos a uma altura de 1,7m, quanto durante o seu deslocamento, devido à carga e forma de manuseio16.

A observação da equipe ELV feita pelos pesquisadores revelou um posicionamento inadequado da cesta aérea, com o eletricista realizando a atividade mais distante do corpo e com os membros superiores acima da linha dos ombros, como pode ser visto na Figura 1A. Essa poderia ser uma das justificativas para a alta incidência de relatos de desconfortos em ombros, já que, segundo estudo de revisão sobre as causas de lesões no sistema músculo-esquelético, o trabalho realizado acima da linha dos ombros está associado à presença de sintomas musculoesqueléticos nessa região20.

Além dos aspectos biomecânicos, outra possível explicação para a alta ocorrência de sintomas nos ombros é o estresse ocupacional21. Essa equipe está mais sujeita a riscos de choques, apresentando maior demanda de atenção e, consequentemente, maior tensão psicogênica, que também é um fator de risco potencial para o desenvolvimento de DORT nessa região e também no pescoço22.

Apesar de não ter sido verificada associação entre os sintomas na região da coluna e as equipes, alguns fatores de risco podem ser apontados para a equipe EEM, já que essa apresentou maior ocorrência de sintomas nessa região. O manuseio frequente da escada é um desses fatores, visto que o peso da escada (26Kg) já é superior ao limite de peso recomendado pela literatura para evitar lesões musculoesqueléticos na coluna, que é de 23Kg em condições ideais23. A equipe EEM está exposta ainda a outro fator de risco para sintomas na coluna, que é o uso do cinto de segurança (Tabela 2). Esse cinto prende o eletricista ao poste ou escada, acentuando a lordose lombar quando é utilizado como ponto de descarga de peso (Figura 1B). O aumento da lordose resulta em maior tensão nas articulações apofisárias e favorece protrusão discal posterior, podendo resultar em dor lombar e degenerações articulares e espondilólise24. Ao contrário do que poderia ser esperado, essa equipe não apresentou relatos de desconforto na região de pés e tornozelos decorrentes do uso frequente de escadas, mas, sim, nos joelhos.

As três equipes relataram sintomas musculoesqueléticos nos joelhos. Embora o presente estudo não tenha localizado a região dolorosa no joelho, alguns fatores podem ser apontados como associados a esse sintoma, dentre eles: a postura em pé por período prolongado de tempo com pouca liberdade de movimentação das pernas18, decorrente da dimensão limitada da cesta aérea ou por motivo de segurança nas escadas. Os trabalhadores da equipe EEM ainda sobem e descem escadas com alta frequência, o que pode levar à compressão da patela contra a tróclea do fêmur pelo alto nível de contração do quadríceps e, consequente referência de dor anterior no joelho25.

Por meio do questionário DASH, em suas questões sobre o trabalho, foram identificadas maiores limitações na equipe ELV, que apresentou pontuação média (28,1±14,8) superior à pontuação de trabalhadores que realizam trabalhos essencialmente manuais (16,7±23,2) encontrados por Jester, Hart e Germann9. Já a pontuação da equipe EEM (8,3±10,9) é mais próxima de trabalhadores que não realizam trabalhos manuais, 7,8±14,59. Nesse sentido, eletricistas da equipe ELV apresentaram limitações funcionais em membros superiores, sobretudo nos ombros, comparativamente aos demais.

Apesar de a região dos ombros ter sido a mais acometida, não houve registro de absenteísmo ou afastamentos por esse motivo. Já coluna e joelhos foram responsáveis por 25,5% das ausências do trabalho. Alguns dos problemas de joelho foram decorrentes de lesões desportivas, apesar disso, não é possível descartar o componente cumulativo na ocorrência dessas lesões. A preponderância da região de joelhos e coluna nos índices de absenteísmo já foi relatada por Kelsh e Sahl26 em estudos de taxa de lesão em todos os tipos de trabalhadores do setor eletricitário, incluindo setor administrativo.

A inexistência de afastamentos por problemas nos ombros sugere que, possivelmente, os sintomas nessa região não tinham ainda atingido evolução mais crítica no momento da avaliação. Apesar de tratarem de eletricistas com atividades diferentes, os presentes resultados estão em acordo com os achados de Graves et al.2, que verificaram maior impacto dos desconfortos na coluna e joelho em eletricistas, tanto pela maior frequência com que esses ocorreram, como pelo fato de terem se mostrado mais limitantes que os desconfortos em ombros. Apesar disso, os sintomas em ombros também devem ser considerados, pois podem ser preditores de ocorrência de DORT no futuro27, sobretudo se se considerarem as atividades realizadas pelos eletricistas do presente estudo.

Com base nos riscos identificados, medidas de intervenção devem ser propostas visando reduzir a sobrercarga musculoesquelética. A conscientização dos trabalhadores quanto aos riscos para as lesões musculoesqueléticas, principalmente com relação à postura deve ser considerada. Aperfeiçoamento de ferramentas e do cinto de segurança, alterações no manuseio da escada, como: o peso da escada e a altura em que está presa no carro também devem ser propostas. Ainda, intervenções na organização do trabalho como rodízio das tarefas, redução de horas extras e contratação de mais eletricistas em épocas de aumento de demanda de trabalho também devem ser analisadas. Apesar das possíveis alterações ergonômicas apontadas, mais estudos devem ser realizados para que o processo de intervenção possa ser mais eficaz. Além de outros fatores biomecânicos, não totalmente explorados no presente estudo, a complexidade dos DORTs envolve outros fatores, tais como os psicossociais, que não foram avaliados no presente estudo.

O tamanho restrito da amostra é uma limitação do presente estudo. No entanto, os resultados apresentados mostram tendências na caracterização dos fatores de riscos em eletricistas de distribuição de energia elétrica. Um outro aspecto a mencionar é que os fatores de riscos a que esses profissionais estão expostos são variados e incluem aspectos organizacionais e individuais, dentre outros, os quais não foram explorados no presente estudo por extrapolarem os objetivos. Assim, estudos futuros devem ser realizados envolvendo amostra mais ampla para avaliações de natureza epidemiológica dessa população, assim como avaliações biomecânicas da exposição ocupacional desses trabalhadores.

Conclusões

Os resultados apresentados revelaram alto número de ocorrências de sintomas musculoesqueléticos em eletricistas de distribuição de energia elétrica de uma região do Estado de São Paulo. A proporção de trabalhadores sintomáticos variou conforme a atividade dos eletricistas em relação aos sintomas em ombros, confirmando a hipótese inicial do estudo. Medidas de intervenção ergonômica específica para cada equipe são necessárias para controlar os riscos presentes e, assim, diminuir a ocorrência dos sintomas e evitar agravamento das disfunções já apresentadas pelos sintomáticos. Controle dos riscos ergonômicos da equipe ELV deve enfocar principalmente a região dos ombros e joelhos, enquanto, que para a equipe EEM, deve-se dar mais atenção a ombros e coluna, e na equipe EC à coluna e joelhos. Para intervenção ergonômica eficaz no controle de riscos, mais estudos são necessários para avaliação da exposição ergonômica envolvida na atividade dos eletricistas de distribuição, preferencialmente com medidas diretas dos riscos envolvidos.

Recebido: 10/03/2008 – Revisado: 14/07/2008 – Aceito: 24/10/2008

  • 1. Seeley PA, Marklin RW. Business case for implementing two ergonomic interventions at an electric power utility. Appl Ergon. 2003;34(5):429-39.
  • 2. Graves RJ, de Cristofano A, Wright E, Watt M, White R. Potential musculoskeletal risk factors in electricity distribution linesman tasks. In: Robertson SA, editor. Contemporary Ergonomics 1996. Leicester: CRC Press; 1996. p. 215-20.
  • 3. Päivinen M. Electricians' perceptions of work-related risks in cold climate when working in high places. Int J Ind Ergon. 2006;36(7):661-70.
  • 4
    Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho de 2005 [Internet]. Ministério da Previdência Social. 2005 - [Acessado em 29/02/2008]. Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/arquivos/office/3_081013-161950-633.pdf
  • 5. Scopinho RA. Privatização, reestruturação e mudanças nas condições de trabalho: o caso do setor de energia elétrica. Cad Psicol Soc Trab. 2002;5:19-36.
  • 6. Martinez MC, Latorre MRDO. Saúde e capacidade para o trabalho de eletricitários do Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(3):1061-73.
  • 7. Nelson A, Matz M, Chen F, Siddharthan K, Lloyd J, Fragala G. Development and evaluation of multifaceted ergonomics program to prevent injuries associated with patient handling tasks. Int J Nurs Stud. 2006;43(6):717-33.
  • 8. Punnett L, Wegman DH. Work-related musculoskeletal disorders: the epidemiologic evidence and the debate. J Electromyogr Kinesiol. 2004;14(1):13-23.
  • 9. Jester A, Harth A, Germann G. Measuring levels of Upper-extremity disability in employed adults using the DASH Questionnaire. J Hand Surg [Am]. 2005;30(5):1074.e1-1074.e10.
  • 10. Cameron JA. Assessing work-related body-part discomfort: current strategies and a behaviorally oriented assessment tool. Int J Ind Ergon. 1996;18(5-6):389-98.
  • 11. Corlett EN, Bishop RP. A technique for assessing postural discomfort. Ergonomics. 1976;19(2):175-82.
  • 12. Varoli FK, Pedrazzi V. Adapted version of the McGill pain questionnaire to Brazilian Portuguese. Braz Dent J. 2006;17(4):328-35.
  • 13. Farrar JT, Young JPJr, LaMoreaux L, Werth L, Poole RM. Clinical importance of changes in chronic pain intensity measured on an 11-point numerical pain rating scale. Pain. 2001;94(2):149-58.
  • 14. Orfale AG, Araújo PMP, Ferraz MB, Natour J. Translation into Brazilian Portuguese, cultural adaptation and evaluation of the reliability of the disabilities of the Arm, Shoulder and Hand Questionnaire. Braz J Med Biol Res. 2005;38(2):293-02.
  • 15. Wells R. Análise das tarefas. In: Roney D, editor. Distúrbios osteomusculares crônicos relacionados ao trabalho. São Paulo: Rocca; 2001. p. 41-67.
  • 16. Imbeau D, Montpetit Y, Desjardins L, Riel P, Allan JD. Handling of fiberglass extension ladders in the work of telephone technicians. Int J Ind Ergon. 1998;22(3):177-94.
  • 17. Bovenzi M, Zadini A, Franzinelli A, Borgogni F. Occupational musculoskeletal disorders in the neck and upper limbs of forestry workers exposed to hand-arm vibration. Ergonomics. 1991;34(5):547-62.
  • 18. Magnusson ML, Pope MH. A review of the biomechanics and epidemiology of working postures. (It isn't always vibration which is to blame!). J Sound Vib. 1998;215(4):965-76.
  • 19. Bonney RA, Corlett EN. Vibration and spinal lengthening in simulated vehicle driving. Appl Ergon. 2003;34(2):195-200.
  • 20. Vieira ER, Kumar S. Esforço físico ocupacional e saúde músculo-esquelética. In: Congresso de Ergonomia, 12, Fortaleza. Anais Fortaleza: ABERGO, 2004. CD-ROM.
  • 21. van den Heuvel SG, van der Beek AJ, Blatter BM, Hoogendoorn WE, Bogers PM. Psychosocial work characteristics in relation to neck and upper limb symptoms. Pain. 2005;114(1-2):47-53.
  • 22. Waersted M, Bjørkuland RA, Westgaard RH. The effect of motivation on shoulder-muscle tension in attention-demanding tasks. Ergonomics. 1994;37(2):363-76.
  • 23. Waters TR, Putz-Anderson V, Garg A, Fine LJ. Revised NIOSH equation for the design and evaluation of manual lifting tasks. Ergonomics. 1993;36(7):749- 76.
  • 24. Cox JM. Biomecânica da coluna lombar. In: Cox JM, editor. Dor lombar: Mecanismo, diagnóstico e tratamento. São Paulo: Manole; 2002. p.17-129.
  • 25. Brechter JH, Powers CM. Patellofemoral joint stress during stair ascent and descent in persons with and without patellofemoral pain. Gait Posture. 2002;16(2):115-23.
  • 26. Kelsh MA, Sahl JD. Sex differences in work-related injury rates among electric utility workers. Am J Epidemiol. 1996;143(10):1050-58.
  • 27. Barbe MF, Barr AE. Inflammation and the patholophysiology if the work-related musculoskeltal disorders. Brain Behav Immun. 2006;20(5):423-9.
  • Correspondência para:

    Cristiane Shinohara Moriguchi
    Rua Miguel Alves Margarido, 330 - apto 211, Cidade Jardim
    CEP 13566-580, São Carlos (SP), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Out 2008
    • Revisado
      14 Jul 2008
    • Recebido
      10 Mar 2008
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br