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Equilíbrio funcional de idosos da comunidade: comparação em relação ao histórico de quedas

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: O equilíbrio humano é uma tarefa motora complexa, e a sua manutenção é essencial para a realização das tarefas cotidianas. O processo de envelhecimento e as doenças crônicas que acometem os idosos geram sérios distúrbios de equilíbrio, tornando-os mais suscetíveis às quedas. OBJETIVOS: Avaliar e comparar o equilíbrio funcional de idosos da comunidade sem história de quedas, com uma queda e com quedas recorrentes. MÉTODOS: Estudo de corte transversal com amostra constituída por 96 sujeitos, com idade igual ou superior a 65 anos, residentes na comunidade e divididos igualmente em três grupos de acordo com o histórico de quedas relatado no último ano. Para a avaliação funcional do equilíbrio, foram utilizados como instrumentos a Berg Balance Scale (BBS) e o Timed Up and Go Test (TUGT). RESULTADOS: Idosos com histórico de uma queda e quedas recorrentes realizaram o TUGT em um tempo maior do que idosos sem relato de quedas, sendo esta diferença significativa (p=0,002). Na avaliação pela BBS, idosos que apresentaram quedas recorrentes pontuaram significativamente menos do que aqueles sem quedas (p=0,013). Verificou-se moderada associação entre a BBS e o TUGT nos três grupos (p<0,001). CONCLUSÃO: Idosos com histórico de quedas apresentaram comprometimento na avaliação do equilíbrio funcional em relação àqueles sem quedas. Esses dados revelam a importância dos testes de equilíbrio na prática clínica como instrumentos de rastreio dos idosos mais suscetíveis ao evento quedas.

idoso; equilíbrio; quedas


BACKGROUND: Human balance is a complex motor task. Its maintenance is essential to accomplishing daily tasks. The aging process and the chronic diseases that affect older adults lead to serious balance disorders, thus making such individuals more susceptible to falls. OBJECTIVES: To evaluate the functional balance of community-dwelling older adults and to make a comparison between those with no history of falls, those with one fall and those with recurrent falls. METHODS: A cross-sectional study was carried out. The sample was composed of 96 individuals from the community aged 65 years or older. They were divided equally into three groups according to their reported history of falls over the preceding year. Functional balance was evaluated using the Berg Balance Scale (BBS) and the Timed up and Go Test (TUGT). RESULTS: The older adults with a history of one fall or recurrent falls had longer performance times in the TUGT than did those with no history of falls, and this difference was statistically significant (p=0.002). In the BBS evaluation, the older adults with a history of recurrent falls scored significantly lower than those with no history of falls (p=0.013). A moderate association was found between the BBS and TUGT results in the three groups (p<0.001). CONCLUSION: The older adults with a history of falls performed poorly in the functional balance evaluation compared to those with no history of falls. These data demonstrate the importance of the balance tests in clinical practice as screening tools for older adults who are more susceptible to falls.

older adult; balance; falls


ARTIGO ORIGINAL

Equilíbrio funcional de idosos da comunidade: comparação em relação ao histórico de quedas

Gonçalves DFFI; Ricci NAI; Coimbra AMVII

IPrograma de Pós-Graduação de Gerontologia, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas (SP), Brasil

IIPrograma de Saúde da Família, UNICAMP

Correspondência para Correspondência para: Daniele de Faria Figueiredo Gonçalves Rua Edmundo Juventino Fuentes, 160 - apto 91 bloco B, Parque Tomaz Saraiva CEP 03280-000, São Paulo (SP), Brasil e-mail: danieleffg@yahoo.com.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: O equilíbrio humano é uma tarefa motora complexa, e a sua manutenção é essencial para a realização das tarefas cotidianas. O processo de envelhecimento e as doenças crônicas que acometem os idosos geram sérios distúrbios de equilíbrio, tornando-os mais suscetíveis às quedas.

OBJETIVOS: Avaliar e comparar o equilíbrio funcional de idosos da comunidade sem história de quedas, com uma queda e com quedas recorrentes.

MÉTODOS: Estudo de corte transversal com amostra constituída por 96 sujeitos, com idade igual ou superior a 65 anos, residentes na comunidade e divididos igualmente em três grupos de acordo com o histórico de quedas relatado no último ano. Para a avaliação funcional do equilíbrio, foram utilizados como instrumentos a Berg Balance Scale (BBS) e o Timed Up and Go Test (TUGT).

RESULTADOS: Idosos com histórico de uma queda e quedas recorrentes realizaram o TUGT em um tempo maior do que idosos sem relato de quedas, sendo esta diferença significativa (p=0,002). Na avaliação pela BBS, idosos que apresentaram quedas recorrentes pontuaram significativamente menos do que aqueles sem quedas (p=0,013). Verificou-se moderada associação entre a BBS e o TUGT nos três grupos (p<0,001).

CONCLUSÃO: Idosos com histórico de quedas apresentaram comprometimento na avaliação do equilíbrio funcional em relação àqueles sem quedas. Esses dados revelam a importância dos testes de equilíbrio na prática clínica como instrumentos de rastreio dos idosos mais suscetíveis ao evento quedas.

Palavras-chave: idoso; equilíbrio; quedas.

Introdução

O controle postural humano é dependente da interação entre as características intrínsecas do indivíduo, o contexto ambiental e as demandas exigidas pela tarefa desempenhada1. Sua manutenção é mediada pelas informações dos sistemas sensoriais, programação do Sistema Nervoso Central (SNC) e execução do sistema musculoesquelético2.

O processo de envelhecimento afeta os componentes do controle postural, sendo difícil diferenciar os efeitos da idade daqueles causados pelas doenças e estilo de vida. Contudo, independente da causa, o acúmulo de alterações no equilíbrio corporal diminui a capacidade compensatória do indivíduo, aumentando sua instabilidade e, consequentemente, seu risco de cair3.

As quedas estão dentre as principais causas de morbidade e mortalidade na população idosa4. As causas das quedas são multifacetadas, incluindo fatores intrínsecos, comportamentais e ambientais, sendo que a probabilidade para ocorrência de queda aumenta à medida que se acumulam os fatores de risco4-10.

Desse modo, diagnosticar os parâmetros clínicos associados com as quedas em idosos tornou-se um grande desafio para a comunidade científica, motivo pelo qual foram desenvolvidos diversos instrumentos para a avaliação do controle postural dessa população11. Os instrumentos para análise do equilíbrio dividem-se em testes por sistemas e funcionais12. A identificação dos componentes responsáveis pela instabilidade postural (sistema sensorial, SNC, sistema musculoesquelético) é realizada pela avaliação por sistemas. A avaliação do desempenho funcional é ainda mais importante, pois irá determinar como os déficits específicos afetam a função global do indivíduo na execução das atividades cotidianas, além de identificar, de forma precoce, idosos com maiores chances de quedas8.

Escalas funcionais como a Berg Balance Scale (BBS) e o Timed Up and Go Test (TUGT) apresentam boa correlação com medidas laboratoriais e clínicas relativas às quedas e instabilidade. Além disso, apontam diferenças entre o equilíbrio de idosos caidores e não-caidores13-19.

Estudos com a BBS13,20,21 e TUGT17,22 propõem diferentes notas de corte para predizer o risco de quedas e avaliar o déficit de equilíbrio em idosos. Entretanto, a literatura referente a essas escalas13,17,20-22 é divergente quanto ao parâmetro mais adequado para diferenciar os idosos quanto ao histórico de quedas. A heterogeneidade na seleção dos idosos pesquisados, como a ampla faixa etária e os níveis diferenciados de funcionalidade, são fatores que interferem na interpretação dos resultados desses instrumentos. Na prática clínica, a utilização dessas notas de corte, sem considerar essa diversidade, pode resultar em prognósticos individuais errôneos e, consequentemente, tratamentos inadequados.

A utilização de amostras mais homogêneas permite distinguir os idosos quanto ao déficit do equilíbrio funcional, além de apurar o poder das notas de corte das escalas funcionais em relação ao histórico de quedas.

A presente pesquisa tem por objetivo avaliar e comparar o equilíbrio funcional de idosos da comunidade sem história de quedas, com uma queda e com quedas recorrentes. E, além disso, verificar como as escalas funcionais, BBS e TUGT, se comportam em relação às notas de corte, propostas na literatura, quanto ao histórico de quedas desses idosos. O reconhecimento dos limites dessas escalas para diferenciar idosos quanto ao histórico de quedas possibilita o uso consciente e apropriado desses testes tanto para o rastreio da instabilidade como para a análise da evolução do treinamento/ reabilitação do equilíbrio.

Materiais e métodos

Foi realizado estudo descritivo, de corte transversal, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), protocolo número 766/2005.

Amostra

A amostra foi constituída por idosos da comunidade pré-selecionados a partir de um banco de dados de um estudo populacional sobre envelhecimento realizado no município de Amparo (SP), intitulado "Prevenção de quedas e desabilidades em idoso da comunidade (no âmbito da estratégia de saúde da família)".

A consulta ao banco de dados do estudo populacional foi realizada para selecionar os sujeitos de acordo com os critérios de inclusão e exclusão.

Os critérios para inclusão dos sujeitos foram: idade igual ou superior a 65 anos, ambos os sexos e deambulação sem dispositivos auxiliares de marcha. Foram excluídos os idosos com as seguintes características: limitações físicas e sensoriais que pudessem impedir a realização dos testes de equilíbrio, como incapacidade de compreender e atender a comando verbal simples e/ou imitar movimentos; acuidades visual e auditiva gravemente diminuídas e absolutamente incapacitantes às atividades de vida diária (AVD); amputações; uso de próteses; sequelas neurológicas; doença de Parkinson e impossibilidade de deambular independentemente.

O tamanho da amostra foi calculado baseado no teorema de limite central em que a retirada de uma amostra de tamanho igual ou superior a 30 sujeitos é suficiente para comparação com sua população original (projeto populacional)23. A amostra final foi composta por 96 sujeitos, divididos em três grupos (n=32 cada) de acordo com o histórico de quedas (sem quedas, uma queda e quedas recorrentes). Essa divisão foi realizada após consulta ao banco de dados do estudo populacional que possuía a informação do número de quedas por ano de cada indivíduo. Como houve um intervalo de tempo entre a avaliação do projeto populacional e a avaliação da presente pesquisa, foi necessária a realização de contatos telefônicos prévios com o objetivo de verificar mudanças quanto ao histórico de quedas dos sujeitos, o que possibilitou o reagrupamento de alguns casos.

Para que a amostra fosse reduzida e os grupos se tornassem homogêneos, os casos foram selecionados por meio de filtro de homogeneização quanto ao sexo (masculino e feminino) e faixa etária (65-69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos e 80 anos e mais).

Os dados antropométricos foram avaliados para garantir a similaridade entre os grupos. O peso (quilogramas - kg) e altura (metros - m) foram aferidos por balança de consultório, marca Filizola®, para o cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC).

Todos os sujeitos fizeram leitura da carta informativa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar da pesquisa de forma voluntária.

Instrumentos de avaliação

Os grupos foram submetidos ao mesmo protocolo de pesquisa composto pelos testes de avaliação do equilíbrio funcional BBS13,24 e TUGT17. Esses instrumentos foram escolhidos por serem de fácil aplicação, baixo custo e amplamente utilizados em pesquisas e na prática clínica13-15,17,18,20-22.

A BBS foi desenvolvida e validada por Berg et al.13, com tradução e adaptação transcultural para o Brasil, apresentando alta confiabilidade intra e interobservadores (ICC 0,99 e 0,98 respectivamente)24. A escala é composta por 14 tarefas comuns às AVD, sendo elas: levantar-se de uma cadeira, permanecer em pé sem apoio, sentar-se na cadeira, transferir-se de uma cadeira para outra, permanecer em pé com os olhos fechados, permanecer em pé com os pés juntos, alcançar a frente permanecendo em pé, pegar um objeto no chão, virar-se e olhar para trás, girar 360 graus, posicionar os pés alternadamente num degrau, permanecer em pé com um pé à frente do outro, permanecer em pé sobre uma perna13,24.

Cada item da escala é composto por cinco alternativas cujos escores variam de zero a quatro pontos, sendo zero igual a incapaz de realizar e quatro igual a capaz de realizar a tarefa de forma segura. A pontuação total pode variar de 0 a 56 pontos, sendo que a maior pontuação se relaciona a um melhor desempenho no teste13.

A pontuação total foi utilizada na avaliação entre os grupos quanto ao histórico de quedas. O instrumento também foi categorizado com três notas de corte descritas na literatura para que fosse feita uma comparação quanto à capacidade de cada uma delas discriminar idosos caidores e não caidores. As notas de corte utilizadas foram: 45 pontos como proposto por Berg et al.13, 47 pontos como proposto por Chiu, Au-Yeung e Lo20 e 49 pontos como proposto por Shumway-Cook et al.21, pontuações superiores indicam normalidade do equilíbrio, e pontuações iguais ou inferiores a essas notas apontam para o risco de quedas.

O TUGT foi desenvolvido para avaliar o equilíbrio, o risco de quedas e a capacidade funcional de idosos. Consiste na observação do sujeito enquanto esse se levanta de uma cadeira, caminha três metros em linha reta, retorna à cadeira e senta-se. Esse percurso é cronometrado em segundos, e o desempenho do sujeito é graduado conforme o tempo despendido17.

Foi utilizado o tempo total do TUGT para comparação entre os grupos e a nota de corte proposta por Podsiadlo e Ricardson17. Os autores preconizam que a realização do teste em até 10 segundos é o tempo considerado normal para adultos saudáveis, independentes e sem risco de quedas; entre 11-20 segundos é o esperado para idosos frágeis ou com deficiências, com independência parcial e com baixo risco de quedas; acima de 20 segundos indica déficit importante da mobilidade física e risco de quedas.

Os participantes foram inicialmente convocados pelo pesquisador independente, que tinha conhecimento do grupo ao qual o idoso pertencia, a comparecer à Unidade Básica de Saúde para a aplicação do protocolo de avaliação. Os testes de equilíbrio foram realizados por pesquisador cego quanto à informação do histórico de quedas e previamente treinado para aplicação dos instrumentos. Tanto a BBS como o TUGT foram realizados uma única vez pelos participantes após demonstração prática feita pelo avaliador.

Análise estatística

Para a análise estatística inferencial foram aplicados testes paramétricos devido à distribuição normal dos dados. Para a comparação entre os grupos quanto às variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado (χ2) em tabela de contingência e, para as variáveis quantitativas, a Análise de Variância (ANOVA). Na ocorrência de diferença significativa (p<0,05) entre os grupos, foi aplicada partição da tabela no caso do Qui-quadrado e o teste de Tuckey para a ANOVA, a fim de identificar os pares de diferenças.

Para analisar a relação entre a pontuação total da BBS (variável quantitativa) e o tempo despendido no TUGT (variável quantitativa), foi aplicado o coeficiente de correlação de Pearson (r).

Os testes estatísticos foram realizados por meio do software SPSS 10.0 for Windows (Statistical Package for Social Sciences, versão 10.0, 1999), adotando-se nível de significância fixado em 5% (α=0,05).

Resultados

A amostra total foi constituída por 96 idosos residentes na comunidade, distribuídos igualmente quanto ao gênero (50,0% masculino e 50,0% feminino) e faixa etária (25% de casos por faixa etária), em três grupos com 32 idosos cada.

Em consequência da divisão por faixa etária, as médias da idade em anos não apresentaram diferenças estatísticas (p=0,919) entre o grupo 1 (74,81±7,25 anos), grupo 2 (75,19±7,32 anos) e grupo 3 (74,47±6,39 anos). Também não foram verificadas diferenças estatísticas quanto ao IMC (p=0,972) entre o grupo 1 (27,38±5,02 Kg/m2), grupo 2 (27,62±4,40 Kg/m2) e grupo 3 (27,61±4,35 Kg/m2).

Na avaliação do equilíbrio funcional por meio do TUGT, a média de tempo despendido para a realização do teste foi de 11,43±2,95 segundos para o grupo 1, 14,57±4,23 segundos para o grupo 2 e 14,48±4,46 segundos para o grupo 3. A diferença de médias foi significativa entre os grupos 1 e 2 (p=0,005) e entre os grupos 1 e 3 (p=0,007), sendo possível verificar que idosos com histórico de quedas levaram mais tempo para completar o teste, como mostra a Figura 1.


Na avaliação do equilíbrio pela BBS, a pontuação média do grupo 1 foi de 52,00±3,60 pontos, a do grupo 2 foi de 49,97±4,60 pontos e a do grupo 3 foi de 48,91±4,55 pontos. A diferença foi estatisticamente significativa entre os grupos 1 e 3 (p=0,013), ou seja, idosos com histórico de quedas recorrentes apresentaram declínio do equilíbrio comparados aos idosos sem quedas, como observado na Figura 2.


Conforme a Tabela 1, a distribuição das notas de corte propostas na literatura para indicar idosos com risco e sem risco de quedas por meio da BBS, mostrou que, para as notas de corte de 49 e 47 pontos, houve diferença estatisticamente significativa, sendo essa identificada entre os grupos 1 e 3 (p=0,044 e p=0,012 respectivamente). Para a nota de corte 45, não foram encontradas diferenças entre os grupos.

Ainda conforme a Tabela 1, de acordo com a classificação sugerida para o TUGT, a maioria dos idosos realizou o teste entre 10,1 e 20 segundos, sendo encontrada diferença estatisticamente significativa entre os grupos 1 e 2 (p=0,007) e entre os grupos 1 e 3 (p=0,001). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos 2 e 3 em nenhuma das escalas.

Os resultados também mostram que os instrumentos utilizados apresentaram correlação significativa negativa moderada para todos os grupos avaliados com diferenças estatisticamente significativas (Tabela 2).

Discussão

Avaliar e comparar o equilíbrio funcional de idosos com relação ao histórico de quedas pode ser considerada uma tarefa difícil, principalmente quando se leva em conta a grande variedade de fatores de risco associados ao processo de envelhecimento que resultam em perda funcional e, consequentemente, aumentam o risco de quedas.

Com isso, nesta pesquisa, considerou-se importante igualar fatores que poderiam resultar em diferenças na avaliação do equilíbrio entre os grupos como o gênero e a faixa etária, já que estudos apontam o gênero feminino e o aumento da idade como fatores de risco com grande relevância para a ocorrência de quedas em idosos25,26. Embora com sobrepeso, os grupos não apresentaram diferenças quanto ao IMC, sendo esse outro fator capaz de interferir nos testes de equilíbrio. Uniformizou-se também a amostra quanto à ocorrência de eventos únicos (possíveis quedas acidentais) e quedas recorrentes (duas ou mais), visto que os mecanismos e fatores de risco para a ocorrência dessas quedas são diferenciados e poderiam influenciar os resultados caso fossem agrupados27.

Em relação à avaliação funcional do equilíbrio, o grupo de idosos sem quedas apresentou valor médio, pela BBS, maior do que os dois outros grupos. Assim, observa-se um declínio no equilíbrio à medida que ocorrem as quedas, e o instrumento BBS foi capaz de detectar essas diferenças no controle postural de idosos da comunidade. Esses dados corroboram estudos que têm mostrado que idosos que caem pontuam significativamente menos comparados aos idosos sem relato de quedas15,16,20,21.

Shumway-Cook et al.21 verificaram que idosos da comunidade com história de quedas apresentaram um pior desempenho na avaliação realizada por meio da BBS, apontando para o fato de que idosos que caem apresentam um declínio do equilíbrio.

Com relação à média pontuada na BBS, observou-se que, no presente estudo, essa média foi maior em comparação com a encontrada no estudo de Chiu, Au-Yeung e Lo20, no qual a média obtida na BBS foi de 41,65 pontos para idosos com histórico de uma queda e de 23,18 pontos para idosos com quedas recorrentes. Isto pode ser explicado pelas diferenças entre as amostras utilizadas, uma vez que a amostra acima citada foi constituída por idosos atendidos por uma clínica de quedas de um hospital regional, sendo também incluídos idosos que faziam uso de dispositivos de auxílio à marcha, ou seja, idosos funcionalmente mais comprometidos. Outra diferença foi que os idosos classificados em caidores sofreram uma queda nos seis meses prévios, um tempo menor do que o utilizado na presente pesquisa, e os idosos que tiveram quedas recorrentes apresentaram uma prevalência de 3,8 quedas, enquanto que, no atual estudo, foi de aproximadamente duas quedas.

Em pesquisa com idosos de comunidade, a média da BBS foi de 52,6 pontos para idosos não caidores21, valor esse similar ao do presente estudo. Em contrapartida, os idosos caidores apresentaram média de 39,6 pontos, mais uma vez uma pontuação menor do que a encontrada. Isso pode estar relacionado ao fato de que, no estudo citado, foram classificados como caidores idosos com quedas recorrentes relatadas nos últimos seis meses, mostrando que a utilização de um tempo menor para a ocorrência de duas ou mais quedas agrega à amostra idosos com um comprometimento maior do equilíbrio funcional.

Nos estudos de Lajoie, Girard e Guay15 e Lajoie e Gallagher16, mais uma vez encontrou-se uma pontuação menor do que a da presente pesquisa, porém nesses dois estudos foram incluídos idosos tanto de comunidade como de instituições, o que os diferenciou do presente estudo, pois se sabe que idosos institucionalizados tendem a apresentar maiores deficiências.

Observa-se, com isso, que os aspectos metodológicos se diferenciam entre os estudos no que diz respeito à população estudada, ao uso de dispositivos auxiliares e ao período usado para o relato de quedas, sendo esses fatores determinantes para se obter uma pontuação maior ou menor na BBS. Contudo, todos os estudos apontam para um pior desempenho daqueles que já sofreram quedas.

Quanto ao TUGT, observou-se que idosos do grupo sem quedas realizaram a tarefa em um tempo menor comparados aos idosos dos demais grupos, mostrando que idosos caidores apresentaram maior déficit de mobilidade. Assim como no presente estudo, Gunter et al.28 obtiveram como resultado que idosos sem quedas foram significativamente mais rápidos na execução do TUGT comparados aos idosos que tiveram um único evento de quedas e quedas recorrentes (p<0,01).

Shumway-Cook et al.18 aplicaram o TUGT em idosos da comunidade sem relato de quedas e com relato de duas ou mais quedas nos seis meses prévios, e seus resultados sugeriram que idosos que realizavam a tarefa em um tempo maior do que 14 segundos tinham um alto risco de quedas. Chiu, Au-Yeung e Lo20, comparando idosos que haviam caído uma única vez e seus controles, mostraram a existência de diferenças significativas no desempenho do teste (p=0,025). Além disto, Bischoff et al.22 determinaram valor de corte superior a 12 segundos para quedas em idosos saudáveis. Os achados do presente estudo corroboram as pesquisas supracitadas.

Quanto à categorização da BBS, três notas de corte para risco de quedas foram verificadas na literatura, sendo elas: 49 pontos21, 47 pontos20 e 45 pontos13. Comparando essas notas entre os grupos, verificou-se que somente as notas de corte de 47 e de 49 pontos apresentaram diferenças estatísticas entre os não caidores e os caidores recorrentes, mostrando a sua capacidade em diferenciar esses grupos quanto ao histórico de quedas.

O grupo com histórico de uma única queda não apresentou diferenças significativas em relação aos outros dois grupos. Para esses idosos, a queda tanto pode ter sido um evento acidental e consequentemente poderão não apresentar outro episódio, como pode evidenciar a iminência de déficit no controle postural, predispondo-os a se tornarem caidores recorrentes e, portanto, a prevenção de uma futura queda é imprescindível.

Berg et al.13 determinaram como nota de corte o valor de 45 pontos com base na experiência clínica, sendo a amostra composta por moradores de um residencial para idosos que poderiam fazer uso de dispositivos de auxílio à marcha e por idosos que haviam sofrido acidente vascular encefálico (AVE). No presente estudo, a amostra foi composta por idosos saudáveis o que pode explicar o fato de uma nota de corte menor não ter apresentado diferenças estatísticas entre os grupos.

Chiu, Au-Yeung e Lo20 verificaram que a nota de corte de 47 pontos apresentou 88,2% de sensibilidade e 76,5% de especificidade para discriminar idosos não caidores daqueles com histórico de uma única queda, diferente do encontrado no presente estudo, em que essa nota de corte apresentou diferenças estatísticas somente entre os não caidores e os caidores recorrentes. Mais uma vez, a diferença entre as amostras pode explicar o presente achado, sendo que idosos acompanhados por um hospital e que fazem uso de dispositivos de auxílio à marcha apresentam diferenças notáveis em relação àqueles que vivem em comunidade.

Já de acordo com a utilização da nota de corte de 49 pontos, a pesquisa realizada por Shumway-Cook et al.21 e o presente estudo mostraram diferenças significativas entre não caidores e caidores recorrentes, sendo que ambos utilizaram amostras semelhantes.

Com isso, pode-se afirmar que a nota de corte utilizada para determinar o risco de quedas em idosos deve ser diferenciada para populações de comunidade, de instituições, para os que fazem uso de dispositivos de auxílio e para os que apresentam doenças neurológicas, uma vez que esses aspectos influenciam diretamente no desempenho do teste. O objetivo do presente estudo não foi determinar a melhor nota de corte para idosos residentes na comunidade, mas discutir a necessidade de haver notas de cortes distintas para populações diferentes, tornando o instrumento mais sensível.

O TUGT, como variável categórica, foi utilizado no presente estudo seguindo-se a classificação proposta por Posiadlo e Richardson17. Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos 1 e 2 e entre os grupos 1 e 3, mostrando que idosos sem relato de quedas despenderam menos tempo para a realização da tarefa, como já confirmado pela variável contínua desse instrumento. Porém, observou-se que a classificação adotada pelos autores citados não se aplicou aos idosos do presente estudo. Os idosos por eles avaliados eram idosos frágeis, e o tempo de execução da tarefa variou entre 10 e 240 segundos, mostrando serem mais debilitados, enquanto que, no presente estudo, mesmo aqueles que haviam relatado quedas realizaram o teste entre 7 e 28 segundos. De acordo com a classificação dada por Posiadlo e Richardson17, apenas aqueles que realizassem a tarefa em mais de 20 segundos eram considerados como tendo risco de quedas; entretanto, no presente estudo, mais de 80% daqueles que caíram uma única vez e daqueles com quedas recorrentes executaram o teste em menos de 20 segundos. Esses dados sugerem a necessidade de um outro tipo de classificação capaz de tornar o instrumento mais sensível na identificação de idosos da comunidade com risco de quedas.

No entanto, pela média do TUGT, foi possível diferenciar idosos sem quedas daqueles com histórico de uma única queda, diferentemente do encontrado na avaliação por meio da BBS. O TUGT é um teste objetivo devido à cronometragem do tempo para execução da tarefa, o que o torna mais sensível como instrumento, enquanto que a BBS faz uso da observação do avaliador para a análise do desempenho da atividade.

Em relação às notas de corte, tanto para a BBS como para o TUGT, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos 2 e 3. Isso porque as notas visam diferenciar caidores de não caidores, sem o objetivo de distinguir o caidor ocasional do caidor recorrente. Diferenciar esses dois grupos seria de grande importância, já que eles apresentam características distintas quanto ao déficit de equilíbrio e, portanto, precisariam ser abordados, na prática clínica, de forma individualizada.

A correlação entre a BBS e o TUGT foi significante nos três grupos, apresentando uma correlação negativa moderada, ou seja, aqueles com maiores pontuações na BBS realizaram o TUGT em um tempo menor, apontando para o fato de que quanto melhor a capacidade de manutenção do equilíbrio corporal, melhor o desempenho em tarefas funcionais, corroborando a literatura2,17,24,29.

Este estudo traz informações relevantes sobre a diferença do equilíbrio funcional de idosos em relação ao histórico de quedas. A utilização das notas de corte dos testes de equilíbrio devem ser utilizadas com cautela e sempre considerando as características individuais do idoso avaliado. As pontuações totais permitem maior julgamento clínico por parte do terapeuta em relação ao seu paciente idoso, pois considera qualquer pontuação menor que a máxima como alteração do equilíbrio normal e, portanto, passível de prevenção e intervenção do controle postural.

Recebido: 21/07/2008

Revisado: 24/11/2008

Aceito: 02/02/2009

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  • Correspondência para:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      21 Jul 2008
    • Revisado
      24 Nov 2008
    • Aceito
      02 Fev 2009
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