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A visão do ortopedista brasileiro sobre a descarga parcial de peso em ortostase nas fraturas expostas da diáfise da tíbia após osteossíntese

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: As fraturas da diáfise da tíbia são as mais frequentes dentre as dos ossos longos. Há descrições na literatura, de acordo com o método e dispositivo de tratamento, com recomendações que vão desde a descarga total até a proibição do suporte de peso corporal em ortostase. Existem estudos comparando os dispositivos de osteossíntese e os diversos aspectos cirúrgicos, porém não são encontradas referências que descrevam como e quando se deve liberar a descarga sobre o membro acometido na posição ortostática. OBJETIVOS: Verificar, entre os ortopedistas brasileiros, qual ou quais são os métodos de osteossíntese adotados para o tratamento de fraturas expostas de tíbia, se indicam o tratamento fisioterápico, quando e quais fatores influem para liberar a descarga parcial em ortostase, tanto para a função quanto para a fisioterapia. MÉTODOS: 235 ortopedistas responderam a um questionário durante o XIV Congresso Brasileiro de Trauma Ortopédico. RESULTADOS: Os resultados mostraram que, no Brasil, o dispositivo de osteossíntese mais utilizado é o fixador externo (FE), porém a descarga de peso em pé ocorre mais precocemente quando são utilizadas as hastes intramedulares. A grande maioria dos ortopedistas indica fisioterapia, e o período para liberação de descarga de peso parcial em ortostatismo varia de acordo com o material de síntese utilizado. Conclusões: Concluiu-se que há preferência pelos FEs, a grande maioria indica tratamento fisioterápico e o material de síntese influencia o tempo de liberação de descarga parcial de peso em ortostatismo.

osteossíntese; tíbia; fisioterapia; ortopedista


BACKGROUND: Tibial shaft fractures are the most frequent among long bone fractures. They are described in the literature according to the device and method of treatment, with recommendations that range from full weight bearing to non-weight bearing restrictions. There are studies comparing osteosynthesis devices and surgical aspects, but no references were found on how or when to allow weight bearing on the affected limb in the standing position. OBJECTIVES: The present study learned from Brazilian orthopedists which methods of osteosynthesis they use to treat open tibial fractures, whether they refer patients to physical therapy, when and why they allow partial weight bearing for both physical activity and therapy. METHODS: Two hundred and thirty-five orthopedists answered a questionnaire during the 14th Brazilian Conference of Orthopedic Trauma. Results: The results showed that, in Brazil, the most widely used osteosynthesis device is the external fixator, but earlier weight bearing while standing occurs when intramedullary nails are used. Most orthopedists refer patients to physical therapy and allow partial weight bearing in the standing position according to the material used for synthesis. CONCLUSIONS: It was concluded that there is a preference for external fixation, that most orthopedists refer patients to physical therapy and that the synthesis material influences restrictions on partial weight bearing.

osteosynthesis; tibia; physical therapy; orthopedist


ARTIGO ORIGINAL

A visão do ortopedista brasileiro sobre a descarga parcial de peso em ortostase nas fraturas expostas da diáfise da tíbia após osteossíntese

Valéria R. G. Sella; Paula C. D. Machado; Hélio J. A. Fernandes; William R. Limonge; Fernando B. Reis; Flávio Faloppa

Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina (EPM), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Valéria Regina Gonzalez Sella Rua Borges Lagoa, 783 - cj 51 e 52 CEP 04038-031, São Paulo (SP), Brasil e-mail: valsella@uol.com.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: As fraturas da diáfise da tíbia são as mais frequentes dentre as dos ossos longos. Há descrições na literatura, de acordo com o método e dispositivo de tratamento, com recomendações que vão desde a descarga total até a proibição do suporte de peso corporal em ortostase. Existem estudos comparando os dispositivos de osteossíntese e os diversos aspectos cirúrgicos, porém não são encontradas referências que descrevam como e quando se deve liberar a descarga sobre o membro acometido na posição ortostática.

OBJETIVOS: Verificar, entre os ortopedistas brasileiros, qual ou quais são os métodos de osteossíntese adotados para o tratamento de fraturas expostas de tíbia, se indicam o tratamento fisioterápico, quando e quais fatores influem para liberar a descarga parcial em ortostase, tanto para a função quanto para a fisioterapia.

MÉTODOS: 235 ortopedistas responderam a um questionário durante o XIV Congresso Brasileiro de Trauma Ortopédico.

RESULTADOS: Os resultados mostraram que, no Brasil, o dispositivo de osteossíntese mais utilizado é o fixador externo (FE), porém a descarga de peso em pé ocorre mais precocemente quando são utilizadas as hastes intramedulares. A grande maioria dos ortopedistas indica fisioterapia, e o período para liberação de descarga de peso parcial em ortostatismo varia de acordo com o material de síntese utilizado. Conclusões: Concluiu-se que há preferência pelos FEs, a grande maioria indica tratamento fisioterápico e o material de síntese influencia o tempo de liberação de descarga parcial de peso em ortostatismo.

Palavras-chave: osteossíntese; tíbia; fisioterapia; ortopedista.

Introdução

As fraturas da diáfise da tíbia são as mais frequentes dentre as dos ossos longos, mas seu tratamento ainda é controverso1. Existem diversos métodos de tratamento descritos nos últimos 50 anos2. A incidência dessas fraturas é maior no sexo masculino e na faixa etária de 21 a 30 anos, sendo os acidentes de trânsito sua causa mais frequente3-5.

A vantagem primária do uso de implantes sobre a estabilidade mecânica da fratura é a melhoria das condições de partes moles e do processo de cicatrização, e a facilitação da manipulação e da irrigação sanguínea, o que diminui a incidência de infecção óssea e permite melhora das condições locais, promovendo a consolidação óssea6. Atualmente existe concordância quanto ao padrão ouro para a estabilização das fraturas expostas diafisárias da tíbia até a classificação de Gustilo IIIB, que consiste no uso das hastes intramedulares bloqueadas e fresadas (HIMBFs)5,7. Em determinadas situações, pode haver a necessidade da indicação de fixadores externos (FEs) para proporcionar estabilização provisória ou definitiva, ou ainda de placas em ponte (PPs) como opção de tratamento. Não há consenso na literatura a respeito da quantidade de carga recomendada para o período pós-operatório (PO), ou mesmo o tempo que o paciente deverá permanecer sem descarregar peso sobre o membro operado7.

A consolidação óssea dessas fraturas leva, em média, cinco meses, e a reabilitação funcional leva cerca de um ano quando não há a necessidade de tratamento cirúrgico adicional7. Fernandes et al.8 compararam 45 pacientes com fraturas diafisárias de tíbia multifragmentadas fechadas tratadas com hastes intramedulares bloqueadas não fresadas (HIMBNFs) e PPs; concluíram que o tempo de consolidação foi menor com o uso de PPs, porém sem diferenças funcionais significantes. Um estudo comparativo entre HIMBFs e pinos de Ender (PEs) para o tratamento de fraturas diafisárias de tíbia concluiu que os dois métodos são semelhantes para algumas fraturas9. Vasarhelyi et al.10 defenderam a mobilização precoce e a descarga parcial de peso como princípios aceitos para a reabilitação pós-operatória de traumas no membro inferior e afirmaram que há clara vantagem na descarga parcial de peso na postura ortostática imediata sobre o não apoio.

No estudo transversal de Balbachevisky et al.11, pesquisou-se a opinião dos ortopedistas brasileiros quanto aos aspectos cirúrgicos do tratamento das fraturas expostas da diáfise da tíbia nos adultos. Os resultados demonstraram que a maioria absoluta concorda quanto à classificação, indicação de tratamento cirúrgico, pressão de irrigação, antissépticos para a limpeza cirúrgica, tempo para a cobertura óssea e método de estabilização, e que não há concordância quanto às indicações de fechamento primário das lesões e ao tempo de uso de antibióticos.

Apesar da literatura atual apresentar diversos estudos que comparam os dispositivos de osteossíntese e os diversos aspectos cirúrgicos, não são encontradas referências específicas a respeito do momento ideal para a descarga parcial de peso na postura ortostática. O objetivo deste estudo foi verificar, entre os ortopedistas brasileiros, qual ou quais são os métodos de osteossíntese adotados para o tratamento de fraturas expostas de tíbia, quando indicam o tratamento fisioterápico, quando e quais fatores influem para liberar a descarga parcial em ortostase, tanto para a função quanto para a fisioterapia.

Materiais e métodos

Durante os três dias do XIV Congresso Brasileiro de Trauma Ortopédico realizado em Curitiba, em maio/2008, foram entrevistados 235 ortopedistas por meio de um questionário que abordava diversos aspectos do tratamento de fraturas expostas diafisárias da tíbia. Foram escolhidos como critérios de inclusão para este estudo: presença do médico ortopedista brasileiro no congresso e ainda aceite e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado juntamente com o questionário. Os critérios de exclusão foram: médicos residentes e estudantes de medicina. A adesão ao estudo foi voluntária, e a identidade dos participantes foi mantida em sigilo.

Os pesquisadores abordavam os entrevistados, explicavam o propósito do estudo e o preenchimento do questionário. Quando havia eventuais dúvidas durante o desenvolvimento deste processo, essas eram sanadas mediante explicação dada pelos pesquisadores, ou assinaladas para um posterior esclarecimento na entrega dos mesmos. Se os participantes não achassem uma resposta adequada a seu entendimento, deveriam deixar a questão em branco.

No questionário, havia questões sobre o tratamento clínico, cirúrgico e a reabilitação das fraturas expostas da tíbia. As questões foram apresentadas em forma de testes, com respostas objetivas. Constavam os seguintes itens: identificação, frequência de tratamento, classificação adotada, indicações cirúrgicas, implantes preferidos nas cirurgias, indicação do tempo necessário (em dias de PO) para liberação de descarga parcial de peso na postura ortostática (para os dispositivos de síntese que cada participante utilizava), indicação para realizar tratamento de fisioterapia e o aspecto mais influente na liberação de descarga parcial em ortostase (Anexo 1 Anexo 1 ).

As respostas dos questionários foram tabuladas12, e as distribuições por tipos de fixação foram comparadas pelo Teste Exato de Fisher, rejeitando a hipótese de independência com p>0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob o número CEP160/08.

Resultados

A maioria dos médicos (48,9%) pertencia à região sudeste do país, seguidos pela região sul (27,4%) e nordeste (13,7%), sendo que o centro-oeste representou 8,2% e o norte 1,8%. Quanto às especialidades, os traumatologistas corresponderam a 51% do público e as especialidades de quadril e joelho compuseram 13,8% e 12,7%, respectivamente. A maioria (31,9%) realizava mais de 30 procedimentos cirúrgicos por ano; 25,9%, entre 16 e 30 fraturas; 18,5%, entre 11 e 15 e apenas 10,3%, menos de 6 casos por ano.

A classificação mais usada foi a Gustillo-Anderson (83,5%), seguida por AO_ASIF (12%) e Tscheme-Gotzen (4,1%).

A Tabela 1 apresenta as informações obtidas em cada método de fixação quanto à liberação parcial de descarga de peso em ortostase, encaminhamento à fisioterapia, liberação para tratamento, usando exercícios para descarga de peso em pé e o fator mais influente para tal.

O método de estabilização mais utilizado pelos participantes foi o FE (83,4%), seguido pelas HIMBNFs (48,5%) e HIMBFs (48,1%). O uso de PPs correspondeu a 35,7% dos médicos entrevistados, e os PEs foram encontrados em apenas 0,9% dos participantes. Observa-se uma preferência pelo uso do FE (p<0,001).

Nota-se que existe um consenso em torno de 96% dos traumatologistas quanto ao encaminhamento à fisioterapia, independente do tipo de fixação (p=0,810) e concentração da liberação para tratamento usando exercícios para descarga de peso após 30 dias de PO, em média, de 52,4% (p=0,915).

A maior concentração de liberação para descarga parcial usando o FE está entre 30 e 44 dias de PO (21,4%) e entre 45 e 59 dias de PO (19,3%), mas essa tendência não apresentou significância estatística (p=0,054). 96,4% dos entrevistados afirmaram solicitar tratamento fisioterápico ao escolher o FE; desses somente 51,4% permitiriam exercícios com descarga de peso após 30 dias de PO (p<0,001). O fator mais influente para liberar a descarga parcial para esse implante foi o tipo de material de síntese utilizado (TMSU), representando 70,3% das opiniões; 35,9% levam mais em consideração os resultados das radiografias e 14,9%, a dor.

A HIMBNF teve sua maior concentração de liberação para descarga parcial em ortostase entre um e sete dias de PO (35,1% - p<0,001). A recomendação de tratamento de fisioterapia foi observada em 94,7% dos casos, sendo que o período mais usado para liberar exercícios com descarga parcial de peso concentrou-se em 30 dias após o PO, com 48,5% das opiniões (p<0,001). O fator mais influente para liberar a descarga parcial foi o TMSU, representando 71,7% das opiniões.

Segundo 43,4% dos participantes, o uso da HIMBF permite descarga parcial de peso entre um e sete dias de PO; esse agrupamento é significante estatisticamente (p<0,001). A extensa maioria dos participantes que escolheu a HIMBF afirmou recomendar o tratamento fisioterápico para as fraturas expostas de tíbia (97,3%). O período mais frequente para recomendar o tratamento fisioterápico com descarga de peso em pé foi entre 30 e 44 dias de PO (58,8% - p<0,001).

Segundo 18,3% dos participantes, o uso da PP permite descarga parcial de peso entre um e sete dias de PO. Os períodos de 30 a 44 dias e de 45 a 89 dias, com respectivamente 19,5% e 18,3%, foram também bastante citados, não havendo um período de concentração (p=0,061) de liberação de descarga de peso em ortostatismo. A grande maioria dos participantes (96,4%) afirmou recomendar o tratamento fisioterápico para as fraturas expostas de tíbia usando PP. Os participantes escolheram o período após 30 dias de PO (52,6%) como o mais frequente para recomendar exercícios com descarga em pé. O fator que mais influencia esses profissionais novamente é o TMSU (70,2%).

Apenas dois participantes optaram pelo uso dos PEs (0,9% dos participantes), o que impossibilitou a análise detalhada desse fixador.

A Figura 1 apresenta, de forma ilustrada, o período em que os ortopedistas entrevistados afirmaram liberar descarga parcial de peso em ortostase em cada método de fixação.


Discussão

Bhandari et al.13, por meio de revisão sistemática e metanálise, compararam a utilização de HIMBNFs com FEs no tratamento de fraturas expostas de tíbia. Os autores concluíram que, nos pacientes tratados com hastes intramedulares, houve significante redução do número de reoperações, de falhas do implante e de infecção em relação aos pacientes tratados com FE13,14. Na revisão sistemática que compara hastes intramedulares com ou sem fresamento do canal medular, os resultados demonstraram que, na fresagem do canal, os resultados são significativamente melhores. Indiretamente, Bhandari et al.13 concluíram que o tratamento de fraturas diafisárias expostas com HIMBFs do canal medular tem melhores resultados quando comparado com os FEs. Neste estudo, observou-se uma equivalência nas indicações de FEs (83,4%) e hastes intramedulares (80,9%), quando somadas as fresadas e não fresadas.

Em nosso meio, a utilização de FEs é maior do que o de hastes intramedulares11. Isso porque os fixadores têm custo mais baixo, maior disponibilidade, tem curva de aprendizagem menor, e os resultados, como comentado anteriormente, são satisfatórios. Ainda há a possibilidade de se utilizarem temporariamente os FEs e, depois, realizar-se a conversão para fixação interna definitiva. Este estudo confirma tais dados ao apresentar 83,4% dos médicos afirmando utilizar esse dispositivo.

A utilização de PPs ocorreu em 35,6% dos entrevistados. Esse método de tratamento tem sido utilizado em nosso meio também como um recurso de menor custo e maior disponibilidade. Um outro aspecto deste estudo foi o fato de apenas 0.9% dos ortopedistas utilizarem os PEs. Embora os trabalhos de Merianos, Cambouridis e Smyrnis15 e de Sakaki, Crocci e Zumiotti9 concluírem que os resultados de osteossínteses com hastes e PEs são semelhantes, não foi constatado como método de preferência.

Segundo os profissionais entrevistados, as HIMBFs permitem descarga parcial do peso corporal em posição ortostática em menor tempo. De fato, estudos biomecânicos comparando HIMBFs, FEs e placas demonstraram que as hastes conferem maior estabilidade. A indicação mais cedo de fisioterapia com exercícios de descarga de peso em ortostase em pacientes que utilizam hastes intramedulares comprova essa confiança. Um método menos estável retarda a liberação do paciente para descarga parcial de peso na posição ortostática e pode, muitas vezes, alterar o esquema e a distribuição simétrica do peso corporal desse indivíduo a médio e longo prazo.

Há alguma disparidade até mesmo na literatura quanto ao apoio, mesmo que parcial, do peso corporal em ortostase, o que pode refletir no fato de não haver consenso entre os entrevistados para todos os dispositivos, como no caso dos FEs e PPs. Court-Brown16 afirma que, quando tolerável, as hastes fresadas seriam suficientemente resistentes para possibilitar o apoio imediato do peso, e que as hastes não fresadas não teriam a mesma segurança. Quanto aos FEs, considera a descarga relacionada à presença de consolidação radiográfica da fratura, afirmando que poucos deles proporcionariam suficiente estabilidade para o apoio17. Por outro lado, Sande et al.18 e Hoppenfeld e Murthy19 afirmaram que a bipedestação seria bastante precoce na primeira semana de PO, tanto para hastes intramedulares como para FEs. A sustentação de peso seria tardia apenas para as PPs. Este estudo encontrou 18,3% dos entrevistados que afirmaram permitir descarga parcial entre primeiro e o sétimo dia em osteossínteses usando PPs; contrariamente aos dados de diversos autores que permitem a descarga de peso, até mesmo parcial, apenas após sinais radiográficos de consolidação óssea20-22.

Pode ser considerado fator positivo encontrar a opção de recomendar tratamento fisioterápico em cerca de 96% dos questionários preenchidos, dado o impacto que uma fratura exposta da tíbia pode causar em um indivíduo jovem e em idade produtiva. A reabilitação precoce dos pacientes permite um retorno mais rápido às atividades de vida diária. Diversos autores demonstraram que a mobilização e a retomada precoces da função de sustentação promovem melhora da mobilidade, redução do período de internação e da morbidade e redução dos custos do sistema de saúde22. A descarga parcial de peso em ortostase para pacientes submetidos a estabilização das fraturas com hastes intramedulares e FEs pode ser realizada em alguns dias. Esses benefícios promovem um aporte sanguíneo maior ao local das lesões tanto ósseas quanto de partes moles, possibilitando um processo de reparação mais rápido15,23,24.

Karladani et al.25, em estudo de coorte, compararam função de membro inferior pós-fratura de tíbia tratada com gesso ou haste intramedular. Concluíram que os pacientes tratados com haste obtiveram melhor controle postural, melhor performance no teste unilateral em pé e ainda apresentaram melhor relação de simetria para força de contração isométrica. Poder-se-ia considerar que essa diferença se deu pelo fato de os indivíduos tratados com haste poderem realizar atividade em posição ortostática antes daqueles que foram tratados com gesso, reduzindo as perdas de controle e distribuição do peso corporal.

Duda et al.26, ao medir o impacto da descarga parcial de peso em posição ortostática após 14 dias de PO com FE, demonstraram que a descarga parcial não alterou a consolidação, que não houve relação direta entre movimentação interfragmentar e forças de carga e descarga parciais e que auxiliou a conscientização dos pacientes. Resultados semelhantes foram relatados por Segal et al.27 para fraturas de planalto tibial.

Cerca de 52% dos entrevistados recomendaram exercícios com descarga parcial de peso em ortostase após 30 dias, com pequena variação entre os diversos métodos de tratamento. Esse percentual segue um padrão semelhante em todos os períodos avaliados, o que não se mostra coerente com o fato de cerca de 70% acreditarem que o TMSU na osteossíntese é o fator mais influente para a decisão de liberar descarga de peso em pé. Os dispositivos têm diferentes funções, mas tornaram-se semelhantes quando o profissional decidiu sobre o tratamento com descarga de peso.

Essas informações podem dificultar o sucesso do trabalho fisioterápico, porque o tornam mais lento quando se pensa em trabalhar a simetria e a distribuição de peso corporal, importantes para o indivíduo que necessita retornar à vida anterior à fratura. Ressalta-se que essas lesões ocorrem em pacientes que se encontram em fase altamente produtiva de trabalho. A reabilitação, quando realizada de forma apropriada, acelera o processo de recuperação e permite um retorno precoce às atividades de trabalho. Certamente maiores investimentos governamentais na área de reabilitação propiciariam menores custos para a sociedade. Retornar ao trabalho, realizar atividades domésticas, cuidar de si e da família são afazeres que dependem do controle postural e da resistência e distribuição muscular, dificultadas pela assimetria postural adquirida no período em que o membro não fez descarga de peso em pé. A utilização, pela maioria dos ortopedistas, de um método que creditam ao atraso na descarga do peso em pé, acrescido à falta de informação a respeito de quando se deve permitir o trabalho fisioterápico com exercícios em ortostatismo, faz com que a cinesioterapia aplicada a esses pacientes seja menos efetiva.

Bourdieu28 questiona a relação entre entrevistados e entrevistadores. Acredita-se que se faz necessário questionar o próprio questionário. Muitas vezes, o informante não responde adequadamente por não ter tempo disponível ou até mesmo responde rapidamente sem entender adequadamente a pesquisa. Outras vezes, as questões propostas não são relevantes para aquele indivíduo, ou ele nunca se questionou sobre o que está sendo perguntado. Assim sendo, nesta pesquisa, foram debatidos e esclarecidos, imediatamente, possíveis questionamentos e eventuais dúvidas juntamente com os pesquisadores envolvidos. Acreditou-se que isso melhoraria a confiabilidade e facilitaria a reprodutibilidade dos resultados apresentados por meio de um questionário.

O fato de haver cinesioterapia adequada e métodos de osteossíntese que proporcionam a descarga de peso precoce em ortostase e os conhecidos benefícios que isso pode trazer ao paciente, tornam possível creditar que o esclarecimento multiprofissional poderia acelerar o processo de recuperação.

As conclusões deste estudo permitem afirmar que os FEs foram o método preferido pela maioria dos ortopedistas brasileiros para o tratamento de fraturas expostas diafisárias da tíbia, e que o tratamento fisioterápico é indicado pela maioria dos ortopedistas.

Quando o método de tratamento é haste intramedular bloqueada, a indicação de descarga de peso em ortostatismo é anterior somente para função, sem se aplicar para o tratamento fisioterápico, muito semelhante para os diversos métodos de osteossíntese apesar de a maioria deles afirmar que o TMSU é o fator que mais influencia a liberação para descarga de peso parcial em ortostatismo.

Recebido: 07/10/2008

Revisado: 19/01/2009

Aceito: 24/04/2009

Anexo 1 Anexo 1 - Clique para ampliar Anexo 1

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Anexo 1

  • Correspondência:
    Valéria Regina Gonzalez Sella
    Rua Borges Lagoa, 783 - cj 51 e 52
    CEP 04038-031, São Paulo (SP), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Abr 2009
    • Revisado
      19 Jan 2009
    • Recebido
      07 Out 2008
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
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