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Influência do tabagismo atual na aderência e nas respostas à reabilitação pulmonar em pacientes com DPOC

Resumos

OBJETIVO: Investigar o possível efeito modulador do tabagismo atual na aderência e nos efeitos da reabilitação pulmonar (RP) em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). MÉTODOS: Em um estudo prospectivo, 18 pacientes ex-tabagistas e 23 tabagistas atuais (GOLD estádios II-IV) foram incluídos num programa multidisciplinar de RP com duração de 12 semanas. Os pacientes foram submetidos à avaliação clínica e à de variáveis subjetivas (dispneia e qualidade de vida) e objetivas (composição corporal, função pulmonar e teste da caminhada de 6 minutos). Nos pacientes tabagistas, obteve-se o nível de dependência da nicotina pela escala de Fagerström. A interrupção da RP antes do término previsto foi considerada indicativa de não aderência ao programa. RESULTADOS: A proporção de pacientes não-aderentes à RP foi maior nos tabagistas do que nos ex-tabagistas (30,4% vs 11,1%, respectivamente; razão de chance=2,9 (1,6-4,1); p<0,01). Entretanto, os tabagistas atuais que completaram o programa (n=16) apresentaram taxa de absenteísmo à RP similar ao observado nos ex-tabagistas, assim como ganhos equivalentes nas respostas subjetivas (qualidade de vida) e objetivas (distância caminhada). Adicionalmente, houve redução significante no número de cigarros consumidos diariamente e no grau de dependência da nicotina nos tabagistas atuais (p<0,05). CONCLUSÕES: Embora o tabagismo atual reduza a aderência à RP, pacientes tabagistas com DPOC que completam tais programas apresentam ganhos funcionais e na qualidade de vida equivalentes aos observados nos ex-tabagistas. A RP, mesmo sem um programa estruturado de cessação do tabagismo, pode associar-se com redução, ao menos a curto prazo, da dependência da nicotina.

DPOC; reabilitação; exercício; tabagismo; fisioterapia


OBJECTIVE: To investigate the modulating effects of current smoking on adherence and responses to pulmonary rehabilitation (PR) in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD). METHODS: In a prospective study, 18 ex-smokers and 23 current smokers (GOLD stages II-III) were enrolled in a 12-week multidisciplinary, supervised PR program. The patients were assessed clinically and as to subjective variables (dyspnea and health-related quality of life) and objective variables (body composition, pulmonary function and 6-min walking distance). The degree of nicotine dependence in current smokers was assessed by the Fagerström test. Program completion defined PR "adherence". RESULTS: There was a significant association between current smoking and non-adherence to PR with 30.4% vs. 11.1% and odds ratio=2.9 (1.6-4.1; p<0.01). However, the current smokers who completed the program (n=16) had a similar absentee rate to the ex-smokers, as well as similar gains in the subjective (quality of life) and objective (walked distance) items. Additionally, there was a significant reduction in daily cigarette consumption and in the degree of nicotine dependence in current smokers (p<0.05). CONCLUSIONS: Although current smoking is negatively related to PR adherence, COPD smokers who complete the PR can have similar gains in functionality and quality of life compared to ex-smokers. Moreover, PR may be related to decreased nicotine dependence, even without a formal smoking withdrawal program.

COPD; rehabilitation; exercise; smoking; physical therapy


ARTIGO ORIGINAL

Influência do tabagismo atual na aderência e nas respostas à reabilitação pulmonar em pacientes com DPOC

Vivian T. S. SantanaI, II; Selma D. SquassoniIII; José Alberto NederIV, V; Elie FissIV

IDepartamento de Fisioterapia, Hospital Municipal Universitário de São Bernardo do Campo, São Bernardo do Campo (SP), Brasil

IIDepartamento de Fisioterapia, Hospital e Maternidade Beneficência Portuguesa de Santo André, Santo André (SP), Brasil

IIIDepartamento de Reabilitação Pulmonar, Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André (SP), Brasil

IVDepartamento de Pneumologia, FMABC

VDepartamento de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Elie Fiss Av. Lauro Gomes, 2000, Vila Sacadura Cabral CEP 09060-870, Santo André (SP), Brasil e-mail: viviansimioni@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar o possível efeito modulador do tabagismo atual na aderência e nos efeitos da reabilitação pulmonar (RP) em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

MÉTODOS: Em um estudo prospectivo, 18 pacientes ex-tabagistas e 23 tabagistas atuais (GOLD estádios II-IV) foram incluídos num programa multidisciplinar de RP com duração de 12 semanas. Os pacientes foram submetidos à avaliação clínica e à de variáveis subjetivas (dispneia e qualidade de vida) e objetivas (composição corporal, função pulmonar e teste da caminhada de 6 minutos). Nos pacientes tabagistas, obteve-se o nível de dependência da nicotina pela escala de Fagerström. A interrupção da RP antes do término previsto foi considerada indicativa de não aderência ao programa.

RESULTADOS: A proporção de pacientes não-aderentes à RP foi maior nos tabagistas do que nos ex-tabagistas (30,4% vs 11,1%, respectivamente; razão de chance=2,9 (1,6-4,1); p<0,01). Entretanto, os tabagistas atuais que completaram o programa (n=16) apresentaram taxa de absenteísmo à RP similar ao observado nos ex-tabagistas, assim como ganhos equivalentes nas respostas subjetivas (qualidade de vida) e objetivas (distância caminhada). Adicionalmente, houve redução significante no número de cigarros consumidos diariamente e no grau de dependência da nicotina nos tabagistas atuais (p<0,05).

CONCLUSÕES: Embora o tabagismo atual reduza a aderência à RP, pacientes tabagistas com DPOC que completam tais programas apresentam ganhos funcionais e na qualidade de vida equivalentes aos observados nos ex-tabagistas. A RP, mesmo sem um programa estruturado de cessação do tabagismo, pode associar-se com redução, ao menos a curto prazo, da dependência da nicotina.

Palavras-chave: DPOC; reabilitação; exercício; tabagismo; fisioterapia.

Introdução

A reabilitação pulmonar (RP) tem se mostrado essencial como tratamento adjuvante da doença pulmonar obstrutiva crônica(DPOC), otimizando o nível de independência e tolerância ao exercício com consequente melhora da qualidade de vida1,2. Embora a RP tenha um caráter multidisciplinar, diversos estudos controlados e randomizados demonstraram que o treinamento físico estruturado é crucial para a melhora clínico-funcional, com repercussões prognósticas3.

Infelizmente, a capacidade dos serviços de saúde em oferecer tais programas para todos os pacientes com indicação de RP é sabidamente inferior à real demanda1,2,4. Um dos critérios frequentemente utilizados de elegibilidade para um programa de RP é a exclusão dos pacientes tabagistas atuais1,3. Tal conduta baseia-se no pressuposto de que tais pacientes seriam menos aderentes à RP5,6 e que, devido aos efeitos nocivos do tabagismo mantidos na função pulmonar7 e na musculatura esquelética8, os possíveis ganhos seriam inferiores aos observados nos pacientes não-fumantes. Adicionalmente, sabe-se que pacientes tabagistas são menos propensos a iniciar e manter atividade física regular9,10. Entretanto, as evidências disponíveis para consubstanciar o conceito de que a RP não deveria ser oferecida aos tabagistas atuais são escassas, como recentemente admitido2. De fato, alguns estudos randomizados admitiram tabagistas em seus programas11,12, e a influência do tabagismo atual nos principais desfechos clínicos e funcionais da RP na DPOC continua controverso.

Portanto, o propósito principal deste estudo foi o de avaliar a aderência e os impactos subjetivos (dispneia e qualidade de vida relacionada à saúde) e objetivos (composição corporal, função pulmonar e capacidade de exercício) da RP em tabagistas atuais e ex-tabagistas com DPOC. A hipótese principal do estudo foi a de que o tabagismo atual não influenciaria negativamente na aderência e nos ganhos advindos da RP nessa população de pacientes.

Materiais e métodos

Amostra

Foram avaliados, por conveniência e consecutivamente, 41 pacientes de ambos os sexos com diagnóstico de DPOC (GOLD estádios II-IV)13 encaminhados pelo serviço ambulatorial da instituição e serviços privados de atendimento pneumológico. Todos os pacientes apresentavam distúrbio ventilatório obstrutivo, tipicamente de intensidade moderada à acentuada (VEF1/CVF<0,7 e VEF1<60% do previsto). Os pacientes foram separados em: grupo I (n=18), constituído de ex-tabagistas há pelo menos 6 meses e grupo II (n=23), formado por tabagistas atuais.

Foram considerados critérios de inclusão: dispneia crônica nas atividades de vida diária (escores de dispneia >I de acordo com a classificação do Medical Research Council modificada)4 e estabilidade clínica, como indicada pela ausência de mudanças no esquema terapêutico ou exacerbação de qualquer gravidade nas 12 semanas precedentes. Os critérios de exclusão foram: presença de distúrbio locomotor ou neurológico, indicação e/ou uso de oxigenoterapia crônica domiciliar, reabilitação pulmonar no ano precedente, uso crônico de esteroides orais, diagnóstico concomitante de doença maligna, insuficiência cardíaca crônica, hepatopatia ou nefropatia. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil, protocolo nº132/2006, e todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Protocolo

Os participantes foram submetidos, pré e pós-RP, à avaliação clínica e antropométrica, mensuração dos escores de dispneia crônica (Medical Research Council modificado)4 e qualidade de vida relacionada à saúde (questionário St. George)14, avaliação do grau de dependência da nicotina (escala de Fagerström)15, espirometria, medida das pressões respiratórias máximas e teste de caminhada de seis minutos (TC6). Todos os questionários foram aplicados por um mesmo examinador que permaneceu cego quanto à história tabágica dos pacientes.

Mensurações

Aderência à RP

A aderência à RP foi definida como a capacidade do indivíduo de finalizar o programa proposto, com um mínimo de 80% de sessões atendidas16-18. Caso o paciente interrompesse a RP antes do período proposto, o mesmo era inquirido acerca das razões da desistência.

Escala de dispneia na vida diária

O grau de dispneia nas atividades cotidianas foi mensurada pela escala modificada do Medical Reserch Concil (MRC)4. Nesse instrumento, "0" representa falta de ar no exercício intenso e "4", dispneia ao repouso. Uma versão traduzida para o Português, e previamente validada no nosso meio, do questionário de qualidade de vida Saint George (SGRQ)14 foi utilizado para avaliar os sintomas do paciente e suas influências durante as atividades diárias. O SGRQ aborda aspectos relacionados a três domínios: sintomas, atividades e impactos psicossociais. Nesse instrumento, a qualidade de vida relaciona-se inversamente com a pontuação: reduções iguais ou maiores do que 4 pontos após intervenção indica melhora significativa na qualidade de vida19.

Escala de dependência da nicotina

A escala de Fagerström foi utilizada nos pacientes tabagistas ativos a fim de verificar o grau de dependência da nicotina15. Essa escala possui seis questões acerca dos hábitos de consumo de cigarros pelos pacientes, sendo classificado o grau de dependência como leve (0-4), moderado (5-7) ou grave (8-10).

Medidas antropométricas

A massa corporal (kg) e a estatura (m) foram obtidas numa balança antropométrica da marca Filizola® (Filizola, São Paulo, Brasil). Tais dados foram utilizados para o cálculo posterior do índice de massa corpórea (IMC=peso/altura2, kg/m2). Adicionalmente, procedeu-se à adipometria, com a obtenção, em triplicata e pelo mesmo avaliador, das medidas das pregas cutâneas no hemicorpo direito por meio do adipômetro Sanny® (American Medical do Brasil, São Bernardo do Campo, Brasil). As pregas avaliadas foram: triciptal, suprailíaca, torácica, abdominal e crural. Considerou-se o valor médio das medidas. A partir dos dados obtidos, calculou-se a densidade média e % de gordura e massa magra corpórea20.

Testes de função pulmonar

Espirometria pré e pós-broncodilatador (400 µg de salbutamol via dosímetro inalador) foi realizada no sistema Koko® (Koko spirometry, Louisville, CO, EUA), pelo mesmo técnico, utilizando-se um pneumotacógrafo calibrado. Os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade foram aqueles definidos pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia21. Foram obtidos a capacidade vital forçada (CVF, L), o volume expiratório forçado no primeiro segundo da CVF (VEF1, L) e a relação entre ambos; nas manobras lentas, obteve-se a capacidade inspiratória (CI, L). Os valores obtidos foram comparados aos previstos para a população brasileira adulta22. No presente estudo, são apresentados apenas os valores funcionais otimizados, ou seja, após o broncodilatador.

Foram também realizadas as mensurações da pressão inspiratória máxima (PImáx, cmH2O) a partir do volume residual e da pressão expiratória máxima (PEmáx, cmH2O) a partir da capacidade pulmonar total. O teste foi realizado com paciente sentado, utilizando um manovacuômetro da marca Newmed® (Newmed, São Paulo, Brasil), com medida de -150/+150 cmH2O. Foram realizadas pelo menos três medidas, pelo mesmo observador, com o registro do maior valor obtido, desde que o mesmo não fosse o último a ser registrado.

Teste de caminhada de seis minutos

No TC6, foi determinada a distância percorrida em seis minutos num corredor desobstruído de 30 metros com encorajamento padronizado. Os aspectos técnicos foram os recomendados pela American Thoracic Society23. No decorrer do teste, a saturação da oxiemoglobina por oximetria de pulso (SpO2%) e frequência cardíaca (FC bpm) foram aferidos (Moriya®, modelo 1005; Moriya, São Paulo, Brasil). O cansaço nos membros inferiores e a dispneia foram avaliados ao final do teste pela escala categórica de Borg23.

Intervenções

O programa de RP foi realizado no período de três meses, com frequência de três sessões semanais, com duração de 60 minutos cada, num total de 36 sessões. Em adição ao treinamento físico eram realizadas mensalmente palestras educacionais que abordavam aspectos sobre a doença, atividade de vida diária, conservação de energia, conscientização corporal e orientação nutricional. Embora os efeitos maléficos do tabagismo e a importância do hábito na manutenção dos sintomas tenham sido discutidos, não houve um programa padronizado de cessação do tabagismo, nem a administração de tratamento farmacológico adjuvante.

Os dois grupos foram submetidos conjuntamente ao mesmo treinamento físico, baseado nas recomendações da American Thoracic Society1, o qual se constitui de: (i) aquecimento seguido de condicionamento aeróbio por 20 minutos, realizado em bicicletas ergométricas da marca Movement® (Movement, Bike vertical BM2800, com resistência eletromagnética, Manaus, Brasil), com intensidade modulada de acordo com a tolerância individual (escores de Borg para dispneia de 4-5)23; (ii) alongamento da musculatura a ser trabalhada durante a sessão; (iii) treinamento resistido dos membros superiores e inferiores a 50% da carga máxima atingida num teste incremental prévio, aumentando-se 0,5 Kg de acordo com a tolerância do paciente, e (iv) desaquecimento, composto de alongamento da musculatura trabalhada durante a sessão. O treinamento foi continuamente supervisionado, e oxigênio suplementar foi utilizado quando se observava queda significativa da SpO2 (<90%).

Análise estatística

O tamanho amostral mínimo (N=15) para cada grupo foi calculado considerando-se um ganho de 54 m na distância caminhada como desfecho primário24, assumindo-se risco α de 5% e potência estatística de 80%. A aderência à RP não foi utilizada para o cálculo do tamanho amostral por se tratar de variável categórica dicotômica (abandono ou não). Os dados coletados foram analisados em um programa específico para análise estatística (Statistical Package for the Social SciencesTM - SPSS, versão 13.0).

Uma análise descritiva inicial foi realizada para avaliar a distribuição das variáveis assim como a presença de possíveis inconsistências na base de dados (outliers). As variáveis foram expressas como médias e desvio-padrão ou mediana (variação) de acordo com a natureza simétrica ou assimétrica das distribuições (Kolmogorov-Smirnov). Teste t não-pareado de Student ou teste de Mann-Whitney foram realizados para a comparação dos grupos na avaliação basal. O teste do χ2 e exato de Fisher, quando necessário, foram utilizados para investigar a associação entre variáveis. Razão de chance (odds ratio) para aderência à RP, com seu respectivo intervalo de confiança em nível de 95% (IC 95%), foi calculada a partir de uma tabela de contingência. O teste do sinal (sign test) foi utilizado para analisar mudanças individuais na ocorrência de variáveis dicotômicas. Análise de variância (ANOVA) de duas vias para medidas repetidas foi empregada para a comparação entre os grupos nas avaliações pré e pós-RP, assim como eventuais diferenças intergrupos na magnitude de melhora com a RP. A probabilidade de erro tipo I foi estabelecida em 5% para todos os testes (p<0,05).

Resultados

Aderência à RP nos tabagistas atuais e ex-tabagistas

Dezoito ex-tabagistas e vinte e três tabagistas atuais foram avaliados. Observou-se relação estatisticamente significante entre tabagismo atual e interrupção da RP (p<0,05). Logo, dos 18 pacientes ex-tabagistas, dois (11,1%) interromperam o programa de RP antes do seu término. Em contraste, 7/23 pacientes tabagistas não completaram o programa (30,4%) (razão de chance=2,9 (1,6-4,1); p<0,01) (Tabela 1). As razões apontadas para interrupção do programa foram similares nos dois grupos: "falta de motivação", "necessidade de comparecimento frequente ao centro" e "problemas de transporte". Entretanto, três pacientes do grupo tabagista atual referiram que as menções aos efeitos nocivos do tabagismo e a necessidade de interrupção do hábito para controle da doença foram fatores contribuintes. Todos os pacientes que permaneceram no programa atenderam, pelo menos, a 80% das sessões, independentemente da história tabágica. Adicionalmente, não houve diferença significante nas variáveis fisiológicas e subjetivas basais entre os pacientes tabagistas que finalizaram ou não à RP (p>0,05; dados não incluídos).

Características gerais da amostra

As principais características demográficas, antropométricas e funcionais respiratórias dos pacientes ex-tabagistas (grupo I, n=16) e tabagistas atuais (grupo II, n=16) que completaram a RP estão apresentadas na Tabela 1. A distribuição da gravidade, de acordo com os critérios GOLD13, foi similar entre os grupos I e II: 2/3, 8/6 e 6/7 para os estádios II, III e IV, respectivamente. Entretanto, os pacientes do grupo II apresentaram menores valores de capacidade inspiratória, um índice de hiperinsuflação pulmonar (Tabela 1)25.

Embora estatisticamente não-significante, houve tendência de menores valores de IMC e porcentagem de massa magra no grupo II; de fato, a proporção de pacientes com peso abaixo do esperado para a altura e IMC reduzido26 foi maior nesse grupo comparativamente ao grupo I (9/16 vs. 4/16). Em adição, os escores de qualidade de vida, na avaliação basal, foram significativamente menores no grupo II em relação ao grupo I (p<0,05). Observou-se, ainda, que 81% dos pacientes do grupo II apresentavam dependência moderada e 19%, dependência grave à nicotina de acordo com a escala de Fagerström15.

Efeitos subjetivos da RP nos tabagistas atuais e ex-tabagistas

De acordo com o apresentado na Tabela 1, embora ambos os grupos tenham apresentado redução (melhora) significativa nos escores de qualidade de vida do questionário St. George19, tal efeito foi mais pronunciado no grupo II (Figura 1A). De fato, diminuição maior do que quatro pontos foi observada em 15/16 (93,7%) no grupo II e 12/16 (75%) no grupo I (p<0,05). Consistente com tais achados, somente o grupo II apresentou redução significante nos escores de dispneia do MRC4.



A RP associou-se com redução significante nos escores de dependência da nicotina no grupo II, sendo que, pós-RP, 50% apresentavam dependência leve e 50%, moderada (p<0,05). Adicionalmente, 3/16 pacientes (18,7%) interromperam o hábito tabágico. Consistente com tais dados, houve diminuição significativa do número de cigarros consumidos diariamente (20±8 pré-RP vs. 7±6 pós-RP; p<0,001).

Efeitos objetivos da RP nos tabagistas atuais e ex-tabagistas

Não foi observada modificação significativa no IMC e na massa magra em ambos os grupos; entretanto, houve redução significante na porcentagem de massa magra no grupo I (p<0,05; Tabela 1). Como esperado, a RP não teve influência significativa nas principais variáveis espirométricas em ambos os grupos. De forma interessante, apenas o grupo I apresentou melhora significativa da PImáx, enquanto a CI aumentou no grupo II (p<0,05; Tabela 1).

Em relação à capacidade funcional de exercício (TC6), a RP associou-se com ganhos similares em ambos os grupos (Figura 1B, Tabela 1). Dessa forma, uma análise individual revelou que um ganho clinicamente significativo (variação na distância caminhada maior do que 54 m)24 foi encontrado em 7/16 (43,7%) pacientes do grupo I e 9/16 (56,2%) do grupo II (p>0,05). Contudo, houve redução significante dos sintomas de "dor nas pernas" e "dispneia" ao final do teste somente no grupo I (Tabela 1).

Discussão

O presente estudo avaliou o efeito modulador do tabagismo atual na aderência e nos possíveis ganhos subjetivos e objetivos relacionados à RP em pacientes com DPOC estável. Os resultados deste estudo indicam que, embora o tabagismo atual tenha se relacionado negativamente com a aderência à RP, os ganhos clínicos e fisiológicos foram geralmente similares nos pacientes ex-tabagistas e tabagistas atuais (Tabela 1, Figura 1). Em adição, a RP associou-se com redução significativa na dependência da nicotina nos tabagistas atuais. Tais resultados indicam que, embora uma taxa mais elevada de abandono da RP possa ser antecipada nos tabagistas com DPOC, não parece haver a priori fundamentos clínicos ou fisiológicos para excluir tais pacientes dos programas de RP.

A RP é considerada, atualmente, um procedimento padrão para a otimização no manuseio clínico de pacientes com DPOC que apresentem dispneia e limitação às atividades cotidianas1,2,4,13,27. Embora a RP seja considerada útil para a maioria dos pacientes com doença de moderada a avançada, há reduzida disponibilidade de tais programas, o que estimulou a identificação de fatores mais frequentemente citados, destacando-se o tabagismo atual. Nesse contexto, deve-se reconhecer que pacientes tabagistas com doença pulmonar ou cardíaca sabidamente relacionada ao tabagismo e que continuam a fumar apresentam menor aderência ao tratamento farmacológico do que aqueles que abandonam o hábito28,29.

Curiosamente, tal evidência tem sido extrapolada para intervenções não-farmacológicas, como a RP, sem uma clara base experimental. De fato, estudos prévios consideraram a inclusão de tabagistas11,12,30,31. O perfil psicológico negativista e niilista de muitos desses pacientes29 e a possível influência negativa dos mesmos na aderência ao programa e na recaída dos ex-tabagistas têm sido citados como possíveis efeitos deletérios da inclusão dos mesmos na RP. Young et al.32, por exemplo, relataram que o tabagismo atual associou-se com a não-aderência à RP. Nossos resultados são consistentes com tais achados, já que o risco de abandono foi quase o triplo do observado nos tabagistas atuais quando comparado com o dos ex-tabagistas, ou seja, uma razão de risco de 2,9. Dessa forma, a inclusão de pacientes tabagistas atuais poderia ser questionável, especialmente em países com escassa disponibilidade de serviços de RP, ao menos do ponto de vista operacional e de minimização dos custos.

Um achado de grande importância prática no presente estudo foi o efeito positivo da RP no abandono do tabagismo e do grau de dependência à nicotina no grupo II. Obviamente, embora não seja possível estimar a importância relativa dos diversos componentes da RP nesse desfecho, a atividade educacional antitabágica, o melhor conhecimento da doença, o maior contato com a equipe de saúde e o exemplo reforçador dos ex-tabagistas podem ter sido importantes. Adicionalmente, o aumento da atividade física e o maior cuidado corporal podem também ter contribuído. Tais resultados são particularmente interessantes, considerando-se que não houve nenhuma intervenção antitabágica sistematizada no presente estudo.

Os programas de RP têm também demonstrado importante efeito na melhora subjetiva de pacientes com DPOC33. O tabagismo atual poderia, ao menos teoricamente, contrabalancear o impacto positivo desses ganhos pós-RP33. Surpreendentemente, nossos dados indicaram o oposto, ou seja, não só os pacientes tabagistas melhoraram significativamente nesses aspectos, como o fizeram em maior grau do que os pacientes não-tabagistas (Tabela 1, Figura 1A). Embora se deva reconhecer que a tendência à maior dispneia, pior qualidade de vida e, possivelmente, maior hiperinsuflação pulmonar basais possam ter influenciado tais resultados (Tabela 1), nossos dados, em associação com aqueles relacionados à melhora da dependência da nicotina, indicam que, do ponto de vista clínico, a RP não deve ser descartada a priori em tabagistas com DPOC.

Outro aspecto relevante quanto a não-inclusão de tabagistas na RP relaciona-se ao menor potencial de ganho objetivo. Dessa forma, os efeitos pró-inflamatório e hiperoxidativo sistêmicos relacionados ao tabagismo vigente, a supressão da atividade gênica miotrófica, a menor tolerância a cargas elevadas de trabalho e a taxa mais acelerada de perda de função pulmonar poderiam reduzir o ganho funcional com a RP - como amplamente revisado pela American Thoracic Society e European Respiratory Society34. No presente estudo, tal suspeita não se confirmou, e os ganhos funcionais (TC6) foram similares nos dois grupos. Adicionalmente, observou-se um aumento significante da CI no grupo II (Tabela 1). Tal resultado, entretanto, deve ser visto com extrema cautela, já que não há evidência de que a RP isoladamente possa reduzir a hiperinsuflação pulmonar na DPOC. Além disso, os menores valores basais de CI no grupo II podem ter induzido o fenômeno de regressão à média, isto é, a probabilidade de aumento dos escores numa reavaliação é inversamente proporcional aos valores pré-intervenção.

Este estudo apresenta algumas importantes limitações. Embora o tamanho amostral tenha sido adequado para demonstrar o ganho funcional com o TC6, o número de pacientes avaliados pode ter sido insuficiente para detectar todos os possíveis fatores relacionados com a não-aderência à RP. Nesse sentido, a ausência de medidas psicossociais também pode ter sido relevante. Entretanto, deve-se observar que o número de pacientes avaliados foi superior ao previamente utilizado em estudos similares de aderência à RP17,18. Outra limitação importante relaciona-se a não-realização de medidas mais complexas de função pulmonar, tais como os volumes pulmonares estáticos e a capacidade de difusão pulmonar, não permitindo assim uma caracterização fenotípica mais adequada dos pacientes avaliados35. Adicionalmente, nossos resultados não devem ser extrapolados para pacientes com graus mais leves de dependência da nicotina ou, em oposição, aos pacientes mais graves em uso de oxigenoterapia crônica. Finalmente, não houve seguimento longitudinal desta amostra, e os efeitos salutares a longo prazo da RP na redução da dependência e na cessação do tabagismo não são sabidos.

Em conclusão, embora o tabagismo atual nos pacientes com DPOC reduza a aderência aos programas de RP, os tabagistas que finalizam a RP apresentam ganhos na qualidade de vida e na capacidade funcional de exercício equivalentes aos observados nos ex-tabagistas. A RP, mesmo sem um programa estruturado de cessação do tabagismo, pode associar-se com redução a curto prazo na dependência da nicotina. Portanto, a decisão de admitir ou não pacientes tabagistas com DPOC num programa de RP parece ser melhor realizada à luz das condições locais de cada centro, contrastando-se os fatores econômicos contrários e os elementos clínicos favoráveis.

Agradecimentos

Agradecimento a toda equipe do Centro de Pneumologia e Reabilitação Pulmonar da Faculdade de Medicina do ABC e especialmente aos pacientes que participaram desta pesquisa com esforço e dedicação.

Recebido: 15/04/2008

Revisado: 18/11/2008

Aceito: 26/05/2009

Trabalho realizado no Serviço de Reabilitação Pulmonar da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC.

Pulmonary Rehabilitation Service of the Pulmonology Department of Faculdade de Medicina do ABC, Brazil.

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  • Correspondência:

    Elie Fiss
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Abr 2008
    • Revisado
      18 Nov 2008
    • Aceito
      26 Maio 2009
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