Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre o ângulo quadriciptal (ÂQ) e a distribuição da pressão plantar em jogadores de futebol

Resumos

OBJETIVOS: Verificar possível associação entre ângulo quadriciptal (ÂQ) e distribuição de pressão plantar em jogadores de futebol, comparando-os com indivíduos não praticantes da modalidade. MÉTODOS: Cento e vinte e um participantes do sexo masculino foram selecionados: 50 jogadores de futebol (JF) e 71 sujeitos para o grupo controle (GC). Avaliaram-se concomitantemente o ÂQ, por meio do Software para Avaliação Postural (SAPO), e a pressão plantar, pela plataforma F-Scan/F-Mat System. Para verificar correlação entre o ÂQ e os valores de picos de pressão em quatro segmentos do pé (antepé medial e lateral, médio-pé e retropé), utilizou-se o Coeficiente de Pearson (r) para análises paramétricas. O teste t independente foi empregado para comparar isoladamente essas mesmas variáveis entre os grupos. A normalidade dos dados foi verificada pelos valores de skewness, adotando nível de significância de 5%. RESULTADOS: Encontrou-se correlação negativa e fraca (r=-0,32) somente entre ÂQ e médio-pé direito. Os grupos diferiram quanto ao ÂQ bilateralmente, sendo que o grupo JF teve média de 11,36º, e GC, de 13,80º à direita e de 11,03º contra 13,96º à esquerda, respectivamente. Em relação à pressão plantar, o JF teve maior média de força nas faces laterais do antepé direito (0,77 contra 0,63 kg/cm²) e esquerdo (0,65 e 0,54 kg/cm²), enquanto o GC apresentou maior pico de pressão no médio-pé esquerdo (JF: 0,37 e GC: 0,46 kg/cm²). CONCLUSÕES: Não houve relação entre os valores de ÂQ na distribuição da pressão plantar nos jogadores de futebol. Os atletas apresentaram, porém, ÂQ diminuído e maiores picos de pressão nas faces laterais de ambos os pés, o que sugere alinhamento em varo dos joelhos e distribuição supinada das bases plantares.

futebol; ângulo Q; pressão plantar; baropodometria; fotogrametria


OBJECTIVES: To determine whether there is an association between the Q-angle (Q) and the distribution of plantar pressure in football players, and to compare the characteristics of these athletes with non-practitioners of this sport. METHODS: 121 male participants were selected: 50 football practitioners (FP) and 71 non-practitioners (NP). We concurrently evaluated the Q-angle and the plantar pressure through the software of postural assessment (SPA) and the F-Mat System, respectively. To verify the correlation between the Q-angle and peak pressure values in four segments of the foot (medial and lateral forefoot, medium-foot and hind-foot), the Pearson coefficient (r) for parametric analysis was used. The independent t-test was used to compare these variables between the groups. Data normality was verified by the skewness values, adopting a significance level of 5%. RESULTS: A negative and weak correlation was found (r=-0.32) between the Q-angle and the plantar pressure in the right medium-foot. The groups differed with regards to the right Q-angle (11.36º in FP versus 13.80º in NP) and the left Q-angle (11.03º in FP versus 13.96º in NP). Plantar pressure was also different between the groups, with FP showing higher mean values for the right side and for the left side of the forefoot (0.77 kg/cm² in FP versus 0.63 kg/cm² in NP, and 0.65 kg/cm² in FP versus 0.54 kg/cm² in NP, respectively). However, mean peak pressure values for the left medium-foot were higher among NP (0.37 kg/cm² in FP versus 0.46 kg/cm² in NP). CONCLUSIONS: There was no evidence of an association between the Q-angle and the distribution of plantar pressure in FP. The athletes showed reduced Q-angle values and higher mean peak pressure values for the right and left aspects of the forefoot, suggesting a varus malalignment and a supine distribution of plantar bases.

football; Q-angle; plantar pressure; baropodometry; photogrammetry


Relação entre o ângulo quadriciptal (ÂQ) e a distribuição da pressão plantar em jogadores de futebol

Rafael G. Braz; Gustavo A. Carvalho

Laboratório de Biomecânica, Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília (DF), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Rafael Gonçalves Braz QND 07 casa 25 CEP 72120-070, Taguatinga (DF), Brasil e-mail: ragobraz@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar possível associação entre ângulo quadriciptal (ÂQ) e distribuição de pressão plantar em jogadores de futebol, comparando-os com indivíduos não praticantes da modalidade.

MÉTODOS: Cento e vinte e um participantes do sexo masculino foram selecionados: 50 jogadores de futebol (JF) e 71 sujeitos para o grupo controle (GC). Avaliaram-se concomitantemente o ÂQ, por meio do Software para Avaliação Postural (SAPO), e a pressão plantar, pela plataforma F-Scan/F-Mat System. Para verificar correlação entre o ÂQ e os valores de picos de pressão em quatro segmentos do pé (antepé medial e lateral, médio-pé e retropé), utilizou-se o Coeficiente de Pearson (r) para análises paramétricas. O teste t independente foi empregado para comparar isoladamente essas mesmas variáveis entre os grupos. A normalidade dos dados foi verificada pelos valores de skewness, adotando nível de significância de 5%.

RESULTADOS: Encontrou-se correlação negativa e fraca (r=-0,32) somente entre ÂQ e médio-pé direito. Os grupos diferiram quanto ao ÂQ bilateralmente, sendo que o grupo JF teve média de 11,36º, e GC, de 13,80º à direita e de 11,03º contra 13,96º à esquerda, respectivamente. Em relação à pressão plantar, o JF teve maior média de força nas faces laterais do antepé direito (0,77 contra 0,63 kg/cm2) e esquerdo (0,65 e 0,54 kg/cm2), enquanto o GC apresentou maior pico de pressão no médio-pé esquerdo (JF: 0,37 e GC: 0,46 kg/cm2).

CONCLUSÕES: Não houve relação entre os valores de ÂQ na distribuição da pressão plantar nos jogadores de futebol. Os atletas apresentaram, porém, ÂQ diminuído e maiores picos de pressão nas faces laterais de ambos os pés, o que sugere alinhamento em varo dos joelhos e distribuição supinada das bases plantares.

Palavras-chave: futebol; ângulo Q; pressão plantar; baropodometria; fotogrametria.

Introdução

O futebol é um dos esportes mais populares do mundo, caracterizado por ações motoras de curta duração e alta intensidade, alternadas com períodos de ações motoras de maior duração e menor intensidade1. Apesar dos benefícios à saúde, a prática regular aumenta a probabilidade de surgirem instabilidades mecânicas, pois a carga excessiva de treinamentos e competições pode resultar em mudanças no sistema articular e muscular2.

O conceito de overtraining aplica-se no esporte de alto nível e reflete desequilíbrio entre estresse e recuperação, acarretando maior vulnerabilidade aos danos físicos3. Fuller et al.4 acrescentam que as lesões devem ser classificadas pelo local, lateralidade, tipo, mecanismo de lesão e recorrência. Nesse contexto, uma lesão traumática refere-se a um evento específico, identificável; no entanto, as lesões por overtraining são causadas por microtraumas de repetição sem um fator único ou aparente.

O sedentarismo também é determinante para mudanças na postura, mas a repetição do gesto esportivo e o biotipo do atleta de futebol contribuem para o surgimento de alterações biomecânicas específicas do esporte5.

A articulação do joelho é frequentemente acometida, sendo a disfunção patelofemoral a mais comum nessa região6. Um fator que favorece o surgimento de dor ou instabilidade é o mau alinhamento da patela em relação ao fêmur, cuja mensuração se dá por meio do ângulo quadriciptal (ÂQ)7. A medida desse ângulo é delimitada pelo cruzamento de duas linhas imaginá-rias: a primeira formada da espinha ilíaca ântero-superior até o centro da patela, e a segunda, da tuberosidade da tíbia até o ponto médio patelar8.

Não há um consenso sobre valores de ÂQ, mas sabe-se que homens possuem valores menores por terem maior estatura média e devido à largura da pelve ser maior no sexo feminino8-10. Hamill e Knutzen10 afirmam que ÂQ acima de 15 graus pode ser considerado genu valgo, enquanto que ÂQ inferior a 10 graus colaboram para a formação de genu varo.

Schweitzer e Miqüelluti11 analisaram o padrão postural de jogadores da categoria infantil e observaram que existem alterações nos joelhos em flexo e varo provenientes da utiliza-ção de músculos flexores e abdutores durante os movimentos repetitivos de chute.

Estudo com indivíduos entre 12 e 17 anos constatou que a prática competitiva do futebol favorece o desvio de alinha-mento dos joelhos, que se tornaram mais varos em atletas do sexo masculino em relação ao grupo de não atletas. Supõe-se que microtraumas repetidos sobre os côndilos internos, decor-rentes dos treinamentos, favoreçam a varização12.

O controle da postura bípede depende de informações sensório-motoras comandadas pelo sistema nervoso central. As correções do eixo do corpo em posição estática induzem oscilações leves e constantes, com importante papel na distri-buição da pressão plantar13. A posição das partes ósseas dos membros inferiores é comandada pelo tônus dos músculos que nelas se fixam. Entretanto, as articulações também impõem seus eixos mecânicos, desencadeando reações tônicas e mo-dificando o conjunto pelvipodálico. Assim, variações nos pés podem repercutir em segmentos superiores quando recebem carga e vice-versa14.

Uma das técnicas para avaliar a pressão exercida nos pés na postura ortostática é a baropodometria, que consiste na quan-tificação de oscilações ântero-posteriores e laterais enquanto o indivíduo permanece sobre uma plataforma de força14.

As alterações estruturais no joelho e a influência na má distribuição da pressão plantar podem colaborar para a inci-dência de lesões advindas do overtraining. Identificar regiões de sobrecarga capazes de induzir o surgimento de microtrau-mas ou disfunções mecânicas tornam este estudo relevante para otimização da vida útil dos atletas, contribuindo para a manutenção da integridade física e fornecendo dados para trabalhos preventivos.

Desse modo, o objetivo geral desta pesquisa foi verificar se há relação entre ÂQ e distribuição da pressão plantar em jogadores de futebol e em indivíduos não praticantes dessa modalidade. Como objetivos específicos, o estudo buscou comparar isoladamente os escores de ÂQ entre os atletas e o grupo controle e confrontar os valores dos diferentes segmentos dos pés entre os grupos.

Materiais e métodos

Amostra

Trata-se de um estudo transversal, composto por 121 indivíduos do sexo masculino entre 18 e 30 anos, divididos em dois grupos: jogadores de futebol - JF (n=50) e grupo controle - GC (n=71), totalizando 242 membros inferiores analisados.

O grupo JF foi formado por atletas profissionais e universitários do Distrito Federal. Dos clubes profissionais, foram recrutados jogadores do Brazlândia Esporte Clube e do Esporte Clube Dom Pedro II. Entre as equipes universitárias, participaram parte do elenco da Universidade Católica de Brasília (UCB), Faculdade Santa Terezinha (FAST) e da União Pioneira de Integração Social (UPIS). O GC foi constituído por uma amostra de conveniência, na qual 71 indivíduos, entre estudantes universitários e funcionários da UCB, foram convidados aleatoriamente.

Após breve explicação sobre o estudo, todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, com possibilidade de desistência durante a pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UCB, sob Ofício CEP/UCB nº 177/2007, sem restrições ao protocolo utilizado.

Como critérios de inclusão, os participantes do grupo JF deveriam estar em atividade de forma sistematizada; ter no mínimo três anos de prática e usufruir de benefícios financeiros (salário ou bolsa-atleta) advindos do esporte. Em relação ao GC, os integrantes deveriam ser sedentários ou praticantes de outra modalidade esportiva sem vínculo profissional.

Foram excluídos da pesquisa os goleiros, devido às características específicas da posição; atletas amadores de futebol; indivíduos que haviam sofrido lesão traumato-ortopédica recente em membro inferior que comprometesse as avaliações; malformações congênitas em membros inferiores; alteração de sensibilidade nos pés; índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 31,6 ou inferior a 18,8 kg/m2, de acordo com Pontes, Souza e Lima15, que encontraram esses limites em futebolistas não-profissionais.

Ambiente de avaliação

O estudo foi desenvolvido no Laboratório de Biomecânica da UCB entre dezembro de 2007 e março de 2008. Com o intento de calibrar o ambiente para a fotogrametria, fixaram-se no teto dois fios de prumo com 1 m de distância entre eles. Os fios receberam ainda duas marcações com as bolas de isopor de 4,5 cm de circunferência, a 50 cm de distância na linha vertical. As duas marcações superiores estavam a 1,50 m do solo. As demarcações inferiores, consequentemente, permaneceram a 1 m do piso.

A plataforma de baropodometria F-Scan/F-Mat System, da Tekscan Incorporation®, encontrava-se entre os fios de prumo, como observado na Figura 1-A. O sistema estava equipado com software versão 4.21 e sensor tipo plataforma F-Mat, modelo 3100, conectado a um computador modelo Pentium III. A sala contava com uma maca, dois computadores, uma balança Filizola devidamente calibrada, um estadiômetro padrão da marca Seca e um tripé Manfrotto®, modelo 3047, para apoio da câmera fotográfica.


Procedimentos e coleta de dados

Os participantes foram orientados a trajar somente short curto para facilitar as demarcações dos acidentes ósseos dire-cionados à medida do ÂQ e evitar interferências na mensuração da massa corporal total (MCT). Ao entrar no laboratório, essa última variável foi medida pela balança Filizola devidamente calibrada, com capacidade máxima de 150 kg. Posteriormente, a estatura (EST) foi verificada pelo estadiômetro padrão, fixado à parede do laboratório e com resolução de 0,1 cm.

O IMC foi automaticamente calculado no Software para Avaliação Postural (SAPO), versão 0.68, atualizada em julho de 2007, por meio da fórmula IMC (kg/m2) = MCT (kg) / EST2 (m). Essa mesma ferramenta, validada por Braz, Goes e Carvalho16 para medir ângulos corporais, serviu posteriormente para as avaliações do ÂQ, por meio de fotogrametria por digitalização e para a emissão de um relatório. Em seguida, para fins dos critérios de exclusão, a sensibilidade foi avaliada pela estesiometria clássica, utilizando o monofilamento de Semmes-Weinstein de 0,2 gramas, indicado para sensibilidade normal dos pés.

Logo após, os indivíduos mantiveram-se em decúbito dorsal com o quadríceps relaxado a fim de demarcar o ponto médio da face anterior da patela, a tuberosidade da tíbia e a espinha ilíaca ântero-superior para obtenção do ÂQ17. Para os demais pontos, o método de palpação seguiu os padrões estabelecidos por France e Nester17, Hoppenfeld18 e Kendall, McCreary e Provance19. Bolas de isopor de dimensões similares às descritas anteriormente foram empregadas para definição das estruturas e ficaram dispostas em ambos os lados nas regiões determinantes do ÂQ direito (ÂQD) e esquerdo (ÂQE).

Posteriormente, o participante era orientado a levantar-se lentamente e posicionar-se entre os dois fios de prumo próximos à maca. A plataforma de baropodometria F-Scan/F-Mat System, da Tekscan Incorporation®, ficou disposta entre os fios de prumo, de modo que, concomitantemente à captação da imagem da vista anterior do sujeito, fosse realizada a avaliação de pressão plantar estática (Figura 1).

O indivíduo subia na plataforma com ambos os pés, os quais eram posicionados pelo avaliador, de forma que houvesse correção da rotação do quadril. O segundo dedo, considerado a linha média do pé e eixo da articulação tibiotarsal20,21, era posicionado na mesma direção do calcâneo ipsilateral sem que ele perdesse o contato com a plataforma para que não houvesse prejuízo na pressão exercida comumente pelo sujeito. Conforme Herrington e Nester22, o segundo artelho encontrava-se perpendicular ao plano frontal para não influenciar a medida do ÂQ.

Assim que a avaliação da pressão plantar era iniciada, realizava-se uma fotografia da vista anterior para análise do ÂQ pelo SAPO16 (Figura 1). Uma câmera digital da marca Sony® DSC-W35 de 7,2 megapixels ficou apoiada sobre o tripé Manfrotto®, modelo 3047, com regulagem de altura e nivelamento, localizado a 3 m de distância dos fios de prumo. A altura da lente da câmera era determinada pela metade da estatura do participante16. Mesmo após a captação da imagem, o indivíduo permanecia sobre a plataforma, cujos parâmetros estabelecidos para medida foram de 10 segundos de leitura de pressão plantar23.

As seguintes variáveis foram consideradas para pressão estática: pico de pressão total (kg/cm2); pico de pressão direito e esquerdo (kg/cm2); distribuição das forças nas regiões medial e lateral do antepé, no médio-pé e no retropé de cada membro avaliado.

Dessa forma, quatro áreas de interesse foram selecionadas para analisar a pressão plantar bilateralmente em kg/cm2. A área 1 foi composta pela região medial do antepé (D1 e E1), dividido pela linha do segundo dedo; a área 2, pela região lateral do antepé (D2 e E2); a área 3, pelo médio-pé (D3 e E3), e a área 4, pelo calcâneo (D4 e E4), de acordo com a Figura 2.


Tratamento estatístico e análise dos dados

Os procedimentos realizados foram: a) Teste t de Student para amostras independentes para comparar a idade, IMC, ÂQD, ÂQE, as variáveis da pressão plantar (D1 a D4 e E1 a E4) entre os grupos JF e GC; b) Coeficiente de Correlação de Pearson entre ÂQD e as áreas fracionadas do pé direito, ÂQE e valores de pico nos segmentos do pé esquerdo em ambos os grupos. O tratamento estatístico foi executado no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 10.0 for Windows, adotando p<0,05 para todas as análises.

Inicialmente foram feitas análises exploratórias dos dados e o estudo da normalidade, o qual demonstrou que todas as variáveis tinham distribuição normal, exceto a área medial do antepé esquerdo (E1) do grupo controle. Testes não-paramétricos foram empregados para as análises envolvendo esse dado.

Resultados

Na comparação entre grupos, não foram encontradas diferenças significativas quanto à idade (p=0,31) nem quanto ao IMC (p=0,47). Esses dados caracterizaram a homogeneidade da amostra (Tabela 1).

O teste t para amostras independentes demonstrou que o valor de ÂQ do grupo JF foi significativamente menor (p=0,001) que o mensurado no GC, tanto para o ÂQD quanto para o ÂQE.

Na análise dos picos de pressão em cada pé e o pico máximo englobando os valores de ambos os pés, os grupos não diferiram estatisticamente (Tabela 1).

Ao confrontar os grupos em relação aos valores da pressão plantar por segmento, a análise do teste t demonstrou que o grupo JF difere do GC na face lateral do antepé bilateralmente e na região do médio-pé esquerdo. Na Tabela 2, nota-se que os jogadores de futebol apresentaram pico de pressão significativamente maior (p=0,01) na face lateral do antepé direito (área D2). Comportamento similar ocorreu na face lateral do antepé esquerdo (área E2), com p=0,05.

No que se refere à região do médio-pé esquerdo (área E3), o GC apresentou maior pico de pressão (p=0,001).

Observou-se uma forte tendência (p=0,06) de o GC ter maior pico de pressão na região medial do antepé direito (área D1). Para as variáveis D3, D4 e E4, o teste não apontou diferença estatística (Tabela 2).

Realizou-se ainda o teste não paramétrico de Mann-Whitney para avaliar a variável E1. A análise não demonstrou diferença significativa entre os grupos (z=-1,34; p=0,18). Portanto, o grupo JF (0,30±0,13 kg/cm2) não difere do grupo GC (0,35±0,17 kg/cm2) em relação à região medial do antepé esquerdo.

Ao correlacionar ÂQD direito com as variáveis segmentares de pressão plantar no grupo JF, a análise demonstrou uma correlação negativa e fraca com a área D3 (r=-0,32; p=0,02), ou seja, quanto menor o ÂQD, maior o pico de pressão na região do médio-pé (Tabela 3). Nas demais áreas do pé direito, não houve correlação com o ÂQ.

Os testes entre o ÂQE e os picos de pressão segmentares do pé esquerdo não demonstraram correlação significante. Porém, observou-se uma tendência positiva e fraca (r=0,24; p=0,09) en-tre valores de ÂQ e pico de pressão no retropé esquerdo.

Não houve correlação entre o ÂQ e picos de pressão nos diferentes segmentos dos pés bilateralmente no GC (Tabela 3).

Discussão

As análises demonstraram associação inversa e discreta entre os valores de ÂQ e médio-pé no membro inferior direito dos jogadores de futebol (r=-0,32; p=0,02), o que reflete em menor valor angular no joelho para uma maior pressão na região dos ossos do tarso anterior e parte dos metatarsos. Não houve correlação entre os picos de pressão nas áreas segmentares do pé e ÂQ no GC em ambos os membros.

Tillman et al.23 salientam que ÂQ excessivo poderia aumentar a eversão de calcâneo, determinando o posicionamento da articulação subtalar em pronação. Essas alterações seriam responsáveis, em parte, pela queda dos arcos longitudinais da planta dos pés. O objetivo desses autores foi comparar ÂQ e posicionamento da articulação subtalar entre os sexos. Entretanto, observou-se discrepância significativa somente no ÂQ (13,1±3,0º para homens e 17,5±3,8º para mulheres), não se encontrando associação entre essas variáveis.

Olerud e Berg24 avaliaram ÂQ modificando o posiciona-mento dos membros inferiores. Constataram que os valores decresciam à medida que os pés partiam da pronação para a supinação. Subentende-se, portanto, que quanto mais pronado, maior a força de pressão no médio-pé, o que vai ao encontro do resultado da presente pesquisa referente ao membro direito do grupo JF, embora a correlação tenha sido negativa e fraca (r=-0,32; p=0,02).

Comparando o grupo JF com o GC em relação somente ao ÂQ, os resultados estão de acordo com a literatura. Hahn e Foldspang25 analisaram o ÂQ de 339 atletas, sendo 173 jogadores de futebol, com participação esportiva média de 10 anos, pelo método de goniometria. Neles, encontraram médias de 10,0±0,5º para ÂQD e 6,0±0,5º para ÂQE e concluíram que tal variável está negativamente associada ao futebol. No presente estudo, usando a fotogrametria como procedimento metodológico16,26, as médias foram de 11,4±1,8º e 11,0±1,6º para os membros direito e esquerdo, respectivamente, em jogadores com tempo médio de prática esportiva de 12,2 anos.

Como mencionado por Hamill e Knutzen10, as alterações estruturais em valgo ou varo do joelho influenciam a medida do ÂQ. Quanto maior a distância intercondilar, menor seria o ângulo formado pela espinha ilíaca ântero-superior, centro da patela e tuberosidade da tíbia.

No estudo de Yaniv et al.27, que envolveu tenistas e jogadores de futebol, os últimos tiveram maior prevalência de joelho varo, avaliação feita por meio da distância entre os côndilos femorais. Os tenistas tiveram média de 1,31 cm, enquanto os futebolistas obtiveram 2,99 cm. Segundo os autores, essa alteração seria resultado de uma predisposição genética e um consequente processo natural de seleção para a modalidade.

Caso o ÂQ desses atletas fosse investigado, é possível que os jogadores de futebol tivessem seus valores mais baixos, como ocorreu na comparação deste estudo entre os grupos JF e GC (p<0,05), com médias à direita de 11,4±1,8º contra 13,8±1,4º e à esquerda de 11,0±1,6º para JF e 13,9±1,3º para GC.

Segundo Woodland e Francis28, o ÂQ pode sofrer alterações devido a desequilíbrios musculares, torção da tíbia, anteversão femoral e patela alta ou baixa. No futebol, Abreu, Barbosa e Coelho12 atribuíram os desvios em varo e consequente decréscimo de ÂQ aos microtraumas sobre os côndilos femorais dos atletas, o que pode ser justificado pelas constantes mudanças de direção, com maior distribuição de carga na borda lateral do pé.

Chaudhari, Hearn e Andriacchi29 associam a diminuição do valgo de joelho à prática de futebol de alto nível. Junge et al.30 verificaram diferenças entre o espaço intercondilar de acordo com a idade, sugerindo que, quanto mais tempo de prática esportiva, maior seria o varo.

Hebert et al.31 ressaltam a popularização do exame baropodométrico, mas advertem que não há ainda uma padronização na apresentação dos dados. Os autores sugerem avaliar: a área plantar; os picos de pressão (em kg/cm2), para localizar e quantificar as regiões de sobrecarga e, finalmente, a integridade sensitiva, pois eles contribuem para níveis pressóricos aceitáveis.

Wong et al.32 avaliaram os picos de pressão plantar de 15 jogadores de futebol de forma dinâmica, realizando movimentos específicos do esporte. Para tal, os autores dividiram o pé em 10 regiões, entre elas as faces medial e lateral do antepé, o médio-pé (medial, central e lateral) e calcâneo (medial e lateral). Cavanagh e Rodgers33, do mesmo modo, separaram os pés em segmentos para medir os picos de pressão de 107 sujeitos heterogêneos, com 30,1±9,9 anos de idade. Considerando os dois membros, o valor médio de pico de pressão observado na região do calcâneo foi de 1,40 kg/cm2, 0,48 kg/cm2 no médio-pé, 0,71 kg/cm2 na face lateral e 0,57 kg/cm2 na face medial do antepé.

Na atual pesquisa, assim como nos estudos citados32,33, o pé também foi dividido em quatro áreas consideradas de maior rele-vância para a análise estática. Os resultados do GC aproximam-se dos achados por Cavanagh e Rodgers33, exceto na face lateral do antepé, cujo valor médio foi de 0,58 kg/cm2. O grupo JF apresentou médias bem inferiores às do estudo mencionado nas áreas do cal-câneo (1,19 kg/cm2) e face medial do antepé (0,37 kg/cm2).

Ao analisar isoladamente as variáveis da pressão plantar, o grupo JF obteve maiores escores na face lateral do antepé (D2 e E2) bilateralmente em relação ao GC. Na região do médio-pé esquerdo, a média do GC foi significativamente maior. Gross e Foxworth34 indicam que, quanto maior ÂQ, maior a pronação subtalar e, consequentemente, a pressão na área ocupada do médio-pé. Logo, quanto menor o ÂQ, maior as pressões nas bordas laterais.

Os achados do presente estudo apontam que, apesar de o grupo JF apresentar menores valores de ÂQ e maior área de contato no médio-pé, sugerindo maior aplainamento do arco, esse grupo apresentou escores mais elevados de pico de pressão na face lateral do antepé (D2 e E2), corroborando os pressupostos de Gross e Foxworth34.

Na região lateral do antepé direito (D2), a média foi de 0,77 kg/cm2, enquanto o GC continha 0,63 kg/cm2 (p=0,01). No membro esquerdo, a pressão exercida na área lateral do antepé (E2) também mostrou diferença significativa entre os grupos, sendo de 0,65 kg/cm2 para o JF e 0,54 kg/cm2 para o GC (p=0,05).

Houve o cuidado, nesta pesquisa, de empregar instrumentos validados nas análises. Autores entendem que apenas goniômetros não são precisos para avaliar o ÂQ, pois a distância dos pontos atrapalha o posicionamento dos braços fixo e móvel28,35. Braz, Goes e Carvalho16 validaram o SAPO para avaliar ângulos corporais seguramente. Luo, Berglund e An36 recomendam a plataforma F-mat, modelo Tekscan, Inc., para mensurar a dis-tribuição da pressão plantar de forma estática por tratar-se de um método confiável.

A preocupação em realizar investigações biomecânicas nos atletas de futebol contribui para o prolongamento da carreira esportiva, evitando a interrupção por afecções crônico-degenerativas. Sugerem-se estudos similares com atletas iniciantes para possibilitar a intervenção precoce, seja com órteses, seja com correção postural, seja com adequação do gesto esportivo.

Possíveis alterações na posição dos voluntários durante a coleta poderiam constituir limitação para o estudo. No entanto, o rigor metodológico procurou minimizar tal situação.

Conclusões

Não houve influência do ÂQ na distribuição da pressão plantar nos jogadores de futebol. Verificou-se correlação negativa e discreta somente entre o ÂQ e o pico de pressão do médio-pé direito do grupo JF, o que não evidencia relação de causalidade entre as variáveis. Os atletas tiveram ÂQ significativamente menor que o GC e maiores picos de pressão nas faces laterais bilateralmente, sugerindo alinhamento em varo dos joelhos e distribuição supinada na região distal do membro inferior.

Recebido: 21/01/2009

Revisado: 17/07/2009

Aceito: 21/10/2009

  • 1. Goulart LF, Dias RMR, Altimari LR. Força isocinética de jogadores de futebol categoria sub-20: comparação entre diferentes posições de jogo. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2007;9(2):165-9.
  • 2. Ribeiro CZP, Akashi PMH, Sacco ICN, Pedrinelli A. Relationship between postural changes and injuries of the locomotor system in indoor soccer athletes. Rev Bras Med Esporte. 2003;9(2): 98-103.
  • 3. Costa LOP, Samulski DM. Overtraining em atletas de alto nível - uma revisão literária. Rev Bras Ciênc Mov. 2005;13(2):123-34.
  • 4. Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, Andersen TE, Bahr R, Dvorak J, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med. 2006;40(3):193-201.
  • 5. Watson ASW. Posture: introduction and its relationships to participation in sports. Rev Fisioter Univ São Paulo. 1997;4(1):1-46.
  • 6. Belchior ACG, Araraki JC, Bevukaqua-Grossi D, Reis FA, Carvalho PTC. Efeitos na medida do ângulo Q com a contração isométrica voluntária máxima do músculo quadricipital. Rev Bras Med Esporte. 2006;12(1):6-10.
  • 7. Tomsich DA, Nitz AJ, Threlkeld AJ, Shapiro R. Patellofemoral alignment: reliability. J Orthop Sports Phys Ther. 1996;23(3):200-8.
  • 8. Livingston LA. The quadriceps angle: a review of the literature. J Orthop Sports Phys Ther. 1998;28(2):105-9.
  • 9. Heiderscheit BC, Hamill J, Caldwell GE. Influence of Q-angle on lower-extremity running kinematics. J Orthop Sports Phys Ther. 2000;30(5):271-8.
  • 10. Hamill J, Knutzen KM. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo: Manole; 1999.
  • 11. Schweitzer P, Miqüelluti D. Estudo do padrão postural de jogadores de futebol da categoria infantil. Fisioter Bras. 2005;6(6):419-23.
  • 12. Abreu AV, Barbosa JRP, Coelho FJP. Alinhamento dos joelhos no plano frontal dos 12 aos 17 anos. Rev Bras Ortop. 1996;31(1):83-8.
  • 13. Vieira TMM, Oliveira LF. Equilíbrio postural de atletas remadores. Rev Bras Med Esporte. 2006;12(3):135-8.
  • 14. Gagey PM, Weber B. Posturologia: Regulação e distúrbios da posição ortostática. 2Ş ed. São Paulo: Manole; 2000.
  • 15. Pontes LM, Sousa MSC, Lima RT. Perfil dietético, estado nutricional e prevalência de obesidade centralizada em praticantes de futebol recreativo. Rev Bras Med Esporte. 2006;12(4): 201-5.
  • 16. Braz RG, Goes FPD, Carvalho GA. Confiabilidade e validade de medidas angulares por meio do software para avaliação postural. Fisioter Mov. 2008;21(3):117-26.
  • 17. France L, Nester C. Effect of errors in the identification of anatomical landmarks on the accuracy of Q angle values. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2001;16(8):710-3.
  • 18. Hopenfeld S. Propedêutica ortopédica: coluna e extremidades. São Paulo: Atheneu; 2002.
  • 19. Kendall FP, McCreary EK, Provance PG. Músculos: provas e funções. São Paulo: Manole; 1995.
  • 20. Pimenta LSM. A importância da liberação póstero-lateral no tratamento cirúrgico do pé torto congênito idiopático resistente: análise de 35 pés. Rev Bras Ortop. 1993;28(10):743-8.
  • 21. Hebert S, Xavier R, Pardini Jr AG, Barros Filho TEP. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 3Ş ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
  • 22. Herrington L, Nester C. Q-angle undervalued? The relationship between Q-angle and mediolateral position of the patella. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2004;19(10):1070-3.
  • 23.Tillman MD, Bauer JA, Cauraugh JH, Trimble MH. Differences in lower extremity alignment between males and females: potential predisposing factors for knee injury. J Sports Med Phys Fitness. 2005;45(3):355-9.
  • 24. Olerud C, Berg P. The variation of the Q angle with different positions of the foot. Clin Orthop Relat Res. 1984;191:162-5.
  • 25. Hahn T, Foldspang A. The Q angle and sport. Scand J Med Sci Sports. 1997;7(1):43-8.
  • 26. Ferreira EAG. Postura e controle postural: desenvolvimento e aplicação de método quantitativo de avaliação postural [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2006.
  • 27. Yaniv M, Becker T, Goldwirt M, Khamis S, Steinberg DM, Weintroub S. Prevalence of bowlegs among child and adolescent soccer players. Clin J Sport Med. 2006;16(5):392-6.
  • 28. Woodland LH, Francis RS. Parameters and comparisons of the quadriceps angle of college-aged men and women in the supine and standing positions. Am J Sports Med. 1992;20(2):208-11.
  • 29. Chaudhari AM, Hearn BK, Andriacchi TP. Sport-dependent variations in arm position during single-limb landing influence knee loading: implications for anterior cruciate ligament injury. Am J Sports Med. 2005;33(6):824-30.
  • 30. Junge A, Dvorak J, Chomiak J, Peterson L, Graf-Bauman T. Medial history and physical findings in football players of different ages and skill levels. Am J Sports Med. 2000;28(5 Suppl):S16-21.
  • 31. Hebert S, Xavier R, Pardini Jr AG, Barros Filho TEP. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 3Ş ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
  • 32. Wong PL, Chamari K, Chaouachi A, Mao de W, Wisloff U, Hing Y. Difference in plantar pressure between the preferred and non-preferred feet in four soccer-related movements. Br J Sports Med. 2007;41(2):84-92.
  • 33. Cavanagh PR, Rodgers MM. The arch index: a useful measure from footprints. J Biomech. 1987;20(5):547-51.
  • 34. Gross MT, Foxworth JL. The role of foot orthoses as an intervention for patellofemoral pain. J Orthop Sports Phys Ther. 2003;33(11):661-70.
  • 35. Sacco ICN, Alibert S, Queiroz BWC, Pripas D, Kieling I, Kimura AA, et al. Confiabilidade da fotogrametria em relação à goniometria para avaliação postural de membros inferiores. Rev Bras Fisioter. 2007;11(5):411-7.
  • 36. Luo ZP, Berglund L, An KN. Validation of F-Scan pressure sensor system: a technical note. J Rehabil Res Dev. 1998;35(2):186-91.
  • Correspondência para:

    Rafael Gonçalves Braz
    QND 07 casa 25
    CEP 72120-070, Taguatinga (DF), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      21 Jan 2009
    • Revisado
      17 Jul 2009
    • Aceito
      21 Out 2009
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br