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Análise das respostas do sistema cardiovascular ao teste de capacidade vital forçada na DPOC

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: O teste de capacidade vital forçada (CVF) é rotineiramente realizado na avaliação da função pulmonar de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Entretanto, permanece pouco compreendida a influência do teste de CVF sobre o sistema cardiovascular de pacientes com DPOC. OBJETIVOS: Analisar o comportamento da frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA) e variabilidade da frequência cardíaca (VFC) no teste de CVF na DPOC. MÉTODOS: Dezenove homens com DPOC (72 ± 7 anos, no estágio de gravidade GOLD I=3, II=5, III=7 e IV=4 pacientes) realizaram a manobra de CVF e tiveram sua FC monitorada durante todo o exame, e a VFC analisada nos domínios do tempo (rMSSD) e da frequência (BF, AF e BF/AF) durante o repouso, antes e após a melhor manobra de CVF. A PA foi analisada no repouso, imediatamente ao final da manobra de CVF e 10 minutos após o término de todos os testes. RESULTADOS: Ao início da manobra de CVF, a FC reduziu (p<0,001) e, em seguida, aumentou progressivamente até o final do teste (p<0,001). Após término da manobra, a FC continuou a aumentar até atingir um pico (p<0,001) e depois caiu rapidamente a valores inferiores aos de repouso (p<0,001) e retornou ao seu valor basal. A PA e os índices da VFC não sofreram alterações nos períodos analisados. CONCLUSÃO: O teste de CVF influencia o comportamento da FC, sem alterar o seu controle autonômico, bem como a PA em pacientes com DPOC nos períodos analisados.

doença pulmonar obstrutiva crônica; espirometria; capacidade vital; frequência cardíaca; sistema nervoso autônomo


BACKGROUND: The forced vital capacity (FVC) test is routinely performed to evaluate pulmonary function in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD). However, the influence of the FVC maneuver on the cardiovascular system of patients with COPD is poorly understood. OBJECTIVES: To analyze the behavior of heart rate (HR), blood pressure (BP) and heart rate variability (HRV) during the FVC test in COPD patients. METHODS: Nineteen men with COPD (72±7 years, GOLD stage I=3, II=5, III=7 and IV=4 patients) performed the FVC test while having their HR monitored. HRV was assessed in time (rMSSD) and frequency domains (LF, HF and LF/HF) at rest, before and after the best FVC maneuver. BP was measured at rest, immediately before and at the end of the test, as well as 10 minutes after the end of the test. RESULTS: At the beginning of the FVC maneuver, HR decreased (p<0.001) and then increased gradually until the end of the test (p<0.001). After the end of maneuver, HR continued to increase until it reached a peak (p<0.001), and then it fell quickly to below at-rest values (p<0.001) prior to returning to baseline. The BP and HRV indices did not change during the assessment. CONCLUSION: The FVC test influences the behavior of COPD patient HR without changing autonomic control or BP.

chronic obstructive pulmonary disease; spirometry; vital capacity; heart rate; autonomic nervous system


ARTIGO ORIGINAL

IDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, SP, Brasil

IIIDepartamento de Fisiologia, USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Correspondência para

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: O teste de capacidade vital forçada (CVF) é rotineiramente realizado na avaliação da função pulmonar de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Entretanto, permanece pouco compreendida a influência do teste de CVF sobre o sistema cardiovascular de pacientes com DPOC.

OBJETIVOS: Analisar o comportamento da frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA) e variabilidade da frequência cardíaca (VFC) no teste de CVF na DPOC.

MÉTODOS: Dezenove homens com DPOC (72 ± 7 anos, no estágio de gravidade GOLD I=3, II=5, III=7 e IV=4 pacientes) realizaram a manobra de CVF e tiveram sua FC monitorada durante todo o exame, e a VFC analisada nos domínios do tempo (rMSSD) e da frequência (BF, AF e BF/AF) durante o repouso, antes e após a melhor manobra de CVF. A PA foi analisada no repouso, imediatamente ao final da manobra de CVF e 10 minutos após o término de todos os testes.

RESULTADOS: Ao início da manobra de CVF, a FC reduziu (p<0,001) e, em seguida, aumentou progressivamente até o final do teste (p<0,001). Após término da manobra, a FC continuou a aumentar até atingir um pico (p<0,001) e depois caiu rapidamente a valores inferiores aos de repouso (p<0,001) e retornou ao seu valor basal. A PA e os índices da VFC não sofreram alterações nos períodos analisados.

CONCLUSÃO: O teste de CVF influencia o comportamento da FC, sem alterar o seu controle autonômico, bem como a PA em pacientes com DPOC nos períodos analisados.

Palavras-chave: doença pulmonar obstrutiva crônica; espirometria; capacidade vital; frequência cardíaca; sistema nervoso autônomo.

Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é considerada uma enfermidade de alta morbimortalidade, progressiva e não reversível, caracterizada pela obstrução do fluxo aéreo1. Além do acometimento pulmonar, eventos cardiovasculares são comumente observados nessa população2, porém os mecanismos responsáveis por essas manifestações ainda não estão totalmente elucidados. Postula-se que a inflamação sistêmica crônica e/ou a neuropatia autonômica cardiovascular possam estar envolvidas3-6, já que existem evidências de que pacientes com DPOC cursam com disautonomia, hiperatividade simpática e redução do tônus vagal e da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), sendo grande a associação desses fenômenos com o surgimento de arritmias e com o alto risco de morte súbita nessa população7-13.

Um importante método de diagnóstico, classificação e seguimento da progressão da DPOC é a espirometria1,14, considerada como a melhor avaliação da função pulmonar15-17 e rotineiramente realizada a partir da manobra de capacidade vital forçada (CVF)18,19.

Sabe-se que o padrão respiratório tem grande influência sobre o sistema cardiovascular20,21 e que, durante manobras de expiração forçada, ocorrem variações pressóricas intratorácica e atrial direita, alterações na modulação autonômica e deslocamento de órgãos torácicos que podem induzir o surgimento de arritmias cardíacas5,22. Muito da influência da respiração sobre o sistema cardiovascular ocorre pela complexa interação da modulação autonômica existente entre o sistema cardiorrespiratório, gerada pela íntima relação do controle neural central desses sistemas, modulação dos barorreceptores e quimiorreceptores, alterações no retorno venoso e pressão arterial (PA) e a ativação dos receptores de estiramento pulmonares e torácicos23.

Em virtude do acometimento cardiocirculatório, da maior suscetibilidade a eventos arrítmicos dos pacientes com DPOC, da significante influência do padrão respiratório sobre o sistema cardiovascular e da importância da espirometria na rotina clínica desses pacientes, levantou-se a hipótese de que a realização de manobras respiratórias forçadas, como o teste de CVF, exerça influência sobre variáveis do sistema cardiovascular e do controle autonômico cardíaco dessa população. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar as respostas da frequência cardíaca (FC), PA e VFC ao teste de CVF em indivíduos com DPOC.

Materiais e métodos

Delineamento

Estudo observacional transversal.

Sujeitos

Foram selecionados 29 pacientes do sexo masculino, com diagnóstico clínico de DPOC, que realizavam tratamento no Centro de Estudos e Atendimento em Fisioterapia e Reabilitação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Presidente Prudente, SP, Brasil.

Os critérios de inclusão utilizados foram: ser portador de DPOC, ter índice de massa corpórea (IMC)<30 kg/m2, não ser usuário de medicamentos que influenciassem a atividade autonômica, não portar infecções ou inflamações de nenhuma natureza, não ter doenças metabólicas ou do sistema cardiorrespiratório que pudessem interferir no controle autonômico cardíaco e ter capacidade de realizar a espirometria, segundo os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade da American Thoracic Society (ATS)24. Os pacientes deveriam estar sob tratamento médico-ambulatorial pelo menos há seis meses, com quadro clínico estável durante pelo menos 30 dias e em uso de terapia medicamentosa otimizada.

Todos os procedimentos utilizados neste trabalho foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), UNESP, Presidente Prudente, SP, Brasil (Processo nº 014/2005) e obedeceu à resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Os voluntários foram devidamente informados sobre todos os procedimentos utilizados e os objetivos deste estudo e, após concordarem, assinaram um termo de consentimento.

Método

Para a coleta dos dados, as condições ambientais e a preparação dos equipamentos utilizados foram feitas antes da chegada dos pacientes, e uma quantidade mínima de pessoas circulou pelo laboratório durante a execução das coletas, de modo a reduzir a ansiedade dos pacientes. Todos os testes foram realizados no período da manhã, levando em consideração a influência do ciclo circadiano, com temperatura mantida entre 20 e 25ºC e umidade entre 50 e 60%.

Os pacientes foram orientados para que 12 horas antes da realização do protocolo não ingerissem bebidas alcoólicas e/ou estimulantes, como café e chá, e fizessem uma refeição leve de desjejum. Aqueles que faziam uso de medicação de manutenção (broncodilatadores, mucolíticos, anti-inflamatório e outros) também foram orientados a fazer a interrupção de seu uso 12 horas antes do início do protocolo.

No dia da avaliação, os voluntários foram ambientados aos pesquisadores e aos materiais e receberam novamente as orientações sobre todos os procedimentos realizados. As medidas antropométricas foram obtidas de acordo com as recomendações descritas por Lohman, Roche e Martorell25. O peso foi mensurado em uma balança digital (Plenna TIN 00139 MÁXIMA, São Paulo, Brasil) e a altura, por meio de um estadiômetro (ES 2020 - Sanny, São Paulo, Brasil). O IMC foi calculado usando a seguinte fórmula: peso (kg)/altura (m)2.

Em seguida, posicionou-se, sobre a região do precórdio dos pacientes, a cinta de captação e, no punho, o receptor de frequência cardíaca Polar S810i (Polar Electro, Kempele, Finland). Após esses procedimentos, os pacientes permaneceram sentados por 15 minutos em repouso absoluto e, em seguida, realizou-se o teste de CVF. Entre cada manobra do teste, os pacientes permaneciam em repouso, no mínimo, 5 minutos após a FC ter retornado ao valor basal, a fim de estabilizá-la para a análise da sua variabilidade.

Protocolo de avaliação

Espirometria

O teste de CVF foi realizado por meio de um espirômetro (MIR - Spirobank versão 3.6, Roma, Itália), segundo critérios estabelecidos pela ATS24 e valores de predição baseados nos valores de Knudson et al.26. Para a realização do teste, os voluntários foram posicionados sentados a 90º de flexão de quadril, sem apoio posterior de tronco, com os braços relaxados e a coluna ereta. Solicitou-se aos pacientes que realizassem dois ciclos respiratórios completos a volume corrente, seguidos por uma inspiração profunda até a capacidade pulmonar total e uma expiração brusca e contínua até o volume residual. O teste foi realizado com, no mínimo, três repetições e, no máximo, oito.

Monitorização do sistema cardiovascular

Para a análise do comportamento da FC e dos índices de VFC, utilizou-se somente a melhor curva da prova de função pulmonar, eleita pelo maior valor de CVF obtido dentre as curvas reprodutíveis.

O comportamento da FC foi registrado batimento a batimento durante todo o protocolo experimental por meio do frequencímetro Polar S810i (Polar Electro, Kempele, Finland), equipamento previamente validado para captação dessa variável e para utilização dos seus dados para análise da VFC27,28. Os dados foram coletados com frequência de amostragem de 1000 Hz e passados para o computador via interface da Polar® por emissão de um sinal infravermelho. A acurácia do tempo do complexo QRS da interface Polar® foi fixada em 1 ms29. A gravação dos dados foi realizada pelo programa Polar Precision Performance 3.0 e apresentados por meio de um tacograma. O programa identifica os complexos QRS e o sinal resultante é processado através de um filtro-padrão do próprio equipamento previamente descrito30. Adicionalmente, os intervalos RR passaram por uma edição manual, e as áreas com batimentos ectópicos e artefatos foram removidas.

A análise da VFC foi realizada nos seguintes trechos: a) 300s finais do repouso inicial; b) 300s antes do início do melhor teste de CVF; c) 300s após o retorno da FC ao seu valor basal depois do melhor teste de CVF. Somente séries temporais com mais de 256 intervalos RR foram utilizadas para análise31.

Os intervalos RR foram exportados para o programa HRV Analysis, cedido pelo grupo de Análises de Sinais Biológicos da Universidade de Kuopio, Kuopio, Finlândia32,33. Com esse programa, o cálculo da VFC foi realizado nos domínios do tempo e da frequência. No domínio do tempo, foi avaliado o índice rMSSD, que corresponde à raiz quadrada da média da soma dos quadrados das diferenças entre os intervalos RR normais adjacentes, registrados em um intervalo de tempo, dividido pelo número de intervalos RR menos um, expresso em ms34.

No domínio da frequência, foi utilizada a análise espectral pelo método não-paramétrico de Transformada Rápida de Fourier (FFT). A potência espectral foi determinada, de acordo com Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing Electrophysiology31, como: a) alta frequência (AF), quantificada entre 0,15 e 0,40 Hz; b) baixa frequência (BF), quantificada entre 0,04 e 0,15 Hz e, c) muita baixa frequência (MBF), quantificada entre 0,003 e 0,04 Hz. A razão BF/AF foi considerada como marcador do balanço simpato-vagal35. Os valores para AF e BF foram dados em unidades absolutas (ms2) e unidades normalizadas (un). A unidade normalizada foi calculada como: AF ou BF/ (potência espectral total – MBF) × 100.

A PA foi mensurada de forma indireta por meio de um esfigmomanômetro aneroide (Welch Allyn - Tycos, New York, USA) e estetoscópio (Littmann, Saint Paul, USA) imediatamente ao final do repouso inicial e 10 minutos após a realização de todos os testes de CVF.

Análise estatística

Os dados estão expressos em média e desvio-padrão. A normalidade foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para a comparação dos dados, foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) para medidas repetidas e o teste post-hoc de Student-Newman-Keuls. O nível de significância foi ajustado em 5% para todos os testes. O programa Sigma Stat 3.5 (SPSS Inc, USA) foi utilizado para as análises estatísticas.

O cálculo do poder do estudo, com o número de voluntários analisados e nível de significância de 5% (teste bicaudal), garantiu um poder do teste superior a 80% para detectar diferenças entre as variáveis.

Resultados

Dos 29 pacientes elegíveis, dez não preencheram os critérios de inclusão. Em relação à presença de comorbidades dos pacientes analisados no estudo, dois apresentavam gota e dois históricos de sinusite ou febre tifoide. As características antropométricas e de função pulmonar dos 19 pacientes que concluíram o estudo estão expressas na Tabela 1.

Para análise do comportamento do sistema cardiovascular, optou-se pela escolha do melhor teste de CVF em virtude da comparação dos valores de FC e de os índices de VFC não terem apresentado diferença entre eles, independentemente da quantidade de testes realizados (análise de variância para medidas repetidas; p>0,05).

O comportamento predominante da FC nos testes de CVF se caracterizou inicialmente por queda (79%), seguida de um aumento progressivo com oscilações (95%), sendo que o maior valor foi atingido após o término da manobra (84%). Em seguida, a FC caiu abaixo da FC inicial de repouso (58%), para depois retornar ao seu valor basal. Um exemplo ilustrativo desse comportamento pode ser observado na Figura 1.


A Tabela 2 mostra os valores dos deltas de FC obtidos durante a realização da manobra de CVF em relação à FC inicial. Observa-se que, no início da fase inspiratória do teste de CVF, a redução da FC foi, em média, de 6,10±8,5 bpm (75,9±14,6 vs. 69,8±10,0; p<0,001) e seu aumento seguinte ocorreu até o final do teste com um incremento, em média, de 11,8±10,9 bpm comparados ao repouso (75,9±14,6 vs. 87,7±16,8; p<0,001). Mesmo após o fim do teste de CVF, a FC continuou a aumentar, sendo que seu incremento foi, em média, de 21,3±13,9 bpm (75,9±14,6 vs. 97,2±21,8; p<0,001) para depois reduzir, em média, 4,9±7,6 bpm (75,9±14,6 vs. 71,0±11,2; p<0,001) comparados aos valores de repouso. Em relação à FC ao final do teste de CVF, a FC pico atingida foi, em média, 9,5±8,3 bpm maior (87,7±16,8 vs. 97,2±21,8; p<0,001).

Em relação a PA, apesar de um aumento da PA sistólica, em média, de 6,3±20,1 mmHg (136,8±21,4 vs 143,16±30,0) do início para o fim do teste e de seu retorno ao valor inicial após 10 minutos de repouso (133,2±23,8 mmHg), não houve diferenças na comparação entre os períodos analisados (p>0,05). A PA diastólica manteve-se constante nos períodos analisados (83,2±12,9 mmHg vs 85,3±13,9 mmHg vs 83,2±13,8 mmHg; p>0,05).

Os valores dos índices de VFC podem ser observados na Tabela 3. Não ocorreram diferenças estatisticamente significantes nos índices da VFC nos domínios do tempo (rMSSD) e da frequência (BF e AF, e relação BF/AF) entre os períodos analisados (p>0,05).

Discussão

Os resultados obtidos no presente estudo mostraram que, em pacientes com DPOC, a realização do teste de CVF produziu alterações significantes na FC e não modificou os valores de PA e os índices da VFC nos períodos analisados.

A resposta da FC frente ao teste de CVF caracterizou-se por uma redução no início da fase inspiratória do teste e, posteriormente, por aumento até o seu final, sendo que a FC pico foi atingida após o término do teste. Em seguida, a FC reduziu abaixo da FC de repouso para depois retornar ao seu valor basal.

A redução inicial da FC e o seu subsequente aumento, observados no presente estudo, durante a execução da fase inspiratória do teste de CVF, foram semelhantes ao padrão observado por Martins et al.36 durante a manobra de apneia inspiratória sustentada.

Postula-se que a queda inicial da FC durante a fase inspiratória do teste pode estar relacionada, pelo menos em parte, à ativação das fibras-C broncopulmonares. Essas fibras, quando estimuladas, produzem reflexamente bradicardia e hipotensão e podem estar relacionadas à queda da FC, o que foi observado37-39.

O subsequente aumento progressivo da FC pode ser atribuído à redução da pressão intratorácica que, consequentemente, produz redução do volume de ejeção do ventrículo esquerdo bem como da PA. Essa, por sua vez, produziria um aumento da FC mediado pela ativação dos barorreceptores40. Outro aspecto a ser considerado é a estimulação dos receptores de estiramento pulmonar, induzida pelo aumento do volume corrente durante a inspiração41, os quais, quando estimulados, produzem cardioaceleração, com consequente taquicardia38.

Durante a fase expiratória do teste de CVF, a FC continuou a aumentar progressivamente, o que pode estar relacionado ao aumento da pressão intratorácica e diminuição do retorno venoso que, por sua vez, promove modificações na contratilidade miocárdica, no tônus vasomotor e no controle barorreflexo42-44. A redução da atividade vagal, seguida pelo aumento da atividade simpática que ocorre durante a expiração, aumenta a FC42.

Após o término do teste de CVF, a FC continuou aumentando até atingir o seu maior valor, o que pode ser explicado pela liberação do esforço expiratório43,44. Durante a súbita queda da pressão intratorácica, há um sequestro de grande quantidade de sangue para o leito vascular pulmonar, o que reduz o enchimento ventricular esquerdo e provoca elevação da FC44. Somando-se a isso, a menor velocidade de condução e a lenta recaptação e neutralização de noradrenalina pelo sistema nervoso simpático faz com que o estímulo para o aumento da FC decaia de forma gradual, mesmo após a cessação do esforço expiratório45.

A queda da FC após a realização da manobra de CVF é semelhante à observada por Marães et al.43 após a liberação do esforço durante a manobra de Valsalva (fase IV), a qual foi atribuída ao aumento reflexo da atividade vagal e à inibição da atividade simpática decorrentes do grande estímulo dos barorreceptores durante a fase expiratória, com consequente vasodilatação e redução da FC a valores inferiores aos observados na condição basal43.

Apesar da influência da manobra de CVF sobre as flutuações da FC, a análise dos índices de VFC não apresentou mudanças significantes nos períodos analisados. Esses resultados assemelham-se aos encontrados no estudo de Marães et al.43, que analisaram a VFC antes e após a manobra de Valsalva em indivíduos de meia-idade sem verificar alterações no índice rMSSD. A ausência de modificações nos índices de VFC pode estar relacionada à curta duração da manobra, à idade avançada dos voluntários e a uma provável disfunção autonômica apresentada por esses indivíduos. Paschoal, Petrelluzzi e Gonçalves13 e Acharya et al.46 verificaram que o avanço da idade pode reduzir a VFC, e outros estudos observaram que portadores de DPOC apresentam depressão da resposta da VFC, quando comparados a indivíduos saudáveis pareados por idade e sexo7,8,47-49.

A manobra de CVF também não foi capaz de modificar o comportamento da PA nos períodos analisados. No entanto, ressalta-se que a PA foi mensurada pré e pós-manobra e de maneira indireta (método auscultatório) o que, apesar de ser um método confiável, não possibilitou a mensuração da PA durante todo o período de realização da manobra de CVF. Portanto, a possibilidade de o teste promover alterações sobre essa variável durante sua execução não deve ser descartada.

No âmbito clínico, os achados deste estudo podem auxiliar os profissionais da saúde, em especial fisioterapeutas, já que, segundo o Ofício COFFITO SECEX Nº 123/9650, esse profissional, desde que capacitado e especializado, pode realizar a espirometria.

A espirometria, no que se refere a DPOC, é considerada padrão-ouro para o diagnóstico e avaliação da doença por ser a forma mais reprodutível, padronizada e objetiva de se medir a limitação do fluxo aéreo1. Dessa forma, o entendimento das respostas do sistema cardiovascular frente ao teste de CVF, realizado por meio da espirometria, fornece ao fisioterapeuta melhores condições de monitorização do paciente portador de DPOC durante a sua realização.

Como limitação deste estudo, pode-se citar a falta de um grupo controle saudável (sem DPOC), o que poderia esclarecer se os resultados são decorrentes apenas do teste de CVF ou se sofrem parcialmente influências da doença. Adicionalmente, a inclusão de pacientes com ampla variedade na gravidade da doença poderia ser considerada outro fator limitante, embora a maioria dos nossos pacientes (63%) seja classificada de acordo com GOLD em estágio II e III. Isso porque alguns estudos indicam a presença de uma associação entre um baixo VEF1 e um alto risco de doenças cardiovasculares51,52, apesar de Camillo et al.53 não terem encontrado associação entre o grau de obstrução brônquica e os valores dos índices de VFC. Outro aspecto a ser considerado está relacionado à forma de análise da FC durante a realização da manobra de CVF. Durante a manobra, o tempo de realização dos movimentos inspiratórios e expiratórios é variável entre os sujeitos, o que dificulta a análise da resposta da FC em relação ao tempo e, nesse sentido, optou-se somente pela descrição do que ocorreu com ela durante a realização da manobra.

Este estudo representa uma descrição das respostas do sistema cardiovascular durante a realização da manobra de CVF, e os métodos utilizados permitiram inferências sobre os mecanismos envolvidos nessas respostas, contudo mais estudos direcionados a investigar esses mecanismos devem ser realizados.

Nossos resultados permitem concluir que o teste de CVF influencia de maneira significativa o comportamento da FC, sem, contudo, modificar a sua modulação autonômica, avaliada por meio dos índices de VFC, bem como a PA em pacientes com DPOC nos períodos analisados.

Agradecimentos

Pesquisa financiada pela Fundação para o Desenvolvimento da UNESP (FUNDUNESP – Processo nº 00206/05).

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    Felipe A. R. MendesI; Isadora L. MorenoII; Marina T. DurandIII; Carlos M. PastreII; Ercy M. C. RamosII; Luiz C. M. VanderleiII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2010
    • Revisado
      15 Jun 2010
    • Aceito
      16 Nov 2010
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