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Perfil clínico, qualidade de vida e sintomas depressivos de mulheres com incontinência urinária atendidas em hospital-escola

Resumos

OBJETIVOS: Descrever as características da incontinência urinária (IU) e avaliar seu impacto na qualidade de vida (QV) relacionada à saúde e aos sintomas depressivos de mulheres encaminhadas para atendimento fisioterapêutico em hospital universitário. MÉTODOS: Estudo descritivo transversal com coleta de dados demográficos e dos relacionados à IU. Todas as mulheres foram avaliadas por meio de exame físico e por escalas de depressão e QV. RESULTADOS: Foram avaliadas 48 mulheres (53,8±10,9 anos); 47,9% com incontinência urinária mista (IUM), 39,6% com incontinência urinária de esforço (IUE) e 12,5% com incontinência urinária de urgência (IUU). Em 50% dos casos, a perda urinária durou entre 3,3 e 10 anos. Não houve diferença na força da musculatura perineal nos diferentes tipos de IU (P>0,05). Sintomas depressivos foram detectados em 37% das mulheres. Observou-se alteração da QV nos três grupos de mulheres portadoras de IU. No King's Health Questionnaire (KHQ), portadoras de IUM apresentaram uma percepção de saúde mais comprometida, maiores limitações físicas, sociais, nas atividades diárias e nas relações pessoais (P<0,05). No WHOQOL-Bref, observou-se uma pior percepção da saúde no grupo com IUM (P<0,05). CONCLUSÃO: Foram detectados sintomas depressivos em mais de um terço das mulheres, cuja QV foi adversamente afetada, sendo o maior comprometimento observado nas mulheres com IUM.

incontinência urinária; saúde da mulher; qualidade de vida; depressão


OBJECTIVES: To describe the characteristics of urinary incontinence (UI) and to evaluate its impact on health-related quality of life (QOL) and depressive symptoms in women referred for physical therapy at a university hospital. METHODS: A descriptive cross-sectional study with demographic data collection related to UI. All women were evaluated through examination and also through depression and QOL questionnaires. RESULTS: Forty-eight women were evaluated (53.8±10.9 years), 47.9% with mixed UI (MUI), 39.6% with stress UI (SUI) and 12.5% with urge UI (UUI). In 50% of the cases the urinary loss lasted between 3.3 and 10 years. There was no significant difference in the pelvic floor muscle strength among the different types of UI (P>0.05). Depressive symptoms were detected in 37% of the women. Changes in the QOL were observed in all three groups of women with UI. According to the King's Health Questionnaire (KHQ), women with MUI presented more compromised health perception and greater physical, social, daily activity and personal relationship limitations (P<0.05). The women with MUI presented a worse health perception (P<0.05) according to the WHOQOL-Bref. CONCLUSION: Depressive symptoms were detected in more than a third of the women whose quality of life was adversely affected and the greatest impact was observed in the patients with MUI.

urinary incontinence; women's health; quality of life; depression


ARTIGO ORIGINAL

IFaculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil

IIInstituto de Geriatria e Gerontologia, PUCRS

Correspondência para

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever as características da incontinência urinária (IU) e avaliar seu impacto na qualidade de vida (QV) relacionada à saúde e aos sintomas depressivos de mulheres encaminhadas para atendimento fisioterapêutico em hospital universitário.

MÉTODOS: Estudo descritivo transversal com coleta de dados demográficos e dos relacionados à IU. Todas as mulheres foram avaliadas por meio de exame físico e por escalas de depressão e QV.

RESULTADOS: Foram avaliadas 48 mulheres (53,8±10,9 anos); 47,9% com incontinência urinária mista (IUM), 39,6% com incontinência urinária de esforço (IUE) e 12,5% com incontinência urinária de urgência (IUU). Em 50% dos casos, a perda urinária durou entre 3,3 e 10 anos. Não houve diferença na força da musculatura perineal nos diferentes tipos de IU (P>0,05). Sintomas depressivos foram detectados em 37% das mulheres. Observou-se alteração da QV nos três grupos de mulheres portadoras de IU. No King's Health Questionnaire (KHQ), portadoras de IUM apresentaram uma percepção de saúde mais comprometida, maiores limitações físicas, sociais, nas atividades diárias e nas relações pessoais (P<0,05). No WHOQOL-Bref, observou-se uma pior percepção da saúde no grupo com IUM (P<0,05).

CONCLUSÃO: Foram detectados sintomas depressivos em mais de um terço das mulheres, cuja QV foi adversamente afetada, sendo o maior comprometimento observado nas mulheres com IUM.

Palavras-chave: incontinência urinária; saúde da mulher; qualidade de vida; depressão.

Introdução

Recentemente, a International Continence Society alterou a definição de incontinência urinária (IU) para "perda involuntária de urina que é um problema social ou higiênico", valorizando, com isso, a queixa da paciente1.

A IU pode ser classificada como incontinência urinária de esforço (IUE), incontinência urinária de urgência (IUU) e incontinência urinária mista (IUM). A IUE é caracterizada por perda ao esforço físico, através da uretra intacta, sem que haja contração do músculo detrusor da bexiga. Na IUU, as portadoras sentem um desejo repentino e forte de urinar, porém não são capazes de controlar o mecanismo de micção. A IUM pode estar associada a ambas as situações e também ser decorrente de aspectos emocionais2.

Devido a fatores anatômicos, a prevalência de IU é maior em mulheres do que em homens2, afeta mulheres de todas as idades3, varia de 8 a 34% nos idosos, ocorre em 30 a 60% dos idosos institucionalizados4 e pode ser fator de contribuição para institucionalização3. Entre os fatores de risco, estão história de histerectomia, gravidez, parto vaginal e IU gestacional ou pós-parto5, queda dos níveis de estrogênio na menopausa, constipação, sobrepeso, medicações e cirurgias que são capazes de provocar a diminuição do tônus muscular pélvico e/ou gerar danos nervosos6.

A perda urinária causa desconforto, perda de autoconfiança e pode conduzir a infecções urinárias, úlceras de pressão e dermatoses de períneo7. As implicações médicas, sociais, psicológicas e econômicas levam a alterações no estilo de vida8,9 e afetam adversamente a qualidade de vida (QV) das mulheres. Modificações comportamentais para reduzir o impacto dos sintomas, sentimentos como solidão, tristeza e depressão, encontram-se presentes na vida das incontinentes9.

Mulheres que apresentam graus leve e moderado de incontinência não buscam ajuda, e a frequência pela procura por tratamento se acentua no período pós-menopausa, quando o grau de perda urinária se eleva8. A avaliação inicial da paciente visa descartar doenças que podem levar à IU, avaliar a gravidade da condição, fazer o diagnóstico pela classificação de IU e determinar o perfil dos sintomas para definir uma orientação terapêutica adequada. A avaliação clínica dos músculos do assoalho pélvico pode ser útil para estudar o efeito da intervenção1.

O conhecimento do perfil de portadoras de IU usuárias do serviço de fisioterapia pode oferecer subsídios aos gestores para formulação de estratégias e práticas de trabalho mais adequadas às necessidades de saúde dessas mulheres. Poucos estudos sobre este tema foram realizados no país6, e não encontramos registro de estudo semelhante no Rio Grande do Sul, Brasil. Com o presente estudo pretendeu-se descrever as características da IU e avaliar seu impacto na QV relacionada à saúde e aos sintomas depressivos de mulheres atendidas em serviço de fisioterapia de um hospital-escola.

Materiais e métodos

Foi realizado um estudo descritivo transversal no Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil, nos anos de 2006 a 2008. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da PUCRS (registro 06/03194), e os princípios éticos foram respeitados de acordo com o estabelecido na resolução 196/96 do CNS-MS. Todas as participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram avaliadas para o estudo 50 mulheres com diagnóstico médico de IU, encaminhadas consecutivamente do ambulatório de Uroginecologia do HSL da PUCRS para atendimento fisioterapêutico ambulatorial. Duas mulheres foram excluídas por terem realizado previamente cirurgia de correção de IU.

As avaliações foram realizadas no Serviço de Fisioterapia do HSL-PUCRS e foram compostas por anamnese, avaliação funcional do assoalho pélvico, dois instrumentos para a mensuração da QV e um para detectar a presença de depressão.

Na anamnese, foram coletados dados referentes a idade, escolaridade, estado civil, tipo de IU, tempo da incontinência, situação de perda urinária, quantidade de urina perdida, número de gestações, tipo de parto, episiotomia, menopausa, obesidade, presença de prolapsos geniturinários e presença ou não de constipação. A quantidade de urina perdida foi descrita pela entrevistada como perda em gotas, jatos ou micção completa.

A avaliação funcional do assoalho pélvico foi realizada por meio da perineometria e da palpação bidigital, ambas com a mulher em posição de litotomia. Para a perineometria, utilizou-se um perineômetro digital da marca Kroman, que detecta o aumento de pressão provocada pela contração do músculo elevador do ânus (MEA) através de um eletrodo transvaginal. A perineometria foi realizada três vezes, e o maior valor em escala Sauers foi usado como referência. Posteriormente, os valores obtidos foram convertidos em cmH2O, considerando para conversão que 28 unidades Sauers equivalem a uma libra que, por sua vez, corresponde a 0,49 cmH2O.

Na palpação bidigital, foi também avaliada a força do MEA. A capacidade de contração dessa musculatura foi graduada com base na escala de Ortiz10, em valores de 0 a 5, em que zero é a ausência de contração muscular e cinco uma contração forte e sustentada por mais de cinco segundos.

O impacto da IU na QV foi verificado por meio de dois questionários, um específico para IU, o "King's Health Questionnaire" (KHQ), e um geral, o Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde, o WHOQOL-bref.

O KHQ é composto por 21 questões divididas em oito domínios: percepção geral de saúde, impacto da IU, limitações de atividades diárias, limitações físicas, limitações sociais, relacionamento pessoal, emoções, sono/disposição. O KHQ é pontuado por cada um de seus domínios, não havendo, portanto, escore geral. Os escores variam de 0 a 100; quanto maior a pontuação obtida, pior é a QV relacionada àquele domínio11.

O questionário geral de QV WHOQOL-bref é dividido em quatro domínios: físico, psicológico, das relações sociais e o do meio ambiente. Os dados obtidos por meio do WHOQOL-bref são avaliados para cada domínio específico; quanto maior a pontuação obtida (máximo = 100), melhor é a QV relacionada àquele domínio12.

Para avaliar a presença ou não de sintomas depressivos, utilizou-se a Escala de Depressão em Hospital Geral (EDHG), a qual é composta por seis itens. Um escore total igual ou maior que três é sugestivo de depressão13. Adicionalmente, acrescentou-se uma questão de autopercepção de depressão "Você se sente deprimida?", que era respondida com sim ou não.

O cálculo do tamanho amostral (45 mulheres) foi realizado pelo Programa Estatístico PEPI com base na resposta esperada da intervenção fisioterapêutica na IU observada em estudo prévio, com significância de 95%, resultado positivo de 74% e desvio de 10%. A análise de dados foi realizada pelo pacote estatístico SPSS v 11.0. A distribuição das variáveis quantitativas foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A comparação do tipo de incontinência foi feita com o teste de análise de variância one-way; para as demais análises, utilizou-se o teste não-paramétrico equivalente de Kruskal-Wallys. As comparações relativas aos tipos de IU foram realizadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson. A presença de sintomas depressivos, detectada pelo questionário EDHG, e a autopercepção de depressão foram comparadas pelo teste de McNemar, e o grau de concordância entre essas variáveis foi investigado por meio do coeficiente Kappa. O nível de significância considerado para todas as análises foi de α<0,05.

Resultados

As 48 mulheres estudadas apresentavam idade de 53,8±10,8 anos. A maioria era casada (64,6%), tinha ensino fundamental completo ou incompleto (60,4%) e residia fora de Porto Alegre, RS, Brasil (58,3%). Os dados referentes a idade, grau de instrução, estado civil e tempo de incontinência de acordo com o tipo de IU são mostrados na Tabela 1.

Considerando o diagnóstico clínico das participantes do estudo, 23 das mulheres (47,9%) tinham IUM; 19 (39,6%), IUE e 6 (12,5%), IUU. A duração média da queixa de IU foi de 7,9±6,4 anos, e 50% das mulheres apresentavam perda urinária que durava entre 3,3 e 10 anos.

Metade das mulheres teve entre duas e quatro gestações, sendo que havia, na amostra total, duas nulíparas. As mulheres com IUM apresentaram um número significativamente maior de gestações que as mulheres com IUE e IUU (p=0,01), sendo a mediana, no grupo, de três gestações, enquanto, nos grupos IUE e IUU, foram de duas e 2,3 gestações, respectivamente. Quanto ao tipo de parto, 81,3% das participantes tiveram parto vaginal, 68,4% relataram ter feito episiotomia, e 31,3% foram submetidas à cesárea. Trinta e seis mulheres apresentavam algum tipo de prolapso, achado predominante nas mulheres com IUE (84,2%). Trinta e cinco mulheres (72,9%) se encontravam na menopausa; todas as mulheres com IUU estavam na menopausa. Constipação intestinal foi um sintoma apresentado por 45,2% das mulheres avaliadas.

Em todas as situações de perda de urina estudadas, houve diferenças estatisticamente significativas quando comparados os três tipos de IU (P<0,05). Tossir, espirrar, rir, saltar, sentir orgasmo e caminhar relacionaram-se mais frequentemente com a perda de urina na IUE e IUM, enquanto a perda de urina na presença de bexiga cheia foi mais frequente nas mulheres com IUU.

Considerando o total de mulheres, 87,5% referiram perda de urina em gotas e jatos. A quantidade de urina perdida foi comparada nos diferentes tipos de IU; houve predomínio de perda em jatos nos três tipos. Entretanto, 21,7% das mulheres portadoras de IUM referiram perda urinária completa.

A mediana da força de contração da musculatura do assoalho pélvico mensurada por meio do perineômetro em todas as mulheres foi de 0,64 cmH2O; 50% das mulheres apresentaram força entre 0,38 e 1 cmH2O. A comparação da força muscular nos diferentes grupos de incontinência mostrou que a maior mediana ocorreu entre as mulheres com IUM (0,71 cmH2O) e a menor entre as mulheres com IUU (0,58 cmH2O). Essa diferença não foi significativa (P>0,05).

A mediana da palpação bidigital do MEA foi 4, sendo que 50% das mulheres investigadas apresentaram força de contração da musculatura entre 3 e 5. As estimativas de mediana segundo os tipos de incontinência se mostraram muito próximas, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos (P>0,05).

Sintomas depressivos foram detectados em 39,6% das mulheres por meio da EDHG e em 47,9% dos casos pela pergunta "Você se sente deprimida?", com associação significativa entre os dois resultados (P<0,001). Não houve diferença significativa entre os resultados obtidos pelos dois métodos usados para pesquisar depressão (P>0,05), observando-se um grau de concordância moderado entre eles (k=0,644; P<0,001).

Na Tabela 2 são apresentados os resultados do KHQ. Houve diferença significativa entre os três grupos de IU em relação à percepção geral de saúde, sendo os maiores/piores escores observados na IUM (P=0,02). Do mesmo modo, as limitações de atividades diárias, as limitações físicas, as limitações sociais e as relações pessoais estavam significativamente mais comprometidas nesse grupo de mulheres (P<0,05).

Os resultados referentes ao WHOQOL-bref são apresentados na Tabela 3. Detectou-se diferença significativa na questão inicial "Como está a sua saúde?", de forma que as mulheres com IUM apresentaram escore médio significativamente menor que os escores dos demais grupos de IU (P=0,032). Do mesmo modo, na questão 2, que também aborda informações referentes à percepção da saúde, o menor escore foi observado no grupo com IUM (P=0,046). Não houve diferenças entre os grupos nos demais domínios do questionário.

Discussão

Os resultados do presente estudo revelaram que as mulheres do serviço de fisioterapia de um hospital universitário de Porto Alegre, RS, Brasil, estavam na meia-idade, eram ou haviam sido casadas e tinham baixa escolaridade, dados esses que corroboram os achados de Figueiredo et al.6, cujas mulheres apresentavam entre 40 e 59 anos e tinham ensino fundamental completo e incompleto.

A semelhança entre os dois estudos se deu, também, no que se refere à prevalência do tipo de IU. Em ambas as séries, prevaleceu a IUM, 48% em nosso estudo e 63% no estudo de Figueiredo et al.6. Por outro lado, um grande estudo observacional desenvolvido na Noruega, The Norwegian EPINCONT Study14, em que, das 27.936 mulheres com idade acima de 20 anos que participaram do estudo, 25% tinham IU. A prevalência aumentava com a idade, a metade delas apresentava IUE, 36% IUM e 11% IUU. Do mesmo modo, Isherwood e Rane15 encontraram a IUE como a mais prevalente em mulheres mais jovens, com média de idade de 41 anos.

A prevalência de qualquer dos tipos de IU tende a aumentar até a meia-idade, ter queda entre 50 e 70 anos e ter um aumento com a idade mais avançada1,5. Em nosso estudo, observou-se a maior média de idade nas mulheres com IUU e a menor média de idade nas mulheres com IUE (59,3 versus 50,9 anos). Uma relação inversa entre IUE e idade foi descrita previamente em outro estudo (r=-0,380; p<0,001)16.

Estudo realizado por Lewis17 indicou que 75% de 827 mulheres com IU levaram cerca de três anos para procurar auxílio. Essa mesma dificuldade em buscar auxílio foi observada entre as mulheres do presente estudo, em que se encontrou, em 50% da amostra, um tempo de incontinência entre 3 e 10 anos. Uma menor busca por tratamento foi descrita previamente em mulheres com graus leve e moderado de incontinência, sendo que a frequência pela procura de atendimento de saúde se acentua no período pós-menopausa, quando o grau de perda urinária se eleva8, situação confirmada por nosso estudo, uma vez que 72,9% das mulheres encontravam-se nessa situação.

Em relação ao número de gestações, 50% das participantes apresentaram entre duas e quatro gestações, enquanto, no estudo realizado por Figueiredo et al.6, 42% engravidaram de uma a três vezes. No presente estudo, observou-se que as mulheres com diagnóstico de IUM tiveram maior número de gestações, estando esse tipo de IU significativamente associado à realização de parto vaginal, enquanto a IUE foi associada à cesárea. No estudo realizado por Guarisi et al.18, não se observou aumento no risco de IU entre as mulheres que tiveram uma ou mais gestações, bem como um ou mais partos, quando comparadas com aquelas que não tiveram gestações ou partos.

A IU tem sido associada a dano neuromuscular do assoalho pélvico durante o parto vaginal, principalmente em mulheres primíparas, contudo ainda persistem controvérsias se a IU é devido à gravidez ou ao tipo de parto19. Observou-se neste estudo que 81,3% das voluntárias apresentaram parto vaginal, percentual esse superior ao resultado de 76% observado em trabalho realizado por Figueiredo et al.6, com amostra semelhante.

De acordo com Neumann20, mulheres que nunca tiveram parto vaginal, as jovens e as que não apresentam prolapso podem apresentar IU. Confirmou-se tal afirmação no presente estudo, uma vez que, das nossas mulheres, nove nunca tiveram parto vaginal, duas delas nunca tiveram gestações e 25% da amostra não apresentava qualquer tipo de prolapso.

No presente estudo, as situações de perda urinária mais predominantes para as mulheres com IUE e IUM foram as de tosse e espirro, seguidas por risada. Para as mulheres com IUM, a perda de urina ocorre, também, nas situações de saltar, caminhar e apresentar orgasmo. A situação de não conseguir impedir uma micção completa até chegar ao banheiro ficou caracterizada como situação prevalente em portadoras de IUU. Outros autores2,6 citam perda urinária aos esforços e urgência como sinais e sintomas prevalentes em mulheres com IU.

O fabricante do perineômetro usado no presente estudo estabeleceu em 28 Sauers (1libra- 0,49 cmH2O) o valor mínimo a ser obtido no exame de uma musculatura saudável. Encontrou-se uma média de 42,1 Sauers (0,73 cmH2O) para a força de contração da musculatura perineal, até mesmo nas mulheres com IUE e IUM, nas quais a fraqueza muscular é tida como determinante para a perda urinária. Entretanto, é necessário considerar que a presença de prolapso pode interferir nas medidas obtidas na perineometria.

Na avaliação bidigital para detecção do grau de força de contração do assoalho pélvico, 50% das mulheres apresentaram força de contração entre graus 3 e 5. O Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) reconhece que ainda faltam evidências científicas para a utilização clínica da avaliação digital dos músculos do assoalho pélvico. Entretanto, o parecer técnico do RCOG é de que a presença ou ausência de contração dos músculos do assoalho pélvico pode dirigir as decisões do tratamento1. O teste bidigital é um teste de baixo custo que pode ser utilizado em unidades básicas de saúde, contribuindo para melhorar a avaliação e a intervenção fisioterapêutica. A ressalva é de que deve ser realizado pelo mesmo examinador na fase inicial e final do tratamento1, cuidado adotado neste estudo.

Os sintomas depressivos foram investigados em nosso trabalho por meio da aplicação da EDGH e da pesquisa da autopercepção da depressão pelas mulheres. Nossos resultados mostraram associação significativa entre o achado de depressão pela EDHG e pela autopercepção, sugerindo que a pergunta simples "Você se sente deprimida?" pode ser útil no rastreamento de sintomas depressivos nas mulheres com IU e justifica a sua utilização na rotina de atendimento dessa população. Esse dado é particularmente relevante face aos achados de que a depressão é significativamente mais frequente em mulheres com IU3,21, além de associada com aumento da mortalidade, comorbidades, utilização de serviços de saúde e decréscimo da QV22. Neste estudo, quase 40% das participantes apresentaram resultado sugestivo de depressão, número superior ao encontrado em estudo realizado por Ko et al.3, no qual aproximadamente 28% da população com IU sentia depressão ou tinha perdido o interesse por atividades que antes desempenhava normalmente, comparado com 15,4% do grupo continente. Essa diferença entre as prevalências do estudo de Ko et al.3 e o nosso estudo provavelmente se deve às diferenças entre as amostras utilizadas, tanto em termos da composição, quanto ao tamanho amostral.

Além da depressão, em 15% a 30% dos casos, a IU afeta a vida social, ocupacional, doméstica, física e sexual das mulheres de todas as idades. Seu impacto psicossocial pode ser mais devastador do que as consequências sobre a saúde, com efeitos múltiplos e abrangentes que influenciam as atividades diárias, a interação social e a autopercepção do estado de saúde23.

Os sintomas urinários do KHQ que mais frequentemente as mulheres relataram "muito" afetá-las foram a urgência miccional e a IUE (41,6%), a frequência urinária (35,4%) e a urge-incontinência (31,2%), enquanto Rett et al.9 encontraram a frequência urinária (65,4%), a noctúria e a urgência miccional (57,7%) como sintomas que mais afetavam as mulheres.

Utilizou-se, para avaliar a QV, um questionário específico para IU, o KHQ, e um geral, o WHOQOL-Bref. Em ambos os questionários, observou-se um impacto negativo da IU sobre a QV das mulheres, com escores medianos no KHQ variando de 33,3 a 66,7 e no WHOQOL-Bref de 51,0 a 69,9, confirmando achados de outros estudos, que apresentaram escores medianos variando entre 33,0 e 100,09 e entre 40 e 5824.

A comparação dos resultados dos dois questionários de QV sugere que, se por um lado, ambos os instrumentos quantificam o comprometimento da QV nas mulheres com perdas urinárias involuntárias, por outro lado, o KHQ é mais sensível para detectar diferenças entre os diversos tipos de IU. No KHQ, os maiores e piores escores em todos os itens avaliados foram encontrados nas portadoras de IUM. Em cinco dos nove itens, a diferença em relação às portadoras de IUE e IUU foi estatisticamente significante (percepção geral de saúde, limitações das atividades diárias, limitações físicas, limitações sociais e relações pessoais), demonstrando o maior impacto negativo dessa forma de IU na qualidade de vida. No WHOQOL-Bref, as mulheres com IUM igualmente apresentaram os piores escores em seis dos oito domínios estudados, embora a diferença entre os grupos tenha sido estatisticamente significativa em apenas dois domínios (situação e percepção de saúde).

Um dos aspectos que precisa ser melhor estudado é a relação entre volume da perda urinária e QV. Em nosso estudo, classificou-se a perda urinária como em gotas, em jatos ou completa. Poucos estudos na literatura utilizam uma descrição semelhante da intensidade da perda urinária, sendo que, na maioria deles, a perda é descrita como pequena, moderada ou grave. Nossos resultados mostraram que as mulheres com IUM apresentaram perda de urina mais acentuada. Paralelamente, essas mulheres apresentaram um maior comprometimento da QV. Tais resultados sugerem que, além do tipo de IU, o grau de perda urinária pode influenciar a QV da mulher incontinente. Estudos adicionais são necessários para esclarecer essa questão.

O nosso estudo apresenta limitações que devem ser discutidas. Em primeiro lugar, não se utilizou um método objetivo para quantificar a perda urinária e sim a descrição feita pela entrevistada, em gotas, em jatos ou perda completa. Uma segunda limitação foi o pequeno número de mulheres portadoras de IUU, entretanto o grupo com maior acometimento nos resultados, IUM, é também o de maior prevalência no estudo.

Concluindo, os resultados mostram que o tipo de IU mais frequente na nossa série foi a IUM, que sintomas depressivos podem acompanhar a doença e que ela causa um impacto negativo na QV das mulheres, sendo tal efeito mais pronunciado nas portadoras de IUM. Entretanto, esses resultados refletem a realidade de uma população específica que frequenta um hospital universitário, não correspondendo necessariamente à realidade das mulheres em geral com IU. Esses achados podem contribuir para a abordagem da avaliação e do tratamento da IU em outros serviços.

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    Mara R. KnorstI; Thais L. ResendeI; José R. GoldimII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Revisado
      09 Set 2010
    • Recebido
      23 Mar 2010
    • Aceito
      08 Fev 2011
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