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Relação entre muito baixo peso ao nascimento, fatores ambientais e o desenvolvimento motor e o cognitivo de crianças aos 5 e 6 anos

Resumos

OBJETIVO: Examinar as relações entre baixo peso ao nascimento, prematuridade, fatores ambientais e os desenvolvimentos motor e cognitivo de crianças aos 5 e 6 anos de idade. MÉTODOS: Estudo caso-controle no qual os desempenhos motor e cognitivo e o ambiente domiciliar de crianças com idade de 5-6 anos, nascidas pré-termo e com peso < 1.500 gramas, foram comparados com os de pares nascidos a termo e com peso adequado (PA). Foram utilizados os testes Movement Assessment Battery for Children (MABC), Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ), as provas de vocabulário e de cubos do Weschsler Intelligence Test for Children-III (WISC), o Swanson, Nolan and Pelham IV Scale (SNAP IV) e o Observation for Measurement of the Environment (HOME). RESULTADOS: 50,54% das crianças nascidas com muito baixo peso (MBP) foram a óbito, e 15,2% deste grupo desenvolveram sequelas severas. Os escores para os grupos de MBP e de PA foram: HOME 33,83±7,81(MBP), 39,61±8,75(PA); MABC 8,17±7,10(MBP), 3,06±3,80(PA); DCDQ 54,0±11,3(MBP), 63,0±7,5(PA); WISC Cubos 8,35±2,15(MBP), 10,57±2,25(PA); WISC Vocabulário 9,61±2,62(MBP), 13,48±2,45(PA); SNAP IV 4,04±4,95(MBP), 1,57±3,27(PA). Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, com melhor desempenho em todos os testes no grupo de PA. Os resultados dos testes motores e cognitivos tiveram correlação com o peso ao nascer (p<0,01) e com o HOME (p<0,05). CONCLUSÕES: Os resultados reforçaram as evidências de que crianças nascidas prematuras e de MBP são mais propensas a apresentar dificuldades motoras e cognitivas que seus pares nascidos a termo e de PA. Fatores ambientais parecem interferir no desenvolvimento dessas crianças.

recém-nascido de baixo peso; desenvolvimento infantil; desenvolvimento motor; cognição; condições sociais


OBJECTIVE: To examine the relationships between birth weight, preterm birth, environmental factors and the motor and cognitive development of 5 to 6 year-old children. METHODS: A case control study in which the motor and cognitive performance, as well as the home environment of children aged 5-6 years, born pre-term and weighing <1.500 grams, were compared to peers born full-term and with normal weight. The following testes were used: Movement Assessment Battery for Children (MABC), the Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ), the vocabulary and cube tests of the Weschsler Intelligence Test for Children-III (WISC), the Swanson, Nolan and Pelham IV Scale (SNAP IV) and the Home Observation for Measurement of the Environment (HOME). RESULTS: 50.54% of the very low birth weight (VLBW) children died and 15.2% of them demonstrated severe impairments. The scores (±SD) of the VLBW and normal birth weight (NBW) groups were: HOME 33.83±7.81(VLBW), 39.61±8.75(NBW); MABC 8.17±7,10(VLBW), 3.06±3.80(NBW); DCDQ 54.0±11.3(VLBW), 63.0±7.5(NBW); WISC Cubes 8.35±2.15(VLBW), 10.57±2.25(NBW); WISC Vocabulary 9.61±2.62(VLBW), 13.48±2.45(NBW); SNAP IV 4.04±4.95(VLBW), 1.57±3.27(NBW). Significant differences between the groups were found, with higher scores on all measures for the NBW group. The results of the motor and cognitive tests demonstrated correlations with birth weight (p<0.01) and HOME scores (p<0.05). CONCLUSIONS:The findings reaffirmed the evidences that children born pre-term and with VLBW were more vulnerable to have motor and cognitive impairments, compared to those born full-term. Environmental factors appeared to interfere with development of these children.

low birth weight; child development; motor skills; cognition; social conditions


ARTIGO ORIGINAL

IDepartamento de Terapia Ocupacional, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDepartamento de Fisioterapia, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, UFMG

Correspondência para

ABSTRACT

OBJECTIVE: To examine the relationships between birth weight, preterm birth, environmental factors and the motor and cognitive development of 5 to 6 year-old children.

METHODS: A case control study in which the motor and cognitive performance, as well as the home environment of children aged 5-6 years, born pre-term and weighing <1.500 grams, were compared to peers born full-term and with normal weight. The following testes were used: Movement Assessment Battery for Children (MABC), the Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ), the vocabulary and cube tests of the Weschsler Intelligence Test for Children-III (WISC), the Swanson, Nolan and Pelham IV Scale (SNAP IV) and the Home Observation for Measurement of the Environment (HOME).

RESULTS: 50.54% of the very low birth weight (VLBW) children died and 15.2% of them demonstrated severe impairments. The scores (±SD) of the VLBW and normal birth weight (NBW) groups were: HOME 33.83±7.81(VLBW), 39.61±8.75(NBW); MABC 8.17±7,10(VLBW), 3.06±3.80(NBW); DCDQ 54.0±11.3(VLBW), 63.0±7.5(NBW); WISC Cubes 8.35±2.15(VLBW), 10.57±2.25(NBW); WISC Vocabulary 9.61±2.62(VLBW), 13.48±2.45(NBW); SNAP IV 4.04±4.95(VLBW), 1.57±3.27(NBW). Significant differences between the groups were found, with higher scores on all measures for the NBW group. The results of the motor and cognitive tests demonstrated correlations with birth weight (p<0.01) and HOME scores (p<0.05).

CONCLUSIONS:The findings reaffirmed the evidences that children born pre-term and with VLBW were more vulnerable to have motor and cognitive impairments, compared to those born full-term. Environmental factors appeared to interfere with development of these children.

Keywords: low birth weight; child development; motor skills; cognition; social conditions.

RESUMO

OBJETIVO: Examinar as relações entre baixo peso ao nascimento, prematuridade, fatores ambientais e os desenvolvimentos motor e cognitivo de crianças aos 5 e 6 anos de idade.

MÉTODOS: Estudo caso-controle no qual os desempenhos motor e cognitivo e o ambiente domiciliar de crianças com idade de 5-6 anos, nascidas pré-termo e com peso < 1.500 gramas, foram comparados com os de pares nascidos a termo e com peso adequado (PA). Foram utilizados os testes Movement Assessment Battery for Children (MABC), Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ), as provas de vocabulário e de cubos do Weschsler Intelligence Test for Children-III (WISC), o Swanson, Nolan and Pelham IV Scale (SNAP IV) e o Observation for Measurement of the Environment (HOME).

RESULTADOS: 50,54% das crianças nascidas com muito baixo peso (MBP) foram a óbito, e 15,2% deste grupo desenvolveram sequelas severas. Os escores para os grupos de MBP e de PA foram: HOME 33,83±7,81(MBP), 39,61±8,75(PA); MABC 8,17±7,10(MBP), 3,06±3,80(PA); DCDQ 54,0±11,3(MBP), 63,0±7,5(PA); WISC Cubos 8,35±2,15(MBP), 10,57±2,25(PA); WISC Vocabulário 9,61±2,62(MBP), 13,48±2,45(PA); SNAP IV 4,04±4,95(MBP), 1,57±3,27(PA). Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, com melhor desempenho em todos os testes no grupo de PA. Os resultados dos testes motores e cognitivos tiveram correlação com o peso ao nascer (p<0,01) e com o HOME (p<0,05).

CONCLUSÕES: Os resultados reforçaram as evidências de que crianças nascidas prematuras e de MBP são mais propensas a apresentar dificuldades motoras e cognitivas que seus pares nascidos a termo e de PA. Fatores ambientais parecem interferir no desenvolvimento dessas crianças.

Palavras-chave:recém-nascido de baixo peso; desenvolvimento infantil; desenvolvimento motor; cognição; condições sociais.

Introdução

O Sistema de Informação de Nascidos Vivos do Ministério da Saúde/DATASUS aponta a crescente sobrevida de crianças nascidas prematuras e de muito baixo peso (MBP). No Estado de Minas Gerais, no ano de 2005, dos 277.468 nascidos vivos, 19.354 eramprematuros e 3.676 com peso ao nascimento <1.499 gramas. Estima-se, nessa população, uma prevalência de 7 a 20% de transtornos neurológicos severos, como a paralisia cerebral e deficiências sensoriais, e de 30 a 40% de problemas motores de moderados a leves1. Com a melhoria na expectativa de vida dessas crianças, o risco para o desenvolvimento se tornou um foco crescente para pesquisa e intervenção, observando-se mudança do interesse quantitativo, relacionado à sobrevida, para o interesse mais qualitativo, voltado para as consequências da prematuridade e do baixo peso no desenvolvimento infantil2.

Há evidências de que, quando comparadas com seus pares, essas crianças exibem dificuldades em diversas áreas do desenvolvimento, incluindo problemas de coordenação motora, atenção, desempenho acadêmico e comportamento3. Apesar da relevância dos fatores de risco biológico, as condições ambientais também atuam de modo decisivo, podendo atenuar ou agravar o impacto do risco biológico no desenvolvimento infantil1. Vários estudos nacionais4-8 têm focado os aspectos motores, cognitivos e comportamentais de crianças nascidas prematuras e de baixo peso, porém a associação com fatores ambientais é pouco examinada, quando, paradoxalmente, o impacto do risco ambiental no desenvolvimento pode ser maior em países em desenvolvimento9, uma vez que maior número de crianças está exposta a ambientes empobrecidos.

Considerando a importância de se examinar a relação entre fatores de risco biológico e ambiental, este estudo teve por objetivos descrever os desenvolvimentos motor e cognitivo de um grupo de crianças nascidas com peso <1.500 gramas, nos anos de 2001 e 2002, em Divinópolis, MG, Brasil, e examinar a relação entre MBP ao nascimento, fatores ambientais e os desenvolvimentos motor e cognitivo de crianças aos 5 e 6 anos.

Materiais e métodos

Estudo de caso-controle, cuja população alvo foi constituída pelos 5.990 nascidos vivos em Divinópolis, MG, Brasil, nos anos de 2001 e 2002. Mediante autorização da Secretaria Municipal de Saúde de Divinópolis, realizou-se, triagem dos dados nas Declarações de Nascidos Vivos. Foram identificadas as crianças nascidas com peso <1.500 gramas e os dados foram cruzados com as declarações de óbitos. Em seguida, foi feito contato com as famílias, via telefone ou visita domiciliar, para localização dos sobreviventes que se enquadravam nos seguintes critérios de inclusão: ausência de alterações neurológicas e/ou ortopédicas, má-formação, síndromes genéticas ou déficits sensoriais ou outras deficiências evidentes. Essas crianças constituíram o grupo pré-termo de MBP, que foi pareado, por idade e nível social, a crianças nascidas a termo e com peso >2.500 gramas, que constituíram o grupo de peso adequado (PA). Para o pareamento por idade, foi permitida variabilidade de até 30 dias. Para tentar manter equivalência de nível social, as crianças foram pareadas de acordo com a escola frequentada, pública ou particular, sendo também aplicado um questionário sociodemográfico para comparação dos grupos.

Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foi agendada visita domiciliar. As crianças de ambos os grupos foram avaliadas no próprio domicílio por uma única examinadora, com grande experiência na área de desenvolvimento infantil.

A função motora foi avaliada por meio do Developmental Coordination Disorder Questionnaire - versão brasileira (DCDQ-Brasil)10, questionário para pais, específico para triagem do Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC). O DCDQ avalia o desempenho da criança em situações da vida diária, e os itens são pontuados em escala de cinco pontos; quanto maior a pontuação, melhor o desempenho motor da criança. Também foi usado o Movement Assessment Battery for Children (MABC)11, teste de coordenação motora, amplamente utilizado para identificação do TDC. O MABC avalia destreza manual, equilíbrio dinâmico e estático e habilidade com bola. Cada item é pontuado de zero a cinco e, quanto maior a pontuação, pior o desempenho motor. O escore total é convertido em percentil. Tanto o DCDQ-Brasil como o MABC adotam o percentil 5 como ponto de corte para identificação de TDC.

A função cognitiva foi avaliada com uso do Weschsler Intelligence Test for Children III (WISC III)12, teste tradicional de inteligência, traduzido e padronizado para a criança brasileira. Foram aplicadas as provas de cubos e de vocabulário, que apresentam boa correlação com o escore total13.

Mediante autorização da Secretaria Municipal de Educação e após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, as professoras das crianças responderam ao Swanson, Nolan and Pelham IV Scale (SNAP IV)14,15, questionário adaptado para o português15 e usado para triagem do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em crianças escolares. O SNAP-IV é interpretado de acordo com a pontuação obtida nos critérios para TDAH, sendo que, quanto maior a pontuação, pior o desempenho. O ambiente domiciliar foi avaliado pelo Home Observation for Measurement of the Environment (HOME)16, inventário observacional para avaliação sistemática da qualidade e quantidade de estímulos disponíveis no ambiente domiciliar. Escores mais altos indicam ambientes mais enriquecidos e mais adequados ao desenvolvimento infantil. O HOME inclui um questionário com dados sociodemográficos da família, que foram utilizados para comparação entre os grupos.

Além dos instrumentos padronizados, foram elaborados dois protocolos para coleta de dados: (a) roteiro de entrevista com os pais sobre aspectos relevantes do desenvolvimento da criança e (b) questionário de professores sobre o desempenho escolar da criança.

Antes da coleta de dados, a avaliadora foi treinada no uso dos testes e verificou-se a confiabilidade com outra examinadora. O Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI), com concordância absoluta e intervalo de confiança de 95%, foi utilizado para verificar confiabilidade entre-examinadores, obtendo-se (CCI) (3,2) de 0,99 para os testes HOME, MABC e WISC-III.

Para a análise de dados, foi usado o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences – SPSS (versão 13.0). Estatística descritiva com medidas de média, desvio-padrão e mediana foi utilizada para caracterização da amostra. As variáveis foram examinadas quanto à distribuição normal por meio do teste Shapiro Wilk. Como não foi confirmada a normalidade para a maioria das variáveis, o teste não paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para comparar o desempenho dos dois grupos nos testes aplicados. A associação entre os dois grupos, e as variáveis faixa salarial, instrução materna e paterna foram avaliadas por meio do teste do qui-quadrado.

Finalmente o Coeficiente de Correlação não paramétrico de Spearman foi calculado para examinar a força de associação entre os escores totais dos testes e as variáveis quantitativas: peso ao nascimento, faixa salarial, instrução da mãe e do pai. Para todas as análises, foi considerado nível de significância α<0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil, parecer Nº ETIC 332/07.

Resultados

Do total de 5990 crianças, 93 nasceram com peso <1.500 gramas. Dessas 93 crianças, 47 faleceram, 13 não foram localizadas, três não concordaram em participar do estudo, sete foram excluídas, restando 23 para o estudo, 14 do sexo feminino e nove do sexo masculino. Das sete crianças excluídas, cinco apresentavam paralisia cerebral e duas deficiências sensoriais.

A caracterização da amostra está sumarizada na Tabela 1. Em relação ao desenvolvimento global, como reportado pelas mães, 43,5% das crianças do grupo MBP apresentaram atraso motor e/ou de linguagem, e 60,9% foram encaminhadas para programa de estimulação no primeiro ano de vida. No grupo PA, houve relato de atraso motor de apenas uma criança (4,3%). No grupo MBP, 30,4% das mães relataram perceber diferenças entre o desenvolvimento atual de seu filho e o de outras crianças da mesma idade; já no grupo PA, apenas uma mãe (4,3%) teve a mesma percepção. Com exceção de uma criança do grupo MBP que não frequentava escola, as demais frequentavam escolas regulares, e as professoras de 60,8% das crianças do grupo MBP e de uma (4,3%) do grupo PA relataram preocupação com o desempenho escolar das crianças.

Embora seja possível identificar pequenas discrepâncias nas características familiares, o teste do qui-quadrado não indicou diferenças significativas entre os grupos nas variáveis faixa salarial (p=1,00), instrução da mãe (p=0,17) e instrução do pai (p=0,81).

Os escores de cada grupo e resultado do teste Mann-Whitney para o Inventário HOME são apresentados na Tabela 2. Foram encontradas diferenças significativas, com pontuação mais alta para o grupo PA, no HOME total e nas subescalas materiais de aprendizagem, estimulação da linguagem e modelagem.

A Tabela 3 apresenta os resultados de cada grupo nos testes motores MABC e DCDQ, nos subtestes cubos e vocabulário do WISC-III e no SNAP-IV. Foram encontradas diferenças significativas de desempenho entre os grupos em todos os testes, com melhores resultados para o grupo PA, com exceção das áreas de destreza manual e equilíbrio do MABC, e do SNAP-IV no escore total e nos itens relacionados à hiperatividade. Com relação ao ponto de corte dos testes motores, no DCDQ-Brasil, que reflete a visão dos pais, 21,7% do grupo MBP apresentou resultado sugestivo de dificuldade de coordenação motora em contraste com apenas 4,3% do grupo PA. No MABC, 8,7% das crianças do grupo MBP apresentaram desempenho abaixo do percentil cinco, que indica problema definitivo de coordenação motora, e 21,7% pontuaram abaixo do percentil 15, o que é considerado desempenho motor "suspeito". No grupo de PA, uma única criança (4,3%) teve escore "suspeito".

A Tabela 4 apresenta os resultados da correlação (Spearman) entre os totais dos testes MABC, DCDQ, HOME, WISC Cubos e Vocabulário e SNAP-IV com as variáveis peso ao nascimento, faixa salarial, instrução materna e paterna.

Discussão

Os resultados do presente estudo mostraram que um número considerável das crianças nascidas com peso <1.500 gramas foi a óbito e que, entre os sobreviventes que foram localizados, 15,2% desenvolveram sequelas severas. Além disso, entre as crianças que não apresentavam sequelas maiores, observou-se maior frequência de problemas de coordenação motora e de atenção. Esses resultados são consistentes com estudos nacionais e internacionais que apontam piores desempenhos motor e cognitivo em crianças nascidas pré-termo e de baixo peso17-21. O índice de mortalidade foi de 50,54%. De acordo com SINASC/DATASUS, no Estado de Minas Gerais, Brasil, no mesmo período, o índice de mortalidade para crianças nascidas com peso <1.499 gramas foi de 34,64%. Méio, Lopes e Morsch17 apontaram índice de 35,38% de mortalidade entre crianças nascidas com peso <1.500 gramas. O índice mais alto de mortalidade observado no presente estudo sugere que, em cidades de pequeno e médio porte, a sobrevida do pré-termo de MBP ainda é um desafio.

O número de crianças que evoluiu com sequelas graves, como paralisia cerebral e déficits sensoriais (15,2%), foi maior do que o encontrado na literatura. Davis et al.18 e Jongmans et al.22 encontraram índices de 8,23 e 9,07%, já Mikkola et al.23 encontraram índice semelhante, de 14%, porém com prematuros com peso <1.000 gramas. Um fator que pode ter contribuído para maior índice de sequelas na amostra em estudo são as condições de cuidado perinatal, especialmente considerando uma cidade do interior.

Com relação à avaliação motora, as crianças do grupo MBP obtiveram escores significativamente inferiores nos testes MABC e DCDQ-Brasil, sugerindo dificuldades motoras globais, compatíveis com o critério de desempenho motor abaixo do esperado para a idade24, necessário para o diagnóstico de TDC. A frequência de escores sugestivos de TDC identificada no presente estudo (8,7%) foi mais baixa do que reportado na literatura. Davis et al.18, em estudo semelhante, encontraram índice de 10%. Outros estudos encontraram índices ainda mais altos, como Foulder-Hughes e Cooke19 e Jongmans et al.22, que reportaram índices de 30,7% e 19% abaixo do percentil 5 e 47,8% e 44% abaixo do percentil 15, respectivamente. Essa variabilidade nos achados não pode ser atribuída à instrumentação, pois, em todos esses estudos, o percentil 5 do MABC foi adotado como ponto de corte para identificação de TDC. No entanto, os estudos utilizaram diferentes critérios de recrutamento das amostras, o que limita as comparações.

Apesar de os resultados do DCDQ-Brasil e MABC mostrarem diferenças significativas entre os grupos, inesperadamente a correlação entre esses testes foi baixa (r=-0,259, p=0,082) e não significativa, o que sugere que os dados objetivos coletados com o MABC não coincidiram com as observações dos pais. Wilson et al.25, examinando a validade concorrente entre o DCDQ e o MABC, reportaram correlação moderada e significativa (r=-0,59, p<0,0001), já Schoemaker et al.26 reportaram correlação significativa, mas similar ao valor encontrado no presente estudo (r=-0,24, p=0,001). Esses dados dão suporte à ideia de que os dois instrumentos medem aspectos diferentes do desempenho motor, sendo o DCDQ voltado para as habilidades funcionais observadas pelos pais e o MABC para os aspectos formais da velocidade e qualidade dos movimentos. Embora o uso de questionários seja muito difundido em outros países, no Brasil, eles são pouco utilizados e alguns pais podem ter tido dificuldades no uso dos critérios de escore, com impacto na acuidade da pontuação.

Como esperado, a correlação negativa (r=-0,547, p<0,001) entre o peso ao nascer e resultados do MABC, assim como a correlação positiva com DCDQ (r=0,437, p=0,002), indicaram que crianças nascidas com menor peso e menor idade gestacional foram as que mostraram pior desempenho motor, o que demonstra a alta influência dos fatores biológicos no desenvolvimento motor nos primeiros anos de vida. Deve-se destacar que, mesmo com a exclusão de crianças com sequelas graves, essas correlações persistem pelo menos até o início da escolarização, o que ressalta o caráter insidioso da prematuridade.

Fatores ambientais parecem ter importante papel no desenvolvimento cognitivo27, mas os achados em relação à influência ambiental sobre aspectos motores são poucos e inconsistentes. Goyen e Lui20 examinaram a influência do ambiente domiciliar no desenvolvimento de habilidades motoras, e os resultados mostraram que crianças aos 18 meses e aos 5 anos, com menores escores no HOME, consistentemente apresentaram piores desempenhos nas habilidades motoras grossas. Chen, Jeng e Tsou28, por outro lado, consideraram que fatores sociodemográficos, portanto ambientais, estão mais associados ao desempenho motor fino. No presente estudo, as correlações entre o HOME e todos os testes motores foram fracas, porém significativas, o que sugere que a qualidade do ambiente doméstico tem alguma influência sobre o desenvolvimento motor. Outro ponto interessante deste estudo é que tanto a instrução dos pais quanto a faixa salarial tiveram correlação moderada com resultados do HOME, o que possivelmente resultou em maior disponibilidade de recursos para aquisição de brinquedos e materiais educativos, proporcionando um ambiente domiciliar mais variado e estimulante.

Nos testes cognitivos, as crianças do grupo MBP tiveram pior desempenho que as crianças do grupo PA, contudo em ambos os subtestes do WISC-III, o desempenho médio ficou dentro dos limites da normalidade para a idade. Esses resultados corroboram achados de outros autores, que encontraram nível de inteligência dentro dos parâmetros normais em diferentes amostras de crianças prematuras e de baixo peso19,29. Méio, Lopes e Morsch17, por outro lado, verificando o desenvolvimento cognitivo de crianças nascidas com peso <1.500 gramas, na idade pré-escolar, identificaram que a média do quociente de inteligência dessas crianças estava abaixo da faixa da normalidade. Já Martins et al.29 não encontraram diferenças cognitivas entre crianças nascidas pré-termo e de baixo peso com crianças a termo, aos seis anos de idade. Em função da complexidade dos fatores envolvidos e do impacto do desenvolvimento cognitivo nos vários aspectos da vida da criança, essa é uma área que merece estudos mais aprofundados.

Considerando a qualidade do ambiente domiciliar, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, com melhores resultados para o grupo PA no HOME total e nas subescalas materiais de aprendizagem, estimulação da linguagem e modelagem. Apesar de as diferenças nas outras áreas do HOME não terem sido significativas, o grupo MBP obteve pontuação mais baixa em todas as áreas, exceto no ambiente físico. Assim, paradoxalmente, os resultados apontam para um ambiente menos estimulador para o grupo MBP, no qual os riscos biológicos ao desenvolvimento já são acentuados. Crianças expostas a ambos os fatores de risco têm maior probabilidade de apresentar transtorno do desenvolvimento, além de que, crianças com riscos biológicos podem ser mais vulneráveis à influência de ambientes desfavoráveis se comparadas a crianças a termo e de PA9.

Com relação ao comportamento, os resultados do SNAP-IV apontaram diferença significativa entre os grupos, com sinais de desatenção e piores resultados para o grupo MBP. McGrath et al.30 documentaram aumento significativo, em torno de quatro vezes mais, da prevalência de TDAH em crianças nascidas prematuras e de baixo peso, quando comparadas a seus pares de PA ao nascimento. Hemgren e Persson21 e Seitz et al.1 investigaram a correlação entre desempenho motor, déficits de atenção e funções cognitivas em crianças nascidas com baixo peso, sendo que, nos dois estudos, as crianças de baixo peso mostraram déficits na coordenação e atenção, associados a atrasos percepto-motores importantes para o desenvolvimento das habilidades acadêmicas. Embora a idade e instrumentação utilizada no presente estudo não permitam a identificação precisa, os resultados apontam para maior dificuldade de atenção no grupo MBP, que pode ser preditiva de futuro diagnóstico de TDAH na idade escolar.

Este estudo apresenta limitações, pois a amostra se restringiu drasticamente em função do alto índice de mortalidade e das perdas devido a mudanças de endereço. Ressalta-se, no entanto, que foi possível localizar 71,74% das crianças sobreviventes, e a diferença entre os grupos ficou evidente, mesmo com a amostra relativamente pequena. Os dados são consistentes com a literatura, porém é importante investir em estudos multicêntricos, como estratégia para se obterem maiores amostras que permitam uma melhor caracterização do impacto da prematuridade em crianças brasileiras. Outra limitação foi que, em função da escassez de instrumentos padronizados para crianças brasileiras, foi necessária a utilização de testes importados, no entanto, foram feitas comparações apenas com o grupo controle de crianças brasileiras, testadas sob as mesmas condições, sem uso dos dados normativos.

O presente estudo contribui para dar suporte a evidências de que crianças nascidas prematuras e de baixo peso são mais propensas a apresentar dificuldades motoras e cognitivas que seus pares nascidos a termo e com PA. Fatores ambientais parecem contribuir negativamente para potencializar os riscos biológicos no desfecho do desenvolvimento dessas crianças. Como a maioria delas apresenta desenvolvimento aparentemente normal, suas dificuldades, muitas vezes, só são mais evidentes na idade escolar, quando as exigências motoras e cognitivas são maiores. Os resultados deste estudo apontam para a importância de políticas públicas de assistência pós-natal e de implementação de serviços de acompanhamento longitudinal do desenvolvimento, com seguimento dessas crianças até a idade escolar.

Agradecimentos

Às crianças, pais e professores que participaram do estudo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo suporte à pesquisa.

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  • Relação entre muito baixo peso ao nascimento, fatores ambientais e o desenvolvimento motor e o cognitivo de crianças aos 5 e 6 anos

    Gisele E. OliveiraI; Lívia C. MagalhãesI; Luci F. T. SalmelaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      08 Fev 2011
    • Revisado
      08 Out 2010
    • Recebido
      11 Abr 2010
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