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Estimulação elétrica transcutânea no alívio da dor do trabalho de parto: revisão sistemática e meta-análise

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A estimulação elétrica transcutânea (EET) é um método não farmacológico utilizado no alívio da dor do trabalho de parto. Sua aplicação representa um método adjuvante que não se propõe a substituir outras técnicas. OBJETIVOS: Desenvolver uma revisão sistemática para avaliar a eficácia da EET comparada à ausência de EET ou placebo, segundo os desfechos: alívio da dor do trabalho de parto (desfecho primário), uso de analgesia complementar, duração do trabalho de parto, satisfação da parturiente, tipo de parto e repercussões fetais (desfechos secundários). MÉTODOS: Realizou-se uma busca sistemática nas bases de dados PubMed, LILACS e SCIELO por ensaios clínicos randomizados e quasirandomizados, publicados entre 1966 e 2008. As palavras-chave utilizadas foram 'TENS', 'labor', 'labor pain' e 'labor obstetric'. A seleção de artigos elegíveis e a avaliação de sua qualidade metodológica foram feitas independentemente por dois revisores. Meta-análises de efeitos randômicos foram realizadas quando estudos que investigavam um mesmo desfecho eram suficientemente homogêneos. RESULTADOS: Nove estudos, incluindo 1076 gestantes, foram selecionados. Não houve diferença significativa entre os grupos no alívio da dor do parto (pooled RR=1,09; 95%IC=0,72-1,65) ou na necessidade de analgesia complementar (pooled RR=0,89; 95%IC=0,74-1,08). Não se observou evidência da interferência da EET em nenhum dos desfechos, exceto no desejo da parturiente em utilizar a EET em futuros partos. CONCLUSÕES: A utilização da EET não demonstrou nenhum impacto sobre a mãe ou concepto e nenhuma influência no trabalho de parto. De acordo com os resultados desta revisão, não há evidência de que a EET reduz o uso de analgesia complementar.

estimulação elétrica transcutânea; dor do parto; analgesia obstétrica; parto obstétrico


BACKGROUND: Transcutaneous electrical stimulation (TENS) is a non-pharmacological pain relief method. It is an auxiliary method and not intended to replace other techniques. OBJECTIVES: To perform a systematic review assessing the effectiveness of TENS compared to no TENS treatment or placebo with the following outcomes: pain relief (primary outcome), analgesic requirements, duration of labor, the mother's satisfaction, type of delivery and fetal repercussions (secondary outcomes). METHODS: The Pubmed, LILACS and Scielo databases were searched for randomized controlled trials and quasi-randomized trials published between 1966 and 2008 using the keywords 'TENS', 'Labor', 'Labor pain' and 'obstetric labor'. The selection of eligible items and assessment of methodological quality were performed independently by two researchers. Random effects meta-analysis was performed for studies that were sufficiently homogeneous. RESULTS: Nine studies involving a total of 1076 pregnant women were included. There was no statistically significant difference between groups in pain relief during labor (pooled RR = 1.09, 95% CI = 0.72 to 1.65) or the need of additional analgesia (pooled RR = 0.89, 95% CI = 0.74 to 1.08). There was no evidence that TENS interfered in any of the outcomes except the mothers' desire to use TENS in future deliveries. CONCLUSIONS: The use of TENS had no impact on mother or child and no influence on labor. According to the results of this review, there is no evidence that TENS reduces the use of additional analgesia.

Transcutaneous Electrical Nerve stimulation; labor pain; obstetric analgesia; labor, obstetric


REVISÃO SISTEMÁTICA

Estimulação elétrica transcutânea no alívio da dor do trabalho de parto: revisão sistemática e meta-análise

Larissa F. D. MelloI; Luciana F. NóbregaI; Andrea LemosII

IFisioterapeuta

IIDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Luciana Fernandes da Nóbrega Avenida Conselheiro Rosa e Silva, 377, apto 502 Espinheiro, CEP 52020-220, Recife, PE, Brasil e-mail: luciana_fn@hotmail.com

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A estimulação elétrica transcutânea (EET) é um método não farmacológico utilizado no alívio da dor do trabalho de parto. Sua aplicação representa um método adjuvante que não se propõe a substituir outras técnicas.

OBJETIVOS: Desenvolver uma revisão sistemática para avaliar a eficácia da EET comparada à ausência de EET ou placebo, segundo os desfechos: alívio da dor do trabalho de parto (desfecho primário), uso de analgesia complementar, duração do trabalho de parto, satisfação da parturiente, tipo de parto e repercussões fetais (desfechos secundários).

MÉTODOS: Realizou-se uma busca sistemática nas bases de dados PubMed, LILACS e SCIELO por ensaios clínicos randomizados e quasirandomizados, publicados entre 1966 e 2008. As palavras-chave utilizadas foram 'TENS', 'labor', 'labor pain' e 'labor obstetric'. A seleção de artigos elegíveis e a avaliação de sua qualidade metodológica foram feitas independentemente por dois revisores. Meta-análises de efeitos randômicos foram realizadas quando estudos que investigavam um mesmo desfecho eram suficientemente homogêneos.

RESULTADOS: Nove estudos, incluindo 1076 gestantes, foram selecionados. Não houve diferença significativa entre os grupos no alívio da dor do parto (pooled RR=1,09; 95%IC=0,72-1,65) ou na necessidade de analgesia complementar (pooled RR=0,89; 95%IC=0,74-1,08). Não se observou evidência da interferência da EET em nenhum dos desfechos, exceto no desejo da parturiente em utilizar a EET em futuros partos.

CONCLUSÕES: A utilização da EET não demonstrou nenhum impacto sobre a mãe ou concepto e nenhuma influência no trabalho de parto. De acordo com os resultados desta revisão, não há evidência de que a EET reduz o uso de analgesia complementar.

Palavras-chave: estimulação elétrica transcutânea; dor do parto; analgesia obstétrica; parto obstétrico.

Introdução

A dor durante a parturição é uma resposta fisiológica, complexa, subjetiva e multidimensional aos estímulos sensoriais gerados, principalmente, pela contração uterina1. O controle da dor desempenha um papel importante durante o trabalho de parto, pois contribui para o bem-estar físico da mãe e concepto. Entre as alternativas disponíveis utilizadas para reduzir a sensação dolorosa durante o parto, encontram-se fármacos, analgesia peridural, bloqueios anestésicos locais, acupuntura, métodos psicoprofiláticos e a estimulação elétrica transcutânea (EET)2,3.

A EET é muito utilizada para o controle da dor crônica ou no pós-operatório, substituindo os analgésicos ou complementando-os4,5. Ela se baseia na Teoria do Portão da Dor, proposta por Melzack e Wall6 em 1965. De acordo com essa teoria, a modulação da percepção dolorosa realizada pela EET é atribuída ao recrutamento das fibras aferentes Aβ no corno posterior da medula, que impediria ou dificultaria a ativação de fibras finas, as quais conduzem a dor7. É postulado que o estímulo elétrico através da pele inibiria as transmissões dos impulsos dolorosos pela medula espinhal, bem como estimularia a liberação de opioides endógenos pelo cérebro8. A técnica consiste na aplicação de eletrodos cutâneos superficiais que emitem uma corrente elétrica com forma de onda tipicamente bifásica, simétrica ou assimétrica, com o objetivo de excitar as fibras nervosas, gerando mínimos efeitos adversos para a paciente8.

O primeiro relato do uso da EET no meio obstétrico data da década de 70, na Escandinávia, onde foi introduzida como recurso não farmacológico para o alívio da dor durante o trabalho de parto e, desde então, vem sendo largamente utilizada em todo o mundo9,10. Sua aplicação representa um método adjuvante que não se propõe a substituir outras técnicas já utilizadas e nem tampouco ser o único recurso11.

A proposta clínica atual visa utilizar a EET para reduzir a dor nas fases iniciais do trabalho de parto e retardar a necessidade quanto ao uso dos métodos farmacológicos11. Em consequência disso, o eventual efeito benéfico seria o menor tempo de exposição aos medicamentos, diminuindo a incidência de efeitos indesejáveis para a mãe e o feto, como a parada da progressão do parto e a depressão fetal11-13.

Portanto, a presente revisão tem por objetivo avaliar a eficácia da utilização da EET durante o trabalho de parto, quando comparada à ausência de EET ou a um placebo, no que diz respeito a possíveis repercussões maternas e fetais.

Materiais e métodos

Realizou-se uma busca sistemática nas bases de dados PubMed, LILACS e SCIELO por artigos publicados entre os anos de 1966 e 2008. As palavras-chave utilizadas para a busca seguiram a descrição dos termos Mesh, sendo elas: 'TENS', 'Transcutaneous Eletric Nerve Stimulation', 'Stimulation Transcutaneous', 'labor', 'labour', 'labor pain', 'labour pain', 'labor obstetric', 'labour obstetric', 'analgesia obstetric', 'childbirth' e 'parturition'. Também realizou-se uma busca com as mesmas palavras-chave em língua portuguesa. As palavras-chave foram combinadas utilizando-se os operadores booleanos OR, AND e NOT AND, sem restrição linguística.

Para serem incluídos na presente revisão sistemática, os estudos identificados pela estratégia de busca deveriam consistir em ensaios clínicos randomizados ou quasi-randomizados que utilizassem a EET como forma de analgesia durante o trabalho de parto e a comparassem a um grupo controle sem EET ou a um grupo placebo. Foram excluídos estudos que comparavam a EET a métodos farmacológicos de analgesia, utilizavam estimulação elétrica cerebral e/ou retal ou aqueles que estudavam gestantes de alto risco. Além disso, aqueles estudos em que os eletrodos não estavam localizados na coluna toracolombar e/ou sacral e aqueles com amostra inferior ou igual a dez em cada um dos grupos também foram excluídos.

Os resumos dos estudos identificados pela busca foram avaliados segundo os critérios de elegibilidade acima citados, e aqueles que geraram dúvidas foram retidos para uma posterior avaliação do texto na íntegra. Os selecionados para inclusão tiveram sua qualidade metodológica avaliada por meio dos seguintes componentes individuais de avaliação da qualidade metodológica: randomização, sigilo de alocação, mascaramento e análise por intenção de tratar. Foram considerados os seguintes critérios: adequado, inadequado, não realizado e não referido. Todos os estudos foram selecionados e tiveram sua qualidade metodológica avaliada por dois revisores independentes (LF e LN), e as divergências foram discutidas com um terceiro revisor (AL).

Considerou-se, como desfecho primário, o alívio da dor durante o trabalho de parto e, como desfechos secundários, o uso de analgesia complementar, a duração do trabalho de parto, a satisfação da parturiente, o tipo de parto e as possíveis repercussões fetais.

Após a extração dos dados, verificou-se a possibilidade da construção de uma meta-análise com os estudos suficientemente homogêneos que utilizaram o mesmo desfecho. A princípio, foi realizada uma meta-análise de efeitos fixos e, quando o teste de heterogeneidade com um nível de significância de 0,05 foi alcançado, utilizou-se o modelo de efeito randômico. Tal análise estatística foi realizada com o programa do RevMan, versão 5.0.0 beta 06.

Resultados

De 1913 artigos inicialmente identificados por meio das bases de dados pesquisadas, 46 foram retirados para uma avaliação criteriosa, sendo 22 deles excluídos pela análise de resumos. Foram avaliados para elegibilidade 24 textos completos, dos quais 15 foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão (Figura 1). Foram incluídos um total de nove estudos de diferentes países, sendo dois randomizados controlados4,14, quatro quasi-randomizados controlados15-18 e três estudos3,5,19 não relataram o método de randomização.


Os estudos investigaram 1076 mulheres, 529 recebendo EET e 547 não recebendo EET ou recebendo um tratamento placebo. Cinco estudos4,14,16,18,19 utilizaram a EET placebo, em que os aparelhos eram idênticos aos do grupo experimental. Apesar de apresentarem a luz acesa indicativa de funcionamento, as máquinas eram inoperantes. Os estudos de Erkkola, Pikkola e Kanto15, Miller Jones5 e Van der Spank et al.17 usaram um grupo controle sem EET. Lee et al.3 utilizaram dois grupos (placebo e controle sem EET), no entanto não foram dadas informações quanto ao não funcionamento do aparelho.

Apenas em dois estudos4,18 foram relatadas as orientações dadas às pacientes do grupo placebo. No estudo de Nesheim4, informou-se à parturiente que ela não sentiria nenhuma sensação na área dos eletrodos, exceto talvez um calor local. Em Knobel, Radunz e Carraro18, utilizou-se o método de mínima interação (os pesquisadores evitaram perguntas ou comentários que permitissem perceber se o tratamento era real ou não). Os outros estudos3,5,14-17,19 não especificaram quais informações foram fornecidas às parturientes quanto ao grupo sem EET ou ao grupo placebo.

Quanto aos outros aspectos da qualidade metodológica, apenas em três5,15,17 não houve mascaramento. Nenhum estudo fez análise por intenção de tratar e, em quatro estudos4,14,16,18, o sigilo de alocação foi realizado/adequado (Tabela 1).

As características basais das pacientes foram semelhantes nos estudos incluídos, bem como os detalhes metodológicos, a localização dos eletrodos e a duração do parto (Tabela 1). Entretanto, os estudos utilizaram parâmetros diferentes de EET (Tabela 1). Os métodos aplicados para mensurar o alívio da dor, o início da estimulação e os resultados da intervenção encontram-se na Tabela 2. Apenas cinco estudos3,14,15,17,18 relataram o tempo em que foi iniciada a aplicação da EET (Tabela 2).

Na maioria deles, as próprias parturientes controlavam o aparelho, exceto em Steptoe e Bo19 e Knobel, Radunz e Carraro18, que não mostraram clareza nesse procedimento.

Quanto aos instrumentos utilizados para avaliar a dor, houve heterogeneidade entre os artigos selecionados (Tabela 2). Foi realizada uma meta-análise apenas com três desses estudos3,4.14 por meio dos dados obtidos pelo questionamento às parturientes quanto ao grau de alívio em 417 participantes (Figura 2). Para homogeneizar os dados, devido à divergência entre os métodos de avaliação analgésica usados nos ensaios clínicos incluídos nesta meta-análise, considerou-se, como um alívio da dor clinicamente relevante, qualquer grau de alívio entre algum alívio e ausência de dor dentro da classificação mais utilizada pelos autores dos estudos (algum alívio, alívio moderado, bom alívio, livre de dor, nenhum alívio e piora).


Como a necessidade de analgesia complementar após a EET também é outro meio encontrado para mensurar o alívio da dor do parto, uma segunda meta-análise (Figura 3) com seis estudos3,5,15-17,19, incluindo 667 parturientes, foi realizada. Os três estudos excluídos4,14,18 não forneceram dados suficientes para participar desta análise estatística. No estudo de


Nesheim4, o grupo sem EET recebeu mais bloqueio regional (63%) que o de intervenção (26%), porém o número de pacientes que receberam petidina e diazepam foi similar em ambos os grupos. Thomas et al.14 mostraram semelhança quanto à necessidade de óxido nítrico e petidina nos grupos tratamento e controle sem EET. No entanto, a taxa de epidural foi maior no grupo experimental, embora não tenha sido significativa. Em Knobel, Radunz e Carraro18, observou-se uma menor utilização de medicação nos grupos de intervenção (p=0,02).

Não foi encontrada diferença significativa na duração do trabalho de parto nos grupos experimental e controle sem EET de seis estudos3,5,14,15,17,19 . No estudo de Harrison et al.16, as primíparas que não necessitaram de analgesia adicional tiveram partos significantemente mais curtos (p<0,005). No entanto, não houve diferença significativa entre os grupos EET e placebo nas multíparas ou quando as pacientes utilizavam o entonox. Apenas Knobel et al.18 não fizeram referência quanto à duração do parto.

Em cinco estudos3,14,15,17,19, as gestantes foram questionadas quanto à utilização da EET em futuros partos. Steptoe e Bo19 observaram que 91,7% do grupo tratamento desejariam utilizar a EET em outro parto quando comparadas a 38,5% do grupo sem EET (p<0,05). Em Harrison et al.16, 68,4% do grupo tratamento relataram utilizar a EET novamente e, no grupo controle sem EET, apenas 40,5% das mulheres. O estudo de Thomas et al.14 apresentou em seus dados uma porcentagem de participantes indecisas (25,7% no grupo controle sem EET e 14,4% no grupo tratamento), além de observar que mais integrantes do grupo tratamento gostariam de utilizar a EET em outro parto. No estudo de Lee et al.3, 39,4% do grupo controle sem EET gostariam de usar a EET em parto subsequente e apenas 27,6% das gestantes do grupo tratamento. Em Van der Spank et al.17, não houve questionamento para as pacientes do grupo controle sem EET, porém, verificou-se que 87,5% do grupo tratamento desejariam utilizar a EET em outra gestação. Os outros estudos4,5,15,18 não fizeram referência em suas pesquisas.

Quanto ao tipo de parto, no estudo de Nesheim4, 22,9% dos partos no grupo sem EET foram operatórios (sete extrações a vácuo e uma cesárea) e 8,6% no grupo experimental, sendo duas extrações a vácuo e um parto com uso de fórceps. Em Harrison et al.16, foram 55 partos normais, 15 com uso de fórceps, três a vácuo e três cesáreas no grupo tratamento, (n=76) comparados ao grupo placebo, em que 50 gestantes tiveram partos normais, 19 com uso de fórceps, uma a vácuo e quatro foram submetidas à cesárea (n=74). Thomas et al.14 mostraram que 83,8% das pacientes do grupo sem EET tiveram parto vaginal espontâneo, 8,8% foram fórceps/vácuo e 7,4% foram submetidas à cesárea; já no grupo de intervenção, foram 80,3% de partos vaginais, 8,3% fórceps/vácuo e 11,4% das mulheres submeteram-se à cesárea. No estudo de Lee et al.3, não houve diferença significativa entre os grupos. Os cinco estudos restantes5,15,17-19 não forneceram dados suficientes.

Em relação às repercussões fetais, cinco estudos5,14-16,19 não encontraram diferenças significativas nos escores de Apgar no primeiro e quinto minuto. Os outros dois estudos2,17 não detalharam esse aspecto. A gasometria do cordão umbilical foi realizada apenas no estudo de Harrison et al.16, em que não houve diferença de média entre os grupos.

Discussão

Na presente revisão sistemática, o resultado da meta-análise de três estudos não encontrou uma diferença estatisticamente significativa entre a dor de parturientes em uso de EET e aquelas submetidas a um tratamento placebo. Os resultados dos estudos não incluídos na meta-análise também não indicam a eficácia da EET para o alívio da dor do trabalho de parto.

A meta-análise de seis estudos que investigaram o uso de analgesia complementar também não demonstrou evidência de eficácia da EET. Similarmente à meta-análise dos estudos que investigaram a dor do parto, aqui também não foi possível incluir todos devido à presença de heterogeneidade entre eles. A comparação entre os estudos foi difícil, pois os tipos analgésicos disponibilizados diferiram dependendo do país e do serviço onde a pesquisa foi realizada18. Não foi encontrada evidência de eficácia da EET para os desfechos duração do trabalho de parto e repercussões fetais.

Os resultados da presente revisão sistemática são semelhantes aos resultados de três revisões sistemáticas sobre a eficácia da EET no alívio da dor do trabalho de parto publicadas em 199720, 200921 e 201022. Carroll et al.20 analisaram oito estudos totalizando 712 mulheres. Não foi possível determinar a efetividade da EET como forma de analgesia durante o parto devido aos resultados conflitantes encontrados. Dowswell et al.21 analisaram 19 estudos num total de 1961 mulheres. Foram encontradas evidências limitadas quanto à efetividade da EET para o alívio da dor do parto. Na mais recente revisão sistemática, Bedwell et al.22 analisaram 14 estudos, incluindo 1256 mulheres. Os autores chegaram à mesma conclusão que os demais estudos citados anteriormente. Diferentemente da presente revisão sistemática, as três revisões prévias basearam suas conclusões na síntese dos resultados de estudos controlados por outros métodos de analgesia (fármacos), além de estudos controlados por placebo.

O objetivo primordial de uma revisão sistemática transcende a mera apresentação formal de diferença ou não entre tratamentos. Sua essência é também avaliar o rigor metodológico dos estudos envolvidos para respaldar a veracidade ou não dos resultados encontrados. Assim, observa-se, na presente revisão, após busca transparente e minuciosa dos estudos com os melhores níveis de evidência, que ainda há um inadequado rigor metodológico na maioria dos estudos incluídos.

A randomização e o sigilo de alocação representam a melhor maneira de minimizar o viés de seleção, certificando o efeito do tratamento. O tamanho superestimado desse efeito, quando esses critérios são inapropriados, pode ser de 40%23-25. Percebe-se que, na presente revisão, a maioria dos estudos incluídos não apresentaram sigilo de alocação nem realizaram a randomização de uma maneira adequada, o que pode interferir nos resultados. Portanto, é possível que a eficácia da EET seja ainda menor em estudos nos quais a randomização e o sigilo na alocação são bem feitos.

Da mesma forma, o mascaramento é tão importante quanto à randomização, pois reduz a probabilidade de que expectativas dos investigadores/terapeutas ou avaliadores quanto ao benefício do tratamento sejam transferidas aos participantes23,25. No caso da EET, a inclusão de um grupo placebo é controversa, visto que nenhum placebo seria capaz de mimetizar a estimulação sensorial promovida pela EET11. Isso foi comprovado no estudo de Erkkola, Pikkola e Kanto15, em que as pacientes que participavam do grupo placebo não estavam convictas quanto ao funcionamento da EET, julgando-a ineficiente. No entanto, em oposição a esses dois estudos, Thomas et al.14 verificaram a existência de um efeito placebo, em que 40% das parturientes do grupo placebo sentiram mais dor quando o aparelho estava "desligado".

Nenhum estudo incluído nesta revisão realizou análise por intenção de tratar, uma estratégia que compara pacientes no grupo no qual foram originalmente randomizados, independente de sua permanência ou saída do estudo. A realização dessa análise mantém a similaridade dos grupos alocados, e sua ausência pode superestimar o efeito clínico do tratamento26. A aplicação adequada da intenção de tratar é possível quando existem dados de resultados completos em relação a todos os participantes randomizados26 ou quando os autores indicam no texto que ela foi realizada, o que não foi o caso dos estudos envolvidos nesta revisão.

Quanto ao local de aplicação da EET, a presente revisão optou por homogeneizar os estudos, escolhendo o mesmo local de colocação dos eletrodos, cuja aplicação nas regiões toracolombar e sacral situava-se na área sobre os nervos que conduzem os estímulos dolorosos para o útero, cérvix e períneo durante o trabalho de parto. Pela estimulação desses nervos, o mecanismo é ativado antes de alcançar o cérebro, bloqueando ou alterando os impulsos nociceptivos originados da medula espinhal27,28. Apesar de a literatura relatar que a EET pode ser aplicada em qualquer momento durante o trabalho de parto, inclusive com alguns estudos apontando que a eficácia seria melhor nas fases iniciais do primeiro estágio12,27,29, tal observação não pôde ser avaliada de forma direta devido à falta de padronização no início do procedimento.

Em relação aos parâmetros utilizados, os resultados mostram que não houve uniformidade nos valores de frequência e intensidade do estímulo elétrico. No entanto, pesquisas sugerem que é de fundamental importância a combinação entre frequência e intensidade, objetivando a prevenção da acomodação pelos estímulos repetidos30. Corroborando tal assertiva, o estudo de Van der Spank et al.17 utilizou uma estimulação de baixa frequência e alta intensidade entre as contrações que, de acordo com os próprios autores, ativaria o sistema de opioides. Diferentemente desse modo, o uso de alta frequência e baixa intensidade durante as contrações inibiria a dor por meio do bloqueio neural, o que não foi discutido por outros autores.

A fidedignidade da mensuração da dor em alguns estudos pode ter sido comprometida por utilizar uma terceira pessoa para avaliá-la. A pesquisa de Erkkola, Pikkola e Kanto15 foi explícita em demonstrar tal fato ao relatar que o nível da sensação dolorosa era subestimado quando uma enfermeira avaliava o grau de alívio da dor. A dor é uma experiência pessoal, o que torna difícil defini-la e mensurá-la, não existindo método objetivo para isso31. A sua intensidade e o efeito promovido por algum método apenas pode ser julgado pelo relato da parturiente. A percepção dolorosa é individual e depende da intensidade e duração das contrações, velocidade com que a cérvix se dilata, condição física e emocional da mulher, experiências anteriores, expectativa presente e fatores culturais29,32. Portanto, a melhor forma de indicar a percepção dolorosa deve ser por meio do relato da própria paciente.

Em dois estudos14,16, as pacientes tiveram contato prévio com a EET, porém, esse dado não foi bem explorado nas pesquisas. A exclusão dessas parturientes que receberam informações sobre a EET durante o pré-natal minimizaria a ocorrência de um viés14, visto que aquelas que já haviam tido experiência prévia com a EET conheciam a sensação gerada pela corrente elétrica.

O conceito atual da prática baseada em evidência requer o uso consciencioso e judicioso das melhores evidências de estudos clínicos para orientar a escolha do tratamento aliado à experiência prática e a escolha da paciente33. Assim, mesmo diante do melhor nível de evidência disponível, como é o caso de uma revisão sistemática, não se pode excluir o uso da prudência, experiência profissional e a necessidade da paciente na escolha de um tratamento adequado33,34. O que justificaria a utilização da EET, mesmo diante da falta de eficácia para a diminuição da dor, do uso de analgesia complementar e dos demais desfechos, seria o fato de que o nível de satisfação das parturientes é superior quando a EET é aplicada, refletido pelo desejo de utilizá-la em partos subsequentes. No entanto, isso não foi confirmado nesta revisão e precisa ser investigado em estudos futuros.

Conclusão

A presente revisão sistemática foi inconclusiva quanto ao efeito da EET no controle da dor do parto quando comparado ao do grupo placebo, e ainda há baixa qualidade metodológica na maioria dos estudos incluídos. Portanto, sugere-se o delineamento de ensaios clínicos controlados e randomizados de forma adequada, com análise por intenção de tratar, mostrando clareza nos parâmetros utilizados.

Recebido: 02/03/2010 - Revisado: 26/09/2010 - Aceito: 02/03/2010

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  • Correspondência para:

    Luciana Fernandes da Nóbrega
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    Espinheiro, CEP 52020-220, Recife, PE, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Mar 2010
    • Aceito
      02 Mar 2010
    • Revisado
      26 Set 2010
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