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Análise da validade de critério da Avaliação da Coordenação e Destreza Motora: ACOORDEM para crianças de 7 e 8 anos de idade

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: O Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) se caracteriza por prejuízo no desenvolvimento da coordenação motora, com impacto nas atividades de vida diária e desempenho acadêmico. A Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (ACOORDEM) vem sendo criada para oferecer aos profissionais de reabilitação brasileiros instrumentação confiável e válida para detecção do TDC. OBJETIVO: Examinar a validade de critério da ACOORDEM. MÉTODOS: Cento e oitenta e uma crianças de 7 e 8 anos da região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil, pré-selecionadas pelo Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ-Brasil), foram avaliadas com a ACOORDEM e com o Movement Assessment Battery for Children (MABC-II). A validade concorrente foi avaliada pelo índice de Correlação de Spearman e a validade preditiva, pelos valores de sensibilidade (S), especificidade (E), valor de predição positivo (VPP) e valor de predição negativo (VPN). Curvas ROC foram realizadas para determinar o ponto de corte ótimo da ACOORDEM. RESULTADOS: A Correlação de Spearman entre os escores totais da ACOORDEM e do MABC-II foi de 0,596 (p=0,000) aos 7 e 0,730 (p=0,000) aos 8 anos. O ponto de corte da ACOORDEM definido pelas curvas ROC se aproximou do percentil 40, o que corresponde a S de 0,91 e 0,74 e E de 0,74 e 0,90 aos 7 e 8 anos, respectivamente. CONCLUSÃO: Resultados apontam valores moderados de validade concorrente e preditiva da ACOORDEM. Estudos futuros devem reexaminar os pontos de corte da ACOORDEM em amostra aleatória, representativa de crianças brasileiras de 4 a 8 anos de idade. A validade preditiva para TDC do instrumento completo deve ser reexaminada em amostras clínicas bem definidas.

transtorno das habilidades motoras; validade dos testes; avaliação; movimento; reabilitação


BACKGROUND: Developmental Coordination Disorder (DCD) is characterized by impaired development of motor coordination, with impact on daily life activities and academic performance. The Motor Coordination and Dexterity Assessment (MCDA) was created to offer Brazilian rehabilitation professionals a valid and reliable instrument for detecting DCD. OBJECTIVE: To examine the MCDA criterion validity. METHODS: One hundred and eighty one children aged 7 and 8 years from the metropolitan region of Belo Horizonte, MG, Brazil, pre-selected using the Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ-Brazil), were evaluated with the MCDA and the Movement Assessment Battery for Children (MABC-II). Concurrent validity was assessed using Spearman correlation index and the predictive validity was calculated using sensitivity, specificity, positive and negative predictive values. ROC curves were constructed to determine the optimal cutoff point of MCDA. RESULTS: Spearman correlation between the total scores of MCDA and MABC-II at 7 and 8 years were 0.596 (p=0.000) and 0.730 (p=0.000), respectively. The cutoff points defined by the ROC curves approached the 40th percentile, corresponding to a sensitivity of 0.91 and 0.74 and specificity of 0.74 and 0.90 for children 7 and 8 years old, respectively. CONCLUSION: The results indicate moderate values of concurrent and predictive validity of the MCDA. Future studies should reexamine the cutoff points of the MCDA in other random samples, representative of Brazilian children 4 to 8 years of age. The predictive validity of the full instrument for DCD should be re-examined in well defined clinical samples.

motor skills disorder; validity; assessment; movement; rehabilitation


ARTIGO ORIGINAL

Análise da validade de critério da Avaliação da Coordenação e Destreza Motora - ACOORDEM para crianças de 7 e 8 anos de idade

Ana A. CardosoI; Lívia C. MagalhãesII

IDepartamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

IIDepartamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Ana Amélia Cardoso Av. Lothário Meissner, nº 632 Setor de Ciências da Saúde, Bloco Didático 2 Depto de Terapia Ocupacional, Jardim Botânico CEP 80210-170, Curitiba, PR, Brasil e-mail: anaameliacardoso@gmail.com ou anaameliato@ufpr.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: O Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) se caracteriza por prejuízo no desenvolvimento da coordenação motora, com impacto nas atividades de vida diária e desempenho acadêmico. A Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (ACOORDEM) vem sendo criada para oferecer aos profissionais de reabilitação brasileiros instrumentação confiável e válida para detecção do TDC.

OBJETIVO: Examinar a validade de critério da ACOORDEM.

MÉTODOS: Cento e oitenta e uma crianças de 7 e 8 anos da região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil, pré-selecionadas pelo Developmental Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ-Brasil), foram avaliadas com a ACOORDEM e com o Movement Assessment Battery for Children (MABC-II). A validade concorrente foi avaliada pelo índice de Correlação de Spearman e a validade preditiva, pelos valores de sensibilidade (S), especificidade (E), valor de predição positivo (VPP) e valor de predição negativo (VPN). Curvas ROC foram realizadas para determinar o ponto de corte ótimo da ACOORDEM.

RESULTADOS: A Correlação de Spearman entre os escores totais da ACOORDEM e do MABC-II foi de 0,596 (p=0,000) aos 7 e 0,730 (p=0,000) aos 8 anos. O ponto de corte da ACOORDEM definido pelas curvas ROC se aproximou do percentil 40, o que corresponde a S de 0,91 e 0,74 e E de 0,74 e 0,90 aos 7 e 8 anos, respectivamente.

CONCLUSÃO: Resultados apontam valores moderados de validade concorrente e preditiva da ACOORDEM. Estudos futuros devem reexaminar os pontos de corte da ACOORDEM em amostra aleatória, representativa de crianças brasileiras de 4 a 8 anos de idade. A validade preditiva para TDC do instrumento completo deve ser reexaminada em amostras clínicas bem definidas.

Palavras-chave: transtorno das habilidades motoras; validade dos testes; avaliação; movimento; reabilitação.

Introdução

Quando se trata da avaliação de crianças com Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) - (Developmental Coordination Disorder - DCD), há muitas controvérsias, e não existe um teste considerado padrão-ouro para detecção dessa condição de saúde1,2. O TDC se caracteriza por prejuízo notável no desenvolvimento da coordenação motora que não é explicável por retardo mental nem por algum distúrbio físico conhecido3, sendo que o diagnóstico só é feito quando o prejuízo motor interfere significativamente nas rotinas de vida diária ou no desempenho acadêmico3.

É importante identificar o TDC o mais cedo possível, pois ele tem impacto negativo nas atividades e participação da criança4, com consequências a longo prazo. Embora a prevalência estimada do TDC seja em torno de 6% das crianças em idade escolar5,6, no Brasil, poucas crianças são diagnosticadas devido ao fato de os testes comumente utilizados, como o Movement Assessment Battery for Children (MABC-II)7 e o Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency (BOTMP-2)8, não serem validados para crianças brasileiras. Visando oferecer aos profissionais brasileiros que atuam com crianças um instrumento confiável, válido, de fácil aplicação e baixo custo para detecção do TDC em crianças de 4 a 8 anos, Magalhães, Nascimento e Rezende9 iniciaram o processo de criação da Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (ACOORDEM).

A ACOORDEM vem sendo criada conforme proposta de Benson e Clark10, da qual as fases de (I) planejamento, (II) construção e (III) avaliação quantitativa dos itens foram concluídas, restando a última fase, de validação (IV). Em consonância com a perspectiva da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)11, o teste consta de itens tradicionais para observação do desempenho motor (função do corpo e atividade) e de questionários para pais e professores acerca da participação nas atividades diárias. Na fase de avaliação quantitativa, os itens das diferentes áreas do teste foram examinados separadamente12-15, o que permitiu identificar e reter aqueles com boa confiabilidade (teste-reteste e entre observadores) e que também se mostraram válidos para diferenciar o desempenho motor por idade. Embora as qualidades psicométricas de todos os itens tenham sido avaliadas, o teste não foi aplicado na íntegra, não foi feito cálculo de escore total, nem examinado se os itens selecionados são úteis para diferenciar as habilidades motoras de crianças com e sem TDC.

O presente estudo teve como objetivo investigar a validade de critério da ACOORDEM, usando como padrão de referência o MABC-II7, que é o instrumento mais comumente citado na literatura para detecção do TDC16. Validade de critério é a forma mais prática e objetiva de validação de um teste para predizer resultados obtidos a partir de um critério externo17. Há dois tipos de validade de critério: a validade concorrente, que usualmente é calculada por coeficientes de correlação, e a validade preditiva, calculada pelos índices de sensibilidade (S), especificidade (E), valor de predição positivo (VPP) e valor de predição negativo (VPN)18.

No presente estudo, validade preditiva foi definida operacionalmente como capacidade da ACOORDEM para predizer o diagnóstico das crianças (TDC ou não-TDC), feito com base na pontuação no teste MABC-II7. Validade concorrente foi definida pela correlação entre a pontuação dos dois testes. Um objetivo adicional do estudo foi estimar pontos de corte preliminares para a ACOORDEM para possibilitar a investigação da utilidade clínica do instrumento em estudos futuros.

Materiais e métodos

Participantes

Participaram do estudo 181 crianças de 7 e 8 anos da região metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil, divididas em dois grupos:

  • Grupo 1: crianças com sinais de TDC, classificadas com base no

    Developmental Coordination Disorder Questionnaire - versão brasileira (DCDQ-Brasil)

    19. Critério de inclusão: na ausência de normas brasileiras, usou-se como critério a pontuação abaixo do ponto de corte canadense no DCDQ

    20. Foram recrutadas 15 crianças de 7 anos e 22 de 8 anos de escolas particulares e 27 crianças de 7 anos e 27 de 8 anos de escolas públicas, totalizando 91 crianças com provável TDC.

  • Grupo 2: crianças típicas, sem queixas de dificuldades motoras, pareadas por sexo e idade com cada criança com provável TDC. Os pares foram recrutados entre os colegas de classe das crianças do grupo 1, tendo como base escore do DCDQ-Brasil acima do ponto de corte do DCDQ

    20. Foram recrutadas 15 crianças de 7 anos e 23 de 8 anos de escolas particulares e 28 crianças de 7 anos e 24 de 8 anos de escolas públicas, perfazendo um total de 90 crianças sem sinais de problemas motores.

Para obter a amostra de 181 crianças, com e sem sinais de problemas motores, o DCDQ-Brasil19 foi aplicado em 793 crianças. Em ambos os grupos, foram excluídas crianças que apresentavam sinais de: (a) déficits físicos, alterações neurológicas ou diagnóstico clínico de doenças, como paralisia cerebral, autismo e distrofia muscular; (b) audição e/ou visão subnormal; (c) déficit cognitivo; (d) problemas ortopédicos ou fratura de membros inferiores até seis meses antes da data de avaliação e (e) diagnóstico de alteração genética. Do grupo 2, foram também excluídas crianças com: (a) história de prematuridade (idade gestacional <36 semanas) e/ou baixo peso ao nascimento (inferior a 2500 g); (b) baixo rendimento escolar com repetência e (c) frequência em algum tipo de terapia motora (ex.: terapia ocupacional, fisioterapia, psicomotricidade). Os pais/responsáveis de cada criança assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), autorizando a participação no estudo.

Instrumentação

  • ACOORDEM

    21: teste em processo de validação, tem como objetivo identificar o TDC em crianças de 4 a 8 anos de idade. A versão atual do instrumento foi criada com base nos estudos de validade dos itens, realizados anteriormente, sendo incluídos apenas os itens que apresentaram melhor confiabilidade (i.e., teste-reteste e entre observadores) e discriminação de desempenho por idade. No presente estudo, foram examinados apenas os itens de observação do desempenho motor, distribuídos em duas subescalas: (a) coordenação e destreza manual, com 16 itens e (b) coordenação bilateral e planejamento motor, com 26 itens. O tempo de aplicação é de aproximadamente 60 minutos.

  • DCDQ-Brasil

    19: versão brasileira do DCDQ

    20, questionário para pais, desenvolvido no Canadá e específico para triagem de TDC em crianças de 5 a 15 anos, o qual foi traduzido e adaptado para crianças brasileiras

    19. Há evidências de boa confiabilidade teste-reteste e validade de construto em diferentes países

    19,22. Os itens do questionário são pontuados em escala de quatro pontos, cujo somatório resulta no escore total. Pontuação abaixo de 47 aos 7 anos e abaixo de 56 aos 8 anos de idade sinaliza crianças suspeitas de apresentar TDC

    20.

  • MABC-II

    7: teste estandardizado britânico, usado para triagem e identificação e descrição de prejuízos no desempenho motor de crianças de 3 a 16 anos de idade. Inclui tarefas motoras grossas e finas, agrupadas em três categorias: destreza manual (três itens), atirando e agarrando (dois itens), e equilíbrio (três itens). Os escores brutos são convertidos em percentil, sendo que pontuação

    < percentil 5 é indicativa de TDC; percentil entre 6 e 15 sinaliza risco/suspeita e acima de 16, desempenho motor normal

    7. O MABC-II pode ser aplicado em 20 minutos e, no manual do teste

    7, são apresentados estudos que reportam bons índices de validade e confiabilidade.

Procedimentos

Foi feito contato com seis escolas públicas e 56 particulares de ensino fundamental da grande Belo Horizonte, totalizando 62 escolas contactadas. Dentre elas, seis (100%) escolas públicas e 21 (37,5%) escolas particulares concordaram em participar do estudo. Foi enviado para os pais e/ou responsáveis das crianças o TCLE com informações sobre os objetivos do estudo, acompanhadas do DCDQ-Brasil19 e de pequeno questionário sobre condições de nascimento e desenvolvimento da criança. Nessa fase de seleção dos participantes, 1879 crianças receberam os questionários, mas apenas 793 (42,2%) retornaram totalmente preenchidos e acompanhados do TCLE.

Com base na pontuação dos questionários que retornaram preenchidos, uma bolsista de Iniciação Científica (IC) identificou crianças com provável diagnóstico de TDC. Para cada criança detectada com sinais de TDC, foi selecionada outra criança da mesma turma, pareada por idade e sexo, mas sem sinais de problema motor. Todo o processo de pareamento das crianças foi realizado pela bolsista de IC, para que a examinadora não conhecesse o provável diagnóstico de desempenho motor da criança.

Todas as crianças selecionadas com base no DCDQ-Brasil foram avaliadas pela ACOORDEM21 e pelo MABC-II7 na própria escola, em horários definidos pelas professoras e que não comprometessem atividades pedagógicas importantes. A avaliação foi realizada por terapeutas ocupacionais com experiência em atendimento a crianças com TDC e foi dividida em duas sessões; na primeira, foi aplicado o MABC-II, e, na segunda, a ACOORDEM. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil (Parecer ETIC 80/08).

Análise dos dados

Utilizou-se o pacote estatístico SPSS, versão 17.0. Inicialmente os dados brutos de desempenho das crianças nos itens da ACOORDEM foram convertidos em escore z, sendo que cada ponto foi subtraído da média do item e dividido pelo desvio-padrão. Realizou-se o cálculo dos quartis dos escores z para cada item da ACOORDEM, originando os escores padronizados de cada item: cada item da ACOORDEM passou a ter escore variando entre 1 e 4. Os escores padronizados de cada criança foram somados, resultando em três escores para análise: (a) coordenação manual e destreza; (b) coordenação bilateral e planejamento motor e (c) escore total do teste.

Para cálculo da validade concorrente, examinou-se a Correlação de Spearman entre os escores estandardizados totais e das áreas do MABC-II e da ACOORDEM, com significância de 0,05 para as duas faixas etárias. Coeficiente de correlação igual ou superior a 0,70 indica que o desempenho em um teste pode predizer desempenho no outro teste18.

Para cálculo da validade preditiva, os valores de S, E, VPP e VPN foram calculados de acordo com a proposta de Portney e Watkins17. A S é a probabilidade de obter um resultado positivo correto em pacientes que têm a condição-alvo. A E é a probabilidade de um teste negativo correto nos indivíduos que não têm a condição-alvo. O VPP estima a probabilidade de uma pessoa que tenha resultado positivo realmente ter a doença. Um teste com VPP elevado fornecerá uma forte estimativa do número real de pacientes que têm a condição-alvo. Por outro lado, o VPN indica a probabilidade de uma pessoa que tenha resultado negativo realmente não ter a doença. Um teste com VPN elevado fornecerá uma forte estimativa do número de pessoas que não têm a condição-alvo17. Valores preferenciais para os índices de validade preditiva são: 0,80 para S, 0,90 para E, 0,70 para VPP e VPN23.

Os valores de S, E, VPP e VPN foram calculados entre os escores da ACOORDEM, com os pontos de corte nos percentis 5 e 15, para determinar qual ponto de corte apresenta melhor potencial para predizer a condição de TDC, como identificado pelo MABC-II. O percentil 5 foi utilizado porque é o valor definido por consenso entre profissionais e pesquisadores que lidam com TDC24, além de ser o ponto de corte recomendado no manual do MABC-II7. O percentil 15 foi utilizado em estudos de validade concorrente e preditiva de outros instrumentos com o MABC25,26.

Utilizando o MABC-II como padrão de referência, o ponto de corte ótimo, baseado na maior S e E para os escores das duas subáreas e o escore total da ACOORDEM, foi estimado por meio da Receiver Operating Characteristic Curve (curva ROC), com nível de significância estatística de 5%. A curva ROC foi construída utilizando-se o software MedCalc. O percentil correspondente aos escores definidos pelas curvas ROC foi identificado.

Resultados

As características da amostra são apresentadas na Tabela 1.

Após a conversão dos escores brutos em escores padronizados, a pontuação máxima possível para o escore total da ACOORDEM foi de 196, com subescore de 76 para a escala coordenação manual e destreza e de 120 para a escala coordenação bilateral e planejamento motor. As pontuações máximas alcançadas pelas crianças de 7 anos foram 165 no escore total, 66 em coordenação manual e destreza e 104 pontos em coordenação bilateral e planejamento motor. Para as crianças de 8 anos, os escores máximos obtidos foram, respectivamente, 179, 70 e 109. Médias de escores padronizados por idade e tipo de escola são apresentadas na Tabela 1.

Considerando-se como padrão de referência o percentil 5 do MBC-II7, a frequência de TDC foi de 25,3% entre as crianças de 7 anos e 21,1% entre as crianças de 8 anos. Os índices de Correlação de Spearman entre os escores do MABC-II e da ACOORDEM são apresentados na Tabela 2. A Tabela 3 apresenta os valores de S, E, VPP e VPN para os percentis 5 e 15 da ACOORDEM.

As Figuras 1 e 2 apresentam, respectivamente, as curvas ROC para o escore total da ACOORDEM para crianças de 7 e 8 anos.



De acordo com as curvas ROC, os pontos de corte mais apropriados para o escore total da ACOORDEM aos 7 e 8 anos seriam, respectivamente, 117 e 125. Tais valores correspondem aos percentis 42 e 23, respectivamente. Ao considerar os escores da escala coordenação manual e destreza, os pontos de corte mais apropriados, de acordo com a curva ROC, seriam, para 7 anos, 42 pontos (percentil 38), e para 8 anos, 46 pontos (percentil 43). Para a escala coordenação bilateral e planejamento motor, aos 7 anos, o ponto de corte mais apropriado seria 71 pontos (percentil 33), enquanto aos 8 anos, o mais indicado seria 88 pontos (percentil 47). Na Tabela 3, estão reportados os índices de validade preditiva nos pontos de corte definidos pelas curvas ROC.

Discussão

O presente estudo levantou dados sobre a validade de critério da ACOORDEM21, usando como padrão de referência o MABC-II7, e apontou pontos de corte preliminares para o teste em termos de escores padronizados, os quais podem ser usados em estudos futuros. Como primeira aplicação integral da ACOORDEM, os resultados foram promissores, pois o cálculo do escore total padronizado permitiu documentar características positivas do conjunto de itens e, ao mesmo tempo, sinalizou possíveis limitações do teste, que devem ser verificados antes de liberar o instrumento para uso clínico.

Em primeiro lugar, chama atenção a frequência de TDC na amostra - 25,3% aos 7 anos e 21,1% aos 8 anos - que foi muito superior à prevalência relatada na literatura, estimada entre 5 e 8% das crianças em idade escolar4-6. Esse resultado era esperado, pois a amostra foi propositalmente pré-selecionada pelo DCDQ-Brasil19, com vistas a se obterem dois grupos de crianças, com e sem sinais de TDC.

Quanto ao objetivo central do estudo, ao examinar os efeitos dos diferentes pontos de corte nos índices de validade preditiva (Tabela 3), observa-se que os percentis 5 e 15 são inadequados pelo fato de a amostra conter mais de 20% de crianças com sinais de TDC. Quando se usam os pontos de corte definidos pelas curvas ROC, os índices atingem valores moderados, sendo que alguns atingem os patamares preferenciais para validade preditiva. Observa-se, ainda, que os percentis correspondentes aos pontos de corte são muito altos, mesmo considerando uma mostra com hiper-representação de crianças com problemas motores.

O fato de, mesmo estabelecendo o ponto de corte da ACOORDEM em torno do percentil 40, como sugerido pelas curvas ROC (Tabela 3), ainda não se identificarem todas as crianças com atraso sugere que alguns itens do teste talvez sejam fáceis ou pouco discriminativos para a amostra. Embora Cardoso27 tenha reportado que a maioria dos itens da ACOORDEM diferenciam o desempenho de crianças com e sem TDC, deve-se analisar o nível de dificuldade para eliminar itens fáceis demais, que não colaboram para identificação acurada de problemas motores.

Os índices moderados de validade concorrente são compatíveis com aqueles reportados por outros autores, como Croce, Horvat e McCarthy28, que reportaram correlações variando de 0,60 a 0,79 entre o MABC e o teste BOTMP para crianças de 5 a 10 anos. Recentemente, Spironello et al.26 encontraram correlação mais baixa (0,50) entre o BOTMP-II e o MABC-II. Smits-Engelsman, Henderson e Michels29 reportam correlações que variam de 0,28 a 0,62 entre o MABC e o teste motor KTK. Essas mesmas variações podem ser observadas na Tabela 2, sendo que, como esperado, houve maior correlação entre subescalas de um mesmo teste e menor correlação entre itens relacionados à coordenação motora grossa e fina, como agarrar bolas e destreza manual.

Observa-se, na Tabela 2, que há boa validade concorrente entre o escore total do MABC-II e da ACOORDEM, assim como entre um maior número de subtestes aos 8 anos de idade. Aos 7 anos, as correlações são mais baixas possivelmente porque as tarefas da ACOORDEM são um pouco mais difíceis para essa faixa etária.

Vários fatores podem ter contribuído para os índices moderados da validade concorrente. Como correlações moderadas sinalizam que os dois instrumentes não medem exatamente as mesmas habilidades motoras, a ACOORDEM e MABC-II possivelmente não identificam as mesmas crianças como apresentando problemas motores. Incongruência entre diferentes testes motores na identificação do TDC já foi discutida por alguns autores. Crawford, Wilson e Dewey25 reportam que a congruência entre o MABC, o BOTMP e o DCDQ foi abaixo de 80%. Spironello et al.26 reportam valores de Kappa que variam de 0,19 a 0,29 entre a forma curta, de triagem, do BOTMP e do MABC, ou seja, os instrumentos apresentam características diferentes, o que influencia a identificação de problemas motores. Esses dados nos alertam para o fato de que escores em testes motores não são definitivos. Para fins de diagnóstico de TDC, devem-se incluir informações de fontes múltiplas, especialmente sobre o desempenho em atividades funcionais nos contextos diários.

Um outro fator que pode ter contribuído para os valores moderados de validade concorrente é o fato de o MABC-II não ter sido validado para crianças brasileiras. Essa é uma limitação do estudo, entretanto esse instrumento foi escolhido para padrão de referência por ser o mais citado na literatura em estudos de validade concorrente16. O MABC-II7 ainda é pouco utilizado no Brasil, mas, em estudo realizado na região norte do país, Souza et al.30 concluíram que o MABC31, versão anterior do teste, não precisa ser modificado para se adequar às crianças de ambientes diferentes. Apesar de as tarefas serem simples e haver evidências da validade do MABC em vários países29,32,33, como não há normas de desempenho para crianças brasileiras, não se pode afirmar que o escore correspondente ao percentil 5, ponto de corte para TDC, é o mesmo nas populações brasileira e britânica. Estudos futuros, com amostras aleatórias representativas de crianças brasileiras das diferentes faixas de idade, devem investigar a adequação dos pontos de corte tanto para a ACOORDEM como para o MABC-II.

Os dados dão suporte ao uso do escore total da ACOORDEM para caracterizar o desempenho motor de crianças brasileiras de 7 e 8 anos de idade, no entanto os pontos de corte para identificação de atraso precisam ser mais bem definidos. No presente estudo, ficou evidente que o uso de diferentes pontos de corte da ACOORDEM ou critérios para diagnóstico resulta em variabilidade no número de crianças corretamente identificadas com TDC. Possivelmente a acuidade do diagnóstico feito com a ACOORDEM pode ser melhorada com a análise combinada dos itens motores e dados obtidos nos questionários de pais e professores, o que será examinado em estudos futuros.

Conclusão

A validação de instrumentos de avaliação é um processo contínuo34, sendo que, no presente estudo, foi examinada a validade dos escores da ACOORDEM em relação a apenas um critério externo, o MABC-II. Os índices moderados de validade concorrente se assemelham aos de outros testes de desempenho motor reportados na literatura28,29. Os índices de validade preditiva indicam um alto ponto de corte para a ACOORDEM, sugerindo a possibilidade de que alguns itens possam ser pouco discriminativos ou fáceis para crianças, podendo ser eliminados, o que deve ser examinado em estudos futuros.

Os dados aqui reportados chamam a atenção para a complexidade da identificação de transtornos, como o TDC, que têm diagnóstico eminentemente clínico. Embora seja essencial o uso de teste motor padronizado e validado para a população, são necessárias informações de várias fontes, o que envolve esforço interdisciplinar. Em estudos futuros, as informações coletadas nos testes de observação direta e nos questionários da ACOORDEM devem ser combinadas; pontos de corte devem ser reexaminados em amostras aleatórias, mas amostras clínicas, com diagnóstico confirmado, devem ser incluídas para verificar a utilidade clínica do teste para identificação de TDC em crianças brasileiras.

Agradecimentos

A todas as escolas e pais que permitiram a participação das crianças no estudo; às bolsistas de auxílio técnico e de iniciação científica, pela colaboração no recrutamento de escolas, seleção das crianças e coleta dos dados; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo financiamento do projeto ACOORDEM.

Recebido: 09/03/2011

Revisado: 31/05/2011

Aceito: 26/09/2011

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  • Correspondência para:

    Ana Amélia Cardoso
    Av. Lothário Meissner, nº 632
    Setor de Ciências da Saúde, Bloco Didático 2
    Depto de Terapia Ocupacional, Jardim Botânico
    CEP 80210-170, Curitiba, PR, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      09 Mar 2011
    • Aceito
      26 Set 2011
    • Revisado
      31 Maio 2011
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