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Comparação do desempenho motor e cognitivo de crianças frequentadoras de creches públicas e particulares

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO:

Considerando que fatores ambientais, tal como o ambiente escolar, podem influenciar o desenvolvimento infantil, maior atenção deve ser empregada ao desenvolvimento de crianças que frequentam creches.

OBJETIVO:

Verificar se há diferença no desempenho motor grosso, fino e desempenho cognitivo de crianças entre 1 e 3 anos, de mesma classificação socioeconômica, frequentadoras de creches públicas e particulares em período integral.

MÉTODO:

Os participantes foram divididos em dois grupos, um de creches públicas (69 crianças) e outro de creches particulares (47 crianças). Todas as crianças eram saudáveis e deveriam frequentar a creche em período integral há mais de quatro meses. Para avaliação do desempenho motor fino, grosso e desempenho cognitivo, foi utilizada a escala Bayley Scales of Infant and Toddler Development - III. Para análise de comparação entre os grupos, foi realizado o teste de Mann-Whitney com crianças entre 13 e 24 meses, entre 25 e 41 meses e entre 13 e 41 meses.

RESULTADOS:

Crianças de creches públicas apresentaram menores escores quanto ao desenvolvimento cognitivo desde os 13 meses de vida. Os desempenhos motor fino e grosso, por sua vez, apresentaram menores escores nas crianças de escolas públicas com idade acima de 25 meses. A escolaridade materna não foi relacionada ao desempenho das crianças nos dois grupos

CONCLUSÃO:

O desempenho cognitivo, motor fino e grosso de crianças de mesma classe econômica, frequentadoras de creches públicas, apresentam piores performances quando comparadas às de creches particulares.

fisioterapia; desenvolvimento infantil; creches; ambiente


BACKGROUND:

Given that environmental factors, such as the school environment, can influence child development, more attention should be paid to the development of children attending day care centers.

OBJECTIVE:

Todetermine whether there are differences in the gross motor, fine motor, or cognitive performances of children between 1 and3 years-old of similar socioeconomic status attending public and private day care centers full time.

METHOD:

Participants were divided into 2 groups, 1 of children attending public day care centers (69 children) and another of children attending private day care centers (47 children). All children were healthy and regularly attended day care full time for over 4 months. To assess cognitive, gross and fine motor performance, the Bayley Scales of Infant and Toddler Development III was used. The Mann-Whitney test was used for comparative analyses between groups of children between 13 and 24 months, 25 and 41 months, and 13 and 41 months.

RESULTS:

Children in public day care centers exhibited lower scores on the cognitive development scale beginning at 13 months old. The fine and gross motor performance scores were lower in children over the age of 25 months attending public centers. Maternal education was not related to the performance of children in either group.

CONCLUSION:

The scores of cognitive performance as well as fine and gross motor performance of children of similar socioeconomic status who attend public day care centers are lower than children attending private daycare centers.

physical therapy; children development; day care centers; environment


Introdução

O desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida é caracterizado por constantes modificações biológicas, psicossociais e emocionais, levando a importantes aquisições e refinamentos nos domínios motor, afetivo-social e cognitivo11. Guardiola A, Egewarth C, Rotta NT. Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor em escolares de primeira série e sua relação com o estado nutricional. J Pediatr.2001;77(3):189-96. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.205
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. Durante esse processo, o ambiente no qual a criança está inserida representa um fator importante do desenvolvimento infantil, visto que sua interação com o organismo pode permitir modificações nas habilidades motoras22. Thelen E. Motor development: a new synthesis. Am Psychol.1995;50:79-95. http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.50.2.79
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.

Os fatores ambientais podem influenciar o desenvolvimento infantil tanto de maneira negativa quanto positiva, uma vez que o organismo da criança em interação com o ambiente se modifica intensamente, especialmente nos primeiros anos de vida, com expressivo crescimento, organização e fortalecimento sináptico e mielinização22. Thelen E. Motor development: a new synthesis. Am Psychol.1995;50:79-95. http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.50.2.79
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. Nesse contexto, fatores como baixos níveis socioeconômicos33.Halpern R, Giugliani ER, Victora CG, Barros FC, Horta BL. Risk factors for suspicion of developmental delays at12 months of age. J Pediatr.2000;76:421-8. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.88
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4. Barros AJD, Matijasevich A, Santos IS, Halpern R. Child development in a birth cohort: effect of child stimulation is stronger in less educated mothers. Int J Epidemiol.2010;39:285-94 PMid:19717543 PMCid:PMC2817089. http://dx.doi.org/10.1093/ije/dyp272
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- 55. National Institute of Child Health and Human Development Early Child Care Research Network. Duration and Developmental Timing of Poverty and Children´s Cognitive and Social Development fron birth through third grade. Child Dev.2005;76(4):795-810. PMid:16026497. http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-8624.2005.00878.x
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, baixa escolaridade materna e pobre qualidade do vínculo mãe-filho33.Halpern R, Giugliani ER, Victora CG, Barros FC, Horta BL. Risk factors for suspicion of developmental delays at12 months of age. J Pediatr.2000;76:421-8. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.88
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, 44. Barros AJD, Matijasevich A, Santos IS, Halpern R. Child development in a birth cohort: effect of child stimulation is stronger in less educated mothers. Int J Epidemiol.2010;39:285-94 PMid:19717543 PMCid:PMC2817089. http://dx.doi.org/10.1093/ije/dyp272
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, 66. Abbott AL, Bartlett DJ, Kneale Fanning JE, Kramer J. Infant motor development and aspects of the home environment. Pediatr Phys Ther.2000;12:62-7. , 77. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de qualidade para a educação infantil- volume1. MEC;2006. Available from: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf.
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caracterizam fatores de risco ambientais para o desenvolvimento infantil. No que diz respeito aos fatores socioeconômicos, Peisner-Feinberg88. Peisner-Feinberg ES. The relation of preschool child-care quality to children' s cognitive and social developm e tal trajectories through second grade. Child Dev.2001;72(5):1534-53. http://dx.doi.org/10.1111/1467-8624.00364
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relata que famílias com melhor nível socioeconômico tendem a escolher creches com maior qualidade, levando ao melhor desempenho encontrado nessas populações. No entanto, condições ambientais favoráveis, como estímulos adequados e boas condições familiares, parecem afetar de forma positiva o desenvolvimento infantil33.Halpern R, Giugliani ER, Victora CG, Barros FC, Horta BL. Risk factors for suspicion of developmental delays at12 months of age. J Pediatr.2000;76:421-8. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.88
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.

Dentre os ambientes que as crianças frequentam, o sistema escolar se caracteriza como importante local de influência por representar um local que deve prover estímulos e cuidados para o bom desenvolvimento infantil77. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de qualidade para a educação infantil- volume1. MEC;2006. Available from: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf.
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. Segundo Moreira e Lordelo99. Moreira LVC, Lordelo ER. Creche em ambiente urbano: ressonâncias no ecossistema desenvolvimental. Interação Psicol.2002;6(1):19-30., a creche deve estimular o desenvolvimento infantil, respeitando a dignidade e direitos cidadãos das crianças.

Estudos apontam que a permanência de crianças em creches pode aumentar o risco para problemas comportamentais, como indisciplina e insegurança afetiva durante a infância e a adolescência1010. Sagi A, Koren-Karie N, Gini M, Ziv Y, Joels T. Shedding further light on the effects of various types and quality of early child care on infant-mother attachment relationship: the Haifa Study of Early Child Care. Child Dev.2002;73(4):1166-86.. Por outro lado, estudo com populações de baixo nível socioeconômico ressaltam a importância da inserção das crianças em creches para a promoção do crescimento e desenvolvimento cognitivo1111. Albers EM, Riksen-Walraven JM, Weerth C. Developmental stimulation in child care centers contributes to young infants' cognitive development. Infant Behav Dev.2010;33:401-8. PMid:20493531. http://dx.doi.org/10.1016/j.infbeh.2010.04.004
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12. Sylva K, Stein A, Leach P, Barnes J, Malmberg LE; FCC-team. Effects of early child-care on cognition, language, and task-related behaviours at18 months: An English study. Br J Dev Psychol. 2011;29:18-45. PMid:21288253. http://dx.doi.org/10.1348/026151010X533229
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- 1313. Claessens A. Kindergarten child care experiences and child achievement and socioemotional skills. Early Child Res Q.2012;27:365-75. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2011.12.005
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. Dessa forma, nota-se controvérsia na literatura pesquisada quanto ao impacto da inserção da criança em creches e seu desenvolvimento cognitivo e comportamento socioafetivo.

Apesar do menor número de estudos que avaliassem o desenvolvimento motor de frequentadores de creches, fatores como baixa renda, pouca escolaridade materna e o grande número de crianças por cuidador foram apontados como os principais riscos para o atraso no desenvolvimento de habilidades motoras dessa população1414. Barros AJD, Halpern R, Menegon OE. Creches públicas e privadas de Pelotas, RS: aderência à norma técnica. J Pediatr.1998;74(5):397-403. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.466
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15. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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- 1616. Santos DCC, Tolocka RE, Carvalho J, Heringer LRC, Almeida CM, Miquelote AF. Desempenho motor grosso e sua associação com fatores neonatais, familiares e de exposição à creche em crianças até três anos de idade. Rev Bras Fisioter.2009;13(2):173-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-35552009005000025
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. Desse modo, estudos indicam a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento de crianças que frequentam as instituições de educação infantil e de possíveis intervenções em comunidades carentes a fim de promover a saúde integral da criança1616. Santos DCC, Tolocka RE, Carvalho J, Heringer LRC, Almeida CM, Miquelote AF. Desempenho motor grosso e sua associação com fatores neonatais, familiares e de exposição à creche em crianças até três anos de idade. Rev Bras Fisioter.2009;13(2):173-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-35552009005000025
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, 1717. Sherlock RL, Synnes AR, Koehoorn M. Working mothers and early childhood outcomes: Lessons from the Canadian National Longitudinal study on children and youth. Early Hum Dev.2008;84:237-42. PMid:17662542. http://dx.doi.org/10.1016/j.earlhumdev.2007.06.003
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.

Barros et al.1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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, ao avaliarem o desempenho motor fino e o grosso de crianças aos 5 anos de idade, encontraram que as frequentadoras das escolas públicas apresentaram menores pontuações em escalas motoras, quando comparadas a frequentadoras de escolas particulares, resultado semelhante ao de Cotrim et al.1818. Cotrim JR, Lemos AG, Néri-Junior JE, Barela JA. Development of fundamental motor skills in children with diffrent school contexts. Rev Educ Fís.2011;22(4):523-33., que observaram menores escores de motricidade grossa em crianças de 10 anos frequentadores de escolas públicas. Referentemente ao desempenho cognitivo, Sherlock et al.1717. Sherlock RL, Synnes AR, Koehoorn M. Working mothers and early childhood outcomes: Lessons from the Canadian National Longitudinal study on children and youth. Early Hum Dev.2008;84:237-42. PMid:17662542. http://dx.doi.org/10.1016/j.earlhumdev.2007.06.003
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atribuíram os melhores desempenhos de crianças aos 5 anos de idade à estrutura física e organizacional das escolas estaduais, quando comparadas às frequentadoras de escolas comunitárias e ambiente domiciliar.

No entanto, não foram encontrados estudos que comparassem um completo desempenho, como o motor grosso, fino e desempenho cognitivo de crianças nos primeiros três anos de vida, frequentadoras de creches públicas e particulares em período integral.

Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo verificar se há diferença no desempenho motor grosso, fino e desempenho cognitivo de crianças entre 13 e 41 meses, de classificação socioeconômica nível B, segundo ABEP1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa-ABEP. Critério de Classificação econômica. ABEP;2011. Available from: www.abep.org.
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, frequentadoras de creches públicas e particulares em período integral. Considerando que avaliações do sistema educacional brasileiro evidenciaram que creches particulares apresentam melhores condições, tais como estrutura física, brinquedos e atividades mais adequadas que creches públicas77. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de qualidade para a educação infantil- volume1. MEC;2006. Available from: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf.
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, 2020. Oliveira MA, Furtado RA, Souza TN, Campos-de-Carvalho MI. Avaliação de ambientes educacionais infantis. Paidéia.2003;13(25):41-58., e de que tais fatores podem afetar o desenvolvimento infantil1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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, 1818. Cotrim JR, Lemos AG, Néri-Junior JE, Barela JA. Development of fundamental motor skills in children with diffrent school contexts. Rev Educ Fís.2011;22(4):523-33., a comparação de crianças saudáveis e de mesmo nível socioeconômico que frequentam creches particulares e públicas permitiria uma investigação sobre como se apresenta o desenvolvimento de crianças, nos primeiros anos de vida, as quais frequentam em período integral esses ambientes. Assim, a hipótese do presente estudo é a de que as crianças frequentadoras de creches particulares apresentam desempenho motor grosso, fino e desempenho cognitivo superiores aos das frequentadoras de creches públicas.

Método

Participantes

O estudo foi conduzido em uma cidade do interior paulista com mais de 200 mil habitantes e 7% deles entre 0 e 5 anos. Os participantes foram divididos em dois grupos, um de creches públicas (GI) e outro de creches particulares (GII). Para o GI, foi realizada amostragem estratificada, com creches de todas as cinco regionais de educação da cidade e também respeitando a proporção de crianças matriculadas em creches públicas em período integral. Dentre as 45 instituições públicas de ensino infantil, 24 atendem crianças entre 0 e 3 anos em período integral. Dentre elas, dez participaram do estudo, e outras quatro não participaram por não possuírem espaço disponível para avaliação das crianças. Foram selecionadas as creches que atendessem preferencialmente toda a faixa etária do estudo. Assim, as dez creches restantes não participaram do estudo por atenderem crianças com idade superior a 3 anos. Para composição do GII, foi realizada amostragem de conveniência, uma vez que todas as 28 creches particulares que atendiam crianças entre 0 e 3 anos em período integral foram convidadas, e somente nove aceitaram participar do estudo.

Desse modo, o GI consistiu em 68 crianças e o GII em 46 crianças. Para análise do desempenho das crianças, esses grupos ainda foram subdivididos segundo a faixa etária, como pode ser visualizado na Tabela 1. A Tabela 1 mostra, ainda, que os grupos eram homogêneos quanto à idade, idade gestacional (IG), peso ao nascer, Apgar no quinto minuto e tempo de ingresso na creche. A escolaridade materna do GII era superior à do GI, sendo tal diferença significativa.

Tabela 1
Características dos participantes.

Critérios de inclusão e não inclusão

Para serem incluídas no estudo, as crianças deveriam frequentar a creche em período integral há pelo menos quatro meses, não apresentar alterações neurológicas, síndromes genéticas ou malformações congênitas, Apgar no 1° e 5° minutos entre sete e dez, peso e altura adequados para idade2121. World Health Organization-WHO. Child Growth Chartsfor babies and children standards. Geneva: WHO;2006. e ter classificação socioeconômica, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), nível B. Tal nível foi escolhido tanto por representar um nível intermediário quanto por representar a maioria da população brasileira2222. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Censo Demográfico2010-Famílias e Domicilios. Rio de Janeiro: IBGE;2010..

As crianças não foram incluídas no estudo caso não atendessem aos critérios de inclusão, tivessem idade superior a 42 meses, apresentassem choro ou irritação, impossibilitando as avaliações, por faltarem no dia da avaliação ou ainda caso os pais se negassem a completar o cadastro com informações socioeconômicas e do nascimento da criança.

Dentro de cada escola, todas as crianças da faixa etária estudada foram convidadas a participar do estudo, e os pais ou responsáveis autorizaram a participação de seus filhos por meio da assinatura do um termo de consentimento livre e esclarecido.

Instrumentos de avaliação

Para coleta de informações sobre a escolaridade materna, IG, peso ao nascer, Índice Apgar, tempo que frequentava a creche e aplicação do questionário para classificação socioeconômica segundo ABEP1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa-ABEP. Critério de Classificação econômica. ABEP;2011. Available from: www.abep.org.
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, foi elaborado um "Protocolo para Coleta de Dados dos Participantes". Para calcular a classificação socioeconômica segundo a ABEP, foram coletadas informações como a escolaridade do chefe da família e quantidade de itens e funcionários locados na casa, tais como: televisão em cores, rádio, banheiro, automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar, DVD, geladeira e freezer. Após a soma da pontuação desses itens, que no total pode variar de 0 a 46, classifica-se a condição socioeconômica do sujeito entre os níveis A, B, C, D e E. Para este estudo, foram analisadas crianças de classificação nível B, que possuem pontuação entre 23 a 34.

A escala Bayley Scales of Infant and Toddler Development - III (BSITD-III) foi escolhida para avaliação do desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso das crianças. Mesmo não possuindo valores de referência para a população brasileira, tal escala foi escolhida por se tratar de um teste com valor diagnóstico2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005., considerado padrão-ouro para medir resultados no desenvolvimento, com medidas objetivas, válidas e confiáveis da condição do desenvolvimento da criança do nascimento aos 42 meses de vida2424. Johnson S, Marlow N. Developmental screen or developmental testing? Early Hum Dev.2006;82(3):13-83 PMid:16504424. http://dx.doi.org/10.1016/j.earlhumdev.2006.01.008
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.

A administração da BSITD - III ocorre de acordo com a faixa etária da criança, com a tarefa de início da avaliação sendo correspondente à idade cronológica. As tarefas foram pontuadas de acordo com as exigências determinadas no manual da escala, com escore 1, quando a criança conseguia realizar a atividade, e escore 0, quando não realizava a atividade2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. A avaliação foi finalizada quando a criança não realizava cinco atividades consecutivas. A pontuação foi somada e transformada em um escore padrão que varia de 1 a 19 pontos, com média 10±32323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. São considerados escores normais os valores acima de um desvio padrão negativo, ou seja, com 7 pontos representando o escore mínimo de normalidade.

Para este estudo, foram utilizados os domínios cognitivos, motor fino e motor grosso da escala. O domínio cognitivo consiste em atividades que compreendem habilidades de concentração e memória, além de conceitos mais complexos, como abstração, agrupamentos e raciocínio lógico. O domínio motor fino, por sua vez, envolve manipulação de diferentes objetos e traçado de linhas, enquanto o motor grosso corresponde à capacidade de a criança locomover-se, saltar, subir escadas e tarefas de equilíbrio estático e dinâmico.

Procedimentos

Estando de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Central Paulista (UNICEP), São Carlos, SP, Brasil (Protocolo n° 031/2011), as creches particulares e a Secretaria Municipal de Educação de uma cidade de porte médio do interior de São Paulo foram contatadas para participação no projeto de pesquisa. Os pais foram convidados a participar da pesquisa por meio de carta enviada na agenda das crianças, e os pesquisadores permaneceram no horário de saída das crianças para eventuais esclarecimentos. Após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos pais ou responsáveis da criança, eles foram entrevistados por telefone para colher as informações contidas no "Protocolo para Coleta de Dados dos Participantes".

As avaliações foram conduzidas primeiramente nas creches públicas e, posteriormente, nas creches particulares durante o período de outubro de 2011 a outubro de 2012. As crianças foram avaliadas individualmente em ambiente previamente preparado dentro das creches públicas e particulares, respeitando as rotinas de sono, higiene e alimentação. Após breve contato com as crianças e familiarização do examinador com a creche, as crianças eram convidadas a acompanhar o examinador até a sala de avaliação. Em caso de recusa ou choro, as professoras acompanhavam a criança até que ela se familiarizasse com o examinador e com as tarefas propostas pela escala Bayley2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. Cada avaliação apresentou duração de cerca de 50 minutos, sendo 10 minutos para avaliação da motricidade fina, 30 minutos para o desempenho cognitivo e os 10 minutos finais para avaliação da motricidade grossa. Tal ordem foi estabelecida por permitir maior concentração e participação da criança, bem como permitir ao examinador uma melhor interação com a criança ao longo da execução dos testes. A avaliação era interrompida caso a criança apresentasse choro ou irritação e poderia ser retomada em até 24 horas. Um único avaliador conduziu todas as avaliações após treinamento e obtenção do Índice de Concordância Interobservador de 96% com seu treinador.

Análise estatística

Os dados foram processados pelo programa Statistical Package for Social Sciences (versão 17.0). Para o teste de normalidade, utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para os domínios cognitivo (p=0,000), motor fino (p=0,002) e motor grosso (p=0,000). O teste de Levene verificou que os dados apresentavam homogeneidade de variância (cognitivo, p=0,968; motor fino, p=0,725; motor grosso, p=0,296). Para análise de comparação entre os grupos GI e GII, foi realizado o teste de Mann-Whitney com crianças entre 13 e 41 meses.

As comparações foram feitas também em dois grupos etários separadamente, com crianças entre 13 e 24 meses e crianças entre 25 e 41 meses, uma vez que estudos brasileiros demonstraram diferença no desempenho das crianças a partir de 2 anos de idade1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003...
, 2525. Baltieri L, Santos DCC, Gibim NC, Souza CT, Batistela T, Tolocka RE. Desempenho motor de lactentes frequentadores de berçários em creches públicas. Rev Paul Pediatr.2010;28(3):283-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822010000300005
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, 2626. Souza CT, Santos DCC, Tolocka RE, Baltieri L, Gibim NC, Habechiam FAP. Avaliação do desempenho motor global e em habilidades motoras axiais e apendiculares de lactentes frequentadores de creche. Rev Bras Fisioter.2010;14(4):309-15.. Visto que os grupos diferiram quanto à escolaridade materna, foi realizado Teste de Spearman para verificar a correlação dessa variável com o desempenho motor fino, grosso e desempenho cognitivo em cada grupo. Os testes de poder estatístico e tamanho do efeito foram realizados para todas as comparações por meio do software Gpower (versão 3.1.1). Para todas as análises, o nível de significância adotado foi de 0.05.

Resultados

A Tabela 2 apresenta os dados do Teste de Spearman para relação entre escolaridade materna e desempenho da criança para cada grupo. Como pode ser observado, não houve relação entre a escolaridade materna e os desempenhos das crianças dentro de cada grupo.

Tabela 2
Relação entre escolaridade materna e desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso.

Os resultados quanto ao desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso das crianças frequentadoras de creches públicas e particulares podem ser visualizados na Figura 1. Constatou-se que o GI apresentou desempenho inferior ao GII, sendo essa diferença significativa para o domínio cognitivo (U=655, p<0,000; tamanho do efeito=0,95) e motor fino (U=1192; p=0,023, tamanho do efeito=0,43). Para o desempenho motor grosso, não houve diferença significativa (U=1367; p=0,205; tamanho do efeito=0,20; poder=27%).

Figura 1
Desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso nos grupos creche municipal (GI) e creche particular (GII) para todas as idades.

Os resultados quanto ao desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso das crianças na faixa etária de 13 a 24 meses (M=19,0; DP=3,7) estão ilustrados na Figura 2 e das de 25 a 41 meses (M=32,7; DP=4,3), na Figura 3. Para a faixa etária de 13 a 24 meses, somente o desempenho cognitivo obteve diferença significativa entre os dois grupos (U=104 p=0,002; tamanho do efeito= 0,86), enquanto a faixa etária de 25 a 41 meses apresentou diferença significativa nos domínios cognitivo (U=202 p<0,001; tamanho do efeito=1,1), motor fino (U=412; p=0,019; tamanho do efeito=0,54) e motor grosso (U=435; p=0,039; tamanho do efeito=0,47).

Figura 2
Desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso nos grupos creche municipal (GI) e creche particular (GII) nas idades de 13 a 24 meses.

Figura 3
Desempenho cognitivo, motor fino e motor grosso nos grupos creche municipal (GI) e creche particular (GII) nas idades de 25 a 41 meses.

Discussão

O presente estudo teve por objetivo comparar o desempenho cognitivo, desempenho motor fino e grosso, segundo a escala Bayley, de crianças entre 13 e 41 meses, frequentadoras de creches públicas e particulares.

Para o desempenho cognitivo, a hipótese foi confirmada, uma vez que as crianças frequentadoras de creches públicas apresentaram menores escores que as frequentadoras de creches particulares, com grande tamanho do efeito para esse desempenho em todas as faixas etárias estudadas. Tal resultado é semelhante ao de outros estudos que identificaram atraso no desempenho cognitivo de crianças entre 2 e 6 anos, frequentadores de creches públicas1010. Sagi A, Koren-Karie N, Gini M, Ziv Y, Joels T. Shedding further light on the effects of various types and quality of early child care on infant-mother attachment relationship: the Haifa Study of Early Child Care. Child Dev.2002;73(4):1166-86. , 1212. Sylva K, Stein A, Leach P, Barnes J, Malmberg LE; FCC-team. Effects of early child-care on cognition, language, and task-related behaviours at18 months: An English study. Br J Dev Psychol. 2011;29:18-45. PMid:21288253. http://dx.doi.org/10.1348/026151010X533229
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, 1313. Claessens A. Kindergarten child care experiences and child achievement and socioemotional skills. Early Child Res Q.2012;27:365-75. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2011.12.005
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. Os autores atribuíram os resultados encontrados à influência de fatores como baixas condições socioeconômicas, escolaridade materna inferior a oito anos, maior quantidade de horas em creches e baixa qualidade de estimulação sobre o desenvolvimento infantil.

No presente estudo, quanto à escolaridade materna, 52% das mães de creches particulares possuíam ensino superior, enquanto 80% das mães de creches públicas haviam completado o ensino médio. Uma vez que a baixa escolaridade materna é considerada fator de risco ao desenvolvimento infantil1212. Sylva K, Stein A, Leach P, Barnes J, Malmberg LE; FCC-team. Effects of early child-care on cognition, language, and task-related behaviours at18 months: An English study. Br J Dev Psychol. 2011;29:18-45. PMid:21288253. http://dx.doi.org/10.1348/026151010X533229
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, 1313. Claessens A. Kindergarten child care experiences and child achievement and socioemotional skills. Early Child Res Q.2012;27:365-75. http://dx.doi.org/10.1016/j.ecresq.2011.12.005
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, maior escolaridade das mães do GII pode ter representado uma diferença na estimulação, que favoreceu o desempenho cognitivo, influenciando os resultados encontrados. No entanto, uma vez que os grupos diferiram quanto à escolaridade materna, não pôde ser encontrada uma relação entre esse fator e o desempenho das crianças. Futuros estudos que avaliem as características do ambiente familiar e escolar podem esclarecer melhor a relação entre a escolaridade materna, estimulação domiciliar e desempenho infantil.

Com o intuito de avaliar o impacto da inserção de crianças em creches públicas e particulares, o presente estudo procurou minimizar efeitos de fatores socioeconômicos ao controlar a classificação socioeconômica à qual a criança pertencia, avaliando somente crianças de classe B, segundo a ABEP1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa-ABEP. Critério de Classificação econômica. ABEP;2011. Available from: www.abep.org.
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. Apesar de todas as crianças serem do mesmo nível socioeconômico, vale ressaltar que a classificação segundo a ABEP1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa-ABEP. Critério de Classificação econômica. ABEP;2011. Available from: www.abep.org.
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não leva em consideração a renda familiar, o que pode ser um fator de influência não controlado neste estudo. Votruba-Drzal et al.2727. Votruba-Drzal E, Coley RL, Chase-Lansdale L. Child Care and Low-Income Children' s Development: Direct and Moderated Effects. Child Dev.2004;75(1):296-312 http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004.00670.x
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ressaltaram que famílias com maior poder aquisitivo parecem fornecer melhores condições de estímulos para seus filhos. Tal fator se deve a essas famílias possuírem melhores condições financeiras para adquirirem brinquedos adequados e proporcionar ambiente encorajador ao desenvolvimento infantil, visto que, na ausência de subsídio governamental, colocar a criança em uma creche de boa qualidade é mais caro do que deixar com parentes ou vizinhos2828. Lordelo ER, Chalhub AA, Guirra RC, Carvalho,CS. Contexto e Desenvolvimento Cognitivo: Freqüência à Creche e Evolução do Desenvolvimento Mental. Psicol Reflex Crit.2007;20(2):324-34. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722007000200019
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.

Quanto ao desempenho motor, fino e grosso, os testes de comparação entre os grupos para todas as idades apresentaram médio tamanho do efeito, o que pode ser causado pelas características das creches brasileiras que possuem foco principalmente em atividades que estimulam o desenvolvimento cognitivo das crianças, podendo ter deixado a estimulação motora em segundo plano1414. Barros AJD, Halpern R, Menegon OE. Creches públicas e privadas de Pelotas, RS: aderência à norma técnica. J Pediatr.1998;74(5):397-403. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.466
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, 2020. Oliveira MA, Furtado RA, Souza TN, Campos-de-Carvalho MI. Avaliação de ambientes educacionais infantis. Paidéia.2003;13(25):41-58.. Referentemente ao desempenho motor fino, também houve confirmação da hipótese levantada, com as crianças frequentadoras de creches públicas apresentando menores pontuações. No entanto, uma descoberta interessante foi que, ao analisar as crianças em faixas etárias diferentes, constatou-se que a diferença estava nas crianças com idade superior, ou seja, nas idades de 25 a 41 meses. Tal achado indica que a diferença foi encontrada quando as atividades exigidas pela escala se tornaram mais complexas, como recortar em linha reta, copiar o traçado de formas geométricas e passar um cadarço por uma série de furos2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. Infere-se, assim, que tais atividades ou tarefas semelhantes devem ter sido estimuladas nas crianças de creches particulares, favorecendo a coordenação e a memória, evidenciadas pelas crianças durante a execução das atividades da escala. De maneira semelhante, Barros et al.1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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, ao avaliar a motricidade fina de crianças aos 5 anos de idade, também encontraram baixos desempenhos entre frequentadores de escolas públicas.

Autores que retrataram o ambiente escolar como fator de risco para o desenvolvimento relataram limitações quanto ao preparo dos profissionais, rotinas com predomínio de atividades voltadas para alimentação e higiene, além de maior exposição a processos infecciosos presentes na estrutura de escolas públicas ou com menos recursos financeiros33.Halpern R, Giugliani ER, Victora CG, Barros FC, Horta BL. Risk factors for suspicion of developmental delays at12 months of age. J Pediatr.2000;76:421-8. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.88
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, 99. Moreira LVC, Lordelo ER. Creche em ambiente urbano: ressonâncias no ecossistema desenvolvimental. Interação Psicol.2002;6(1):19-30. , 1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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, 2525. Baltieri L, Santos DCC, Gibim NC, Souza CT, Batistela T, Tolocka RE. Desempenho motor de lactentes frequentadores de berçários em creches públicas. Rev Paul Pediatr.2010;28(3):283-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822010000300005
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. Nesse contexto, a falta de atividades direcionadas para a aquisição e treino de habilidades cognitivas e motoras pode ser o fator mais importante para a diferença de desempenho encontrada neste estudo, uma vez que atividades recreacionais metadirecionadas e ambientes ricos em estímulos favorecem o desenvolvimento motor1515. Barros KM, Fragoso AG, De Oliveira AL, Cabral JE F°, De Castro RM. Do environmental influences alter motor abilities acquisition? A comparison among children from day-care centers and private schools. Arq Neuropsiquiatr.2003;61(2):170-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000200002
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, 1616. Santos DCC, Tolocka RE, Carvalho J, Heringer LRC, Almeida CM, Miquelote AF. Desempenho motor grosso e sua associação com fatores neonatais, familiares e de exposição à creche em crianças até três anos de idade. Rev Bras Fisioter.2009;13(2):173-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-35552009005000025
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.

Para o desempenho motor grosso, constatou-se que as crianças frequentadoras de creches públicas apresentaram desempenho inferior apenas na faixa etária de 25 a 41 meses. Semelhantemente às tarefas da escala motora fina, as tarefas da escala motora grossa para esta faixa etária apresentam maior complexidade, com atividades como subir e descer degraus sem auxílio, equilíbrio unipodal estático e salto em distância2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. Tais tarefas exigem maior controle dos movimentos de membros inferiores e equilíbrio corporal e, por esse motivo, são alcançadas com sucesso a partir da experiência e treino em atividades diárias e/ou recreativas.

Este resultado corrobora os achados de Rezende et al.2929. Rezende MA, Beteli VC, Santos JL. Follow-up of the child' s motor abilities in day-care centers and pre-schools. Rev Latino-Am Enfermagem.2005;13:619-25. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692005000500003
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, os quais verificaram um aumento da incidência de suspeitas de atraso no desenvolvimento nas idades de 2 e 3 anos devido ao aumento da complexidade exigida pelas tarefas. Tal resultado pode ser consequência das atividades desenvolvidas nas creches, mas também de contextos ambientais domiciliares que propiciem estimulação dessas novas habilidades. Um fator observado, porém não mensurado no presente estudo, foi que, enquanto as creches públicas não possuíam um tempo semanal de atividades motoras grossas direcionadas, as creches particulares ofereciam algum tipo de atividade direcionada semanalmente, como aulas de educação física, dança e/ou natação para as crianças. Atividades motoras direcionadas desenvolvem noções espaciais, propriocepção e equilíbrio nas crianças2929. Rezende MA, Beteli VC, Santos JL. Follow-up of the child' s motor abilities in day-care centers and pre-schools. Rev Latino-Am Enfermagem.2005;13:619-25. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692005000500003
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, favorecendo a execução das atividades avaliadas pela escala Bayley2323. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rded. San Antonio: TX, Psychological Corporation;2005.. No entanto, outros fatores, como espaço físico, tamanho de parques e presença de equipamentos que promovam o desenvolvimento dessas habilidades, devem ser mais investigados para que orientações e estimulação adequada possam ser realizadas nesses ambientes.

Para a faixa etária de 13 a 24 meses, não houve diferença entre os grupos quanto ao desempenho motor fino e grosso. Vale ressaltar que as tarefas propostas pela escala para essa faixa etária, durante avaliação motora fina e grossa, eram atividades simples e frequentes no cotidiano da criança, tais como empilhar blocos, encaixar e desencaixar peças, andar sem apoio, arremessar uma bola, chutar uma bola. Acreditamos que essas atividades foram estimuladas de maneira natural nos dois tipos de creches, o que não conduziu a discrepância entre os grupos.

O menor desempenho cognitivo e motor encontrado nas crianças das creches públicas indica que o aprimoramento das habilidades motoras e cognitivas é resultado da interação de diversos fatores orgânicos, ambientais e específicos da tarefa22. Thelen E. Motor development: a new synthesis. Am Psychol.1995;50:79-95. http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.50.2.79
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, todos interagindo de forma dinâmica e multidirecional, conforme o pressuposto da teoria dos Sistemas Dinâmicos. Considerando que as crianças participantes do presente estudo não possuem alterações estruturais e funcionais dos sistemas orgânicos, o fator ambiental avaliado, como o tipo da creche frequentada pela criança, parece ter influenciado suas experiências e refletido o desempenho de tarefas motoras e cognitivas. Assim, as creches particulares, ao desenvolverem atividades com profissionais especializados em motricidade infantil, estimulando atividades psicomotoras, podem ter levado a um melhor refinamento das habilidades motoras, representado pelo melhor desempenho encontrado. Fatores familiares, como maior estimulação em casa, podem também ter influenciado esse resultado encontrado, no entanto os dados do presente estudo não permitem esclarecer tais pontos, uma vez que não foram coletadas informações familiares, e a escolaridade materna não apresentou relação significativa com o desempenho motor fino e grosso. Assim, futuros estudos que verifiquem as condições das creches públicas e particulares e que foquem atividades que podem estimular adequadamente o desenvolvimento infantil devem ser realizados. Este estudo, apesar de oferecer uma ampla visão sobre o desempenho motor e cognitivo de frequentadores de creches públicas e particulares, apresenta limitações ao não avaliar as condições de estímulos domiciliares, a renda das famílias e em quais aspectos o ambiente das creches públicas e particulares diferiram.

O presente estudo permitiu identificar a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas para a promoção da saúde e educação infantil, ressaltando a importância da inserção de profissionais qualificados para avaliação do desenvolvimento de crianças frequentadoras de creches, da implementação de um programa de estimulação do desenvolvimento, da orientação aos cuidadores de crianças e da avaliação dos ambientes de creches.

Conclusão

Os desempenhos cognitivo, motor fino e motor grosso de crianças de mesma classe econômica apresentam-se inferiores nas crianças frequentadoras de creches públicas comparadas às de creches particulares.

O desempenho cognitivo das crianças frequentadoras de creches públicas é inferior desde os 13 meses de vida, enquanto o desempenho motor fino e grosso parece ficar mais discrepante entre 25 e 41 meses com o aumento da complexidade das tarefas.

Tal resultado evidencia a importância do acompanhamento do desenvolvimento infantil e a necessidade de medidas que proporcionem estimulação adequada para essa população.

Agradecimentos

Ao órgãos Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, pelo auxílio financeiro oferecido a este trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2013
  • Revisado
    10 Jun 2013
  • Aceito
    31 Jul 2013
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