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Plantio e desempenho fenológico da taboa (Thypha sp.) utilizada no tratamento de esgoto doméstico em sistema alagado construído

Planting and fenological performance of Thypha sp. used in the domestic wastewater treatment under constructed wetland system

Resumos

Este trabalho teve por objetivo estudar o desempenho da macrófita taboa (Typha sp.) e a remoção de nutriente pela mesma, cultivada em quatro sistemas alagados construídos (SAC), utilizados no tratamento de efluente doméstico, pro-veniente de tanque séptico. Para tanto, foram avaliados órgãos vegetais e quantificadas as seguintes variáveis na água residuária e no tecido vegetal: nitrogênio total (N-Total), fósforo total (P-Total), sódio (Na) e potássio (K). Obtendo-se, como resultado, profundidade média de 27,15 cm, alcançada pelas raízes, bom desenvolvimento da taboa, o que possibilitou a partida do sistema aos quatro meses após o estabelecimento da vegetação e, por meio da remoção da biomassa aérea, contribuição para remoção de 1,69%, 1,64%, 4,94% e 0,74% do aporte de N-Total, P-Total, potássio e sódio, respectivamente.

Macrófita; wetland; efluente de tanque séptico


This study was carried out in under to evaluate the macrophytes (Typha sp) performance and nutrient removal by the same, cropped in four constructed wetlands (SACs), used in treating the domestic wastewater proceeding from septic tank. So, were evaluated vegetable organ and the following variables quantified in either wastewater and vegetable tissue: total nitrogen (N-total), total phosphorus (P-total), sodium (Na) and potassium (K). An average depth of 27.15cm were reached by roots, as well as a satisfactory development of Thypha sp., therefore making possible to beginning the operation of the system at four months after vegetation establishment. The system made possible the following removals of the aerial biomass: 1.69%, 1.64%, 4.94% and 0.74% from the contribution of N-total, P-total, potassium and sodium, respectively.

Macrophyte; wetland; septic tank effluent


ARTIGO TÉCNICO

Plantio e desempenho fenológico da taboa (Thypha sp.) utilizada no tratamento de esgoto doméstico em sistema alagado construído

Planting and fenological performance of Thypha sp. used in the domestic wastewater treatment under constructed wetland system

Mozart da Silva BrasilI; Antonio Teixeira de MatosII; Antônio Alves SoaresIII

IEngenheiro Agrônomo. Doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, Área de Recursos Hídricos e Ambientais. Professor da Escola Agrotécnica Federal de Colorado do Oeste-RO

IIEngenheiro Agrícola. Doutor em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade Federal de Viçosa. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental da UFV, na Área de Recursos Hídricos e Ambientais

IIIEngenheiro Agrícola. Doutor em Agricultural Irrigation Engineering pela Utah State University, USU, Estados Unidos. Professor titular do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental da UVF, na área de Engenharia de Irrigação

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mozart da Silva Brasil Escola Agrotécnica Federal de Colorado do Oeste Rodovia 399, Km 05 Zona Rural Caixa Postal 51 78996-000 Castelo do Oeste - RO - Brasil E-mail: mozart-brasil@bol.com.br

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo estudar o desempenho da macrófita taboa (Typha sp.) e a remoção de nutriente pela mesma, cultivada em quatro sistemas alagados construídos (SAC), utilizados no tratamento de efluente doméstico, pro-veniente de tanque séptico. Para tanto, foram avaliados órgãos vegetais e quantificadas as seguintes variáveis na água residuária e no tecido vegetal: nitrogênio total (N-Total), fósforo total (P-Total), sódio (Na) e potássio (K). Obtendo-se, como resultado, profundidade média de 27,15 cm, alcançada pelas raízes, bom desenvolvimento da taboa, o que possibilitou a partida do sistema aos quatro meses após o estabelecimento da vegetação e, por meio da remoção da biomassa aérea, contribuição para remoção de 1,69%, 1,64%, 4,94% e 0,74% do aporte de N-Total, P-Total, potássio e sódio, respectivamente.

Palavras-chave: Macrófita, wetland, efluente de tanque séptico.

ABSTRACT

This study was carried out in under to evaluate the macrophytes (Typha sp) performance and nutrient removal by the same, cropped in four constructed wetlands (SACs), used in treating the domestic wastewater proceeding from septic tank. So, were evaluated vegetable organ and the following variables quantified in either wastewater and vegetable tissue: total nitrogen (N-total), total phosphorus (P-total), sodium (Na) and potassium (K). An average depth of 27.15cm were reached by roots, as well as a satisfactory development of Thypha sp., therefore making possible to beginning the operation of the system at four months after vegetation establishment. The system made possible the following removals of the aerial biomass: 1.69%, 1.64%, 4.94% and 0.74% from the contribution of N-total, P-total, potassium and sodium, respectively.

Keywords: Macrophyte, wetland, septic tank effluent.

INTRODUÇÃO

A tecnologia de tratamento de águas residuárias em área alagada construída tem crescido muito desde a década de 70. A técnica está baseada em processos bióticos e abióticos. Os processos bióticos contemplam a ação de microrganismos, que crescem aderidos à fração sólida do substrato ou na raiz e no colo das plantas, de mineralizar o material orgânico presente na água residuária, transformar formas químicas (ex. nitrificação-desnitrificação) e das plantas em absorver nutrientes colocados em solução no meio. Os processos abióticos incluem a precipitação química, sedimentação e adsorção de íons no substrato (Lin et al, 2005).

Sistemas alagados construídos são caracterizados por apresentarem moderado custo de capital, baixo consumo de energia e manutenção, estética paisagística e aumento do habitat para a vida selvagem (Michael Jr., 2003 e IWA, 2000, apud Lin et al, 2005).

Uma grande variedade de macrófitas aquáticas pode ser usada no tratamento de águas residuárias em sistemas alagados construídos com fluxo subsuperficial (SAC), também denominados "wetlands". Todavia, é necessário que essas plantas apresentem tolerância às condições de alagamento contínuo conjugado com altas concentrações de poluentes presentes em águas residuárias ou águas de enxurradas (Davis, 1995). Macrófitas aquáticas é a denominação genérica dada a um conjunto de plantas que crescem no meio aquático, em solos saturados ou alagados, independente do aspecto taxonômico, sendo constituídas por espécies como macroalgas, a exemplo do gênero Chara, angiospermas, como o gênero Typha (Esteves, 1998), e até arvores de ciprestes (Taxodium sp.) (APHA, 1995). Contudo, as maiores representantes das macrófitas são as plantas aquáticas vasculares florescentes (Valentim, 2003).

Em se tratando do sistema SAC, as macrófitas emergentes são as mais adequadas, visto que a lâmina de água, neste sistema, deve permanecer sempre abaixo da superfície do meio suporte. Dentre estas, as mais utilizadas são a taboa (Typha sp.), o Phagmites sp. e a navalha de mico (Scirpus sp.) (Reed , 1993; U.S. EPA, 2000a; Matos & Lo Monaco, 2003). Reed et al (1995) sugeriram que, para o dimensionamento de um SAC, a profundidade seja escolhida em conformidade com o comprimento vertical da raiz da macrófita cultivada, para se garantir razoável remoção de nitrogênio do sistema, razão porque a definição prévia da espécie vegetal a ser cultivada torna-se muito importante.

Para Brix (1994 e 1997), Reed et al (1995), U.S. EPA (2000b) e Tanner (2001), as macrófitas aquáticas devem desempenhar os seguintes papéis na remoção de poluentes: facilitar a transferência de gases (O2, CH4, CO2, N2O e H2S) do sistema; estabilizar a superfície do leito, pela formação de denso sistema radicular, protegendo o sistema do processo erosivo e impedindo a formação de canais de escoamento preferencial na superfície do SAC; absorver macronutrientes (N e P, principalmente) e micronutrientes (incluindo metais); suprir, com subprodutos da decomposição de plantas e exsudados das raízes, carbono biodegradável para possibilitar a ocorrência do processo de desnitrificação; atuar como isolante térmico nas regiões de clima temperado; e proporcionar habitat para vida selvagem e agradável aspecto estético, onde os banhados naturais foram destruídos ou para melhoria no aspecto estético de unidades de tratamento unidomiciliares (residências, hotéis e hospitais).

A concentração dos constituintes em águas residuárias, até certos níveis, não causa decréscimo na eficiência de remoção de poluentes no sistema. Segundo Burgoon et al (1991), a remoção de nitrogênio e fósforo aumentou, linearmente, com a carga de nitrogênio presente na água residuária, que teve variação de 0,6 a 4,4 g m-2 d-1 e de fósforo, que variou de 0,14 a0,92 g m-2 d-1. A remoção de SST e DBO5 aumentou, linearmente, com cargas que variaram de 0,1 a 4,7 g m-2 d-1 e de 0,06 a 3,28 g m-2 d-1, respectivamente (Tunçsiper et al, 2004), embora altas concentrações de nutrientes possam causar danos à vegetação de macrófitas do sistema. Hussar (2001) observou a morte de plantas de taboa (Typha latifolia), o que correlacionou à alta concentração de nutrientes na água residuária da suinocultura.

A seleção de espécies vegetais para cultivo em SACs deve estar baseada em aspectos de sanidade das plantas, viabilidade do seu cultivo em longo prazo e aspectos estéticos do sistema, uma vez que a absorção de nutrientes por plantas só é significativa em sistemas alagados de fluxo superficial funcionando sob baixa carga (Brix, 1997). Segundo a U.S. EPA (2000b), é possível que a remoção de nutrientes e metais, obtida com a colheita da biomassa produzida, não compense o tempo e o trabalho requeridos para colher e reusar ou fazer disposição dessas plantas.

Diante do exposto, neste trabalho teve-se como objetivo estudar o desempenho da espécie taboa, incluindo período de tempo exigido para o estabelecimento, profundidade alcançada pelo sistema radicular, produção de biomassa, aspecto nutricional e a remoção dos nutrientes do SAC pela taboa (Typha sp), utilizada no tratamento de esgoto doméstico.

MATERIAIS E MÉTODO

O experimento foi conduzido na Área Experimental de Tratamento de Resíduos (AETR) do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa - DEA/UFV, em Viçosa, Minas Gerais, tendo como coordenadas geográficas: latitude 20° 45’ 14" S, longitude 42° 52’ 53" W e altitude média de 650 m. Quatro leitos de sistemas alagados construídos com fluxo subsuperficial horizontal (SAC) foram posicionados em paralelo, nas dimensões e declividades apresentadas na Tabela 1 e tal como esquematizado na Figura 1. Os leitos foram construídos sobre o solo, sendo impermeabiliza-dos com geomembrana de policloreto de vinila (PVC), com espessura de 0,50 mm. Como meio suporte, utilizou-se brita # 0 (diâmetro – D60 = 7,0 mm, Coeficiente de Uniformidade D60/D10 = 1,6 e volume de vazios de 48,4%), constituindo uma camada de 0,30 m de espessura. A macrófita emergente cultivada nos SACs foi a espécie taboa (Typha sp).


O preenchimento dos SACs com o meio suporte (brita) foi feito tomando-se o cuidado de não pisotear o material, a fim de se evitar sua compactação diferenciada.

O meio suporte foi, em seguida, saturado com água para o plantio de propágulos vegetativos (rizomas) da macrófita (taboa) com, aproximadamente, 0,30 m de comprimento. A densidade de plantio foi, em média, de 8,5 propágulos/m2. O plantio ocorreu nas seguintes etapas: primeira (13/4/2004); segunda (26/4/2004); terceira, efetuada em conjunto com o replantio (16/5/2004), e replantio com plantas completas, constituídas pelos rizomas e parte aérea (17/6/2004).

Após o plantio dos propágulos, iniciou-se o fornecimento de efluente preliminar de esgoto sanitário nos SACs, por um período de oito horas diárias e a partir de 14 de julho de 2004, passou-se a aplicar o efluente primário do tanque séptico, cujas características físicas, químicas, bioquímicas e microbiológicas encontram-se apresentadas no Tabela 2, por 24 horas diárias, 7 dias por semana.

Os SACs foram alimentados com as seguintes taxas médias de carga orgânica volumétrica (TCOV): 116, 164 e 210 g m3 d-1 de DQO nos SACs 1, 2 e 4. O SAC 3 recebeu metade da TCOV aplicada nos demais. A taxa de aplicação hidráulica (q), que foi constante durante todo o período de experimentação, foi de 0,533 m3 m-3 d-1, nos SACs 1, 2 e 4, e de 0,258 m3 m-3 d-1, no SAC 3, estando os cálculos das taxas volumétricas apresentados em Brasil (2005).

A quantificação dos aportes de nutrientes (nitrogênio, fósforo, sódio e potássio) foi obtida por meio de valores de concentrações determinadas no afluente ao sistema, feitas em nove amostragens, realizadas quinzenalmente, e depois multiplicadas pelos volumes de afluentes diários, que foram determinados por medições diretas.

A amostragem da biomassa da macrófita foi feita de uma só vez nos quatro SACs, quando todo o estande havia florido completamente. A coleta da biomassa constituiu-se do corte dos brotos à altura de 0,10 m acima da superfície do meio suporte, em áreas com 0,5 m2 cada, posicionadas a 2 m do início, no meio, e a 2 m do final dos SACs. A biomassa coletada constituiu uma amostra composta que foi utilizada para a quantificação da matéria seca, obtida após secagem sob temperatura de 70º C, até massa constante, e concentração de nitrogênio, fósforo, sódio e potássio na biomassa.

No final do período de avaliação dos SACs, foram feitas escavações no meio suporte para verificação da profundidade atingida pelas raízes da plantas dentro dos SACs. Essas escavações foram feitas no início, no meio e no final de cada SAC.

As análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Qualidade da Água do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV, em conformidade com recomendações do Standard Methods (APHA, 1995) para análise de água residuária e recomendações da Kiehl (1985) para análise em tecido vegetal.

RESULTADOS

a) Estabelecimento das plantas

Para o estabelecimento da taboa nos leitos dos SACs, utilizou-se, primeiramente, a parte vegetativa (rizoma + pseudocaule) com raiz nua, que foi plantada, imediatamente, após a coleta no brejo natural e mantida sob condições de saturação permanente do meio suporte com efluente preliminar de esgoto doméstico. Esta forma de plantio proporcionou perdas de cerca de 40% dos propágulos, por essa razão, após de 65 dias de efetuado esse plantio, foi feito o replantio com propágulos constituídos de plantas completas (rizomas + parte aérea). Desta vez, as folhas foram podadas à meia altura, mas mantendo-se ainda capacidade fotossintética das plantas. Este último tipo de propágulos propiciou estabelecimento em torno de 97% das mudas, o que possibilitou o complemento do estande de plantas aos quatro meses do início do plantio. Assim, em 10/08/2004, os SACs que haviam iniciado com densidades de 8,5 plantas m-2 já apresentavam as densidades expressas no Tabela 3. Em vista da baixa densidade de plantas que permaneceram vivas, conclui-se que o estabelecimento da espécie vegetal taboa (Typha sp) em SAC usando propágulos constituídos de plantas completas (rizoma + parte aérea), com folhas feitas toalete à meia altura, foi mais efetivo para implantação dessas plantas nos leitos.

Nos ensaios preliminares, efetuados aos 4 meses do plantio da vegetação, verificou-se que os SACs já apresentavam condições de estabilidade que possibilitasse o início de operação do sistema, sendo, então, iniciados os tratamentos predefinidos e a avaliação do sistema de tratamento do efluente do tanque séptico. Resultados semelhantes foram obtidos por Lin et al (2002), que conseguiram dar "partida" ao sistema após 3 meses de sua implantação. Isso evidencia que os SACs entram em estabilidade operacional em curto período de tempo, o que possibilita rápida "partida" do sistema, dependendo do modo de implantação das macrófitas.

Conforme pode ser observado no Quadro 3, se a área superficial do tanque for tomada como base, houve tendência dos SACs com menor volume útil apresentarem menores densidades de brotos (perfilhamento). Entretanto, quando os cálculos são efetuados com base no volume útil de cada SAC, obtém-se menor coeficiente de variação em torno da média, o que pode ser indicativo de ser essa a forma mais adequada para a apresentação da densidade de brotos em SACs, já que melhor expressa as compensações relativas às profundidades do substrato.

Como os SACs foram construídos com a declividade na borda superior semelhante à do fundo, houve atraso no estabelecimento das plantas na parte mais elevada dos SACs, devido à menor lâmina de água mantida abaixo da zona radicular das plantas, neste local. Tal atraso foi mais expressivo numa ordem dos leitos de menor para os de maior declividade. No SAC com declividade de 0,5%, praticamente, não se verificou diferença, enquanto no SAC com a maior declividade (1,5%) foi observada maior dificuldade de estabelecimento das plantas. Isto ocorreu pelo fato das declividades acentuadas do fundo terem impossibilitado a formação de lâmina de água na parte mais elevada do leito, tal como no SAC com 1,5% de declividade (SAC 4), apresentado na Figura 5. Sob o aspecto operacional, ficou claro que os SACs não devem ser construídos com declividades no fundo superiores a 1%, caso não sejam construídos com a superfície em nível, ou com a menor declividade possível na superfície, atendendo as recomendações do ITRC (2003).

Em virtude dessa dificuldade no estabelecimento das plantas, foi necessário que, nas primeiras semanas, o nível do líquido residente fosse mantido 0,05 m acima da superfície do meio suporte (brita), na parte mais baixa dos SACs, a fim de assegurar a fixação e o desenvolvimento das mudas em toda extensão destes.

As plantas continuaram aumentando o número de brotos, a partir do final do estabelecimento até à colheita da biomassa. Em virtude deste comportamento, o número de brotos da macrófita foi quantificado, no início e no final de cada uma das três fases de avaliação do sistema, o que resultou no número médio de brotos determinado para cada SAC nessas fases (Tabela 4). Estes dados evidenciaram o aumento no número de brotos nos SACs 1 e 4, em relação aos SACs 2 e 3, comparados ao estádio do início do estabelecimento da vegetação. O fato deve-se ao efeito de competição das plantas por luz no interior dos leitos, sobressaindo-se as plantas da bordadura, sendo que este efeito tornou-se expressivo, na presente pesquisa, considerando-se que os leitos eram relativamente estreitos e próximos entre si.

b) Sanidade do estande de macrófitas

Durante o período de avaliação dos SACs, as plantas apresentaram sintomas de fitotoxicidade na zona de distribuição de afluente, conforme apresentado em Brasil (2005). Esses sintomas ocorreram no dia seguinte à interrupção do fluxo contínuo no sistema, devido à necessidade de se efetuar reparos na bomba de recalque da AETR. O sintoma constituiu-se de secamento na ponta da folha, progredindo em direção à base de inserção. Provavelmente, esse dano nas folhas das plantas seja devido às alterações fisiológicas causadas pela concentração de constituintes do esgoto doméstico, principalmente sais dissolvidos. Efeito semelhante foi verificado por Hussar (2001), que o correlacionou à alta concentração de nutrientes na água residuária da suinocultura. Especulando-se que a espécie avaliada Typha sp. seja a espécie Typha latifolia, conforme identificação feita por Barros (2005) no estande natural, onde foram coletados os propágulos para esta pesquisa e segundo Pearson (2005), essa espécie é moderadamente sensível à salinidade correspondente a 4,0 dS m-1. E, coincidentemente, o dano manifestou-se nas plantas cultivadas no início dos leitos, onde havia maior acúmulo de nutrientes e maior efeito de abaixamento da lâmina de água residuária, em função da perda por evapotranspiração.

O dano observado nas plantas estabilizou com o tempo e a vegetação recuperou-se, em termos fisiológicos, uma vez que o sistema passou a funcionar com fluxo contínuo no dia seguinte, o que propiciou a diluição dos nutrientes presentes na água residuária residente nos SACs. De uma forma geral, verificou-se que os pequenos problemas fisiológicos apresentados pelas plantas durante a operação do sistema não comprometeram o desenvolvimento do estande nem o desempenho do sistema no que se refere ao tratamento das águas residuárias.

A rebrota da vegetação ocorrida após o corte (realizado em 26/11/04) foi rápida, embora, em 16 de dezembro de 2004 tenham surgido sintomas de amarelecimento da ponta para a base da folha das plantas, seguindo-se de senescência em algumas, sintoma que já em 4 de janeiro de 2005 não era mais percebido nas plantas.

c) Produção de biomassa

As plantas iniciaram o florescimento na 1ª quinzena de setembro, sendo que na 1ª quinzena de novembro todo o estande já se encontrava florido.

Devido aos fortes ventos, ocorridos no período, e ao peso da inflorescência, algumas plantas começaram a tombar na 2ª quinzena de outubro. Esse tombamento foi aumentando com o tempo, o que levou à decisão de se remover a biomassa aos 226 dias (em 26 de novembro de 2004) após a sua implantação nos tanques. Essa remoção foi feita em corte raso (altura = 0,10 m) de toda vegetação, resultando uma produção de biomassa média de 67,76 kg de matéria seca para os 96 m2 dos quatro SACs, o que correspondeu à produtividade média de 7.059 kg ha-1.

Na fase de rebrota da vegetação, foram observadas pequenas clareiras com ausência de brotos no interior dos SACs, nos locais onde as plantas haviam permanecido mais tempo tombadas antes da efetivação do corte, evidenciando que o acamamento da palhada interferiu no processo de rebrota dos rizomas, corroborando observações semelhantes feitas por Valentim (2003). Nesta fase de rebrota, observou-se maior número de emissões de brotos nas bordaduras dos SACs, provavelmente onde os rizomas dispunham de maiores reservas nutricionais e luz, em face da menor competição entre plantas.

Após a remoção da biomassa, observou-se aumento na temperatura média do líquido em tratamento nos SACs. Em outras palavras, a temperatura média do líquido que, anteriormente ao corte, mantinha-se aproximadamente igual à temperatura média do ar, com a remoção da biomassa, em 26/11/04, teve seu valor aumentado em relação à temperatura média do ar, conforme pode ser verificado na Figura 2. Este comportamento da temperatura do líquido residente nos tanques foi decorrente do aumento na exposição do substrato (meio suporte) à radiação solar, o que proporcionou o aumento na temperatura do líquido.


Os dados comprimento das raízes, apresentados na Tabela 5, são indicativos que, após ter completado um ciclo reprodutivo e haver iniciado outro, a raiz da Typha sp. só tinha alcançado o fundo impermeável dos SACs na porção inicial destes, onde a lâmina de água era mais baixa e as plantas foram plantadas em maiores profundidades. Em todas as partes dos SACs investigadas, a maior densidade de raízes da macrófita foi encontrada a uma profundidade em torno de 0,2 m. Entretanto, houve tendência dos SACs, nos quais foi mantida menor lâmina de água residuária, apresentarem maior profundidade média de raízes.

A profundidade de raízes da espécie Typha sp. obtida nesta pesquisa (0,3 m) confirmou o valor reportado por Reed et al (1995) como máximo para a espécie e, por conseguinte, a espessura de 0,3 m do estrato do meio suporte mostrou-se compatível com o desenvolvimento radicular dessa espécie vegetal, não sendo necessárias maiores profundidades de meio suporte em SACs vegetados com Typha sp.

d) Aspectos nutricionais

Na Tabela 6 estão apresentados os resultados, obtidos neste trabalho e em outras pesquisas, referentes à concentração de macronutrientes no tecido vegetal da parte aérea da taboa. Verifica-se que a concentração de nutrientes, à exceção do sódio, que se encontra bem superior, está muito próxima aos valores típicos apresentados para as duas espécies Typha latifolia e Typha angustifolia (FAO, 2006). Observa-se, ainda, que a maioria dos valores de concentração está superior aos valores médios dos dados da literatura e aos obtidos sob condições naturais em sistemas alagados utilizados no tratamento de água residuária do descascamento/despolpa do fruto do cafeeiro (Brasil et al, 2003), o que pode ser devido ao desequilíbrio químico existente nesta água residuária. Estes resultados da concentração de macronutrientes no tecido vegetal da taboa obtidos nesta pesquisa evidenciaram que, considerando os dados constantes na literatura especializada, houve adequada absorção de nutrientes pelas plantas, podendo ser considerado o estado nutricional normal da macrófita.

A maior concentração de sódio encontrada na biomassa da taboa no presente trabalho pode estar associada ao tipo de água residuária utilizada, uma vez que, durante o período da realização do presente trabalho, a concentração de sódio do efluente do tanque séptico variou de 28 a 52 mg L-1. Pois, esta concentração pode ser esperada, tendo em vista que o esgoto doméstico é sabidamente rico em sódio, considerando que esse elemento químico está presente em alimentos, temperos e substâncias utilizadas na limpeza doméstica.

e) Remoção de nutrientes

Na Tabela 7 estão apresentados os resultados da remoção de nutrientes por meio da remoção da biomassa. Verifica-se que, no geral, as remoções de nutrientes por esta via não foi muito expressiva. No período de avaliação da biomassa, houve aporte de 60,28 kg de N-total, 11,50 kg de P-total, 33,24 kg de K+ e 73,39 kg de Na ao sistema, via aplicação de água residuária, sendo que, destes totais, 1,02 kg de N-total, 0,19 kg de P-total, 1,64 kg de K+ e 0,54 kg de Na foram removidos pela biomassa, correspondendo a 1,69 %, 1,64 %, 4,9 % e 0,74 % dos totais aportados, respectivamente. Estes valores representaram taxas de remoções de: 10,6 g m-2 ano-1 de N, sendo compatível com as taxas de 7,4 a 18,9 g m-2 ano-1 de N obtidas por Mander et al (2004), e 3,2 g m-2 ano-1 de P-total, que é comptível com as taxas de 0,2 a 6,5 g m-2 ano-1 de P obtidas por Vymazal (2004), que trabalhou com a macrófita Typha spp. O acúmulo de 2,42 dag kg-1 de potássio na matéria seca da taboa foi bem superior aos 0,82 dag kg-1 obtido, em Typha sp., por Brasil et al (2003). Dentre os quatro nutrientes avaliados (N, P, K+ e Na), o potássio teve maior a remoção via biomassa, tanto em termos de taxa de remoção (kg ha-1) quanto em termos de percentagem removida

CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que:

• a taboa (Typha sp) apresentou bom desenvolvimento agronômico, possibilitando o início da operação do sistema alagado construído aos quatro meses após o estabelecimento da vegetação;

• o sistema radicular da planta alcançou a profundidade média de 0,27 m, não superando 0,30 m, o que indica que esse deva ser a profundidade máxima do meio suporte em SACs cultivados com taboa;

• em 226 dias após o plantio, a macrófita produziu 7.059 kg ha-1 de matéria seca e a concentração de nutrientes na parte aérea indicou boas condições nutricionais das plantas quando cultivadas para tratamento de efluente de tanque séptico.

• a remoção da biomassa aérea contribuiu para remoção de 1,69 %, 1,64 %, 4,94 % e 0,74 % do aporte de N-Total, P-Total, potássio e sódio, respectivamente, no período avaliado.

Recebido: 13/09/06

Aceito: 14/06/07

Código ABES: 123/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Jun 2007
    • Recebido
      13 Set 2006
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