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Caracterização e biodegradabilidade aeróbia e anaeróbia dos esgotos produzidos em campus universitário

Characterization and biodegradability of wastewater produced in university campus

Resumos

O presente trabalho caracterizou e avaliou a tratabilidade dos efluentes líquidos produzidos no campus da Universidade Federal de Ouro Preto. Os parâmetros físico-químicos mostraram que o efluente do campus possui uma característica típica a dos esgotos domésticos, com valores médios de DBO5 total, DQO total, NTK e P total de 300 mg.L-1, 670 mg.L-1, 56 mg.L-1 e 6 mg.L-1 respectivamente. Dos metais monitorados somente o Fe (0,847 mg/L), Al (0,355 mg/L) e Zn (0,389 mg/L) estavam presentes em maiores concentrações, mais ainda assim, tais concentrações eram inferiores aos va-lores considerados tóxicos para microrganismos. Os testes de biodegradabilidade mostraram que, a despeito da potencial presença de compostos orgânicos tóxicos, o efluente final pode ser biodegradado aerobiamente (97% de eficiência, K1app = 1,73 d-1) e anaerobiamente (50% de eficiência, AME = 0,0579 gDQO CH4/gSSV.d).

Testes de biodegradabilidade; esgotos de campus universitário; caracterização de efluentes


The aim of this study was to characterize and evaluate the tratability of wastewater produced in the campus of the Federal University of Ouro Preto (UFOP). The physical-chemical parameters showed the wastewater from the campus had characteristics of typical domestic wastewater, with average values of total BOD, total COD, Kjeldahl Nitrogen and total phosphorus of 300 mg.L-1, 670 mg.L-1, 56 mg.L-1 e 6 mg.L-1 respectively. Only the metals Fe (0,847 mg/L), Al (0,355 mg/L) and Zn (0,389 mg/L) were present in higher concentration, nonetheless, such concentrations were below the thresholds limits for microbial toxicity. The biodegradability tests showed that despite the potential presence of toxic organic compounds, the wastewater could be degraded aerobically (97% efficiency, K1app = 1,73 d-1) and anaerobically (50% efficiency, AME = 0,0579 gDQO CH4/gSSV.d).

Biodegradability tests; university campus wastewater; effluent characterization


ARTIGO TÉCNICO

Caracterização e biodegradabilidade aeróbia e anaeróbia dos esgotos produzidos em campus universitário

Characterization and biodegradability of wastewater produced in university campus

Sueli M. BertolinoI; Cornélio F. CarvalhoII; Sérgio F. AquinoII

IQuímica – UFV. Mestranda em Engenharia Ambiental-UFOP

IIProfessor do Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto –UFOP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sueli M. Bertolino Rua Artur Vitorino Coelho, 163 Bairro Bauxita 35400-000 Ouro Preto – MG - Brasil E-mail: suelibertolino@yahoo.com.br

RESUMO

O presente trabalho caracterizou e avaliou a tratabilidade dos efluentes líquidos produzidos no campus da Universidade Federal de Ouro Preto. Os parâmetros físico-químicos mostraram que o efluente do campus possui uma característica típica a dos esgotos domésticos, com valores médios de DBO5 total, DQO total, NTK e P total de 300 mg.L-1, 670 mg.L-1, 56 mg.L-1 e 6 mg.L-1 respectivamente. Dos metais monitorados somente o Fe (0,847 mg/L), Al (0,355 mg/L) e Zn (0,389 mg/L) estavam presentes em maiores concentrações, mais ainda assim, tais concentrações eram inferiores aos va-lores considerados tóxicos para microrganismos. Os testes de biodegradabilidade mostraram que, a despeito da potencial presença de compostos orgânicos tóxicos, o efluente final pode ser biodegradado aerobiamente (97% de eficiência, K1app = 1,73 d-1) e anaerobiamente (50% de eficiência, AME = 0,0579 gDQOCH4/gSSV.d).

Palavras-chaves: Testes de biodegradabilidade, esgotos de campus universitário, caracterização de efluentes.

ABSTRACT

The aim of this study was to characterize and evaluate the tratability of wastewater produced in the campus of the Federal University of Ouro Preto (UFOP). The physical-chemical parameters showed the wastewater from the campus had characteristics of typical domestic wastewater, with average values of total BOD, total COD, Kjeldahl Nitrogen and total phosphorus of 300 mg.L-1, 670 mg.L-1, 56 mg.L-1 e 6 mg.L-1 respectively. Only the metals Fe (0,847 mg/L), Al (0,355 mg/L) and Zn (0,389 mg/L) were present in higher concentration, nonetheless, such concentrations were below the thresholds limits for microbial toxicity. The biodegradability tests showed that despite the potential presence of toxic organic compounds, the wastewater could be degraded aerobically (97% efficiency, K1app = 1,73 d-1) and anaerobically (50% efficiency, AME = 0,0579 gDQOCH4/gSSV.d).

Keywords: Biodegradability tests, university campus wastewater, effluent characterization.

INTRODUÇÃO

As Instituições de Ensino Superior (IES) no desenvolvimento de novas tecnologias e novos conhecimentos estão inseridas, segundo a USEPA (United States Enviromental Protection Agency), no grupo de pequenas unidades geradoras de resíduos perigosos. As IES ao conduzir experimentos nos laboratórios de ensino e pesquisa tornam-se potencialmente poluidoras, pois a gestão dos resíduos gerados nas universidades e centros de pesquisa praticamente inexiste (Jardim, 1998). A revisão da literatura sobre a sustentabilidade ambiental das IES, mostra que de fato ainda são poucas as universidades que saíram do campo teórico para a prática, e segundo Tauchen e Brandli (2006) apenas quatro universidades brasileiras vêm implementando um sistema de gestão ambiental (SGA).

No caso particular do campus Morro do Cruzeiro da Universidade Federal de Ouro Preto, os diversos laboratórios de ensino e pesquisa (Ex. Química, Engenharias, Materiais, Biologia, Saneamento) presentes nos distintos departamentos geram considerável quantidade de efluentes líquidos que contém, por exemplo, material particulado orgânico e inorgânico de processos de filtração (Ex. solos, biomassa, géis de cultura), soluções ácidas e alcalinas, compostos orgânicos diversos (Ex. surfactantes, solventes orgânicos, reagentes de síntese e de análise química), bem como substâncias inorgânicas diversas (Ex. agentes de precipitação, complexação) sendo algumas delas notoriamente perigosas (Ex. metais pesados, cianetos, fenóis).

Tais resíduos acarretam elevadas concentrações de matéria orgânica nos efluentes dos laboratórios, podendo apresentar características bastante agressivas, com pH extremamente baixo, altos valores de Demanda Química de Oxigênio (DQO), elevado teor de sólidos, elevada condutividade e presença de compostos tóxicos orgânicos e inorgânicos. Dessa forma, o descarte indiscriminado destes efluentes na rede de esgoto da instituição, pode afetar a qualidade do corpo receptor que os recebe, ou vir a comprometer seriamente a eficiência das estações de tratamento de esgoto, tendo em vista que muitos constituintes desses resíduos são potencialmente tóxicos para os microrganismos atuantes nos sistemas biológicos de tratamento (Alves, 2005).

Há poucos estudos publicados que tratam da caracterização e quantificação de efluentes de campus universitários. Recentemente, pesquisas realizadas no Centro Experimental de Tratamento de Esgotos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CETE – UFRJ), que trata parte dos esgotos gerados na Cidade Universitária, demonstraram que o esgoto afluente ao CETE-UFRJ pode ser classificado como um esgoto fraco, apresentando valores de DQO e DBO entre 39 a 457 mg/L e 29 a 152 mg/L, respectivamente (Versinai, 2005). Em outro estudo de caracterização e quantificação dos efluentes gerados em campus universitário Souza et al (1997) e Aquino et al (1996) mostraram que o efluente final do campus da Universidade Federal de Viçosa (UFV) apresentava natureza bastante complexa (mais de cem substâncias eram usadas rotineiramente nos laboratórios sem controle de descarte), porém, tal natureza não afetou as suas características de biodegradabilidade aeróbia. A determinação das cargas orgânicas e das vazões indicou que a UFV produzia cargas poluidoras com um equivalente populacional em torno de 7.000 habitantes, e a composição do efluente da UFV, em termos de DQO, DBO, sólidos e nitrogênio, assemelhou-se a de um esgoto tipicamente doméstico, indicando que processos biológicos de tratamento poderiam ser utilizados.

Para avaliar se o efluente de campus, que apresenta cargas orgânicas e de macronutrientes similares àquelas apresentadas por esgotos domésticos, pode ser tratado por sistemas biológicos, é preciso realizar ensaios de biodegradabilidade aeróbia e anaeróbia. A biodegradabilidade aeróbia pode ser determinada em reatores de batelada mantidos sob constante aeração por meio do monitoramento do decréscimo da DQO inicial, ao passo que a biodegradabilidade anaeróbia pode ser estimada a partir do monitoramento da produção de metano em reatores de batelada incubados em determinada temperatura e na ausência de oxigênio.

O teste de biodegradabilidade anaeróbia assemelha-se muito aos testes de determinação da atividade metanogênica específica (AME) de lodos anaeróbios, conforme descrito em Aquino et al (2007). De fato Chernicharo (1997) afirma que o teste de AME pode ser usado para avaliar o efeito de determinadas cargas tóxicas sobre determinado lodo anaeróbio. Nesse sentido, estudos realizados por Alves et al (2005), sobre a Atividade Metanogênica Especifica (AME) de lodo anaeróbio utilizando como substrato efluente de Laboratório de Controle Ambiental, mostraram que elementos e compostos como sódio, cromio, fenol e sulfato tiveram um efeito de inibição sobre a AME. Os autores concluíram que é preciso promover a máxima redução possível das concentrações destes elementos durante um pré- tratamento do efluente, a fim de permitir eficiente tratamento biológico posterior.

Dentro deste contexto, o presente trabalho se propõe a apresentar e discutir resultados de caracterização físico-química e de testes de biodegradabilidade feitos com os esgotos produzidos pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) objetivando-se a avaliação das alternativas tecnológicas para tratamento de tais efluentes líquidos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Amostragem

Foram coletadas amostras de três pontos na rede coletora do campus da UFOP, denominados de A1, A2, e A3. Os pontos de coletas recebem contribuições dos seguintes prédios:

• Ponto de coleta A1: recebe contribuições do prédio Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, onde encontra-se o maior número de laboratórios de ensino e pesquisa.

• Ponto de coleta A2: recebe contribuições dos prédios: Centro Médico, Centro Desportivo, Maternidade de Cães, Biotério, Canil, Escola de Minas e Laboratórios da Escola de Minas.

• Ponto de coleta A3: contribuições advindas do ponto A2 acrescido das contribuições de algumas repúblicas (alojamentos estudantis) da UFOP.

A caracterização físico-química foi realizada com amostras dos três pontos, ao passo que a avaliação da biodegradabilidade aeróbia e anaeróbia foi realizada apenas com a amostra A3 que compreende o esgoto final da UFOP.

Caracterização físico-química

Foram coletadas amostras compostas nos horários de maior atividade dos laboratórios de ensino e pesquisa, entre 9:00 às 11:00 horas e entre 15:00 às 17:00 horas, durante 5 campanhas de amostragem realizadas entre outubro de 2005 e abril de 2006..

Para a caracterização físico-química dos esgotos, foram determinados os parâmetros: Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), Demanda Química de Oxigênio (DQO), Sólidos Suspensos Totais (STS), Nitrogênio Kjeldahl Total (NTK), Nitrogênio Amoniacal, Fósforo Total, Alcalinidade, pH e Condutividade. As análises foram realizadas de acordo com Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA,1998), sendo o pH determinado por potenciometria (medidor de pH modelo NA 2000 Microprocessado) e a condutividade medida em equipamento marca Schott Gerat, modelo CG 859.

Os metais Ni, Cr, Cd, Sr, Zn, Cu Fe, Al, Mn e Ba foram quantificados em Espectofotômetro de Emissão Atômica com fonte de Plasma, Marca – Spectro / Modelo – Ciros CCD com Visão Radial. O limite de detecção dos metais por essa técnica varia de 1 a 10 ppb (µg/L).

Biodegradabilidade aeróbia

O ensaio de biodegradabilidade aeróbia foi realizado em reator aerado de batelada. Foram utilizados frascos erlenmeyer de 1L, volume útil de 0,8L, onde foi adaptada uma rolha com duas mangueiras conectadas, uma para a entrada de oxigênio e outra mangueira para a retirada de pequenas alíquotas do efluente tratado. O lodo utilizado como inóculo foi proveniente de um sistema de Lodos Ativados em operação na Estação de Tratamento de Esgotos do Arrudas, tratando esgotos domésticos da cidade de Belo Horizonte.

Após caracterização do esgoto em termos de DQO e do lodo em termos de SSV, calculou-se as quantidades de esgoto e lodo, de forma a estabelecer as relações Alimento/Microrganismo de 0,3; 0,5; 1,0 e 3,5. A Tabela 1 apresenta as concentrações do substrato e da biomassa referente a cada relação A/M.

Como durante a biodegradação aeróbia ocorre aumento da biomassa, acarretando um aumento na DQO total do efluente, o acompanhamento do teste se deu pelo monitoramento da DQO filtrada ao longo do tempo. Para tanto, alíquotas de 15 mL eram retiradas em intervalos que variaram com a relação alimento/microrganismo, centrifugadas a 3500 rpm e então filtradas em membrana de fibra de vidro, modelo milipore AP 40 (porosidade de 0,47µm). A biodegradabilidade aeróbia foi então calculada considerando-se a DQO total no início do teste e a DQO filtrada no final do teste (equação 1), ou seja até constância no valor de DQO.

onde:

DQOI = concentração DQO total no início do teste (mg.L-1)

DQOF = concentração DQO filtrada no final do teste (mg.L-1)

O conhecimento da cinética de utilização de substrato é um parâmetro importante para a verificação da capacidade dos microrganismos de metabolizar a matéria orgânica presente no esgoto, ou seja, determinar a tratabilidade do efluente, bem como, para se projetar e operar uma estação de tratamento de esgotos. Os modelos de primeira ordem, que representam grande parte das degradações biológicas, podem ser representados pela equação 2.

onde:

r = velocidade de reação, (M.L-3.T-1);

C = concentração do reagente limitante (Ex. DQO), (M.L-3);

t = tempo;

K1app = constante aparente de velocidade para a reação de Primeira ordem, (T-1).

Biodegradabilidade anaeróbia

O ensaio utilizado para avaliar a biodegradabilidade anaeróbia do esgoto da UFOP foi baseado no teste de atividade metanogênica específica, metodologia adaptada e apresentada na revisão de Aquino et al (2007). O objetivo do teste foi avaliar a biodegradabilidade anaeróbia e analisar o comportamento da biomassa anaeróbia sob efeito de possíveis cargas tóxicas.

A biomassa utilizada foi o lodo anaeróbio de um reator UASB proveniente da ETE experimental da UFMG – COPASA situada na ETE-Arrudas em Belo Horizonte. Para a determinação da concentração da biomassa inicial, o lodo anaeróbio foi caracterizado quanto à concentração de sólidos suspensos, possuindo em média 38 gSSV/L.

A concentração inicial de biomassa inoculada no ensaio foi de 2,0 gSSV/L, seguindo recomendações de Rocha et al (2001) apud Aquino (2006), que destacam que quando o ensaio é conduzido sem agitação, a concentração de lodo deve ser em torno de 2,0 gSSV/L para reduzir problemas com a difusão do substrato. A relação alimento/microrganismo (A/M), realizada neste ensaio foi de 0,225 gDQO/gSSV, e o ensaio foi realizado em triplicata.

Foram utilizados frascos de antibiótico de 250 mL de volume. Nos frascos foram adicionados 10,5 mL de lodo, 179,5 mL de esgoto e 10 mL de solução nutritiva (Tabela 2), perfazendo um volume útil de 200 mL. Para eliminar a produção de metano de origem endógena, os frascos foram mantidos em repouso por 24 horas à temperatura ambiente, apenas com os volumes de lodo e solução nutriente. Após este período o biogás produzido foi descartado, em seguida adicionado o volume de esgoto para que os frascos pudessem ser vedados. Após o fechamento dos frascos realizou-se a purga do oxigênio no headspace dos mesmos com nitrogênio gasoso por 5 minutos. Após a purga os frascos foram mantidos em banho-maria termostatizado a 35 °C até a exaustão da produção de biogás.

A concentração de metano foi medida em cromatógrafo VARIAN, CP – 3380, utilizando hidrogênio como gás de arraste e detector por ionização de chama. Como o detector não detecta CO2 e H2S, a quantificação de metano foi feita de forma direta sem necessidade de coluna específica para separar os componentes do biogás.

A partir da curva de calibração (mmol de CH4 versus área cromatográfica) obtida pela injeção de diferentes volumes de metano de concentração conhecida, obteve-se a produção de metano ao longo do ensaio. A conversão da concentração de metano (mmol CH4) em massa de DQO foi feita considerando-se que 1 mol de CH4 equivale a 64g de DQO e sabendo-se que 1 mol de metano ocupa 448 mL nas condições locais de trabalho (P = 0,88atm; T = 35°C).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização físico-química dos esgotos do campus

Os resultados da caracterização físico-química feita nos pontos A1, A2 e A3 da rede coletora de esgotos do campus são apresentados na Tabela 3. Ressalta-se que o esgoto utilizado nos testes de biodegradação também foram coletados no ponto A3, contudo em distintas campanhas de amostragem. Durante o ensaio de biodegradabilidade anaeróbia foram observados valores superiores a 1200mg DQO/L no ponto de amostragem A3 (ver Tabela 1), valor este muito superior à DQO média resultante das cinco campanhas de monitoramento (Tabela 3).

Segundo Metcalf e Eddy (1991) esgotos classificados como de concentração média apresentam valores de DBO5 em torno de 200 mg/L. Os valores médios de DBO5 obtidos para o pontos A1, A2 e A3 de 147, 217 e 300 mg/L, respectivamente, sugerem a estes efluentes características típicas de esgotos domésticos de concentração média de carga orgânica. A título de comparação, a caracterização físico-química dos efluentes produzidos pela UFV, realizada por Aquino et al (1996) apresentou concentrações de DBO em torno de 320 mg/L e de DQO de 595 mg/L.

A relação DBO5/DQO para os esgotos de concentração média, variam entre 0,33 e 0,49, segundo Oliveira (1990), Oliveira (1983), Shimada et al (1987), Crispim et al (1995) e Carvalho et al (1993) apud Silva e Mendonça (2003), e os resultados deste estudo mostraram valores médios de DBO5/DQO entre 0,38 a 0,45, portanto dentro do intervalo encontrado na literatura. As menores relações de DBO5/DQO foram encontradas para a amostra A1, referente aos esgotos gerados pelo prédio de Ciência Exatas e Biológicas (maior número de laboratórios) indicando uma maior fração de materiais de baixa biodegradabilidade naquele ponto de coleta. Isto provavelmente ocorre devido ao lançamento de resíduos químicos na rede de esgoto. Porém, observa-se que ao longo da rede a relação DBO5/DQO aumenta gradativamente, ou seja, ocorre um aumento da biodegradabilidade dos esgotos, devido, provavelmente à diluição dos despejos de laboratório com esgotos tipicamente domésticos oriundos do refeitório e das repúblicas estudantis.

Ainda referente ao esgoto gerado pelo ponto de amostragem A1, este apresentou valores de pH que variaram de 6,71 a 8,89 e valores de DQO entre 402 a 892 mg/L. Essa ampla faixa de variação pode estar associada ao lançamento de efluentes de natureza mais complexa e ao uso não regular de água, característico dos laboratórios de ensino e pesquisa.

Em relação à análise de metais, a Tabela 3 mostra que não foram encontradas concentrações acima do limite permitido pela Legislação do Estado de Minas Gerais para lançamento em corpos d'água classe 2. Os metais Cr, Ni e Cd foram analisados mas não foram detectados em quaisquer dos pontos de amostragem. Dos metais monitorados, o Fe (0,847 mg/L), Al (0,355 mg/L) e Zn (0,389 mg/L) estavam presentes em maiores concentrações, mais ainda assim, tais concentrações são inferiores às concentrações mínimas de inibição microbiana reportadas nos trabalhos de Spain (2003) e Sharma & Oleszkiewiez (1989).

Em estudo semelhante realizado no campus da UFV (Viçosa, MG), Souza et al (1997) verificaram que o efluente final continha os seguintes metais, em ordem crescente de concentração: Cd (0,002 mg/L), Ni (0,012 mg/L), Cu (0,033 mg/L), Zn (0,136 mg/L), Cr (0,152 mg/L), Co (0,152 mg/L), Mn (0,602 mg/) e Fe (0,829 mg/L). De forma similar ao observado nesse trabalho, os metais detectados no efluente final da UFV não estavam em desacordo com a legislação ambiental de Minas Gerais.

Biodegradabilidade aeróbia

Na Figura 1 estão apresentadas as curvas de variação da DQO solúvel em função do tempo obtidas durante o teste de biodegradabilidade aeróbia do esgoto coletado no ponto A3 (efluente final).


As curvas mostram que a DQO filtrada diminui até atingir um mínimo, que varia em função da relação A/M, e depois aumenta e atinge um equilíbrio onde há pouca variação. Segundo Aquino (2002) o aumento da DQO solúvel a partir do ponto de mínimo dos testes de biodegradabilidade está provavelmente relacionado ao acúmulo de compostos microbianos solúveis (SMPs), cuja produção depende da relação A/M. Portanto, o cálculo da biodegradabilidade deveria ser feito no ponto de DQO mínima, ou seja, antes do início da produção de SMPs, uma vez que a partir desse ponto o cálculo subestimaria a biodegradabilidade do esgoto. A Figura 4 mostra claramente que quanto maior a relação A/M mais tempo é gasto para se atingir o ponto de mínimo, e isso é coerente do ponto de vista bioquímico. Quanto menor a relação A/M mais rapidamente será degradado o substrato do esgoto e mais cedo os microrganismos começam a fase de decaimento endógeno e a produção de SMPs.




Foram realizados estudos correlacionando os dados obtidos com o emprego de gráficos, tabelas e equações matemáticas, através do programa computacional Microsoft Excel 2003, para a obtenção do modelo cinético que melhor se ajustasse ao comportamento dos ensaios. O modelo que melhor se ajustou foi o de primeira ordem, e os valores obtidos da constante de decaimento da DQO (K1app) para as relações A/M 0,3; 0,5; 1,0 e 3,5 foram de 1,12 d-1; 1,73 d-1; 0,23 d-1 e 0,16 d-1, respectivamente. Mendonça (2002), a fim de verificar a influência da temperatura na degradação da matéria orgânica em condições aeróbias, realizou ensaios cinéticos em batelada, simulando o processo de lodos ativados, nas temperaturas de 15, 20, 25 e 30ºC. O efluente estudado era proveniente de um reator anaeróbio de leito expandido. O modelo que melhor representou a cinética de degradação de matéria orgânica, na forma de DQO filtrada, foi o de primeira ordem, tendo concluído que para as temperaturas estudadas os valores encontrados para as constantes cinéticas aparentes (Kapp) foram muito semelhantes, com valor médio de 31,4 dias -1.

Verifica-se que o valor médio da constante cinética aparente (1,73d-1) obtida neste trabalho, para a relação A/M (0,5), foi bastante superior ao resultado obtido por Mendonça (2002), na mesma relação A/M. Possivelmente pelo fato do efluente tratado por Mendonça (2002) ser exclusivamente de esgotos domésticos e o efluente estudado neste trabalho, embora tenha apresentado características à de esgotos domésticos, possui substâncias de natureza mais complexas oriundas dos laboratórios do campus, que caracteriza este efluente como sendo mais recalcitrante.

A Figura 2 apresenta os resultados dos ensaios de biodegradabilidade aeróbia do esgoto final da UFOP em função da relação alimento/microrganismo adotada.

Os valores de biodegradabilidade aeróbia foram altos para todas as relações A/M, com valores de remoção de DQO acima de 90%. Contudo, observa-se que a medida que a relação A/M aumenta (mais substrato para menos microrganismo) menor é a degradabilidade aeróbia de curto prazo, mostrando que se um sistema de tratamento aeróbio for operado com tempos de detenção hidráulica menor que um dia, então relações A/M menores que 0,5 são necessárias para se aumentar a eficiência de degradação.

Biodegradabilidade anaeróbia

Na Figura 3 é apresentada a curva média da produção acumulada de metano obtida com o esgoto sanitário quando a relação A/M era de 0,225, e a Figura 6 apresenta os valores médios da atividade metanogênica específica, obtida pela regressão linear do trecho de maior inclinação da Figura 4.

O valor médio encontrado para a AME no trecho de maior atividade do lodo anaeróbio tratando esgotos do campus da UFOP, foi de 0,0579 gDQOCH4/gSSV.d, e este valor situa-se dentro da faixa de valores encontrado por Silva et al (2000) de 0,037 a 0,1279 gDQOCH4/gSSV.d, em estudos realizados para avaliar a AME da biomassa do reator UASB que recebe lodo aeróbio de lavagem de biofiltros aeróbios. Em outro estudo de determinação de AME, Lopes (1994) apud Mendonça, encontrou valor mais baixo para a AME de lodos de esgoto sanitário, sob o efeito tóxico do nitrogênio amoniacal. O valor obtido no trabalho foi de 0,044gDQO – CH4/gSSV.d, quando a concentração de nitrogênio amoniacal foi de 208 mg/L.

Como a produção média acumulada (em 12 dias) de metano foi de 0,701 mmol, a DQO degradada nesse período foi de aproximadamente 45 mg. Como a massa de DQO inicial inoculada foi de 90 mg, calcula-se, portanto, que a biodegradabilidade anaeróbia do esgoto do campus da UFOP foi em média de 50%.

A Figura 5 mostra que o esgoto final do campus da UFOP foi de fato melhor biodegradado aerobiamente do que anaerobiamente, e esse resultado é função da vantagem metabólica dos microrganismos aeróbios frente aos anaeróbios. Porém, a despeito da baixa biodegradabilidade anaeróbia do esgoto, experimentos com alimentação contínua do esgoto do campus em reator UASB (escala de laboratório, V = 30 L), mostraram a viabilidade do tratamento anaeróbio do esgoto do campus da UFOP, uma vez que foram obtidas eficiências de remoção de DQO total em torno de 76% (artigo em preparação) em diferentes temperaturas de operação e com TDH de 8 horas.


CONCLUSÕES

A análise das amostras do efluente final do campus resultaram em valores médios de DQO, DBO, NTK, fósforo e sólidos totais de 670 mg/L, 300 mg/L, 56 mg/L, 6 mg/L, 300 mg/L, indicando que em termos de carga orgânica e macronutrientes, o esgoto do campus se assemelha ao esgoto sanitário.

Em relação às analises de metais, não foram encontradas, em quaisquer pontos de amostragem, concentrações de Cd, Ni, Cr, Sr, Zn, Fe, Al, Mn e Ba acima do limite permitido pela legislação vigente no Estado de Minas Gerais. Além disso, os valores de concentração dos metais detectados ficaram abaixo das concentrações mínimas reportadas na literatura para inibição microbiana.

Os testes de biodegradabilidade aeróbia mostraram que o tempo de detenção de um dia é suficiente para remover a matéria orgânica do esgoto do campus com uma eficiência mínima de 90% sob todas as relações A/M estudadas (0,3; 0,5; 1,0 e 3,5). Além disso, a relação A/M de 0,5 apresentou melhor desempenho de degradação da matéria orgânica, resultando em um valor da constante cinética de 1,73 d-1. Por sua vez, os testes de biodegradabilidade anaeróbia (A/M = 0,225) mostraram que o esgoto da UFOP foi em média 50% biodegradável, resultando em valores médios de AME de 0,0579 gDQOCH4/gSSV.d.

Embora, no presente trabalho, não tenha sido feito análises de compostos orgânicos e de outras substâncias tóxicas específicas (Ex. cianetos), e a despeito da complexidade dos efluentes de campus universitários, os resultados apresentados nesse estudo indicam que um sistema biológico combinando reatores anaeróbios seguidos de pós-tratamento aeróbio, poderia ser utilizado para tratar os efluentes do campus universitário da UFOP.

Recebido: 23/07/07 Aceito: 03/06/08

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    Sueli M. Bertolino
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      03 Jun 2008
    • Recebido
      23 Jul 2007
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