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Influência dos constituintes do esgoto no colapso de um solo arenoso

The influence of sewage constituents in sandy soil collapse

Resumos

Este trabalho analisa o comportamento colapsível de um solo tropical arenoso inundado com diferentes fluidos de saturação que constituem o esgoto doméstico. Para tal análise, foram levados em consideração parâmetros físicos e químicos e aspectos estruturais do solo no âmbito do fenômeno da colapsibilidade dos solos, assim como as principais características dos fluidos de inundação de água destilada, esgoto doméstico e algumas soluções à base de substâncias que compõem os esgotos e as deformações axiais do solo a um metro de profundidade em ensaios edométricos. As propriedades físicas e químicas dos fluidos de inundação e dos solos, bem como a combinação entre tais propriedades, desempenham relevante papel na compreensão do fenômeno do colapso, mostrando que a sua ocorrência não pode ser atribuída a um ou outro parâmetro do solo ou do fluido isoladamente.

esgoto doméstico; constituintes do esgoto; colapso de solos; solos tropicais


This article evaluates the collapsible behavior of a tropical sandy soil when exposed to different sewage constituent fluids as wetting fluids. The analysis considers the physical, chemical and structural properties of the soil, as well as soil collapsible behavior, the properties of wetting fluids distilled water, domestic sewage, and some solutions composed by substances that constitute sewage, measuring soil deformation in axial compression edometric tests. The physical and chemical properties of fluids and of the soil, as well as their combination, play a relevant role in the comprehension of collapse phenomena, which shows that its occurrence can not be attributed to isolated parameters of soil or fluid.

domestic sewage; sewage constituents; soil collapse; tropical soils


ARTIGO TÉCNICO

Influência dos constituintes do esgoto no colapso de um solo arenoso

The influence of sewage constituents in sandy soil collapse

Roger Augusto RodriguesI; Vitor Eduardo Molina JúniorII; José Augusto de LolloIII

IEngenheiro Civil. Doutor em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorando pela EESC/USP

IIEngenheiro Civil. Doutorando em Engenharia Urbana pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana (PPGEU) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

IIIEngenheiro Geólogo. Doutor em Engenharia Civil pela EESC/USP. Professor adjunto da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira da Universidade Estadual Paulista (UNESP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: LOLLO, J.A. Alameda Bahia, 550 - Centro 15385-000 - Ilha Solteira (SP), Brasil Tel.: (18) 3743-1215 lolloja@dec.feis.unesp.br

RESUMO

Este trabalho analisa o comportamento colapsível de um solo tropical arenoso inundado com diferentes fluidos de saturação que constituem o esgoto doméstico. Para tal análise, foram levados em consideração parâmetros físicos e químicos e aspectos estruturais do solo no âmbito do fenômeno da colapsibilidade dos solos, assim como as principais características dos fluidos de inundação de água destilada, esgoto doméstico e algumas soluções à base de substâncias que compõem os esgotos e as deformações axiais do solo a um metro de profundidade em ensaios edométricos. As propriedades físicas e químicas dos fluidos de inundação e dos solos, bem como a combinação entre tais propriedades, desempenham relevante papel na compreensão do fenômeno do colapso, mostrando que a sua ocorrência não pode ser atribuída a um ou outro parâmetro do solo ou do fluido isoladamente.

Palavras-chave: esgoto doméstico; constituintes do esgoto; colapso de solos; solos tropicais.

ABSTRACT

This article evaluates the collapsible behavior of a tropical sandy soil when exposed to different sewage constituent fluids as wetting fluids. The analysis considers the physical, chemical and structural properties of the soil, as well as soil collapsible behavior, the properties of wetting fluids distilled water, domestic sewage, and some solutions composed by substances that constitute sewage, measuring soil deformation in axial compression edometric tests. The physical and chemical properties of fluids and of the soil, as well as their combination, play a relevant role in the comprehension of collapse phenomena, which shows that its occurrence can not be attributed to isolated parameters of soil or fluid.

Keywords: domestic sewage; sewage constituents; soil collapse; tropical soils.

Introdução

Em áreas urbanas, o esgoto doméstico representa uma das fontes mais comuns de degradação dos materiais do subsolo por ser liberado na superfície do terreno ou em pequenas profundidades, já que a cota de instalação das tubulações dificilmente se dá em profundidades maiores que 2 m.

Usualmente, a preocupação com o lançamento ou disposição de efluentes diretamente sobre o solo se restringe à degradação dos recursos naturais representada por contaminação e poluição do solo e de mananciais superficiais e subterrâneos, havendo pouco interesse na influência de tais materiais no comportamento mecânico dos solos.

Além do potencial de contaminação, a influência desse contaminante no comportamento tensão versus deformação do solo pode apresentar aspectos diferenciados pela interação solo-líquido, principalmente quando o solo possui estrutura colapsível. O colapso do solo tem sido atribuído à eliminação da sucção matricial, porém, a dissolução do cimento aglutinante ou a destruição das ligações químicas entre os minerais por infiltração de fluidos não podem ser descartadas.

Oliveira (2002) indica um percentual significativo (35%) de ocorrências de colapso do solo por inundação do solo como resultado de rupturas de tubulações de esgoto doméstico, com prejuízos significativos de ordem econômica e ambiental.

Esse quadro torna-se ainda mais preocupante quando se verifica que na implantação de redes coletoras de esgoto era comum, no passado, o uso de manilhas cerâmicas, as quais, por sua menor durabilidade se comparada ao policloreto de vinila (PVC) e pela própria natureza do material, tendem a se romper com relativa facilidade.

O colapso dos solos pode ser entendido como uma deformação decorrente de alterações estruturais do solo frente a alterações no estado de tensões, do equilíbrio eletromagnético e de ataques às ligações cimentíceas dos solos. Esses solos apresentam algumas características que os predispõem ao fenômeno: uma estrutura porosa (caracterizada por um alto índice de vazios), um grau de saturação menor que o necessário para sua completa saturação e uma estrutura metaestável. O colapso pode ser desencadeado pelo umedecimento do solo colapsível, devido a um desequilíbrio na estrutura que ocorre pela redução da capacidade de vinculação entre as partículas, resultando na diminuição de sua resistência.

Todavia, o comportamento colapsível de alguns solos não depende apenas dessas condições. Algumas pesquisas demonstram que a intensidade do colapso de alguns solos tropicais varia em função das características químicas do fluido de inundação (COLLARES, 1997; AGNELLI, 1997). Normalmente, os estudos concentram-se na análise da água como fluido de inundação, mas diferentes líquidos, oriundos de tubulações da rede de esgoto, reservatórios de combustíveis e de outros efluentes químicos, podem resultar em diferentes mecanismos e magnitudes.

As deformações devidas à inundação dos solos colapsíveis são influenciadas pelo tipo de líquido por meio da interação química entre o líquido e o solo. Alguns solos colapsíveis possuem estruturas formadas por grãos de areia e argilas em estado agregado ou disperso, carbonatos, óxidos de ferro e alumínio, constituindo elementos cimentantes entre partículas de maior granulometria. Segundo Inglês e Aitchison (1969) (apud REGINATTO; FERRERO, 1973), a dispersão da fração argila de um solo é comandada por um conjunto de propriedades que incluem a taxa de adsorção de sódio, a porcentagem de sódio trocável, o pH, o tipo de solo e a concentração de sais dissolvidos na água.

Denisov (1951) (apud LUTENEGGER; SABER, 1998) foi um dos primeiros pesquisadores a verificarem que o colapso pode ser condicionado em função do fluido de inundação, em que soluções aquosas eletrolíticas diminuem o colapso na seguinte sequência: H2O > solução NaCl > solução AlCl3 > solução FeCl3.

Alguns trabalhos foram desenvolvidos tratando da influência do fluido de inundação no colapso de solos brasileiros. Dentre ele, pode-se citar: Camapum de Carvalho et al (1987), Mariz e Casanova (1994), Collares (1997) e Agnelli (1994). Tais resultados têm expressão restrita devido às peculiaridades químicas, físicas e estruturais dos solos estudados por cada um desses e de outros autores.

Com base nesses problemas, esta pesquisa foi proposta com a finalidade de investigar a influência do esgoto doméstico e de fluidos correlatos no comportamento colapsível de um solo arenoso laterítico do interior do Estado de São Paulo, sendo estudadas: (1) a magnitude dos colapsos do solo umedecido com água destilada, esgoto doméstico e algumas soluções à base de substâncias que compõem os esgotos, (2) as características e a estrutura dos solos antes e após a realização de ensaios de compressão edométrica e (3) a influência do pH dos fluidos no colapso.

Metodologia

Solo utilizado

O perfil de solo considerado no presente estudo, o qual possui características comuns a solos que recobrem parcela significativa dos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, apresenta nos horizontes mais superficiais uma espessa camada de areia fina argilosa laterítica com baixa compacidade (maiores índices de vazios) até 13 m. Na camada mais superficial desse tipo de solo, onde se encontram apoiadas as tubulações de esgoto e a maioria dos elementos de fundação de obras civis, a estrutura porosa associada à fraca ligação química entre as partículas do solo resulta em condições físicas e químicas que induzem o comportamento colapsível. Foi realizada a caracterização do solo a 1 m de profundidade para determinação de seus índices físicos e obtenção de curvas granulométricas com e sem uso de defloculantes. Os corpos de prova utilizados nos ensaios edométricos foram obtidos de amostras indeformadas do solo, coletadas em poços de inspeção.

Esgoto e fluidos utilizados

As amostras de esgoto foram coletadas numa estação elevatória do município de Ilha Solteira (SP). Foram determinados os seguintes parâmetros da amostra de esgoto: demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), sólidos, amônia e nitrogênio (período de coleta de 24 horas), concentração de detergentes, tensão superficial, temperatura e comportamento reológico (tensão de cisalhamento e viscosidade aparente versus taxa de deformação).

Os parâmetros reológicos do esgoto foram obtidos com base no modelo de Herschel-Bulkley utilizando-se o reômetro R/S Rheometer fabricado pela Brookfield Engineering Laboratories. Nesse reômetro é possível determinar a tensão de cisalhamento crítica por meio do software Rheo2000 o qual obtêm o gráfico (t-tc) x g em escala log-log para diferentes valores de tc até que se obtenha um bom ajuste da curva característica para obter os parâmetros K e n.

Após os ensaios edométricos realizados com o esgoto como fluido de inundação, algumas soluções foram preparadas, baseadas nas características físico-químicas do esgoto doméstico utilizado, procurando-se soluções potencialmente dispersivas à base de água sanitária, detergente líquido, sabão em pó e óleo.

Inicialmente, esperava-se reproduzir soluções com concentrações reais dos compostos nas soluções para avaliar suas influências no colapso. As substâncias, porém, não se encontram na mesma concentração e a sua quantidade isoladamente, no esgoto, é pequena. Por outro lado, a reprodução de soluções com concentrações elevadas não condizem com a realidade dos esgotos, o que tornaria incoerente tais reproduções para o estudo.

A maneira mais adequada para estudar a influência das soluções de inundação no comportamento colapsível do solo foi estimar uma concentração que fosse obtida com certa precisão e também igual para todas as soluções. Alguns fabricantes de sabão em pó recomendam a concentração de 1:120 para o consumo ótimo do produto. Para avaliar tal recomendação, alguns testes foram realizados em laboratório, comprovando a veracidade da informação uma vez que concentrações maiores da solução à base de sabão em pó provocavam a sedimentação de partículas de sabão que não diluíam em meio à água destilada.

Para atender ao propósito da investigação, soluções à base de água sanitária, de detergente líquido, de óleo e de sabão em pó foram preparadas em laboratório, sendo a concentração adotada para as soluções foi 1:120 (em volume), exceto para o óleo, que foi utilizado puro, e para a água destilada, que serviu como parâmetro de comparação entre os líquidos testados.

A composição química dos produtos baseia-se na especificação dos fabricantes. Água sanitária: solução à base de hipoclorito de sódio, hidróxido de sódio, cloreto de sódio e água (teor de cloro ativo de 2 a 2,5%); detergente líquido: solução à base de componente ativo alquil benzeno sulfonato de sódio, sais inorgânicos, coadjuvantes, corante, perfume e água; óleo: produto à base de óleo refinado de soja com antioxidante ácido cítrico; sabão em pó: solução à base de linear alquil benzeno sulfonato de sódio, alquil éter sulfato de sódio, sulfato/silicato/carbonato de sódio, bentonita, zeólito, tripolifosfato de sódio, dimetil hidroxietil cloreto de amônio, polietilenoamina, sulfonato de zinco, silicone, perfume, enzimas, polímeros e branqueadores ópticos. A Tabela 1 reúne as principais características destes materiais.

Ensaios edométricos

Os critérios adotados para a avaliação do colapso compreendem a definição do potencial de colapso e o cálculo da deformação específica:

Onde:

I: potencial de colapso;

ΔHi: variação da altura do corpo de prova pela inundação;

Hai: altura do corpo de prova antes da inundação;

εv: deformação específica;

ΔV: variação de volume devido à inundação e à aplicação de tensões;

Vo: volume inicial do solo.

Microscopia eletrônica

Visando esclarecer a importância da estrutura do solo no processo de colapso, foram realizadas análises por meio de microscopia eletrônica de varredura associadas às análises químicas com EDS (diagrama espectral por energia dispersiva).

Resultados

Os resultados dos ensaios de caracterização do solo indicam elevada porosidade (acima de 40%) e baixo grau de saturação (abaixo de 60%). Na Tabela 2 podem ser observados os resultados da caracterização do solo a 1 m de profundidade.

As características do solo investigado e o levantamento histórico de informações realizado ao longo das últimas décadas no Estado de São Paulo indicam que esses solos possuem uma estrutura porosa e instável com partículas de argila e silte em estado agregado. Esse fato torna-se ainda mais significativo quando se verifica o gráfico da Figura 1, que apresenta as curvas granulométricas obtidas para o solo preparado com água destilada e com solução defloculante à base de hexametafosfato de sódio (NaPO4)6, evidenciando o efeito desagregador do defloculante nas partículas do solo, o que resulta em maior porcentagem de partículas finas (28%) em contraposição ao ensaio sem defloculante (2% de partículas finas, situação que representa, de forma adequada, o comportamento mecânico do solo). Por essa razão, a curva característica do solo não mostra histerese nos ciclos de umedecimento e secagem, pois em seu estado natural a fase fina do solo (na forma floculada) representa apenas 2% das partículas.


Os resultados dos ensaios de caracterização e da curva característica do solo, apresentados na Tabela 2 e na Figura 1, permitem a seguinte classificação para o solo segundo os sistemas usuais de classificação em Mecânica dos Solos: (1) classificação unificada - solo classificado no subgrupo SC, das areias argilosas; (2) classificação HRB - solo classificado como A-4, material silto-argiloso; (3) classificação MCT - solo classificado no grupo LA' (laterítico arenoso).

Na Figura 2 é apresentada a curva característica do solo obtida com a técnica do papel filtro (papel quantitativo tipo 2, Whatman nº 42). Os procedimentos experimentais consistem em colocar um pedaço de papel filtro em contato com a amostra de solo e isolá-los do ambiente com o objetivo de permitir a equalização da sucção. O método é normalizado pela norma ASTM D5298-94 (ASTM, 1992).


A curva foi obtida com o intuito de completar a caracterização do solo, uma vez que pode ser usada para representar o histórico de tensões do solo e as trajetórias de secagem e umedecimento no estado saturado e não saturado. A curva de sucção matricial evidencia também que a forma de retenção da água varia de acordo com o nível de sucção, pois para valores baixos de sucção a retenção depende de efeitos capilares e da distribuição dos poros do solo, enquanto para altos valores de sucção, os fenômenos de adsorção passam e desempenhar papéis de grande importância.

Como a curva mostra variações significativas de sucção para pequenas variações de umidade, houve cuidado na verificação das variações de umidade entre os corpos de prova ensaiados. Como todas as amostras foram coletadas na mesma ocasião e armazenadas nas mesmas condições, mostraram variação máxima de 0,3% no teor de umidade.

Os resultados dos ensaios químicos visando a caracterizar os principais constituintes do solo podem ser vistos na Tabela 3. Observa-se que o solo possui características típicas de solos laterizados que passaram por intenso processo de lixiviação, nos quais o arraste de bases por precipitação pluviométrica na camada menos profunda do perfil do solo resulta na acidificação do mesmo e na formação da estrutura agregada.

A desagregação da fração fina do solo, quando sujeito à ação de solução defloculante, sugere a existência de uma estrutura com equilíbrio metaestável. De acordo com Agnelli (1997), a desagregação poderá ser maior e mais rápida quanto maior for a quantidade de sódio presente no líquido inundante, que é o elemento químico predominante nas águas sanitárias e nos sabões.

O solo apresenta pequena quantidade de sódio e potássio, enquanto o cálcio e o magnésio apresentam-se com teores mais elevados. As quantidades de alumínio e hidrogênio e a baixa saturação em bases indicam o potencial de acidez do solo, confirmado nos ensaios de pH. O valor de ΔpH (obtido pela diferença do pH medido em solução de KCl e H2O) resultou negativo, indicando que o solo possui capacidade de reter cátions.

Quanto ao efluente analisado, proveniente da rede coletora de esgoto, apresenta variações de DBO, DQO, sólidos, amônia e nitrogênio, com as maiores concentração ocorrendo entre oito e dez horas (Figuras 3 e 4), período no qual foram realizadas as coletas. Para evitar a obstrução dos vazios do solo durante os ensaios de compressão confinada, a fração particulada do esgoto foi separada por processo de filtração.



Também foram determinados: concentração de detergentes (0,189 mg/L); tensão superficial (5,23 10-2 N/m); pH (7,3); temperatura (29ºC); e comportamento reológico (tensão de cisalhamento e viscosidade aparente versus taxa de deformação, conforme apresentado na Figura 5).


As águas residuárias contêm substâncias que podem alterar as características dos líquidos quando misturados à água, embora seja semelhante à água destilada em alguns aspectos. Os sabões, os detergentes, os óleos e as graxas são exemplos de compostos que possuem essa capacidade.

Os gráficos das Figuras 6 e 7 apresentam curvas de compressão confinada que relacionam as tensões (kPa) em escala logarítmica com as deformações axiais (%) para ensaios edométricos simples e duplo, respectivamente. A Tabela 4 resume os resultados dos ensaios.



Discussão

O esgoto doméstico apresentou potencial de colapso e deformação específica superior ao da água destilada. Tal diferença motivou os ensaios com as soluções à base de água sanitária, detergente, óleo e sabão em pó.

A solução de água sanitária apresentou, no ensaio simples, potencial de colapso igual a 12,01%, 3,73% superior ao da água destilada. O acréscimo pode ser atribuído à presença de hidróxido de sódio em sua composição, pois se sabe que o sódio tem efeito desagregador da estrutura do solo. Já nos ensaios edométricos duplos, o solo apresentou deformação específica igual a 26,73%, sendo superior à água destilada, à solução à base de detergente líquido e ao óleo.

A solução à base de detergente e a água destilada apresentaram potenciais de colapso e deformações específicas de mesma grandeza: 8,46 e 8,28% nos ensaios edométricos simples e 24,08 e 23,03% nos ensaios edométricos duplos, embora o pH e a tensão superficial da água destilada e da solução a base de detergente sejam diferentes: 6,70 e 4,87 e 7,72 e 2,74.10-2 N.m, respectivamente.

O óleo proporcionou o menor potencial de colapso de todos os fluidos estudados (2,29%). Em contato com esse fluido desde o início do ensaio, o solo mostrou-se muito compressível com deformações da ordem de 25,72%, superando valores de deformações induzidas pela água destilada e pela solução à base de detergente líquido. Os gráficos ilustram o aumento da inclinação da reta virgem de compressão na curva de compressão confinada após a inundação. Vale ressaltar ainda que, devido à alta viscosidade do óleo, a saturação dos corpos de prova tornou-se duvidosa, impedindo a determinação do grau de saturação das amostras após o ensaio edométrico.

A solução de sabão em pó resultou em potencial de colapso de 9,46%. Apesar de o potencial obtido não representar um aumento importante do colapso em relação à água destilada, observa-se que o tempo de estabilização das deformações provocadas pelo colapso foi maior para a solução à base de sabão em pó. A deformação imediata foi menor do que para a água destilada, contudo, após 900 minutos, a deformação proporcionada pelo sabão alcançou a mesma intensidade da deformação causada pela água destilada, estabilizando-se somente após 48 horas. Nos ensaios edométricos duplos, a solução pareceu agir sobre o solo lubrificando e as partículas de maior diâmetro, o que possibilitou uma nova reorganização da estrutura do solo com elevada deformação específica (29%).

As maiores deformações foram obtidas para o solo nos ensaios edométricos simples, com esgoto doméstico (pH = 7,30) e a solução a base de água sanitária (pH = 9,56). Nos ensaios edométricos duplos, as soluções a base de sabão em pó (pH = 10,31) e de água sanitária (pH = 9,56) produziram os maiores valores de deformação específica com relação aos demais fluidos de inundação.

Os valores de εv (%) são crescentes com o pH das soluções, enquanto os valores de I (%) não apresentam a mesma tendência de comportamento. Nesta análise, a deformação específica reflete resultados mais seguros do que os potenciais de colapso, já que os potenciais de colapso foram obtidos a 200 kPa e as deformações específicas desde a tensão zero até a tensão de 800 kPa.

Os líquidos que causaram maiores deformações foram soluções alcalinas à base de sabão em pó e de água sanitária. A composição do sabão em pó baseia-se em compostos à base do cátion sódio (linear alquil benzeno sulfonato de sódio, alquil éter sulfato de sódio, sulfato/silicato/carbonato de sódio e tripolifosfato de sódio) e a composição da água sanitária, semelhante à do sabão em pó, baseia-se em compostos à base de sódio (hipoclorito de sódio, hidróxido de sódio e cloreto de sódio). Sabe-se que o sódio tem considerável importância na origem de solos dispersivos. Assim, líquidos compostos por sódio, quando agem na estrutura, podem dispersar o solo, aumentando as deformações sofridas quando solicitado à compressão.

Considerando os fluidos de inundação utilizados e as condições de ensaio, pode-se afirmar que o colapso foi maior quando o solo foi inundado com os líquidos de pH alcalino. No entanto, não é possível atribuir a ascendência do colapso apenas ao aumento do pH. As soluções testadas possuem algumas características distintas: a viscosidade e a tensão superficial das soluções são bons exemplos.

Um estudo mais detalhado para avaliação da influência do pH de soluções de inundação no colapso do solo pode ser realizado utilizando-se "soluções controladas", ou seja, fluidos com a mesma composição química e propriedades físico-químicas. Nesse caso, pode variar a concentração do composto e, assim, correlacionar tal variação com as medidas de colapso após inundação, ou ainda, testar (sob várias concentrações) outros compostos que resultem no mesmo pH de outras soluções. As combinações podem ser estendidas também a outros tipos de solo.

Nesse contexto, verifica-se que a combinação e o conjunto de características físicas e químicas que envolvem os fluidos de inundação e os solos desempenham relevante papel na compreensão do fenômeno do colapso, tornando discutível, pela sua complexidade, informações que atribuem o aumento do colapso a um ou outro parâmetro somente.

A estrutura do solo na condição natural mostra partículas maiores circundadas e cimentadas por partículas finas floculadas (Figura 8).


O diagrama espectral apresenta porcentagens relativas de silício, de alumínio, de oxigênio e de ferro (Figura 9), típicas de solos evoluídos em regiões tropicais. O ferro e o alumínio, que geralmente não são removidos pela lixiviação, aumentam em concentração e constituem, na forma de óxidos, cimentos naturais que interligam as partículas maiores, geralmente de quartzo, da fração arenosa, estruturando o solo.


Supõe-se que o mecanismo de colapso desses solos está relacionado à eliminação da sucção matricial e, especialmente, ao enfraquecimento das ligações cimentíceas compostas por óxidos de ferro e alumínio. Considera-se, ainda, que o mecanismo de colapso seja um fenômeno físico-químico e não químico, pois o colapso torna-se proeminente apenas pela ação direta de sobrecargas no solo.

O esgoto pode apresentar aspectos diferenciados com relação à água, talvez pela maior potencialidade de ataque sobre os compostos cimentantes de ferro e alumínio. Sabe-se, por exemplo, que o ácido sulfídrico (H2S), presente nos esgotos domiciliares, propicia um meio agressivo aos cimentos de óxidos de ferro.

Após o colapso, uma reorganização estrutural compatível com o estado de tensões aplicado ocorre nesses solos. A Figura 10 ilustra a influência da água destilada e do esgoto doméstico no desarranjo da estrutura originalmente apresentada na Figura 8.


Na Figura 11 apresentam-se imagens que ilustram a ação dos compostos à base de água sanitária, de detergente líquido e de sabão em pó e do óleo no colapso. Observa-se a capacidade da solução à base de sabão em pó e de água sanitária na mobilização dos agregados do solo, induzindo maiores colapsos, conforme a Tabela 4. No entanto, o colapso torna-se relevante devido à combinação entre as tensões aplicadas e o umedecimento das amostras de solo.



As amostras inundadas com a solução à base de detergente líquido e com o óleo apresentaram redução dos vazios devido à consolidação do solo no momento da aplicação de tensões, mas com pouca ou nenhuma diminuição do tamanho dos agregados constituídos pela fração fina do solo. A inundação com as soluções à base de água sanitária e de sabão em pó combinada com a aplicação das tensões ocasionaram, além da redução dos vazios, a mobilização parcial dos materiais agregados, sendo que a solução à base de sabão em pó foi mais agressiva na dispersão do solo, Figura 11C.

A influência da água sanitária e do sabão em pó diluídos em água na estrutura das amostras resultou na redução volumétrica dos agregados e no aumento do colapso conforme os resultados da Tabela 4 e das Figuras 10A e 10C. Assim como o esgoto, as soluções à base de água sanitária e de sabão em pó parecem possuir maior potencial de ataque sobre os compostos cimentantes destes solos, já que o paralelismo das curvas virgens de compressões sugere que o mecanismo de colapso seja o mesmo para todos os fluidos, mesmo para ensaios edométricos conduzidos por diferentes técnicas (ensaios duplos e simples), evidenciando que a inclinação da reta virgem é própria do solo estudado e independente dos fluidos utilizados.

Com base nessas análises, nota-se que o solo estudado possui caráter colapsível por inundação e aplicação de sobrecargas, tendo como principais características: (1) estrutura porosa floculada formada por partículas maiores cimentadas, por partículas menores em estado agregado com contatos reforçados, por compostos de óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio; (2) macrofábrica homogênea com grande quantidade de agregados e microfábrica na qual os contornos dos agregados apresentam indícios de existência de vazios internos; (3) fração fina com elevada porcentagem de óxidos e hidróxidos de ferro (Fe) e alumínio (Al); (4) maior potencial de desagregação da fração fina agregada diante de líquidos ricos no cátion Na+.

Conclusões

As características do solo são típicas de solos laterizados que passaram por intenso processo de lixiviação, o que possibilita a acidificação do solo e a formação de uma estrutura agregada.

A estrutura dos solos é formada por partículas de areia circundadas por partículas de argila e silte em estado agregado. A granulometria desses solos é distinta daquela determinada no ensaio de granulometria, conjunta com o uso de defloculantes, pois a fração fina ocupa a posição de partículas maiores na escala granulométrica por estar agregada. Sendo assim, as conclusões aqui apresentadas podem ser consideradas válidas para solos com composições e estruturas similares se submetidos a condições similares a essas.

A colapsibilidade do solo estudado ficou evidente nos resultados da microscopia eletrônica de varredura e nos ensaios edométricos. Com esses ensaios, tornou-se possível avaliar a influência da inundação dos solos considerando diferentes fluidos após os ensaios edométricos. As imagens ilustraram a capacidade do esgoto doméstico e das soluções à base de água sanitária e de sabão em pó na mobilização parcial dos materiais agregados, com deformações superiores às da água destilada, do óleo e da solução à base de detergente líquido.

Os resultados indicam que o mecanismo de colapso dos solos estudados está relacionado à eliminação da sucção matricial e ao enfraquecimento das ligações cimentíceas compostas por óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio. O mecanismo de colapso é o mesmo para todos os fluidos testados, porém a intensidade do colapso parece estar relacionada à capacidade de tais fluidos de atacar os compostos cimentantes do solo.

O colapso foi maior quando o solo foi inundado com os líquidos de pH alcalino, porém, não foi possível atribuir a ascendência do colapso apenas ao aumento do pH. As soluções testadas possuem características distintas como a composição química, a tensão superficial e a viscosidade, impossibilitando tal afirmação.

A deformação por colapso depende da composição química do fluido de inundação. No entanto, a combinação e o conjunto de características físicas e químicas que envolvem os fluidos de inundação e os solos desempenham relevante papel na compreensão do fenômeno do colapso, tornando discutível, devido à sua complexidade, informações que atribuem o aumento do colapso a um ou outro parâmetro somente.

Recebido: 25/9/08

Aceito: 1/2/10

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  • Endereço para correspondência:

    LOLLO, J.A.
    Alameda Bahia, 550 - Centro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      25 Set 2008
    • Aceito
      01 Fev 2010
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