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Alternativas para o controle de emissões odorantes em reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico

Alternatives for the control of odorous emissions in anaerobic reactors treating domestic wastewater

Resumos

Esta nota técnica busca consolidar as principais características, vantagens e desvantagens dos métodos usualmente empregados para o controle de emissões odorantes, discorrendo criticamente acerca da aplicabilidade de cada um dos métodos para o tratamento de odores em estações de tratamento de esgoto doméstico. Verificou-se que vários métodos são sofisticados, de elevado custo e, muitas vezes, não aplicáveis ao tratamento de odores emitidos em reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico. Uma análise qualitativa dos vários métodos indica que a combustão direta e os processos bioquímicos são os que reúnem o maior conjunto de vantagens para o tratamento de gases residuais emitidos em reatores anaeróbios.

controle de odor; reatores anaeróbios; sulfeto de hidrogênio; tratamento de esgoto


This technical note aims at consolidating the main characteristics, advantages and disadvantages of the methods usually applied to the control of odorous emissions, with a critical analysis upon the applicability of each method to the treatment of odours in treatment plants of domestic wastewater. It was verified that several methods are sophisticated, present high cost, and are often non-applicable to the treatment of odour emissions from anaerobic reactors treating domestic wastewater. The qualitative analysis of the various methods points out that direct combustion and biochemical processes gather more advantages for the treatment of waste gases produced in anaerobic reactors.

odour control; anaerobic reactors; hydrogen sulfide; wastewater treatment


NOTA TÉCNICA

Alternativas para o controle de emissões odorantes em reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico

Alternatives for the control of odorous emissions in anaerobic reactors treating domestic wastewater

Carlos Augusto de Lemos ChernicharoI; Richard Michael StuetzII; Cláudio Leite SouzaIII; Gilberto Caldeira Bandeira de MeloIV

IProfessor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

IIProfessor Associado da University of New South Wales, Sydney, Austrália

IIIDoutorando do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da UFMG

IVProfessor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG

Endereço para correspondênciaCorrespondência: Carlos Augusto de Lemos Chernicharo Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Escola de Engenharia da UFMG Av. Antonio Carlos, 6627 - Campus Pampulha 31270-901 - Belo Horizonte (MG), Brasil Tel.: (31) 3409-1020 e-mail: calemos@desa.ufmg.br

RESUMO

Esta nota técnica busca consolidar as principais características, vantagens e desvantagens dos métodos usualmente empregados para o controle de emissões odorantes, discorrendo criticamente acerca da aplicabilidade de cada um dos métodos para o tratamento de odores em estações de tratamento de esgoto doméstico. Verificou-se que vários métodos são sofisticados, de elevado custo e, muitas vezes, não aplicáveis ao tratamento de odores emitidos em reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico. Uma análise qualitativa dos vários métodos indica que a combustão direta e os processos bioquímicos são os que reúnem o maior conjunto de vantagens para o tratamento de gases residuais emitidos em reatores anaeróbios.

Palavras-chave: controle de odor; reatores anaeróbios; sulfeto de hidrogênio; tratamento de esgoto.

ABSTRACT

This technical note aims at consolidating the main characteristics, advantages and disadvantages of the methods usually applied to the control of odorous emissions, with a critical analysis upon the applicability of each method to the treatment of odours in treatment plants of domestic wastewater. It was verified that several methods are sophisticated, present high cost, and are often non-applicable to the treatment of odour emissions from anaerobic reactors treating domestic wastewater. The qualitative analysis of the various methods points out that direct combustion and biochemical processes gather more advantages for the treatment of waste gases produced in anaerobic reactors.

Keywords: odour control; anaerobic reactors; hydrogen sulfide; wastewater treatment

Introdução

A emissão de gases odorantes em reatores anaeróbios é um problema de grande importância e, se não resolvido, poderá prejudicar significativamente a aplicação mais ampla da tecnologia anaeróbia no Brasil. Para evitar reclamações da população, várias estações de tratamento de esgoto estão gastando significativas quantidades de recursos com a aplicação de produtos químicos, objetivando minimizar ou mascarar a dispersão das emissões de sulfeto de hidrogênio (H2S) no entorno das estações. Em boa parte dos casos, não existe uma indicação clara da origem da emissão, a qual pode estar relacionada com as características do esgoto afluente, com o desempenho do reator, ou com a descarga turbulenta do efluente.

No caso do esgoto doméstico, a decomposição anaeróbia da fração proteica contida na matéria orgânica é a principal causa da geração de odores, enquanto emissões diretas devido a produtos químicos específicos encontram-se usualmente associadas com a presença de efluentes industriais. Dependendo do precursor, do pH e do potencial de oxi-redução, diferentes compostos odorantes são biologicamente formados na medida em que o esgoto se torna anaeróbio. O H2S, resultante da redução biológica do sulfato (SO42-) ou tiosulfato sob condição anaeróbia, é o composto odorante mais comumente associado aos odores do esgoto, embora outros compostos à base de enxofre também possam contribuir para esses odores (VAN LANGENHOVE; de HEYDER, 2001). Compostos orgânicos voláteis também têm sido identificados nos gases residuais de estações de tratamento de esgoto, mas a sua contribuição para os odores de esgoto é limitada em função de possuírem limites de percepção relativamente elevados em comparação aos compostos de enxofre (VAN LANGENHOVE; de HEYDER, 2001). Nos sistemas de coleta e interceptação de esgoto, a maior parte do sulfeto gerado ocorre na camada de biofilme fixada nas paredes das tubulações ou em depósitos de lodo, na parte inferior das tubulações (WEF, 2004). Na Tabela 1 são mostradas as concentrações típicas de H2S na atmosfera de diferentes unidades de estações de tratamento de esgoto doméstico e do sistema de esgotamento sanitário.

Alternativas para o controle de gases odorantes

Os métodos para o controle de gases odorantes em estações de tratamento de esgoto podem ser caracterizados como de natureza física, química e bioquímica. A maioria dos métodos físicos e químicos foi desenvolvida nas últimas décadas, sendo, portanto, bem estabelecidos, enquanto os métodos bioquímicos são mais recentes e ainda se encontram em desenvolvimento. Nas Tabelas 2 a 4, são mostradas as principais tecnologias para controle de odores, assim como as principais características, vantagens e desvantagens de cada uma.

 

Embora existam diversas alternativas para o controle de emissões odorantes, a seleção de uma em particular ou a combinação de tecnologias depende de dois critérios principais: vazão de gás e concentração dos gases odorantes. A Figura 1 mostra as faixas típicas de aplicação de vários tipos de tecnologias para o controle de gases odorantes baseadas na concentração e na vazão do gás odorante. Pode-se observar que, para o caso de gases odorantes em baixas concentrações, a combustão direta, a adsorção e os métodos bioquímicos são os que encontram maior aplicação (Noyola, Morgan-Sagastume; López-Hernández, 2006).


No entanto, na seleção de alternativas para o controle de emissões odorantes em reatores anaeróbios, diversos outros critérios devem ser considerados, a exemplo de (adaptado de Burgess, Parsons e Stuetz, 2001 e Kennes et al, 2001): i) biodegradabilidade dos gases odorantes; ii) características locais, inclusive de recursos humanos; iii) origem das emissões e aspectos de projeto relacionados à captação e condução de gases; iv) concentração relativa de H2S/CH4; v) planos para recuperação de energia; vi) objetivos do tratamento. A decisão sobre qual alternativa adotar para o controle das emissões odorantes deve resultar de um balanço entre critérios técnicos, econômicos e ambientais, levando-se em consideração os aspectos quantitativos e qualitativos de cada alternativa. A Figura 2 apresenta uma comparação entre diferentes aspectos considerados na seleção de alternativas de gerenciamento de emissões odorantes em países desenvolvidos e em países em desenvolvimento. Países emergentes, como o Brasil, estariam em uma situação intermediária ou de transição, e a situação deve ser verificada caso a caso, podendo apresentar aspectos mais próximos aos dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento.


A Tabela 5 apresenta uma análise comparativa dos principais métodos físicos, químicos e bioquímicos relativa ao controle de odores produzidos em estações de tratamento de esgoto doméstico. As principais características, vantagens e desvantagens de cada método de abatimento de odores (Tabelas 2, 3 e 4) foram ranqueadas de acordo com as faixas usuais de aplicação (Figura 1) e aspectos considerados importantes e críticos no Brasil, conforme mostrado na Figura 2.

Considerações finais

Embora existam diversos métodos para o tratamento de emissões odorantes em estações de tratamento de esgoto, infere-se que muitos são sofisticados, de elevado custo de implantação e operação e, muitas vezes, não apropriados para o tratamento de odores emitidos em reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico. À exceção da adsorção, os demais métodos físicos e químicos são aplicáveis principalmente para o tratamento de poluentes em elevadas concentrações, todavia, nos reatores anaeróbios tratando esgoto doméstico, os gases odorantes encontram-se usualmente presentes em baixas concentrações. Ademais, a análise qualitativa das principais características de cada método indica que a combustão direta e os métodos bioquímicos, e particularmente os biofiltros, são os que reúnem o maior conjunto de vantagens para o tratamento de gases residuais emitidos em reatores anaeróbios para tratamento de esgoto doméstico, notadamente se considerados os fatores críticos e prioritários em países em desenvolvimento, como sustentabilidade, simplicidade e baixos custos de implantação e operação.

A remoção do H2S presente no biogás pode ser alcançada por meio da oxidação térmica, utilizando-se o metano como combustível. No entanto, pode ocorrer a combustão incompleta do H2S no caso de queimadores convencionais (abertos). Para se garantir a combustão completa do sulfeto, devem ser utilizados queimadores fechados, com câmara de combustão. A recuperação de energia do biogás para fins mais nobres (ex.: combustível veicular, injeção na linha de gás natural) pode exigir a utilização de algum método que possibilite a remoção seletiva do H2S e a manutenção do metano no biogás.

Diferentes alternativas podem ser consideradas para a remoção do sulfeto dissolvido no efluente do reator, a exemplo do stripping em câmara de dissipação, seguido de tratamento em biofiltro. No entanto, se a estação de tratament de esgoto (ETE) dispuser de alguma sistema aeróbio de fase líquida para o pós-tratamento do efluente anaeróbio, esta será a forma mais simples e de melhor custo-benefício para o tratamento de odores, uma vez que a oxidação bioquímica do H2S pode ser facilmente alcançada nesses sistemas.

Recebido: 22/03/10

Aceito: 01/09/10

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  • Correspondência:

    Carlos Augusto de Lemos Chernicharo
    Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Escola de Engenharia da UFMG
    Av. Antonio Carlos, 6627 - Campus Pampulha
    31270-901 - Belo Horizonte (MG), Brasil
    Tel.: (31) 3409-1020
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2010
    • Aceito
      01 Set 2010
    Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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