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Desempenho dos diferentes modelos institucionais de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água: uma avaliação comparativa no conjunto dos municípios brasileiros

Performance of different institutional management public models for water supply provision: a comparative analysis in Brazilian municipalities

Resumos

Este artigo desenvolve uma avaliação comparativa entre os modelos de prestação de serviços públicos de abastecimento de água vigentes no País. De forma bastante abrangente, o estudo compara os serviços de praticamente todos os municípios brasileiros, por meio da aplicação de métodos estatísticos de variância não paramétrica. Nessa avaliação, os serviços foram agrupados a partir da seguinte classificação: prestados sob a forma de administração direta; prestados sob a forma de administração indireta (autarquias municipais); empresas privadas; e modelos regionais. O ano base do estudo foi 2008, tendo sido empregados dados secundários obtidos a partir da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Foi criado um conjunto de indicadores de desempenho, referente aos aspectos operacionais e gerenciais dos serviços. Os resultados indicam diferenças significativas entre os modelos avaliados.

prestação de serviços; abastecimento de água; Pesquisa Nacional de Saneamento Básico - PNSB; indicadores


This paper presents a comparative assessment of the different institutional public models for water supply provision in Brazil. In an encompassing way, the study compares services of almost all Brazilian municipalities, by a nonparametric analysis of variance. For this assessment, services were grouped according to the following classification: managed by the municipality; managed by a municipal autarchy; private companies; and regional models. The base year of the study was 2008, and secondary data from the National Survey of Basic Sanitation were used. A set of performance indicators, related to operational and management aspects of services, was created. The results indicate significant differences between the evaluated models.

water supply; provision; National Survey of Basic Sanitation - PNSB; indicators


ARTIGO TÉCNICO

Desempenho dos diferentes modelos institucionais de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água: uma avaliação comparativa no conjunto dos municípios brasileiros

Performance of different institutional management public models for water supply provision: a comparative analysis in Brazilian municipalities

Pedro Gasparini Barbosa HellerI; Nilo de Oliveira NascimentoII; Léo HellerIII; Sueli Aparecida MingotiIV

IDoutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de Engenharia Ambiental do Centro Universitário de Sete Lagoas (UNIFEMM) - Sete Lagoas (MG), Brasil

IIDoutor em Recursos Hídricos pela École Nationale des Ponts et Chaussées. Pesquisador do CNPq e Professor Associado do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) da UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIDoutor em Epidemiologia pela UFMG. Pesquisador do CNPq e Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA) da UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

IVPh.D. em Estatística pela Iowa State University. Pesquisadora do CNPq e Professora Associada do Departamento de Estatística da UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Gasparini Barbosa Heller Avenida Marechal Castelo Branco, 2.765 - Santo Antônio 35701-24 - Sete Lagoas (MG), Brasil E-mail: pedrogheller@gmail.com

RESUMO

Este artigo desenvolve uma avaliação comparativa entre os modelos de prestação de serviços públicos de abastecimento de água vigentes no País. De forma bastante abrangente, o estudo compara os serviços de praticamente todos os municípios brasileiros, por meio da aplicação de métodos estatísticos de variância não paramétrica. Nessa avaliação, os serviços foram agrupados a partir da seguinte classificação: prestados sob a forma de administração direta; prestados sob a forma de administração indireta (autarquias municipais); empresas privadas; e modelos regionais. O ano base do estudo foi 2008, tendo sido empregados dados secundários obtidos a partir da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Foi criado um conjunto de indicadores de desempenho, referente aos aspectos operacionais e gerenciais dos serviços. Os resultados indicam diferenças significativas entre os modelos avaliados.

Palavras-chave: prestação de serviços; abastecimento de água; Pesquisa Nacional de Saneamento Básico - PNSB; indicadores.

ABSTRACT

This paper presents a comparative assessment of the different institutional public models for water supply provision in Brazil. In an encompassing way, the study compares services of almost all Brazilian municipalities, by a nonparametric analysis of variance. For this assessment, services were grouped according to the following classification: managed by the municipality; managed by a municipal autarchy; private companies; and regional models. The base year of the study was 2008, and secondary data from the National Survey of Basic Sanitation were used. A set of performance indicators, related to operational and management aspects of services, was created. The results indicate significant differences between the evaluated models.

Keywords: water supply; provision; National Survey of Basic Sanitation - PNSB; indicators.

Introdução

O saneamento básico vem sendo considerado, por diversos autores, uma política pública e social sob a responsabilidade do Estado. Heller e Castro (2007) expõem que se por um lado o saneamento básico situa-se sob um nível tecnológico, por outro se encontra na esfera de uma política pública, sendo uma área de atuação do Estado, demandando formulação, avaliação, organização e institucionalização, além da fundamental participação da população, exercendo o papel da cidadania.

Nessa perspectiva, apesar da importância de estudos dessa natureza, os esforços voltados para a avaliação de políticas públicas de saneamento básico ainda são incipientes em contribuir para os aspectos de planejamento, organização institucional e processos de tomadas de decisão que envolvem esse setor. De acordo com Costa (2003), reconhecer o processo de formulação de uma determinada política setorial e avaliar o seu atual estágio é fundamental para repensá-la, em razão da busca de efetividade e do cumprimento dos requisitos de promoção da saúde, do ambiente e da qualidade de vida.

Ao longo dos tempos, os serviços de abastecimento de água no País vêm sendo organizados por meio de diferentes modelos institucionais, com destaque para os serviços prestados sob as modalidades de administração direta, administração indireta, iniciativa privada e companhias estaduais de água e esgotos (CESBs).

As CESBs, modelo predominante na prestação dos serviços de abastecimento de água do País, ganharam importância a partir do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) como seus principais agentes, atuando mediante concessões municipais autorizadas por lei específica (BETTINE, 2003; REZENDE & HELLER, 2008). O PLANASA entrou em decadência em meados da década de 1980, com a extinção do seu principal agente financiador, o Banco Nacional da Habitação (BNH). A conquista de um marco regulatório para o setor de saneamento ocorreu somente no ano de 2007, quando foi promulgada a Lei nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007), que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico brasileiro.

Sobre as modalidades de prestação dos serviços, apesar de ainda embrionários, observam-se importantes estudos no Brasil, direcionados para a comparação desses diferentes modelos:

• Heller, Coutinho e Mingoti (2006) compararam diferentes categorias de gestores de serviços de saneamento básico, adotando como referência os anos de 1989 e 1998. Os resultados indicam diferenças entre os gestores e que, além do bom desempenho da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) em aspectos operacionais, as autarquias municipais destacaram-se com os maiores valores de cobertura por rede de água;

• Rezende et al. (2007) buscaram avaliar os determinantes da presença de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos domicílios urbanos brasileiros. Evidenciou-se que dentre os modelos de prestação dos serviços as maiores chances de presença de redes domiciliares pertencem aos municípios da Região Sudeste e com gestão do tipo autarquia;

• Heller, Sperling e Heller (2009) desenvolveram uma avaliação comparativa, na dimensão tecnológica, dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário prestados em quatro municípios de Minas Gerais. A autarquia municipal destacou-se pelos mais baixos valores de tarifas praticados e pelos altos valores de atendimento por rede de esgotos. Já a COPASA, pelo alto desempenho tecnológico empregado na operação dos serviços e pelos maiores valores de tarifas adotados.

O presente artigo objetiva avaliar comparativamente as principais modalidades de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água. Cabe esclarecer que os serviços foram denominados públicos, mesmo tendo sido avaliados serviços prestados por entidades privadas, por se tratar, nesse caso, de serviços de titularidade municipal de concessão pública, que atendem por sistemas coletivos as populações beneficiadas.

Esta análise desenvolveu-se por meio da construção de um conjunto de indicadores de desempenho com o intuito de se caracterizar o comportamento dos prestadores sob diferentes aspectos.

Métodos

Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos a partir da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao ano de 2008 (BRASIL, 2010a). As informações dos serviços de abastecimento de água foram obtidas sob a forma de microdados. Sobre esta base de dados, foi aplicado um filtro, resultando em um serviço de abastecimento de água para cada município, representado por seu distrito-sede. Dessa forma, foram levantadas informações dos serviços de abastecimento de água de 5.531 cidades, atingindo a quase totalidade dos municípios brasileiros (aproximadamente 99%), considerando que o País apresentava, até agosto de 2010, 5.565 municípios (BRASIL, 2010b).

Os serviços foram classificados em função da natureza jurídico-administrativa característica de seus prestadores, resultando em quatro diferentes grupos de prestadores de serviços:

• Administração direta municipal (ADM) - serviços diretamente prestados por secretarias, departamentos ou repartições da administração direta, em esfera de atuação municipal;

• Administração indireta municipal (AIM) - serviços prestados por autarquias e empresas públicas, ambas com esfera de atuação municipal;

• Empresas privadas (PRIV) - serviços administrados por empresas com capital predominante ou integralmente privado;

• Modelos regionais (REG) - correspondente às CESBs, representadas por empresas públicas e por sociedades de economia mista, em ambos os casos com abrangência territorial estadual e sob a administração do respectivo governo estadual.

Visando à comparação entre os diferentes modelos de prestação de serviços de abastecimento de água, foram construídos nove indicadores de desempenho, especificados na Tabela 1. A seleção dos indicadores foi norteada pela natureza dos dados e informações disponibilizados pela PNSB de 2008, sendo selecionados os que pudessem originar variáveis de natureza quantitativa. Os valores dos indicadores obtidos para os serviços integrantes dos quatro grupos de prestadores dos serviços foram analisados, primeiramente, por meio de estatísticas descritivas básicas. As observações atípicas ou infrequentes, denominadas outliers, foram avaliadas de acordo com a natureza de cada indicador e, em alguns casos, excluídas das amostras de dados. Para o indicador de cobertura por rede de água, a variável referente ao número de domicílios particulares permanentes dos distritos-sede foi obtida do Censo Demográfico de 2010 (BRASIL, 2010b).

Em sequência, visando identificar diferenças entre os grupos, foi aplicado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, a um nível de significância de 0,05 (DESHPANDE, 1995; SPRENT & SMEETON, 2007). A aplicação desse método, de natureza não-paramétrica, justificou-se pela tendência de não normalidade dos dados, apresentada pelos indicadores. Este testa a hipótese nula de que as amostras independentes provêm de populações com a mesma mediana, sem exigência de que venham de populações com distribuição normal (TRIOLA, 2008). A análise de variância foi desenvolvida com o intuito de testar diferenças entre os grupos, referente a cada indicador construído. Havendo rejeição da hipótese nula de igualdade entre grupos, recorreu-se ao método de comparações múltiplas Stepwise step-down, resultando em subconjuntos com características homogêneas entre os grupos de prestadores dos serviços em função de cada indicador. A classificação das amostras foi realizada pelo método de Kruskal-Wallis, também em um nível de significância de 0,05.

As análises estatísticas foram realizadas em duas diferentes escalas de abrangência: nacional, considerando os serviços classificados apenas pelos quatro grupos; e regional, avaliando-se os serviços classificados em função dos grupos, porém sendo realizadas análises independentes dos quatro grupos para cada macrorregião do País, admitindo-se que as acentuadas diferenças que caracterizam os municípios integrantes de cada macrorregião influenciam no desempenho apresentado pelos modelos de prestação dos serviços. As análises utilizaram o software SPSS, versão 19.

Levando em conta as diferenças acentuadas em relação ao número de serviços constituintes de cada grupo, caracterizados na Tabela 2, foram aplicados os mesmos testes estatísticos indicados anteriormente em amostras de grupos de prestadores dos serviços com tamanhos homogêneos, a partir de uma seleção aleatória realizada pelo software estatístico SPSS, sobre a amostra total dos grupos. Os resultados foram semelhantes aos apresentados pela amostra total, indicando que a diferença de tamanho entre os grupos possivelmente não provocou vieses na análise.

Resultados

Estatística descritiva

A distribuição dos serviços avaliados em função dos grupos, e os valores de mediana de cada indicador de desempenho estão apresentados na Tabela 2. Outras informações sobre a distribuição dos indicadores dos grupos são apresentadas na forma de gráficos boxplots, na Figura 1.


De acordo com a Tabela 2, percebe-se predominância dos modelos regionais em mais de 60% dos serviços avaliados para todos os indicadores, em contraponto com o grupo de empresas privadas, que apresenta valores inferiores a 5%, em todos os casos. Em relação à mediana, há semelhança nos resultados apresentados pelos grupos para o indicador de reclamações sobre qualidade da água, iguais a zero, porém, notam-se, por meio das figuras boxplots, distribuições bem assimétricas para esse e outros indicadores, o que reforça o uso de métodos não paramétricos de análises.

A Figura 1 mostra que, em geral, os grupos apresentam acentuada variabilidade de valores para os indicadores estudados, apesar da não variabilidade verificada pelo grupo das empresas privadas para o indicador de hidrometração e pelo de administração direta em relação ao indicador de reclamações sobre a qualidade da água.

A distribuição dos serviços e os valores de mediana dos indicadores, em função das diferentes macrorregiões do País, são representados na Tabela 3.

O conjunto de dados que consta na Tabela 3 indica distribuição mais homogênea do número de serviços integrantes dos grupos para a macrorregião Norte, sendo que em todas as outras macrorregiões nota-se participação predominante do modelo regional semelhante ao cenário nacional. Sobre os valores de mediana, observa-se grande variabilidade entre grupos ao longo das macrorregiões do País. Em relação ao indicador de hidrometração, o grupo de administração direta destaca-se com os menores valores de mediana em todas as macrorregiões. Já o indicador de reclamações por qualidade da água caracteriza-se por valores iguais a zero de mediana para praticamente todos os grupos.

Após a análise descritiva dos dados, foi aplicada a análise de variância não paramétrica de Kruskal-Wallis. Rejeitada a hipótese nula de igualdade das medianas dos indicadores construídos para os grupos gestores, realizou-se um ordenamento por meio do método Stepwise step-down. Os resultados obtidos pelos métodos estatísticos estão apresentados na Tabela 4, em escala nacional e em função das macrorregiões do País.

Referente aos resultados apresentados por cada indicador tem-se:

• Hidrometração: em todas as macrorregiões analisadas, o modelo de administração direta apresentou os menores índices, posicionando-se em um subconjunto isolado na maioria dos cenários avaliados. Em um cenário nacional, o grupo de empresas privadas foi o que apresentou os maiores valores, fato este que se repete também para as macrorregiões Norte, Sul e Centro-Oeste;

• Inadimplência: em um cenário nacional e para as macrorregiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, o grupo de administração direta exibe isoladamente os maiores valores para este indicador. Os menores são apresentados pelo modelo regional e por empresas privadas, sendo que o último grupo ocupa um subconjunto isolado no cenário nacional;

• Reclamações sobre falta de água por ligações: o grupo de administração indireta ocupa o subconjunto com maiores valores no cenário nacional e nas macrorregiões Norte e Sul. Nas outras regiões, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos;

• Reclamações sobre qualidade da água por ligações: o grupo de administração direta ocupa o subconjunto de menores valores em todas as dimensões analisadas. Já no cenário nacional, o de administração indireta encontra-se no subconjunto com maiores valores;

•· Reclamações sobre o valor cobrado por ligações: o grupo de modelos regionais destaca-se pelos maiores valores em todos os cenários apresentados, ocupando subconjuntos isolados, em escala nacional e também na macrorregião Nordeste. Já o de administração direta apresenta os menores valores neste quesito;

• Pessoal ocupado na operação e/ou manutenção por ligações: o grupo de modelos regionais destaca-se com os menores valores para este indicador em um cenário nacional e o de administração direta ocupa o subconjunto com os maiores valores. Os resultados para as regiões demonstraram grande variabilidade entre os grupos;

• Pessoal ocupado nas atividades administrativas por ligações: para este indicador o grupo de administração indireta destaca-se isoladamente com os maiores valores em escala nacional e também considerando as macrorregiões Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste;

• Perdas físicas: o grupo de administração direta destaca-se por ocupar isoladamente o subconjunto com menores valores em todas as escalas de avaliação. Já o modelo regional, apresenta os maiores valores em todos os cenários, com exceção da macrorregião Sudeste;

• Cobertura: o modelo regional ocupa isoladamente o subconjunto de menores valores em um cenário nacional, como também nas regiões Norte e Nordeste, embora com desempenho superior no Centro-Oeste. Nas demais macrorregiões, não se identifica um padrão único, com superioridade dos modelos de administração direta no Nordeste e Sul e do grupo de empresas privadas no Norte.

Discussão

Os resultados obtidos das análises estatísticas permitiram identificar particularidades dos grupos referentes ao desempenho apresentado pelo serviço caracterizado pelos indicadores avaliados.

Os serviços prestados sob a forma de administração direta destacaram-se pelos mais baixos valores de hidrometração. Esse resultado pode estar relacionado diretamente a deficiências nas atividades de operação dos sistemas, sendo que a ausência de micromedição dificulta a cobrança realista do consumo de cada usuário e pode comprometer a sustentabilidade econômica dos serviços. A Lei nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007) estabelece essa característica como um princípio norteador para a política de saneamento básico. Por outro lado, esse grupo apresenta o melhor desempenho em relação às perdas físicas. Deve-se ressaltar a possível fragilidade deste indicador, já que, em muitos serviços, a mensuração do nível de perdas de água que ocorrem nas etapas de produção e distribuição dos sistemas pode ficar comprometida pela falta de aparato tecnológico. Miranda (2010), a partir de um amplo levantamento, destaca a falta de linguagem uniforme para esse indicador, tanto nos termos e em suas definições, quanto nas fórmulas adotadas.

O grupo de administração indireta apresentou valores para os índices de hidrometração e de inadimplência superiores ao de administração direta, mostrando o ganho de um serviço em estar desmembrado das outras atividades que envolvem a gestão pública municipal. Cabe ressaltar que as autarquias de água e esgoto caracterizam-se como um ente administrativo autônomo, tendo como princípio fundamental a descentralização dos serviços. Segundo a FUNASA (2003), esse arranjo torna mais eficiente o processo de gestão e evita o compartilhamento de poderes, como ocorre na administração direta. Por outro lado, o grupo apresenta número elevado de reclamações por falta de água por ligações quando comparado aos demais. Este resultado pode ser consequência de deficiências desses serviços, entre elas a inadequada concepção e operação dos sistemas de distribuição de água e o baixo investimento em expansão e atualização da infraestrutura.

As empresas privadas destacaram-se com os maiores valores de hidrometração em todas as dimensões avaliadas. Contrariamente aos serviços de administração direta, esses são baseados em uma lógica empresarial e buscam obter lucros com a prestação dos serviços. A receita para esta modalidade está intimamente ligada aos recursos advindos das tarifas pagas pelos usuários, resultando em serviços mais bem estruturados levando em conta este quesito. Para esse grupo, identificam-se também baixos valores de inadimplência. O bom desempenho pode ser atribuído a uma política de controle mais rigorosa, incluindo a interrupção dos serviços a usuários inadimplentes, prevista na Lei nº 11.445/2007, para casos de inadimplência superior a 30 dias após notificação.

Em relação aos modelos regionais, se destacam por um alto desempenho para o indicador de hidrometração e baixos índices de inadimplência. Este fato pode ser possivelmente explicado pela mesma lógica empresarial que norteia as empresas privadas. O grupo em questão é representado, em sua maioria, por entidades paraestatais com capital público e privado. Considerando o atendimento ao público, o modelo regional apresenta a maior quantidade de reclamações sobre o valor cobrado por ligações residenciais, o que demonstra deficiência dos modelos regionais nesta questão. O elevado número de reclamações pode ser atribuído tanto a erros de faturamento quanto a valores elevados cobrados por esses serviços. Tarifas superiores desse grupo, em relação a outros modelos de prestação, foram encontradas nos estudos de Heller, Coutinho e Mingoti (2006) e Heller, Sperling e Heller (2009).

Especificamente sobre o indicador "cobertura por rede de água", destaca-se o desempenho inferior, de maneira geral, do modelo regional, quando comparado a grupos de administração direta e indireta. Esse fato expõe uma fragilidade herdada pelo modelo PLANASA em se atingir a universalidade do atendimento por rede de água por meio das CESBs. Em contrapartida, os grupos de administração direta e indireta apresentam valores superiores de atendimento em um cenário nacional e nas macrorregiões Norte, Nordeste e Sul, o que pode colocar em questão as reais potencialidades da economia de escala obtida com a regionalização, não confirmadas pelos resultados da pesquisa (FRONE, 2008; OKUN, 1977; ROUSE, 2009). Cabe esclarecer que as companhias estaduais foram, durante um longo período, a única modalidade de prestação dos serviços contemplada pela política de financiamento federal pautada pelo PLANASA.

Destacam-se os valores superiores de pessoal alocado nas atividades operacionais dos serviços de administração direta e de pessoal administrativo alocado nos de administração indireta. Este resultado pode ser avaliado sob dois diferentes olhares: se por um lado um contingente elevado de pessoal pode indicar prestação mais eficiente dos serviços, por outro pode refletir na alocação de pessoal para as atividades meio e fim superior à necessária, implicando maiores custos na prestação desses serviços.

Conclusão

O presente trabalho, ao avaliar comparativamente as diferentes modalidades de prestação de serviços de abastecimento de água, procura contribuir para o campo de políticas públicas de saneamento básico sob uma abrangência nacional. Os resultados apresentados mostram particularidades dos modelos de prestação dos serviços. Destacam-se positivamente os modelos regionais e empresas privadas no tocante a aspectos financeiros, impulsionados pelos índices de hidrometração e inadimplência. Já os serviços de administração indireta, se sobressaem por valores inferiores de reclamações sobre o valor cobrado pelos serviços quando comparados aos outros grupos avaliados, fato que pode ser atribuído a tarifas mais módicas praticadas por este gestor.

Sobre a metodologia utilizada, considera-se que permitiu a comparação dos grupos por meio dos métodos estatísticos aplicados para cada indicador. Vislumbra-se, em trabalhos futuros, comparação do desempenho dos modelos de prestação dos serviços como um todo a partir do agrupamento dos indicadores utilizados nesta análise por métodos estatísticos multivariados. Os métodos em questão permitem simplificar ou facilitar a interpretação do fenômeno que está sendo estudado pela análise simultânea de variáveis que sintetizem a informação original dos dados (HAIR et al., 2009; MINGOTI, 2007).

Identifica-se como uma das limitações deste trabalho a qualidade das informações fornecidas pelos prestadores de serviço ao IBGE, quando da aplicação da PNSB, muitas vezes apresentando dados inconsistentes, sendo necessário estabelecer critérios de corte. Também foram evidenciadas certas deficiências em relação à configuração do questionário aplicado pelo IBGE aos municípios, comprometendo a construção de importantes indicadores. Entretanto, deve ser destacado o ganho em escala que apresenta a pesquisa, permitindo comparação entre todas as modalidades de prestação de serviços, inclusive o modelo de administração direta, em um significativo universo de mais de 5 mil observações.

O artigo mostra-se relevante ao se considerar o atual momento institucional que atravessa o setor de saneamento básico, com a promulgação da Lei nº 11.445/2007, bem como pelas mudanças já evidenciadas em consequência deste momento. Podem ser exaltados os esforços regulatórios dos estados e municípios, com a criação de entes reguladores e a realização de atividades de planejamento, representados pela elaboração de planos municipais de saneamento básico e do Plano Nacional.

Diante do exposto, este estudo poderá contribuir para a escolha futura do modelo de prestação do serviço a ser adotado pelos titulares dos serviços de saneamento básico. O estudo também propiciou um retrato atual da situação dos serviços de abastecimento de água existentes no País, caracterizados pelos diferentes modelos de prestação.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa de doutorado a Pedro Gasparini Barbosa Heller.

Recebido: 14/09/11

Aceito: 09/11/12

Reg. ABES: 51

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  • Endereço para correspondência:

    Pedro Gasparini Barbosa Heller
    Avenida Marechal Castelo Branco, 2.765 - Santo Antônio
    35701-24 - Sete Lagoas (MG), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Set 2011
    • Aceito
      09 Nov 2012
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