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A influência do tempo de detenção celular e decaimento endógeno na estequiometria de reações em processos biológicos de tratamento de águas residuárias: I - Crescimento quimioheterotrófico

The influence of cell detention time and endogenous decay on the stoichiometry reactions of biological processes in wastewater treatment: I - Chemoheterotrophic growth

Resumos

No metabolismo quimioheterotrófico, um mesmo substrato orgânico é utilizado como fonte de energia e síntese celular. Este artigo apresenta uma metodologia que pode ser usada para calcular a estequiometria do metabolismo quimioheterotrófico considerando o tempo de detenção celular e o decaimento endógeno. O método se baseia em princípios da bioenergética e é útil para o desenvolvimento de balanços de massa em processos biológicos de tratamento de águas residuárias. Também serve para se estimar as necessidades de nutrientes, alcalinidade e aceptores de elétrons para as reações desejadas, assim como a biomassa formada e gases produzidos.

estequiometria de reações biológicas; tratamento biológico de águas residuárias; bioenergética; respiração endógena


In chemohetrotrophic metabolism, an organic substrate is used as energy and cell synthesis sources. This article presents a methodology that can be used to calculate the stoichiometry of chemoheterotrophic metabolism, considering solids detention time and endogenous decay. The method is based on bioenergetic principles, and is useful for mass balance calculations for biological processes used in wastewater treatment. It is also applied to estimate nutrients, alkalinity and electron acceptor requirements for the intended reactions, as well as biomass and gas production.

stoichiometry of biological reactions; biological wastewater treatment; bioenergetics; endogenous respiration


ARTIGO TÉCNICO

A influência do tempo de detenção celular e decaimento endógeno na estequiometria de reações em processos biológicos de tratamento de águas residuárias. I — Crescimento quimioheterotrófico

The influence of cell detention time and endogenous decay on the stoichiometry reactions of biological processes in wastewater treatment. I — Chemoheterotrophic growth

Antonio Domingues Benetti

Doutor em Engenharia Ambiental pela Cornell University. Professor Associado do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonio Domingues Benetti Avenida Bento Gonçalves, 9.500 – Campus do Vale Caixa Postal 15.029 – 91501-970 – Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: benetti@iph.ufrgs.br

RESUMO

No metabolismo quimioheterotrófico, um mesmo substrato orgânico é utilizado como fonte de energia e síntese celular. Este artigo apresenta uma metodologia que pode ser usada para calcular a estequiometria do metabolismo quimioheterotrófico considerando o tempo de detenção celular e o decaimento endógeno. O método se baseia em princípios da bioenergética e é útil para o desenvolvimento de balanços de massa em processos biológicos de tratamento de águas residuárias. Também serve para se estimar as necessidades de nutrientes, alcalinidade e aceptores de elétrons para as reações desejadas, assim como a biomassa formada e gases produzidos.

Palavras-chave: estequiometria de reações biológicas; tratamento biológico de águas residuárias; bioenergética; respiração endógena.

ABSTRACT

In chemohetrotrophic metabolism, an organic substrate is used as energy and cell synthesis sources. This article presents a methodology that can be used to calculate the stoichiometry of chemoheterotrophic metabolism, considering solids detention time and endogenous decay. The method is based on bioenergetic principles, and is useful for mass balance calculations for biological processes used in wastewater treatment. It is also applied to estimate nutrients, alkalinity and electron acceptor requirements for the intended reactions, as well as biomass and gas production.

Keywords: stoichiometry of biological reactions; biological wastewater treatment; bioenergetics; endogenous respiration.

Introdução

Organismos necessitam de fontes de carbono, energia e nutrientes para reprodução, crescimento e manutenção. Os que usam carbono orgânico para síntese de novas células e derivam energia da oxidação de matéria orgânica são chamados quimioheterotróficos. No tratamento de águas residuárias, o metabolismo quimiohetrotrófico é utilizado em processos para remoção da demanda bioquímica de oxigênio carbonácea e na desnitrificação biológica.

A Figura 1 ilustra o processo biológico quimioheterotrófico no qual um composto orgânico doador transfere elétrons para um aceptor, com formação de produtos finais. Carbono orgânico do mesmo doador é usado para síntese de novas células, consumindo a energia que foi liberada na reação de oxidação; as siglas fe e fs representam as frações do doador usadas para energia e síntese, respectivamente.


As transformações e o transporte de energia em processos biológicos obedecem as leis da termodinâmica. A bioenergética, definida como o estudo quantitativo das relações e conversões de energia em sistemas biológicos (LEHNINGER; NELSON; COX, 1993), pode ser usada para o cálculo da estequiometria de reações biológicas. No tratamento biológico de águas residuárias, a estequiometria permite a realização de balanços de massas em reatores e estimativas das necessidades de nutrientes, de alcalinidade e de oxigênio (ou outro aceptor de elétrons) que possibilitam a ocorrência da reação biológica pretendida. Da mesma forma, a estequiometria permite estimar as quantidades de lodo biológico e de gases (CO2, N2, CH4) produzidas no processo biológico. Benetti e Dick (2006) apresentaram exemplo de aplicação para balanço de massa em planta de lodos ativados com digestão anaeróbia de lodo. O exemplo foi expandido com a inclusão da precipitação química de fósforo (BENETTI, 2008). A aplicação da bioenergética para o cálculo da estequiometria de reações biológicas no tratamento de águas residuárias foi introduzido pelo professor Perry McCarty, da Universidade Stanford, em artigos publicados nas décadas de 1960 e 1970 (McCARTY, 1965, 1971, 1972, 1975).

Atualmente, publicações da área de tratamento de águas residuárias abordam a estequiometria das reações biológicas com base nos princípios da bioenergética (RITTMANN & McCARTY, 2001; METCALF & EDDY, 2003; COMEAU, 2008). Benetti e Aquino (2010) descreveram o desenvolvimento das reações e exemplos baseados em diferentes doadores e aceptores de elétrons. Contudo, todos estes autores não consideraram a influência do tempo de detenção celular e da respiração endógena na estequiometria, o que é possível de acordo com a teoria exposta por McCarty (1975). Claramente, a consideração destas variáveis melhora a representatividade da reação estequiométrica relativa ao sistema biológico.

Este artigo objetiva apresentar a metodologia para cálculo da estequiometria de reações biológicas aplicáveis ao tratamento de águas residuárias considerando o tempo de detenção celular e a respiração endógena, conforme desenvolvido por McCarty (1975).

Metodologia

O processo representado pela Figura 1 pode ser expresso pelas Equações 1 e 2.

Sendo,

R = reação estequiométrica global balanceada;

Ra = semirreação do aceptor de elétrons;

Rs = semirreação de síntese de células bacterianas;

Rd = semirreação do doador de elétrons.

O termo Rd aparece com sinal negativo porque semirreações são usualmente expressas na forma de redução. Como será demonstrado, tanto fe quanto fs nas Equações 1 e 2 dependem do tempo de detenção celular e da respiração endógena, afetando, desta forma, a reação estequiométrica.

Por conveniência, as semirreações são escritas para um equivalente de elétron (eqe), definido como a quantidade de uma substância que libera um mol de elétrons em uma reação de oxidação. Tabelas com semirreações para síntese celular, para aceptores de elétrons e para doadores de elétrons orgânicos e inorgânicos são encontradas em publicações como Sawyer, McCarty e Parkin (2003), Metcalf e Eddy (2003) e Comeau (2008).

Gossett (1993) conceitualizou os fluxos de energia e matéria para a produção de 1 eqe de células bacterianas conforme a Figura 2.


Conforme mostrado na imagem, para a formação de 1 eqe de células, são necessários ∆Gs de energia do ATP. Para formar esta energia, a reação catabólica ∆Gr deve ocorrer "A" vezes, produzindo A·∆Gr de energia. Devido a ineficiências, somente k·A·∆Gr de energia é capturado na forma de ATP. A diferença, (1 -k)·A·∆Gr, é perdida, aparecendo na forma de calor.

Em condições de regime permanente (equilíbrio dinâmico), a energia liberada na reação e transferida para o transportador deve igualar a energia usada para síntese (Equação 3).

O valor de ∆Gr deve ser menor do que zero para que a reação seja termodinamicamente favorável. Seu valor é calculado somando-se as semirreações do doador de elétrons e do aceptor de elétrons. A energia requerida para sintetizar 1,0 eqe de células bacterianas (∆Gs) é dada pela soma de três componentes (Equação 5) (McCARTY, 1971).

O primeiro termo (∆Gp) é a energia requerida (ou liberada) para converter a fonte de carbono em piruvato, um composto que ocupa posição central em diversos caminhos metabólicos. O expoente m será -1 ou +1, se ∆Gp for menor ou maior que zero, respectivamente. O valor de ∆Gp é calculado somando-se as energias livres das semirreações do doador de elétrons e do piruvato. ∆Gn representa a energia necessária para reduzir uma fonte oxidada de nitrogênio em amônia. Os valores desta energia, calculados por McCarty (1971), são 17,46, 13,61 e 15,85 kJ/eqe células para NO3 - , NO2 - e N2, respectivamente. Quando amônia for a fonte de nitrogênio, ∆Gn é igual a zero. Finalmente, o termo ∆Gc representa a energia necessária para converter o piruvato e amônia em material celular. Este valor é constante, 31,41 kJ/eqe células.

A variável A, calculada de acordo com a Equação 4, pode ser usada para se estimar o valor do coeficiente de produção celular verdadeiro baseado em eqe. De acordo com a Figura 2, para a formação de 1,0 eqe de células são usados, do doador de elétrons, A eqe para energia e 1,0 eqe para síntese (Equação 6).

Sendo,

ae = coeficiente de produção celular verdadeiro baseado em equivalentes de elétrons (eqe células formadas por eqe do doador de elétrons usado).

Para o crescimento heterotrófico, pode-se converter ae na forma mais convencional de se expressar o coeficiente de produção celular verdadeiro (Y), em unidades de g de biomassa ativa formada por g de Demanda Química de Oxigênio (DQO) utilizada. A Equação 7 representa a semirreação de síntese celular quando amônia for a fonte de nitrogênio (McCARTY, 1975). Tem-se que 1 eqe células é igual a 5,65 g de células (1/20 mol C5H7O2N). Também, para qualquer doador de elétrons orgânico, 1 eqe do d.e é igual a 8 g de DQO (McCARTY, 1971). Com estas relações, obtêm-se a Equação 8, que relaciona Y com ae.

Quando nitrato for a fonte de nitrogênio, a semirreação de síntese celular será expressa pela Equação 9. Neste caso, 1 eqe é igual a 4,04 g de células (1/28 mol C5H7O2N). O coeficiente de produção celular será dado pela Equação 10.

Nas Equações 1 e 2, os termos fe e fs, representando as frações do doador de elétrons usados para energia e síntese, dependem do tempo de detenção celular e do coeficiente de decaimento endógeno. Isto pode ser deduzido a partir de um balanço de massa em reator de biomassa suspensa com separação de sólidos, reciclo e descarte de biomassa, típico de sistemas de lodos ativados (Figura 3).


Um balanço de massas para sólidos suspensos ativos no sistema representado na Figura 3 apresenta a forma da Equação 11.

Sendo,

dF/dt = taxa de utilização de substrato no reator (M · M-1 · T-1);

kd = coeficiente de decaimento dos organismos (M · M-1 · T-1).

Para condições permanentes, dXa/dt = 0. Também, Xao é negligenciável ( Xao ≈ 0) em comparação a Xa e Xar . Em condições permanentes, a taxa de síntese de biomassa ativa deve igualar a taxa de remoção dos organismos ativos do sistema (Equação 12).

Da mesma forma, para os sólidos remanescentes inertes,

Sendo,

fd = fração biodegradável da biomassa ativa, assumida como 0,8 por McCarty (1975).

O tempo de detenção celular no sistema (θc) é igual à massa de organismos no sistema dividido pela taxa na qual estão sendo removidos do sistema (Equação 14).

Substituindo-se a Equação 12 na 15, tem-se:

Por definição, a fração do doador de elétrons usada para síntese é dada pela razão entre a taxa de organismos formados (ativos mais inertes) e a taxa de utilização do substrato (Equação 18).

Substituindo a Equação 19 na 18 e multiplicando-se numerador e denominador por V, tem-se:

A substituição da Equação 17 na Equação 20 permite chegar à Equação 21.

O significado de cada termo da Equação 21 é:

representa a fração de sólidos suspensos voláteis (SSV) constituída pela biomassa ativa (células viáveis), responsável pela estabilização da matéria orgânica; representa a fração dos SSV não ativos (mortos) e que entram em decomposição; representa a fração dos SSV não ativos que foram decompostos.

Assim, representa a fração dos sólidos suspensos voláteis não ativos (mortos) que não foram decompostos por serem recalcitrantes à biodegradação (inertes).

Na Equação 21, fs indica o coeficiente de produção celular "efetivo" ou "observado", o qual leva em conta a biomassa formada (ativa mais os restos inertes). Por sua vez, Y representa o coeficiente de produção celular "verdadeiro", que relaciona crescimento bruto e consumo de substrato.

A Equação 21 pode ser expressa em termos de eqe, substituindo-se Y por ae (Equação 22) Neste caso, as unidades de fs serão eqe de biomassa formada (ativa mais inertes) por eqe do doador de elétrons usado.

Desta maneira, as frações do doador de elétrons direcionados para síntese e energia dependem do tempo de detenção celular, do coeficiente de produção celular verdadeiro, do coeficiente de decaimento bacteriano e da fração biodegradável da biomassa ativa.

Resultados

A aplicação do método é bastante simples. A seguir é apresentado um exemplo de cálculo estequiométrico considerando o tempo de detenção celular e o decaimento endógeno para um sistema de lodos ativados, sendo:

doador de elétrons: esgotos domésticos, representado por C10H19O3N;

aceptor de elétrons: oxigênio, O2;

fonte de nitrogênio: amônia, NH4+;

tempo de detenção celular: oito dias;

coeficiente de decaimento bacteriano: 0,05 d-1.

As semirreações e seus valores de variações de energias livres são encontrados nas publicações já referidas. Para facilitar a compreensão, é mostrado o número da semirreação conforme apresentado em Sawyer, McCarty e Parkin (2003).

Cálculo de ∆Gr (variação da energia livre de Gibbs da reação)

Semirreação de oxidação do doador de elétrons: inverso da semirreação 9.

Semirreação de redução do aceptor de elétrons: semirreação 3.

Reação global:

Sendo,

∆Go = ∆Gr = energia livre de Gibbs liberada pela reação.

A reação é favorável do ponto de vista termodinâmico (∆Go < 0).

Cálculo de ∆Gs (energia requerida para síntese)

O valor de ∆Gs é calculado pela Equação 5. Neste caso, ∆Gn é igual a zero, pois amônia é a fonte de nitrogênio; o valor de ∆Gc é constante, 31,41 kJ/eqe células; ∆Gp é calculado somando-se a semirreação de oxidação do substrato (esgoto doméstico) e a semirreação de redução do piruvato.

Semirreação de oxidação do doador de elétrons: inverso da semirreação 9.

Semirreação de redução do piruvato: semirreação 18.

Reação global:

Assim, a energia requerida para síntese de 1,0 eqe de células bacterianas é calculada substituindo-se os respectivos valores na Equação 5.

As frações do doador de elétrons usadas para síntese e energia são calculadas com as Equações 22 e 2.

Substituindo-se os valores de fs e fe na Equação 1, obtém-se:

R = 0,505.Ra + 0,495 . Rs -Rd

Neste exemplo, Ra, Rs e Rd correspondem às semirreações 3, 1 e 9, respectivamente, na referência Sawyer, McCarty e Parkin (2003).

Desta forma, a equação estequiométrica para síntese de 1,0 eqe de biomassa será:

Normalizando a Equação 23 para 1,0 mol de esgoto doméstico, obtém-se:

O método pode ser usado para diferentes doadores, aceptores e fontes de nitrogênio. Por exemplo, a Equação 25 mostra a estequiometria para a oxidação anóxica de etanol, tendo nitrato como aceptor de elétrons e fonte de nitrogênio, tempo de detenção celular de 8 dias e coeficiente de decaimento de 0,05 d-1. As frações calculadas destinadas à síntese e energia foram, respectivamente, 0,371 e 0,629:

Discussão

De acordo com a Equação 24, a oxidação aeróbia de 1,0 mol de esgotos domésticos para θc de 8 dias, kd e fd iguais a 0,05 d-1 e 0,8, respectivamente, utilizaria 6,30 mols de oxigênio e 0,25 mols de amônia e alcalinidade, produzindo 1,25 mols de biomassa. Da estequiometria também se pode calcular o coeficiente de produção celular observado (Yobs), dado pela razão entre biomassa formada (141,25 g SSV) e DQO correspondente a 1,0 mol de esgoto doméstico (400 g O2).

O Yobs pode ser calculado pela Equação 21, com o valor de Y sendo estimado pela Equação 8.

Substituindo-se os respectivos valores na Equação 21, obtém-se:

O valor é o mesmo daquele calculado pela estequiometria, exceto uma diferença de 0,03, devida à aproximação de decimais nos cálculos estequiométricos.

Benetti e Aquino (2010) calcularam a reação estequiométrica global tendo esgoto doméstico como doador de elétrons, oxigênio como aceptor de elétrons e amônia como fonte de nitrogênio, sem considerar as variáveis "tempo de detenção celular" e "decaimento bacteriano". A Equação 26 representa a reação calculada pelos autores.

Dela, tem-se que são produzidos 1,605 mol de C5H7O2N por mol de C10H10O3N usado, o equivalente a 400 g DQO. Assim, o coeficiente de produção celular é de 0,453 g SSV/g DQO usada. Este é o mesmo valor calculado com o uso da Equação 8. No caso, trata-se de coeficiente de produção celular verdadeiro, uma vez que não foi considerado o decaimento endógeno.

Observa-se, ainda, que os valores de fs e fe calculados por Benetti e Aquino (2010) para o mesmos doador e aceptor de elétrons, sem considerar o tempo de detenção celular e decaimento, foram 0,642 e 0,358. No exemplo do presente artigo, estes valores foram 0,495 e 0,505. Isto está de acordo com a teoria que indica que, à medida que aumenta o valor de θc, cresce a fração do doador direcionada para energia.

No caso da oxidação anóxica de etanol (Equação 25), 1 mol do substrato consome 1,668 mol de nitrato e de ácido, produzindo 0,156 mol de biomassa e 0,756 mol de gás nitrogênio. O coeficiente de produção celular observado, Yobs, pode ser calculado dividindo-se a biomassa formada pela DQO correspondente a 1,0 mol de etanol.

O coeficiente de produção celular verdadeiro, que relaciona crescimento bruto e utilização de substrato, para o caso de se ter nitrato como fonte de nitrogênio, é dado pela Equação 10.

O coeficiente de produção celular observado também pode ser calculado pela Equação 21.

A diferença de 0,04 observada entre os valores calculados pela estequiometria e Equação 21 é devida a cortes nos decimais da equação estequiométrica. O crescimento de organismos heterotróficos em condições anóxicas produz menos biomassa que o crescimento tendo oxigênio como aceptor de elétrons. Uma fração maior do doador de elétrons deve ser encaminhada para energia, considerando que o nitrato precisa ser reduzido a amônia antes de poder ser sintetizado em células.

O processo de determinação da reação estequiométrica global pode ser simplificado, sem a necessidade de escrever todas as reações para o cálculo de DGr e DGp. Por exemplo: sabendo-se que o doador de elétrons é esgoto doméstico e o aceptor, oxigênio, o cálculo de ∆Gr e ∆Gp seria:

∆Gr = (-semirreação 9) + (semirreação 3) = -31,80 + (-78,72) = -110,52 kJ/eqe

∆Gp = (-semirreação 9) + (semirreação 18) = -31,80 + 35,10 = +3,3 kJ/eqe.

Com isto, os valores de ∆Gs, A, fs e fe seriam calculados. A partir deste ponto, os cálculos continuariam com o uso da Equação 1 até se chegar à estequiometria final.

Conclusões

Neste artigo foi apresentado um método para calcular a estequiometria de reações em processos biológicos de tratamento de águas residuárias com crescimento heterotrófico, considerando-se o tempo de detenção celular e decaimento endógeno. O método é útil para a realização de balanços de massa no tratamento de águas residuárias e lodos, necessários para o correto dimensionamento das instalações. Também é possível determinar as necessidades de aceptores de elétrons, como oxigênio e nitrato, dos nutrientes nitrogênio e fósforo, de alcalinidade e as quantidades de biomassa e gases formados. Os princípios teóricos do método se baseiam na bioenergética, conceito que envolve o estudo quantitativo das relações e conversões de energia em sistemas biológicos. A estequiometria calculada por meio da bioenergética foi aplicada ao tratamento biológico de resíduos por artigos pioneiros de Perry McCarty nas décadas de 1960 e 1970. A aplicação do método é simples, requerendo-se conhecimento dos compostos doador e aceptor de elétrons, o tempo de detenção celular, o coeficiente de decaimento bacteriano e a fração de biomassa ativa que é biodegradável.

Recebido: 09/03/12

Aceito: 15/02/13

Reg. ABES: 270

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  • Endereço para correspondência:

    Antonio Domingues Benetti
    Avenida Bento Gonçalves, 9.500 – Campus do Vale
    Caixa Postal 15.029 – 91501-970 – Porto Alegre (RS), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Mar 2012
    • Aceito
      15 Fev 2013
    Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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