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Avaliação da eficiência da gestão dos serviços municipais de abastecimento de água e esgotamento sanitário utilizandoData Envelopment Analysis

Evaluation of municipal service management efficiency of water supply and sanitation using Data Envelopment Analysis

Resumos

O presente estudo teve por objetivo avaliar a eficiência da gestão dos serviços municipais de abastecimento de água e esgotamento sanitário utilizando-se da abordagem Data Envelopment Analysis. Foram avaliados 53 municípios prestadores de serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, conforme definições da Lei 11.445/2007, com população residente entre 50 mil e 100 mil habitantes e constantes da amostra do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Utilizaram-se na avaliação 33 indicadores de desempenho cujos resultados foram transformados em medidas adimensionais de intervalo [0, 1]. Da amostra total, nove serviços de abastecimento de água potável e três de esgotamento sanitário obtiveram avaliação com índice igual a 1 e classificação eficiente, sendo que os demais obtiveram avaliação inferior, ou seja, menores que 1 e classificação ineficiente. Na avaliação agregada da gestão do saneamento básico (abastecimento de água potável e esgotamento sanitário), somente um município obteve classificação eficiente.

eficiência; gestão; abastecimento de água; esgotamento sanitário; DEA


The present study aimed to evaluate the municipal management efficiency of water supply and sanitation using the approach of Data Envelopment Analysis. We evaluated 53 municipalities' service providers of potable water supply and sanitation, as definitions of Law 11.445/2007, with resident population between 50 thousand and 100 thousand inhabitants and from the sample of the National Information on Sanitation. Were used 33 indicators to evaluate the performance whose the results were transformed into dimensionless measures the interval [0, 1]. Of the total sample, nine services potable water supply and three sanitation obtained evaluation with index equal 1 and efficient classification, and the others had a lower valuation, in other words, lower than 1 and inefficient ranking. In the aggregate evaluation of the management sanitation (water supply and sanitation), only one municipality had efficiency classification.

efficiency; evaluation; water supply; sanitation; DEA


Introdução

O crescimento populacional elevou o consumo de água tratada e a respectiva geração de efluentes domésticos. Pesquisas relacionadas ao saneamento básico são publicadas constantemente, haja vista a estreita relação com as condições de saúde da população. As ações de saneamento podem ser consideradas preventivas para a saúde, quando garantem a qualidade da água de abastecimento e também da coleta, tratamento e disposição final adequada de dejetos humanos.

Após infindáveis discussões e proposições, a promulgação da Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico, trouxe um alento inicial, porém, em pouco tempo percebeu-se que os desafios, nela propostos pelos princípios fundamentais de: (i) universalização, (ii) integralidade, (iii) disponibilidade, (iv) eficiência e sustentabilidade econômica, (v) segurança, qualidade e regularidade e (vi) integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos, exigirá grande esforço conjunto entre as esferas de governo e os poderes públicos para a sua implementação bem como para garantir recursos a serem destinados à ampliação do atendimento à população. Isto possibilitará evoluir positivamente em busca da universalização e da integralidade dos respectivos serviços associados ao saneamento básico.

Ademais, entre as principais funções das organizações de saneamento básico estão as de garantir a eficiência dos serviços demandados pela sociedade e de atender os requisitos legais exigidos pela legislação pertinente. Porém, há falhas e desperdícios no que se refere à eficiência nos serviços prestados, como, por exemplo, as perdas de água na distribuição de 38,8% e de faturamento de 36,7%, estimadas pelo Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento - SNIS (BRASIL, 2012), além do alto consumo de energia elétrica do setor, cujos custos perdem apenas para a folha de pagamento na composição das despesas respectivas à gestão e operacionalização dos serviços públicos municipais de saneamento básico.

No Brasil, a gestão deste tipo de serviço se apresenta com grande diversidade de modelos, cada um com características específicas (LOUREIROLOUREIRO, A.L. (2009) Gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado da Bahia: análise de diferentes modelos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana), Universidade Federal da Bahia, Salvador , 187 p ., 2009). A gestão, segundo a Lei nº 11.445/2007, delimita as atividades em abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. O Decreto 7.217/2010, que regulamenta a referida Lei, estabelece como funções: planejamento, regulação, controle social, prestação dos serviços e aspectos econômicos e financeiros para os serviços públicos municipais de saneamento básico.

Dessa forma, fica evidente a necessidade de avaliar as organizações de saneamento básico de acordo com a sua infraestrutura, gestão, eficiência e sustentabilidade econômico-financeira e socioambiental, além da regularidade e continuidade dos serviços prestados. No entanto, o modelo de gestão adotado pelos serviços de saneamento é influenciado diretamente pela forma de prestação dos serviços adotados no município. Por isso, a área de saneamento tem muitos desafios a serem vencidos e a sua gestão está diretamente ligada ao bem-estar e à qualidade de vida da população (LOUREIROLOUREIRO, A.L. (2009) Gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado da Bahia: análise de diferentes modelos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana), Universidade Federal da Bahia, Salvador , 187 p ., 2009).

Associar modelos de avaliação, com vistas a proporcionar ferramental adequado de avaliação da eficiência da gestão dos serviços municipais de abastecimento de água e esgotamento sanitário que contemple as infraestruturas detalhadas na atual legislação aos correspondentes serviços de saneamento básico, constitui-se em um paradigma cuja suplantação contribuirá para a elevação dos baixos índices de cobertura no atendimento, principalmente em esgotamento sanitário e, avançar para a universalização e a integralidade dos serviços associados ao saneamento básico no Brasil. A Tabela 1 apresenta os índices de atendimento dos serviços de água (abastecimento de água potável) e esgoto (esgotamento sanitário) resultantes da pesquisa do SNIS (BRASIL, 2012).

Tabela 1
Índice de atendimento dos serviços de água e esgoto.

Modelos de avaliação têm-se utilizado da abordagem Data Envelopment Analysis (DEA) para avaliar a alocação eficiente de recursos (produtividade e eficiência técnica) e a qualidade da gestão de serviços em diversas áreas, empregando múltiplos insumos para gerar múltiplos produtos. Entre as publicações internacionais destacam-se os serviços da saúde (KIRIGIAKIRIGIA, J.M.; EMROUZNEJAD, A.; CASSOMA, B.; ASBU, E.Z.; BARRY, S. (2008) A performance assessment method for hospitals: the case of municipal hospitals in Angola. Journal of Medical Systems, v. 32, n. 6, p. 509-519. et al., 2008; MURRAY; LOPEZ; WIBULPOLPRASERTMURRAY, C.J.L.; LOPEZ, A.D.; WIBULPOLPRASERT, S. (2004) Monitoring global health: time for new solutions. British Medical Journal, v. 329, n. 7474, p. 1096-1100., 2004; PINILLOS & ANTOÑANZASPINILLOS, M.; ANTOÑANZAS, F. (2002) La atención primária de salud: descentralización y eficiencia. Gaceta Sanitaria, v. 16, n. 5, p. 401-407., 2002; RETZLAFF-ROBERTS ; CHANG; RUBINRETZLAFF-ROBERTS, D.; CHANG, C.F.; RUBIN, R.M. (2004) Technical efficiency in the use of health care resources: a comparison of OECD countries. Health Policy, v. 69, n. 1, p. 55-72., 2004), enquanto as nacionais relatam a utilização do DEA em estudos econômicos da educação e saúde (CESCONETTO; LAPA; CALVOCESCONETTO, A.; LAPA, J.S.; CALVO, M.C.M. (2008) Avaliação da eficiência produtiva de hospitais do SUS de Santa Catarina, Brasil. Caderno Saúde Pública, v. 24, n. 10, p. 2407-2417., 2008; FARIA; JANNUZZI; SILVAFARIA, F.P.; JANNUZZI, P.M.; SILVA, S.J. (2008) Eficiência dos gastos municipais em saúde e educação: uma investigação através da análise envoltória no estado do Rio de Janeiro. Revista de Administração Pública, v. 42, n.1, p. 155-177. , 2008; GONÇALVESGONÇALVES, A.C.; NORONHA, C.P.; LINS, M.P.E.; ALMEIDA, R.M.V.R. (2007) Análise envoltória de dados na avaliação de hospitais públicos nas capitais brasileiras. Revista Saúde Pública, v. 41, n. 3, p. 427-435. et al., 2007; LOBOLOBO, M.S.C.; LINS, M.P.E.; SILVA, A.C.M.; FISZMAN, R. (2010) Avaliação de desempenho e integração docente-assistencial nos hospitais universitários. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 4, p. 581-590. et al., 2010; SCARATTI & CALVOSCARATTI, D.; CALVO, M.C.M. (2012) Indicador sintético para avaliar a qualidade da gestão municipal da atenção básica à saúde. Revista de Saúde Pública, v. 46, n. 3, p. 446-455. , 2012).

Especificamente na área do saneamento básico foram encontradas três publicações estrangeiras (THANASSOULISTHANASSOULIS, E. (2000) The use of data envelopment analysis in the regulation of UK water utilities: water distribution. European Journal of Operational Research, v. 126, n. 2, p. 436-453., 2000; TUPPER & RESENDETUPPER, H.C.; RESENDE, M. (2004) Efficiency and regulatory issues in the Brazilian water and sewage sector: an empirical study. Utilities Policy, v. 12, n. 1, p. 29-40., 2004; YU & WENYU, Y.; WEN, Z. (2010) Evaluating China's urban environmental sustainability with Data Envelopment Analysis. Ecological Economics, v. 69, n. 9, p. 1748-1755., 2010) e uma brasileira (CARMO & TÁVORACARMO, C.M.; TÁVORA, J.L. (2003) Avaliação da eficiência técnica das empresas de saneamento brasileiras utilizando a metodologia DEA. In: Encontro Nacional de Economia, 31 Anais... Rio de Janeiro: ANPEC., 2003).

Metodologia

Para a avaliação da eficiência da gestão dos serviços municipais de saneamento básico foram definidas curvas de desempenho ótimo, denominadas fronteiras de eficiência para índices iguais a 1,0 e de ineficiência para índices menores que 1,0. Considerou-se eficiente a gestão observada nos serviços municipais de saneamento (SMS) representados por pontos iguais a 1,00, e ineficiente quando representados por pontos menores que 1,0. Ademais, quanto mais afastado da fronteira de eficiência for a classificação de um SMS, mais ineficiente é a sua gestão no saneamento básico. Neste contexto, o algoritmo utilizado para avaliar um SMSº contemplou vários indicadores de desempenho de modo simultâneo (IDj, j=1, 2, ..., J) e respectivas medidas (Mj, j=1, 2, ..., J) transformadas em funções monótonas e crescentes num intervalo [0, 1].

Considerados os valores observados 0≤mj≤1 das medidas Mj, j=1, 2, ..., J, resultantes da função desempenho apropriada e que não existem ou não são conhecidos padrões ótimos mj* para as medidas Mj, j=1, 2, ..., J, a gestão de um SMSº é avaliada relativamente às gestões de outros SMS similares SMSn, n=1, 2, ..., N, também avaliados sob o prisma das medidas Mj, j=1, 2, ..., J.

Há diversos modelos matemáticos que podem ser aplicados para verificar se a gestão de uma organização é eficiente ou não. Muitos deles empregam DEA e assumem que gestores podem tomar decisões que levam as medidas M1, ..., Mk a assumirem os valores m1,..., mK, conforme indicado na Equação 1, tais que:

O problema de verificar a existência de algum SMSn melhor que um SMSº pode ser resolvido verificando se existem números zn≥0, n=0, 1, 2, ..., N, como na Equação 2, tais que:

Por sua vez, para verificar se existem tais zn, foram adotadas as Equações 3 e 4, de programação linear:

Assim, para algum índice positivo (S*>0), a gestão de um SMSº é ineficiente, visto que existe indicador com medida positiva para um s*k>0, demonstrando a possibilidade dos gestores das organizações de saneamento básico diminuírem a medida de ineficiência desse SMS em pelo menos um dos indicadores sem prejudicar o desempenho em outro(s) indicador(es). Por outro lado, quando o índice for S*=0, a gestão é considerada eficiente, visto que o produto s*k=0 para todo k indica que a gestão do respectivo município SMS é eficiente. O Quadro 1 ilustra resumidamente o modelo esquemático adotado para agregar as medidas de eficiência da gestão dos serviços municipais que atuam em abastecimento de água potável e esgotamento sanitário.

Quadro 1
Modelo esquemático de avaliação da eficiência da gestão.

O modelo proposto avaliou a gestão do saneamento básico utilizando a abordagem DEA. A partir dele verificou-se a eficiência da gestão com o emprego de indicadores de desempenho de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário relativos às perspectivas de clientes, mercado, conformidade dos produtos e a situação econômico-financeira, consolidados em um indicador sintético de gestão.

O algoritmo matemático foi empregado para verificar o desempenho de um serviço municipal de saneamento básico, comparando-o com o de outros serviços municipais. Portanto, a avaliação DEA, a partir deste algoritmo matemático, produziu medidas relativas que podem variar de um serviço municipal para outro. O algoritmo delineado para as agregações das medidas foi aplicado no softwareLingo(c). A Tabela 2apresenta os indicadores de desempenho adotados no modelo de avaliação.

Tabela 2
Indicadores de desempenho aplicados ao modelo de avaliação.

Os dados necessários para empregar o modelo foram pesquisados nos bancos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do SNIS e do Programa de Modernização do Setor do Saneamento do Ministério das Cidades.

Os elementos do estudo foram municípios com população residente entre 50 mil e 100 mil habitantes, ano base 2010 (BRASIL, 2011a) e SNIS (BRASIL, 2011b), que possuíam infraestrutura instalada de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário e integrantes da respectiva amostra do SNIS. Com isso, a aplicação restringiu-se a 53 municípios.

Resultados

Na aplicação, foram gerados relatórios para cada agregação de medidas em todos os indicadores de gestão do saneamento básico (abastecimento de água potável e esgotamento sanitário) a partir do algoritmo desenvolvido para a referida agregação. A Tabela 3 representa, para um município da amostra, as medidas de eficiência da gestão de clientes (EGC), de mercado (EGM), de conformidade dos produtos (EGCP) e econômico-financeira (EGEF), bem como a eficiência da gestão de abastecimento de água potável (EGAA), de esgotamento sanitário (EGES) e do saneamento básico (EGSB).

Tabela 3
Medida da eficiência da gestão do saneamento básico por clientes, mercado, conformidade dos produtos e econômico-financeira em um município.

O algoritmo matemático aplicado na abordagem DEA para agregar as medidas da perspectiva de mercado (com três indicadores de desempenho), município nº 1 (M1) para a eficiência da gestão do abastecimento de água potável, foi o seguinte:

max=0*z1+0*z2+0*z3+, ... , +0*z53+1*s1+1*s2+1*s3;

para=z1>=0; z2>=0; z3>=0 , ... , z53>=0; s1>=0; s2>=0; s3>=0;

Ind1=1,00*z1+0,82*z2+0,21*z3+, ... , +1,00*z53-1*s1+0*s2+0*s3=0,97;

Ind2=1,00*z1+0,57*z2+1,00*z3+, ... , +1,00*z53+0*s1-1*s2+0*s3=0,95;

Ind3=0,28*z1+0,44*z2+0,09*z3+, ... , +0,53*z53+0*s1+0*s2-1*s3=0,68;

Tal que=1*z1+1*z2+1*z3+, ... , +1*z53=1;

END

Observa-se que os valores são apresentados para cada perspectiva e em cada dimensão de avaliação. Sendo assim, o valor que cada medida representada é o resultado da análise da respectiva eficiência da gestão. Contudo, os valores iguais a 1,00 indicam que o município encontra-se na fronteira daquela medida, ou seja, eficiente, e quanto menor o valor observado, mais distante do valor ideal para a determinada medida. A EGAA, bem como a EGES, indica o desempenho resultante da agregação dos valores de clientes, mercado, conformidade dos produtos e econômico-financeira. A agregação destas medidas resulta na EGSB.

O município representado na Tabela 3 tem gestão eficiente para a EGEF (1,00) no que se refere ao abastecimento de água potável. Todavia, o esgotamento sanitário apresentou eficiência na gestão em EGCP (1,00) e EGEF (1,00). Contudo, para a EGC (0,02) e EGM (0,37) da dimensão de esgotamento sanitário, e EGC (0,63), EGM (0,80) e EGCP (0,71) para abastecimento de água, a gestão é ineficiente. Consequentemente, o desempenho resultante da agregação da EGAA (0,81) e EGES (0,69) resultou em gestão ineficiente (0,75), ou seja, este município pode melhorar 25 pontos percentuais, comparativamente aos demais 52 municípios da amostra.

Diante disso, em comparação aos outros 52 municípios avaliados, este tem gestão municipal de saneamento básico ineficiente. De modo semelhante, são geradas as medidas para cada um dos municípios avaliados. Os indicadores sintéticos para os serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário estão apresentados no Quadro 2. Nele, observa-se que nove municípios obtiveram gestão eficiente (1,00) para o serviço de abastecimento de água potável (EGAA) e três para o de esgotamento sanitário (EGES).

Quadro 2
Resultados agregados em indicadores sintéticos.

A EGSB, que agrega os resultados dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário de forma concomitante, foi eficiente para apenas um município, embora seis deles tenham obtido ineficiência ≤0,10.

O menor valor observado (0,45) no Quadro 2 foi para a EGSB no município 20, enquanto a menor média dos indicadores sintéticos (valores agregados) foi verificada para a EGES4 de esgotamento sanitário (0,229), e a maior média para a EGAA1 de abastecimento de água potável (0,904).

Discussões

Pesquisas iniciadas em 1957 (FARRELL) deram origem à abordagem DEA, e na década de 1970 já estavam consolidadas duas linhas de pesquisa que utilizam programação matemática para construir fronteiras de eficiência técnica: uma originária do trabalho de CHARNES, COOPER e RHODESCHARNES, A.; COOPER, W.W.; RHODES, E. (1978) Measuring the efficiency of decision making units. European Journal of Operational Research, v. 2, n. 4, p. 429-444. (1978), que estuda medidas radiais e introduziu o termo DEA na literatura científica; e outra orientada pelo trabalho de FÄRE e LOVELLFÄRE, R.; LOVELL, C.A.K. (1978) Measuring the technical efficiency of production. Journal of Economic Theory, v. 19, p. 150-162. (1978), que estuda medidas não radiais, sendo que estas permitem mudar o processo de produção, uma vez que possibilitam alterar as proporções dos produtos e dos insumos. A medida não radial mais utilizada é a Aditiva, apresentada por CHARNESCHARNES, A.; COOPER, W.W.; GOLANY, B.; SEIFORD, L. (1985) Foundations of data envelopment analysis for Pareto-Koopmans efficient empirical production functions. Journal of Econometrics, v. 30, p. 91-107. et al. (1985), adotada na construção do algoritmo.

O método de análise envoltória de dados utiliza-se de programação linear para construir uma superfície não paramétrica ou fronteira de dados, permitindo o cálculo das eficiências relativas a esta fronteira. O DEA propõe a determinação de uma função com os parâmetros a serem estimados e não associa aos modelos qualquer estrutura de probabilidade, porém, implicitamente gera uma função de produção via programação linear (GRIGOLINGRIGOLIN, R. (2007) Setor de água e saneamento no Brasil: regulamentação e eficiência. Dissertação (Mestrado em Mercados Regulados), Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 64 p., 2007).

De acordo com CARMO e TÁVORACARMO, C.M.; TÁVORA, J.L. (2003) Avaliação da eficiência técnica das empresas de saneamento brasileiras utilizando a metodologia DEA. In: Encontro Nacional de Economia, 31 Anais... Rio de Janeiro: ANPEC. (2003), a metodologia DEA é composta por três estágios: (i) seleção das Decision Maker Units (DMUs), (ii) determinação dos inputs eoutputs, e (iii) aplicação do modelo e análise dos resultados de acordo com o tipo de retorno de escala (constante ou variável) e o de abordagem (orientada a inputs ou outputs).

Um estudo desenvolvido no Reino Unido por THANASSOULISTHANASSOULIS, E. (2000) The use of data envelopment analysis in the regulation of UK water utilities: water distribution. European Journal of Operational Research, v. 126, n. 2, p. 436-453. (2000), sobre o emprego do modelo DEA em agências regulatórias de água, demonstrou que o emprego da DEA serve como ótima ferramenta para medir o desempenho comparativo de organizações complexas, as quais funcionam melhor quanto maior for o número de DMUs e de variáveis avaliadas.

Por sua vez, YU & WENYU, Y.; WEN, Z. (2010) Evaluating China's urban environmental sustainability with Data Envelopment Analysis. Ecological Economics, v. 69, n. 9, p. 1748-1755. (2010) utilizaram a DEA para avaliar a evolução da sustentabilidade ambiental relativa a 46 cidades chinesas. Os resultados demonstraram que 24% das constantes na amostra são relativamente sustentáveis.

No Brasil, não há relatos na literatura de avaliação da eficiência da gestão dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário utilizando a DEA. Duas pesquisas semelhantes foram realizadas. Em uma delas, produzida por CARMO e TÁVORACARMO, C.M.; TÁVORA, J.L. (2003) Avaliação da eficiência técnica das empresas de saneamento brasileiras utilizando a metodologia DEA. In: Encontro Nacional de Economia, 31 Anais... Rio de Janeiro: ANPEC. (2003), foi utilizada a abordagem DEA (retorno constante) para avaliar a eficiência técnica das empresas de saneamento no Brasil. Observou-se que 15 delas (57,69%) foram eficientes. Quando verificadas sob o foco DEA-V (retornos variáveis de escala), 21 (80,77%) foram consideradas eficientes.

O outro trabalho, conduzido por TUPPER & RESENDETUPPER, H.C.; RESENDE, M. (2004) Efficiency and regulatory issues in the Brazilian water and sewage sector: an empirical study. Utilities Policy, v. 12, n. 1, p. 29-40.(2004), avaliou a eficiência de 20 companhias estaduais de água e esgoto durante o período 1996 a 2000. O estudo utilizou-se da DEA para medir a eficiência relativa a partir de três insumos (despesas de pessoal, custos operacionais e outros custos operacionais) e quatro produtos (água produzida, esgoto tratado, população atendida com água e população atendida com esgoto tratado).

A presente pesquisa apontou potencial de aplicação da abordagem DEA em processos avaliativos da gestão do saneamento básico, o que demonstrou também que deve haver maior importância na identificação das ineficiências em relação à qualidade dos serviços prestados, pois há poucos estudos aplicados à gestão de organizações do setor do saneamento básico. A utilização de um algoritmo matemático para construir um indicador sintético permitiu identificar as possibilidades de melhoria das ineficiências da gestão municipal do saneamento básico a partir de indicadores, perspectivas e dimensões de gestão.

A visualização dos resultados finais da avaliação pode ser observada nas Figuras 1 e 2, a partir da geração das fronteiras de eficiência da gestão. A Figura 1 ilustra os indicadores sintéticos agregados das perspectivas: cliente, mercado, conformidade dos produtos e econômico-financeira para as dimensões abastecimento de água potável e esgotamento sanitário. Nela observa-se ainda o ponto ótimo (1, 1), conquistado por apenas um SMS, além de nove SMSs com EGAA e três com EGES.

Figura 1
Resultados sintéticos da eficiência do abastecimento de água potável e do esgotamento sanitário.

Figura 2
Resultados sintéticos da eficiência da gestão do saneamento básico.

Já na Figura 2 pode-se verificar os indicadores sintéticos entre os serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário por município. Apenas um município tem EGSB eficiente, com S=0. Os demais 52 municípios têm valores S>0, o que indica as suas ineficiências.

Embora os resultados mencionem apenas 1 SMS no ponto ótimo (1, 1) de eficiência da gestão municipal de saneamento básico, cabe ressaltar que 13,2% dos SMSs analisados apresentaram índices ≥90,0% no desempenho (0,90). Portanto, deve-se dar mais atenção à gestão dos respectivos serviços desempenhados e/ou concedidos pelos municípios, haja vista a importância e as oportunidades de melhorias disponíveis atualmente no Brasil no que se refere ao saneamento básico.

Conclusão

O modelo de avaliação apresentado teve como base a análise envoltória de dados para avaliar a eficiência da gestão dos serviços municipais de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, e os resultados finais indicam que os municípios, na sua grande maioria, têm importantes ineficiências associadas à gestão econômico-financeira, na conformidade dos produtos e serviços prestados e no atendimento ao mercado e aos clientes. Parte destas ineficiências pode ser creditada ao descaso político-governamental e ao baixo investimento no setor de saneamento básico que perdurou nas últimas décadas.

A DEA utilizada permitiu determinar a eficiência dos serviços de organizações e pode ser adotada de diversas formas, já que há poucos estudos relacionados à sua aplicação na avaliação da eficiência da gestão do saneamento básico. Ademais, o estudo foi de fundamental importância para demonstrar a ineficiência da gestão dos serviços municipais de saneamento, principalmente porque eles, no Brasil, não têm concorrência direta, o que credita à ineficiência uma das principais ameaças para o desempenho das organizações do setor.

Considerando-se que esta pesquisa contemplou em sua avaliação o saneamento básico nas dimensões de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, o modelo proposto pode ter sua aplicação estendida aos demais municípios brasileiros, e também incluir os serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos e/ou drenagem urbana.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2012
  • Aceito
    09 Ago 2013
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