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Aplicação de técnicas Fuzzy no controle de pressão em sistemas de abastecimento de água

Application of Fuzzy techniques to control pressure in water supply systems

Resumos

O trabalho apresenta o desenvolvimento de um sistema Fuzzy para o controle de pressão de redes de distribuição de água, por meio da utilização de conversores de frequência acoplados aos conjuntos motor-bomba. Todo o estudo foi desenvolvido em uma bancada experimental instrumentalizada, simulando um sistema de abastecimento real. A utilização de conjuntos motor-bomba em paralelo gerou ao sistema um grande número de possibilidades de combinação das variações de velocidade dos conjuntos motor-bomba, com velocidades de rotação diferentes. O controlador Fuzzy identifica a melhor opção, referente ao consumo energético do sistema, e toma a decisão alusiva ao estado dos motores (ligado, desligado ou com rotação parcial). Todo esse processo é realizado na condição de atender a demanda de vazão do sistema, além de manter a pressão constante com o menor consumo energético possível.

controle Fuzzy; eficiência energética; eficiência hidráulica; abastecimento de água


The paper presents the development of a Fuzzy system for the pressure control of distribution of water through the use of frequency converters coupled to the motor-pump assemblies. The entire study was conducted in an instrumentalized bench trial simulating a real supply system. The use of pump-motor sets in parallel with the system generated a great number of combination possibilities of variations in speed of the motor-pump assemblies, with different speeds of rotation. The Fuzzy controller identifies the best option for the energy consumption of the system and makes the decision alluding to the state of the engines (on, off or partial rotation). This entire process is performed under the condition of meeting the demand flow system, and maintain constant pressure with the lowest possible energy consumption.

Fuzzy control; power efficiency; hydraulics efficiency; water supply


Introdução

Atualmente as companhias de abastecimento e distribuição de água têm se preocupado com a conservação de energia, em especial a de energia elétrica, devido à sua ligação direta com questões econômicas e ambientais. São raros os sistemas de distribuição de água que operam exclusivamente por gravidade, sendo dotados, no mínimo, de um conjunto motor-bomba para recalcar água a diversos pontos (reservatórios, rede hidráulica e adutoras) (BEZERRA, 2009BEZERRA, S.T.M. (2009) Sistema Fuzzy para o Controle Piezométrico de Sistemas de Distribuição de Água Visando a Economia de Água e Energia. Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. 161 p.). Além disso, o intenso processo de urbanização, nas últimas décadas, tem exigido grandes esforços no âmbito técnico, organizacional e financeiro das empresas de saneamento, principalmente devido ao consequente aumento das demandas de água para abastecimento. Os sistemas de distribuição de água estão cada vez mais complexos e maiores, resultando em elevados gastos com a produção de água tratada e com a energia elétrica proveniente do funcionamento de motores elétricos.

Segundo Gomes e Carvalho (2012)GOMES, H.P. & CARVALHO, P.S.O. (2012) Manual de Sistema de Bombeamento - Eficiência Energética. João Pessoa: Editora da UFPB., os sistemas de abastecimento e esgotamento sanitário são responsáveis por aproximadamente 3% da energia consumida no mundo. De acordo com o Programa Nacional de Conservação de Energia para o setor de saneamento â€" Procel Sanear â€", entre 2 e 3% do consumo total de energia elétrica no nosso país, equivalente a cerca de 10 bilhões de kWh/ano, são consumidos por prestadoras de serviço de água e esgotamento sanitário.

Parte desses gastos é fruto da utilização de equipamentos de bombeamento de baixo rendimento (velhos, antigos e mal dimensionados), de linhas adutoras com excesso de perda de carga, da falta de manutenção dos sistemas, de procedimentos operacionais inadequados, entre outros fatores. Assim, a adequação dos sistemas de abastecimento a níveis aceitáveis de eficiência, principalmente buscando a redução no consumo de energia, é imperativa.

Diante desse cenário, nos últimos anos as empresas prestadoras de serviço de saneamento estão buscando adotar medidas para aumentar sua eficiência energética. Com isso, tentam diminuir seus custos operacionais, além de abraçar toda a causa ambiental oriunda da redução do consumo energético. Porém, é evidente que o combate a esse excesso de consumo de energia deve ser feito sem que haja comprometimento na qualidade do serviço de abastecimento.

Segundo Bezerra e Silva (2009)BEZERRA, S.T.M. (2009) Sistema Fuzzy para o Controle Piezométrico de Sistemas de Distribuição de Água Visando a Economia de Água e Energia. Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. 161 p. a forma mais impactante para amortizar o volume de água fornecido, sem que haja racionamento e/ou "racionalização forçada", é a diminuição das perdas de água, através da redução da pressão dos sistemas.

Os trabalhos relativos ao controle de pressão e vazão em sistemas de distribuição de água, principalmente os alimentados diretamente por conjuntos motor-bomba, apontam, principalmente, para a implantação de conversores de frequência. Rodrigues (2007)RODRIGUES, W. (2007) Critérios para o Uso Eficiente de Conversores de Frequência em Sistemas de Bombeamento de Água. Tese (Doutorado) 237 p., Programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo. afirma que conversores de frequência incrementados aos sistemas de bombeamento com a função de manter a operação em níveis necessários ao pleno atendimento das demandas podem evitar desperdícios ao proporcionar um melhor controle operacional.

Os conversores de frequência vêm se tornando quase que uma unanimidade, porém, a sua utilização implica em uma série de comandos e decisões que, a princípio, estão sendo tomadas pelas concessionárias de forma empírica.

Para o aproveitamento da potencialidade dos conversores de frequência, é imprescindível o desenvolvimento e/ou aplicação de técnicas que busquem a otimização do processo. Nesse sentido, é fundamental um controle e acompanhamento das faixas de rendimento em que operam os conjuntos motor-bomba, a fim de mantê-los em níveis aceitáveis, de forma a não comprometer os bons resultados elétricos dos sistemas.

Percebe-se, então, que quanto mais extenso for o sistema de distribuição de água, maiores serão os problemas operacionais em decorrência dos muitos elementos potencialmente sujeitos às mudanças de estado envolvidas no transporte da água. A gama de possibilidades de decisões operacionais faz com que os técnicos das empresas não tenham pleno domínio do comportamento do sistema. Na maioria dos casos, as regras operacionais implementadas ficam sujeitas a elevado grau de empirismo, simplesmente com o objetivo de garantir a continuidade do abastecimento público, sem a preocupação de alcançar uma eficiência operacional e econômica. Os procedimentos de controle operacional têm um forte componente heurístico em que a qualidade das decisões fica vinculada à experiência dos operadores e raramente se faz um acompanhamento da eficiência hidráulica e energética dos sistemas.

Pode-se deduzir, então, que, buscando viabilizar o seu correto funcionamento e dentro da realidade mundial de informatização dos processos, é imprescindível a aplicação de técnicas computacionais na sua operação. Nesse sentido, torna-se imprescindível a utilização da automação associada a equipamentos eficientes e sofisticados (válvulas, medidores, transdutores etc.) gerando subsídios para melhoria da gestão, operação e manutenção dos sistemas de abastecimento, enquadrando-os na grande necessidade mundial de sustentabilidade e eficiência energética.

Nesse sentido, o trabalho teve como objetivo desenvolver um sistema de controle, fundamentado em técnicas de controle Fuzzy, capaz de controlar um sistema de abastecimento de água. O produto desenvolvido manterá a pressão no sistema em níveis constantes por meio da variação da velocidade de rotação dos conjuntos motor-bomba. Além disso, toda essa ação deverá ser feita buscando sempre os maiores rendimentos dos conjuntos motor-bomba e os menores valores de consumos energético.

Sistemas Fuzzy

No trabalho desenvolvido, aplicaram-se técnicas da lógica Fuzzy no processo de automação. A lógica Fuzzy é um sistema de decisão que vem sendo amplamente utilizado em várias áreas da sociedade que lidam com imprecisão. Em 1965, o professor Lotfi A. Zadeh publicou um trabalho exaltando as virtudes da incerteza, lançando as bases da lógica Fuzzy. O autor mostrou que a vida está sujeita às imprecisões, que são características de sistemas complexos para nossas cartesianas conclusões. O mundo Fuzzy foi de encontro à lógica de Aristóteles. Segundo Kosko (1993)KOSKO, B. (1993) Pensamiento Borroso: La Nueva Ciencia de la Lógica Borrosa. Barcelona: Crítica., Zadeh é personalidade marcante na ciência e tecnologia da nossa época. Seus trabalhos têm impacto em muitas áreas científicas, com uma forte influência nas áreas de controle e tomada de decisão.

A lógica Fuzzy trata com conceitos inexatos, sendo uma técnica de caracterização de classes que não define limites rígidos entre elas. A sua utilização é indicada sempre que se lida com ambiguidade, abstração e ambivalência em modelos matemáticos ou conceituais de fenômenos empíricos. Dadas suas características intrínsecas, a lógica Fuzzy é capaz de incorporar tanto o conhecimento objetivo (de dados numéricos) quanto o conhecimento subjetivo (de informações linguísticas). Diante da indagação "por que utilizar a lógica Fuzzy?", Jang e Gulley (1995)JANG, J.S.R. & GULLEY, N. (1995) Fuzzy Logic Toolbox Userâ€(tm)s Guide. Natick, MA: Math Works. responderam à questão com os seguintes argumentos: o sistema Fuzzy é flexível; possibilita, facilmente, ajustes para pequenas alterações na planta; os conceitos matemáticos da lógica são simples; a modelagem é tolerante com dados imprecisos; é possível criar um sistema Fuzzy para corresponder a qualquer conjunto de entradas e de saídas de dados, possibilitando a modelagem de sistemas complexos, com funções não-lineares; pode ser construída com base na experiência de especialistas; pode ser integrada às técnicas convencionais de controle, simplificando e/ou ampliando as possibilidades e recursos destes métodos e é baseada na linguagem natural do ser humano.

As primeiras aplicações de controle Fuzzy de processos industriais apareceram na Europa no início dos anos 70. Em 1976, na Dinamarca, Circle Cemente e Sira utilizaram, pela primeira vez, um sistema Fuzzy industrial no controle de fornos de fábricas (REZNIK, 1997REZNIK, L. (1997) Fuzzy Controllers. Newnes, Reino Unido. Disponível em: <http://books.google.com/books?hl=ptBR&lr=&id=ar084SktfQC&oi=fnd&pg=PP9&dq=REZNIK,+1997&ots=eqV4i5yAO1&sig=jtgNcSobVfxL2fmy59rb6jyz5b0#PPP9,M1>. Acesso em: 5 set. 2008.
Disponível em: <http://books.google.com/...
). Em 1987, inaugurou-se com sucesso o primeiro trem controlado com lógica Fuzzy, no sistema do metrô de Sendai (Japão). Foi também neste ano que a Yamaha desenvolveu seu helicóptero não-tripulado, Yamaha-50, totalmente controlado por um controlador Fuzzy, dando origem à era do desenvolvimento tecnológico proporcionado por essa teoria. Entretanto, foi em 1990 que essa teoria atingiu a popularidade, com o lançamento no mercado da primeira máquina de lavar roupas Fuzzy, da Matsushita Electric Industrial Co., marcando o início do desenvolvimento de produtos de consumo (REZNIK, 1997REZNIK, L. (1997) Fuzzy Controllers. Newnes, Reino Unido. Disponível em: <http://books.google.com/books?hl=ptBR&lr=&id=ar084SktfQC&oi=fnd&pg=PP9&dq=REZNIK,+1997&ots=eqV4i5yAO1&sig=jtgNcSobVfxL2fmy59rb6jyz5b0#PPP9,M1>. Acesso em: 5 set. 2008.
Disponível em: <http://books.google.com/...
).

Desde então, só vem aumentando a utilização da lógica Fuzzy no controle dos sistemas industriais. Além disso, existe uma forte tendência de migração, nos equipamentos mais modernos, do controle "tradicional" para os sistemas "inteligentes".

Sistema de inferência Fuzzy

Para o desenvolvimento do sistema é criada uma base de regras que relaciona as variáveis do controlador, obtendo conclusões a partir das variáveis de entrada. As regras mais comumente utilizadas são as sentenças linguísticas e são extremamente importantes no desempenho de um sistema de inferência Fuzzy. As regras normalmente são fornecidas por especialistas, conhecedores do sistema, operadores de plantas ou processos industriais quando da aplicação de controle e modelagem Fuzzy.

Os sistemas Fuzzy raciocinam com os conjuntos linguísticos, definidos pelas variáveis de entrada e de saída, ao invés de proposições lógicas bivalentes (modelo bolleano). A forma geral de uma inferência Fuzzy é:

SE<condições>ENTÃO<conclusão>. Exemplo: SE pressão=< muito alta> E vazão=<baixa> ENTÃO válvula <abrir>.

Um especialista humano deverá formular o conjunto de regras Fuzzy, articulando associações de entrada e saída linguísticas. O sistema Fuzzy produzirá estimativas de um sistema não-linear complexo sem recorrer a modelos matemáticos.

O conectivo mais utilizado (e o único utilizado neste trabalho) é o "E", aplicado como multiplicativo. Porém, conectivos do tipo "E NÃO", contrários ao anterior, também são possíveis. O que geraria regras do tipo:

SE pressão=< muito baixa> E NÃO=<zero>ENTÃO ....

Outra possibilidade é utilizar uma constante na conclusão, ocasionando as vantagens de gerar regras mais simples e intuitivas:

SE pressão=< muito baixa> LOGO controle=<10>.

Assim essas "ordens" linguísticas determinam as ações do controlador.

Metodologia

Os experimentos foram realizados em uma bancada compacta, do Laboratório de Eficiência Energética e Hidráulica em Saneamento da Universidade Federal da Paraíba (LENHS/UFPB). A bancada está aparelhada com equipamentos, de forma a oferecer total condição de simulação de um sistema de abastecimento real.

Ela é composta de dois conjuntos motor-bomba monobloco de 3 CV operando em paralelo e acionados por conversores de frequência; uma válvula proporcional para o controle da vazão; um transdutor de pressão; uma fonte de alimentação; dois medidores de vazão; uma placa de aquisição de dados para coletar e armazenar os dados, além de toda uma estrutura de tubos, conexões e reservatórios que simulam um sistema de abastecimento real. A Figura 1 mostra a bancada experimental utilizada neste trabalho e todos os equipamentos necessários. Foram utilizados transdutores de pressão (Figura 1A), válvula solenoide (Figura 1B), placa de aquisição de dados (Figura 1C), conversores de frequência (Figura 1D) e conjuntos motor-bomba com uma rede de tubos e conexões (Figura 1E).

Figura 1
Bancada experimental.

Os conjuntos motor-bomba são responsáveis por fornecer energia ao sistema de distribuição de água na forma de vazão e pressão. São utilizados dois conjuntos para simular a operação de grandes sistemas, em que a utilização de um único equipamento não é suficiente para atender os períodos de maiores demandas. A válvula proporcional (PV), a jusante do transdutor de pressão (PT), tem a função de alterar as condições de operação do sistema, proporcionando a variação da vazão demandada. À medida que a PV fecha, menor será a vazão e, consequentemente, maior a pressão a montante dessa. O PT é responsável por medir a variável de controle (pressão), transmitindo-a em corrente elétrica (4-20 mA) para a placa de aquisição de dados. Os medidores de vazão (FT) fornecem as vazões individuais de cada bomba e, consequentemente, a vazão total do sistema. A Figura 2 mostra o esquema do experimento.

Figura 2
Esquema do experimento.

O conjunto funcionará semelhante a um sistema de abastecimento por injeção direta na rede, devendo atender a uma vazão demandada mantendo uma pressão constante. Também será necessário um controle no acionamento dos conjuntos motor-bomba uma vez que, devido à variação de vazão natural requerida pelo do sistema, em alguns momentos não será necessário o acionamento dos dois conjuntos motor-bomba (CMB1 e CMB2).

Controladores Fuzzy

Para o sistema desenvolvido foram criados três controladores Fuzzy. Um responsável pelo acionamento do conjunto motor-bomba principal, denominado Fuzzy Primário, o segundo responsável pelo acionamento do conjunto motor-bomba secundário, denominado Fuzzy Secundário e o terceiro, responsável por definir o instante em que o conjunto motor-bomba deverá ser acionado, denominado Fuzzy Acionamento.

O controlador Fuzzy Primário está envolvido em todo o processo de bombeamento, seja nos períodos de menor vazão requerida (faixa hachurada - Figura 3), quando é necessário apenas o acionamento de um conjunto motor-bomba, ou nos períodos de maior consumo, quando será necessário o funcionamento dos dois conjuntos motor-bomba, para suprir toda a vazão requerida pelo sistema (faixa sem hachuras - Figura 3). Porém, apesar de estar presente em todo o processo, sua função é de controlar apenas o conjunto motor-bomba primário (CMB1).

Figura 3
Curva de demanda do sistema com combinação de atuação dos controladores.

Através da pressão a ser controlada e da sua derivada, o controlador Fuzzy Primário determinará um delta de rotação que será somado à rotação do conjunto motor-bomba primário â€" sistema em malha fechada. O delta de rotação pode assumir valores positivos e negativos, consequentemente, a rotação do conjunto motor-bomba primário poderá aumentar ou diminuir. Essa ação implica no aumento ou redução da pressão a ser controlada, possibilitando, assim, o ajuste da mesma. A Figura 4 mostra como funciona esse fluxo de dados.

Figura 4
Fluxograma do controlador Fuzzy Primário.

Perceba que a nova rotação do CMB primário (Rotação do CMB Primário 2) altera as condições do sistema de bombeamento, gerando uma nova pressão e, consequentemente, uma nova derivada dessa pressão (Pressão 2 e Derivada Pressão 2). Esses novos parâmetros fazem com que o ciclo torne-se infinito e realizado a cada um segundo. Outros fatores também alteram a condição inicial do sistema (Pressão e Derivada da Pressão): as interferências externas (aumento ou diminuição do consumo, rompimento de tubulações etc.), e o controlador Fuzzy Secundário.

O controlador Fuzzy Secundário só é acionado e consequentemente também interferindo no controlador Fuzzy Primário, quando a vazão demandada pelo sistema não é suprida apenas pelo CMB1. Esse instante é determinado pelo controlador Fuzzy Acionamento.

O controlador Fuzzy Acionamento está envolvido apenas no processo de definir o exato momento em que o conjunto motor-bomba secundário deverá ser acionado. Optou-se por utilizar um controlador Fuzzy para essa decisão exatamente por não existir um valor preciso e/ou fixo para que isso ocorra. Essa ação pode ser realizada dentro de uma faixa de vazão e deverá respeitar algumas regras, visando preservar o bom estado de funcionamento dos motores (evitar acionamentos e desativação consecutivas e seguidas), além do pré-requisito do sistema (manter a pressão mínima controlada 25 mca).

Dessa forma, através da vazão do sistema e da sua derivada, o controlador Fuzzy Acionamento determinará o instante em que o CMB secundário também fará parte do processo de controle da pressão do sistema de bombeamento.

A Figura 5 mostra como funciona o diagrama de fluxo do controlador Fuzzy Acionamento. Observe que se trata de um sistema de controle sem realimentação â€" do tipo malha aberta.

Figura 5
Fluxograma do controlador Fuzzy Acionamento.

Uma vez acionado, o controlador Fuzzy Secundário é responsável por gerenciar o controle de rotação do conjunto motor-bomba secundário. Seu funcionamento se dá exclusivamente nos períodos em que a vazão requerida não puder ser suprida apenas pelo conjunto motor-bomba primário. Além disso, o controlador Fuzzy Secundário gerencia a potência dos motores, levando-os a operar sempre com os menores consumos energéticos.

Para isso, o controlador avalia os parâmetros pressão, potência do CMB1 e potência do CMB2 e determina um delta de rotação que será somado à rotação do conjunto motor-bomba secundário â€" sistema em malha fechada. Assim como no controlador primário, o delta de rotação pode assumir valores positivos e negativos e, consequentemente, a rotação do conjunto motor-bomba secundário poderá aumentar ou diminuir. Essa ação implica no aumento ou redução da pressão a ser controlada, possibilitando, assim, o ajuste da mesma. A mostra como funciona esse fluxo de dados.

O controlador Fuzzy Secundário também sofre interferências externas e do controlador Fuzzy Primário (Figura 6).

Figura 6
Fluxograma controlador Fuzzy Secundário.

Experimentos

Para validação e testes dos controladores, foram realizados alguns experimentos através da bancada experimental.

Os experimentos foram realizados em tempo real e, para sua validação, foram aplicados critérios de avaliação de controle referentes a tempo de assentamento, sobressinal e erro de regime permanente. Para isso, após estabilizado, o sistema foi submetido a distúrbios, alcançando os parâmetros mostrados na Tabela 1.

Tabela 1
Resumo dos parâmetros de controle.

Por se tratarem de experimentos em tempo real, seus resultados não passaram por tratamentos estatísticos, sendo, os valores apresentados, os próprios valores captados pelos equipamentos (transdutores e medidores). Os bons resultados são comprovados com a permanência da pressão constante e um erro de regime permanente pequeno.

Resultados

Experimento 1

O Experimento 1 simulou um sistema de abastecimento direto semelhante a um sistema tido como convencional, sem a variação de rotação dos conjuntos motor-bomba. Nesse experimento não houve ação do controlador Fuzzy. O objetivo foi obter dados para comparar com o sistema de controle proposto.

Para isso, foi imposta ao sistema uma variação de demanda semelhante à de um sistema de abastecimento real. Essa variação foi possível pela abertura e fechamento graduais da válvula proporcional instalada na rede, simulando o aumento e a diminuição da demanda pelos usuários. Evidentemente, essa abertura e/ou fechamento da válvula gerou variação na vazão requerida pelo sistema e, consequentemente, uma variação na sua pressão.

A Tabela 2 apresenta os dados do Experimento 1. A pressão média dessa situação está acima do valor tido como objetivo do sistema (25 mca/245,16 kPa), o consumo específico de energia elétrica (CE) foi de 1,29 e o consumo específico de energia elétrica normalizado (CEN) foi de 0,1050.

Tabela 2
Resultados do Experimento 1: sistema com variação de demanda sem controlador.

Experimento 2

No Experimento 2, o sistema foi submetido à mesma variação de demanda do Experimento 1, oriunda da abertura e fechamento da válvula que simula os usuários da rede. Porém, nesse experimento, os conjuntos motor-bomba sofreram a ação dos controladores Fuzzy propostos, submetendo-os a um rígido controle de pressão, com o objetivo de fornecer à rede de abastecimento apenas a pressão definida como ideal (25 mca).

Assim, através da variação de velocidade dos conjuntos motor-bomba e do acionamento e desativação do CMB2, manteve-se a pressão constante, sem comprometer a demanda de vazão e com menor consumo de energia.

A apresentação dos resultados referentes à pressão, vazão e à condição de acionamento de cada motor estão na Figura 7. A pressão do sistema esteve praticamente constante em 25 mca. Até o instante t=304 s, apresentam-se valores de pressão ainda mais precisos. A partir desse instante, o CMB2 é acionado e passa a atuar no sistema. A sua atuação, por ser um elemento a mais no sistema, provoca mais perturbação na rede. Além disso, o funcionamento dos dois conjuntos motor-bomba dá a possibilidade do controlador Fuzzy buscar entre as várias combinações de rotação de motores possíveis, a que melhor atenda ao sistema com relação ao consumo energético. Essa condição faz com que o controlador teste as possibilidades na busca da melhor opção, ocasionando uma leve oscilação na pressão.

Figura 7
Pressão, vazão e acionamento de motores do Experimento 2.

Conforme a decisão dos controladores Fuzzy, os motores oscilaram suas rotações também, conforme mostra a . Por se tratar de um sistema com injeção direta na rede, o CMB1 funcionou durante todo o período do experimento, oscilando sua rotação entre 64% nos momentos de menor consumo e 100% nos momentos de pico. O CMB2 foi acionado no instante t=304 s e desligado no instante t=777 s, também conforme decisão do controlador Fuzzy, com variação de rotação entre 75 e 100% da sua rotação nominal.

A vazão do sistema foi atendida conforme a variação apresentada na e foi alterada conforme a demanda do sistema, simulando o consumo dos usuários pela variação de abertura da válvula.

Dessa forma, as condições de pressão e vazão do sistema foram atendidas com a pressão controlada, que é o objetivo principal do controlador.

A Tabela 3 mostra os resultados obtidos com a aplicação do controlador e um comparativo com o sistema convencional sem a atuação do controlador Fuzzy. Houve uma redução no consumo energético de 17,32%, além da manutenção da pressão constante durante todo o experimento. A média geral da pressão para o sistema foi de 24,32 mca. Considerando as pressões após o instante t=35 s, momento em que a pressão é estabilizada, uma vez que o sistema partiu do repouso, essa média melhora para 24,95 mca.

Tabela 3
Sistema com variação de demanda, atuação do controlador Fuzzy.

Outro parâmetro importante a ser avaliado é o volume bombeado. Para o sistema com o controlador Fuzzy, obteve-se um volume de 2,31 m³ de água bombeada, isso representou uma redução de apenas 2,11% com relação ao sistema convencional. Ou seja, o sistema operado com o controlador Fuzzy, atendeu à demanda de vazão da rede de abastecimento (com uma redução mínima), mantendo a pressão controlada e com um consumo energético menor.

O indicador de CE teve uma redução de 1,29 para 1,09 (15,50%), refletindo a melhora na qualidade do ponto de vista da eficiência energética.

O indicador do CEN teve um aumento já esperado, já que esse índice é inversamente proporcional à pressão, que, por sua vez, teve uma redução substancial.

Experimento 3

No Experimento 3, realizaram-se manobras e medições para confirmar a característica do controlador em atingir seu objetivo principal (controlar a pressão) de forma eficiente, com o menor consumo energético.

Assim, com o sistema em funcionamento, após a pressão estabilizada em torno de 25 mca, adicionou-se uma entrada degrau a fim de desestabilizá-lo, ocasionando uma redução na pressão. Após a atuação do controlador em retomar sua estabilidade, retornando a pressão para o nível ótimo (primeiro objetivo do controlador), comparou-se o consumo energético dos primeiros instantes em que a pressão foi estabilizada, com o consumo energético posterior, após alguns instantes de atuação do controlador Fuzzy.

A Figura 8 apresenta o comportamento da pressão e do consumo energético ao longo da realização do Experimento 3. Nesse experimento, não se avaliaram as ações do controlador, pois os mesmos já foram analisados na simulação anterior. Pretendeu-se acompanhar o comportamento do consumo energético frente a suas ações.

Figura 8
Avaliação do consumo energético ao longo do tempo (Experimento 3).

Inicialmente, o sistema partiu do repouso até atingir a estabilidade em 25 mca. Nesse instante, a potência consumida pelo sistema era inferior a 2 kW, por isso não apareceu na figura, uma vez que, para uma melhor visualização após a ação do distúrbio, a escala de visualização adotada para a potência está entre 2 e 4 kW (Figura 8).

No instante t=67 s, provocou-se um distúrbio no sistema através da abertura rápida da válvula. O controlador Fuzzy respondeu à ação, estabilizando a pressão no instante t=106 s, atendendo ao objetivo principal do controlador em manter o sistema com a pressão constante.

A partir daí, o controlador inicia uma série de ações para reduzir o consumo energético sem, contudo, desviar a pressão do sistema, apenas alterando as várias possibilidades de combinação de rotação entre os conjuntos motor-bomba.

Assim, no setor 1 (Figura 8), que compreende o período que vai do instante t=107 s ao t=122 s, teve-se um consumo energético de 59,78 kWh. Com a ação do controlador, o consumo reduziu para o setor 2, que compreende o período que vai do instante t=123 s ao t=139 s, com um consumo energético de 57,10 kWh. Posteriormente o sistema alcançou o setor 3, que vai do instante t=140 s ao t=158 s, com um consumo energético de 55,88 kWh até, enfim, alcançar a condição ideal, no setor 4, com um consumo de 55,53 kWh.

Após o setor 4, percebem-se três tentativas sem sucesso do controlador em mudar a configuração de combinação de rotação entre os motores para continuar reduzindo o consumo energético. Essas tentativas do controlador não chegam a desestabilizar a variável de controle do sistema (pressão), mas é suficiente para causar pequenas oscilações no seu valor, sendo esse, portanto, um dos motivos do sistema ser mais preciso quando da atuação de apenas um conjunto motor-bomba (CMB1) do que quando é necessária a atuação dos dois conjuntos motor-bomba (CMB1 e CMB2), conforme já mencionado no Experimento 2.

A Tabela 4 mostra a redução do consumo energético devido à evolução das ações do controlador. Como já esperado, as reduções vão ficando menores à medida que os setores vão evoluindo, uma vez que vão se esgotando as possibilidades de ajustes no sistema. Dessa forma, obteve-se uma redução total de 7,11% do consumo energético em um intervalo de tempo total de 68 s.

Tabela 4
Resumo da redução do consumo energético (Experimento 4).

Discussão

Este trabalho apresentou um sistema de controle Fuzzy para o gerenciamento da pressão de uma rede de abastecimento de água. Esse processo foi realizado por meio de conversores de frequência que acionavam os conjuntos motor-bomba e possibilitavam a sua variação de rotação.

Para isso, foi concebida uma rede de abastecimento de água experimental e desenvolveu-se um sistema supervisório de controle fundamentado em técnicas de controle Fuzzy.

O controle da pressão trouxe benefícios como: diminuição da perda de carga e do custo com energia elétrica e potencial diminuição do desgaste das peças e do volume de vazamentos. Todas essas vantagens culminaram em uma questão extremamente discutida e de relevância no setor de abastecimento: a melhoria da eficiência energética e hidráulica dos sistemas de abastecimento de água.

Nos dois experimentos com atuação do sistema de controle desenvolvido, o mesmo ajustou e manteve satisfatoriamente a pressão dentro do limite especificado.

É importante ressaltar que, em situações de possíveis vazamentos na tubulação da rede de distribuição, o sistema proposto entenderia tal fator como um aumento de demanda, elevando, portanto a rotação dos motores na tentativa de manter a pressão constante. Evidentemente, para grandes vazamentos o sistema não seria capaz de manter a pressão constate, uma vez que excederia a capacidade de seus conjuntos motor-bomba. Certamente existem várias possibilidades para suprir ou reduzir essas dificuldades, tais como uma comparação com um perfil de demanda padrão. Contudo, não foi esse o objetivo deste trabalho, ficando, portanto, como sugestão para trabalhos possíveis.

O controlador Fuzzy se mostrou altamente confiável, principalmente, devido à forma abrangente com a qual modela seus processos, conseguindo atender às especificidades do sistema, bastando, para isso, uma boa base de regras e funções de pertinência desenvolvidas coerentemente.

Assim, a lógica Fuzzy se mostrou uma ferramenta eficaz no controle da pressão de sistemas hidráulicos através da variação de rotação dos conjuntos motor-bomba, apresentando respostas concisas e robustas, visto que as técnicas de controle convencionais nem sempre respondem bem ao alto grau de não-linearidade dos sistemas de distribuição de água. Além disso, mostrou-se de uma implementação simples, possibilitando facilmente a instalação em outros sistemas de água sem a necessidade de modelagem do sistema a ser controlado e, ainda, com a possibilidade de incorporar os conhecimentos heurísticos dos operadores humanos.

Parte da eficiência do controlador Fuzzy deve ser creditada às potencialidades do conversor de frequência no acionamento dos conjuntos motor-bomba. Já é sabido que a sua utilização traz grandes benefícios para um sistema de abastecimento/bombeamento, porém só é coerente sua utilização em sistemas que requeiram grandes variações de demanda de vazão e em sistemas com injeção direta na rede. O sistema de abastecimento por injeção direta na rede é uma prática já adotada em alguns países, confirmando aplicação deste trabalho juntamente com o controlador Fuzzy e o conversor de frequência.

Os experimentos confirmaram que os custos de bombeamento dessa modalidade de alimentação estão abaixo dos convencionais, aliando-se, ainda, os benefícios de controle de pressão e não construção, manutenção e operação de possíveis reservatórios.

Dessa forma, o trabalho trouxe como contribuição maior, o desenvolvimento de um controlador Fuzzy para manter a pressão de um sistema de abastecimento de água constante, que possui como variável de entrada e parâmetro de auxílio na tomada de decisão o consumo energético. Assim, esse importante dado que até então era utilizado como parâmetro de comparação entre os sistemas propostos e os convencionais/existentes agora atuou no gerenciamento das ações do controlador.

Conclusões

A seguir são destacadas as conclusões que foram reveladas pela utilização do controlador proposto:

  • O sistema de controle manteve a pressão constante mesmo com perturbações bruscas sejam elas de aumento ou diminuição;

  • O consumo energético e o indicador hidráulico CE tiveram uma redução de 17,32% e 15,50% se comparados ao sistema com injeção direta na rede sem o controle de pressão;

  • A redução na vazão foi mínima (2,11%) comparando-se o sistema proposto com o sistema com injeção direta na rede sem o controle de pressão, confirmando a manutenção na qualidade do abastecimento;

  • Dentro de uma mesma condição imposta pelo sistema, o controlador conseguiu controlar a pressão e buscar uma condição de menor consumo (7,11% de redução).

A utilização do consumo energético como variável de entrada se mostrou uma excelente ferramenta para aperfeiçoamento dos controladores. Dessa forma, essa variável passa a fazer parte do processo de tomada de decisão dos controladores, em vez de servir simplesmente como parâmetro de avaliação. Essa característica torna o controlador proposto um avanço frente a demais estudos apresentados.

Assim sendo, concluímos pelo êxito da aplicabilidade da teoria Fuzzy no desenvolvimento do controlador com vistas aos resultados relatados anteriormente. Além disso, a praticidade e confiabilidade da metodologia usada deve ser manifestada como avanço tecnológico por trazer também: redução no consumo de água; redução no consumo de energia; otimização das pressões; modernização dos sistemas de abastecimento; monitoramento da real condição do sistema e construção de um banco de dados com informações de operação de todas as variáveis do sistema, facilitando a tomada de decisão por parte dos gestores.

Referências

  • BEZERRA, S.T.M. (2009) Sistema Fuzzy para o Controle Piezométrico de Sistemas de Distribuição de Água Visando a Economia de Água e Energia. Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba. 161 p.
  • BEZERRA S.T.M. & SILVA, S.A. (2009) Automação e Controle. In: GOMES, H.P. (org.) Sistemas de Bombeamento - Eficiência Energética. João Pessoa: UFPB. p. 203-249.
  • GOMES, H.P. & CARVALHO, P.S.O. (2012) Manual de Sistema de Bombeamento - Eficiência Energética. João Pessoa: Editora da UFPB.
  • JANG, J.S.R. & GULLEY, N. (1995) Fuzzy Logic Toolbox Userâ€(tm)s Guide. Natick, MA: Math Works.
  • KOSKO, B. (1993) Pensamiento Borroso: La Nueva Ciencia de la Lógica Borrosa. Barcelona: Crítica.
  • REZNIK, L. (1997) Fuzzy Controllers. Newnes, Reino Unido. Disponível em: <http://books.google.com/books?hl=ptBR&lr=&id=ar084SktfQC&oi=fnd&pg=PP9&dq=REZNIK,+1997&ots=eqV4i5yAO1&sig=jtgNcSobVfxL2fmy59rb6jyz5b0#PPP9,M1>. Acesso em: 5 set. 2008.
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  • RODRIGUES, W. (2007) Critérios para o Uso Eficiente de Conversores de Frequência em Sistemas de Bombeamento de Água. Tese (Doutorado) 237 p., Programa de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2012
  • Aceito
    27 Set 2013
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