Acessibilidade / Reportar erro

Critérios técnicos e de participação social para a recuperação florestal: quais as diferenças na definição de áreas prioritárias?

Technical and the social participation criteria for forestation: what are the differences in the definition of priority areas?

Resumos

A Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca sofre impactos ambientais significativos decorrentes do uso e ocupação do solo inadequados em seu território. No Brasil, as áreas de preservação permanente são definidas e protegidas pelo Código Florestal, Lei Federal n°12.651, de 2012. Essas áreas estão localizadas nas margens de corpos d'água e em outros locais especificados pela referida lei. O objetivo do presente trabalho foi analisar os resultados das possíveis alternativas em função de distintos procedimentos utilizados para sua elaboração. A metodologia utilizada constitui na elaboração de um mapa de priorização para a recuperação dessas áreas, fazendo uso de Sistema de Informações Geográficas com análise multicriterial e comparando com as determinações do Plano de Bacia do Córrego Jararaca. Como resultado foram identificadas diferentes prioridades resultantes de procedimentos essencialmente técnicos daqueles procedimentos que incorporam a participação da sociedade.

recuperação florestal; áreas prioritárias; áreas de preservação permanente; sistema de informação geográfica; plano de bacia hidrográfica


The Jararaca River Basin suffers significative environmental impacts caused by inaccurate land use. In Brazil, the areas for permanent preservation are defined and protected by the 2012 Federal Law 12.651. These areas are located in the bank side and other specific places. The objective of this paper was to analyze the results of possible alternatives in function of different procedures used in the proposal elaboration. The methodology used was the elaboration of a priority map for the recovery of these areas using the Geographic Information System with multicriterial analyses and comparing it with the guidelines from the Jararaca River Basin Management Plan. As a result, there were identified differences in the priorities defined by technical issues from the priorities defined by public consultation process.

forest recovery; priority areas; areas for permanent preservation; geographic information system; river basin management plan


INTRODUÇÃO

A intensa degradação dos recursos ambientais, notadamente dos corpos d'água, torna necessária a recomposição vegetal de certas áreas para manutenção da qualidade ambiental. No entanto, a recuperação ambiental simultânea de todas as áreas encontra uma limitação na prática, devido ao custo econômico elevado, à limitada capacidade de execução e à baixa predisposição de proprietários de terras em converter suas áreas de exploração econômica em áreas de preservação (FRANCISCO, 2006FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p.). Diante disso, os estudos e o planejamento que apontem áreas prioritárias para a recuperação tornam-se importantes instrumentos para auxiliar a tomada de decisão para a destinação de recursos (VETORRAZZI, 2006VETORRAZZI, C.A. (2006) Avaliação Multicritérios, em ambiente SIG, na definição de áreas prioritárias à restauração florestal visando à conservação de recursos hídricos. Tese (Livre docência). Piracicaba: Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiróz" da Universidade de São Paulo.).

No Brasil, o Código Florestal Brasileiro, estabelecido pela Lei n° 12.651, de 2012, (BRASIL, 2012BRASIL (2012). Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 maio 2012. Disponível em: http:/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 10 maio 2009.
http:/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato...
) define as áreas de preservação permanente (APP) a partir da função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Essas áreas, cobertas ou não por vegetação nativa, localizam-se nas margens de rios e outros corpos d'água em faixas de largura variável, nas encostas íngremes, topos de morro, além de outros locais especificados pela lei. Mesmo protegidas por instrumento legal e com reconhecida importância para manutenção dos recursos ambientais, verifica-se comumente a ocupação irregular das APP com atividades agropecuárias e uso urbano.

De acordo com o parágrafo 1° do Art. 7 da Lei n° 12.651, de 2012 (Código Florestal), a vegetação situada em APP deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, sendo que, nos casos onde tenha ocorrido a supressão de vegetação situada nessas áreas, o responsável pela área é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos na lei. Já no inciso IV do Art. 1-A do Código Florestal prevê responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, a criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais.

A legislação brasileira não exige a recomposição total da vegetação nativa nessas áreas, mas sim o isolamento do fator de degradação e a indução da regeneração natural, que muitas vezes se torna inviável devido ao histórico de uso e ocupação da área e à ausência de remanescentes florestais que sirvam como fonte de regeneração (ALVES & METZGER, 2006ALVES, L.F. & METZGER, J.P. (2006) Forest regeneration in secondary forest areas of Morro Grande Reserve, Cotia, SP. Biota Neotropical, vol. 6, n. 2.). O Art. 61-A do Código Florestal prevê que nas APP, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, com condições especiais para imóveis rurais com área de um até 4 módulos fiscais, previstas nos parágrafos de 1 ao 5. No parágrafo 13 desse mesmo artigo, é estipulada a possibilidade de plantio de espécies exóticas em até 50% dessas áreas.

No entanto, a ocupação de áreas naturais de alagamento, de instabilidade geológica e de margens de corpos d'água altera diretamente as funções naturais dos cursos d'água, com prejuízo da própria população que explora essas áreas. Além disso, os efeitos nocivos da degradação ambiental são agravados pela negligência de administradores públicos, que ignoram o espaço ao longo dos rios, autorizando ocupações ilegais e ambientalmente inadequadas sobre suas faixas marginais de proteção, com resultados negativos do ponto de vista econômico, ambiental e social.

Cabe destacar que os efeitos deletérios dessa ocupação são arcados pelo poder público, sobretudo pela população diretamente afetada, que apresenta um dilema central entre ocupar uma área inadequada ou preservar as funções ambientais para que não seja prejudicada com o decorrer do tempo. Segundo o parágrafo 14 do Art. 61-A do Código Florestal, cabe ao poder público, quando verificada a existência de risco de agravamento de processos erosivos ou de inundações, a determinação de medidas mitigadoras que garantam a estabilidade das margens e a qualidade da água.

Neste sentido, a tomada de decisão em planejamento ambiental necessita de grande número de variáveis do meio físico, biótico e socioeconômico, cujas combinações podem produzir diferentes alternativas de uso. Assim, ferramentas de análise que permitam reunir características tão diversas e atribuir diferentes valores às mesmas, dando prioridade às alternativas, como a abordagem multicriterial, facilitam o processo de decisão (EASTMAN, 2001EASTMAN, J.R. (2001) Idrisi for Windows: user's guide - Version 3.2. Worcester: Clark University.).

A utilização de dados espaciais facilita a compreensão dos padrões de distribuição e interação dos fatores ambientais (GONZALEZ et al., 2011). A análise multicriterial, processo que combina e transforma dados espaciais (planos de informação de entrada) em mapas finais, consiste em um método de análise de alternativas para resolução de problema que utiliza vários critérios relacionados ao objeto de estudo, sendo possível identificar as alternativas prioritárias para o objetivo considerado (FIDALGO, 2003FIDALGO, E.C.C. (2003) Critérios para a análise de métodos e indicadores ambientais usados na etapa de diagnóstico de diagnóstico ambiental de planejamentos ambientais. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola). Campinas: Universidade de Campinas. 258 p.; ZUFFO et al., 2002ZUFFO, A.C.; REIS, L.F.R.; SANTOS, R.F.; CHAUDHRY, F.H. (2002). Aplicação de métodos multicriteriais ao planejamento dos recursos hídricos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 7, n. 1, p. 81-102.).

A elaboração de alternativas por meio de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) produz informações que podem ser úteis para comparar e revisar estratégias, identificar demandas por estudos adicionais necessários e atribuição de responsabilidades (GENELETTI, 2012GENELETTI, D. (2012) Environmental assessment of spatial plan policies through land use scenarios: a study in a fast-developing town in rural Mozambique. Environmental Impact Assessment Review, v. 32, n. 1, p. 1-10.). Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi elaborar prioridades para a recuperação das APP, a partir do uso de SIG com análise multicriterial e comparar os resultados com o Plano de Bacia do Córrego Jararaca, no município de São Carlos, Estado de São Paulo, Brasil.

METODOLOGIA

Área de estudo

A bacia hidrográfica do Córrego Jararaca se situa na parte central do município de São Carlos, Estado de São Paulo, Brasil, ao norte do seu núcleo urbano, caracterizada com um recente vetor de expansão urbana da cidade. O córrego Jararaca apresenta extensão aproximada de 13.780 metros e as nascentes de seus afluentes estão situadas a altitudes entre 800 e 880 metros. Os principais formadores situam-se em zona de transição entre a área urbana e rural do município e estão submetidos à significativa pressão pela urbanização que se distribui ao longo da rodovia SP-318, importante eixo viário que cruza a cabeceira da bacia (MONTAÑO & FONTES, 2008MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.).

Trata-se de uma área de ocupação bastante diversificada, com taxa de urbanização de 11% em extensão territorial (considerando a área efetivamente parcelada, que inclui as áreas urbanas e os loteamentos de chácaras de recreio). Demograficamente, sua população foi estimada em 9.500 habitantes em 2008, distribuindo-se entre as áreas urbanas consolidadas (70% da população), áreas em processo de consolidação (18% da população), loteamentos de chácara de recreio (9%) e zona rural (3%).

No que diz respeito às atividades econômicas, a bacia tem sido explorada predominantemente para o plantio de cana-de-açúcar e pastagens, encontrando-se ainda uma pequena extensão de silvicultura. A bacia acomoda, ainda, duas áreas de mineração (areia, desativada; e basalto, em atividade) e um pequeno número de indústrias (madeireira, fabricação de papelão, fabricação de blocos de concreto), além daquelas que se encontram desativadas. Nas zonas urbanizadas verifica-se a presença de pequenos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.

A Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca sofre impactos ambientais significativos decorrentes do uso e ocupação de seu território, com reflexos perceptíveis na poluição de recursos hídricos, redução de espaços naturais e ocorrência de enchentes sistemáticas (MONTAÑO & FONTES, 2008MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.). A área conhecida como "Varjão", numa clara referência à sua localização em área de várzea no trecho médio da bacia, é um exemplo típico dessa situação.

Ao final da década de 1990, o Ministério Público Estadual, acatando representação da sociedade civil, entendeu que era necessário instaurar um procedimento investigatório a fim de apurar as responsabilidades frente à situação observada, focada especificamente nas intervenções realizadas sobre os cursos de água da região para acomodar os empreendimentos que ali se instalavam. Tal procedimento culminou com a assinatura, em 18 de dezembro de 2006, de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre os principais atores vinculados à situação verificada.

Por conta do TAC, dentre outras obrigações atribuídas às partes arroladas, coube o custeio de estudos técnicos que viessem a compor o que foi denominado de Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca, entendido como um instrumento de planejamento que viesse a estabelecer diretrizes para orientar o processo de ocupação do solo da bacia hidrográfica considerando suas limitações de caráter ambiental.

As análises efetuadas no Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca se basearam em informações obtidas por meio de pesquisa qualitativa, que envolveram observações de caráter etnográfico e entrevistas em profundidade. Foram entrevistados moradores de todos os núcleos populacionais, que envolvem os loteamentos e condomínios de chácaras, além de proprietários e síndicos não moradores, empreiteiros, agentes de saúde e subprefeito da região. Paralelamente, foi realizada análise da documentação formal (atas, processos judiciais, etc.) e informal (arquivos pessoais, fotográficas, recortes de jornal) coletada, relacionada aos temas de interesse (MONTAÑO & FONTES, 2008MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.).

Entre o final de 2005 e o início de 2006, moradores da área forjaram suas participações como protagonistas desse debate, e para fazê-lo tiveram que atuar por fora de qualquer canal institucional. Para explicitar sua vontade de que se concretizassem as obras que solucionassem o problema foi preciso transformar a relação cordial em conflito público, com o envolvimento da imprensa e ações de bloqueio da rodovia, que reconfiguraram o cenário de negociações (MONTAÑO & FONTES, 2008MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.).

A partir das considerações dos interesses da população local, somadas aos aspectos ambientais da região, foi elaborado o Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca, no qual foram definidas as áreas prioritárias para a recuperação ambiental de toda a bacia hidrográfica em questão, ilustrada na Figura 1.

Figura 1
Mapa de diretrizes ambientais.

Segundo o Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca elaborado, as APP encontram-se bastante degradadas e, em grande parte, com uso inadequado, apresentado um déficit de 40% de áreas de APP a serem recuperadas. Este trabalho utiliza a análise multicriterial para estabelecer prioridades para a recuperação florestal das APP identificadas no Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca.

Análise multicriterial

Como contraponto ao resultado do Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca, o presente trabalho realizou um estudo técnico para a definição das áreas prioritárias para recuperação florestal em APP, a fim de verificar em que medida a aplicação de ambas as abordagens são convergentes ou complementares.

Os planos iniciais de informação foram gerados como mapas básicos utilizando-se de dados de malha viária, hidrografia, uso da terra (escala 1:50.000), pedologia (1:100.000), vegetação nativa remanescente, entre outros levantados ou adaptados pelo Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca (MONTAÑO & FONTES, 2008MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.), bem como mapas secundários, derivados da combinação dos planos de informação.

A base metodológica utilizada no presente trabalho foi elaborada por Francisco (2006)FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p., desenvolvida para um estudo técnico para reflorestamento, feita no Centro Brasileiro de Agricultura Tropical. Assim, foram selecionados oito critérios ambientais para elaboração das informações transformadas em mapas a partir dos planos de informação, quais sejam: proximidade de vegetação nativa; distância de núcleos urbanos; uso e ocupação do solo (sendo identificadas 12 categorias de uso do solo: vegetação nativa, cana-de-açúcar, silvicultura, propriedades rurais, condomínios de chácaras, áreas urbanizadas, reservatórios, mineração, campo de golfe, pastagens, rios e reservatórios); vulnerabilidade a erosão (combinação de dois planos de informação: erodibilidade e declividade do solo); proximidade da malha viária; aptidão agrícola (sistema que avalia o potencial da terra para lavouras e outros usos menos intensivos, considerando três fatores limitantes: falta de fertilidade do solo, deficiência e excesso de água); ordem dos corpos hídricos; e categoria de APP.

Após o processamento das informações, foram elaborados mapas com o uso do software IDRISI 3.2, tendo sido combinados por meio do método de análise Boolenana (Figura 2), que se baseia na redução de critérios a declarações lógicas de adequação, que são combinados por meio de operadores lógicos de intersecção e união (EASTMAN, 2001EASTMAN, J.R. (2001) Idrisi for Windows: user's guide - Version 3.2. Worcester: Clark University.).

Figura 2
Procedimentos na espacialização da análise multicriterial. (A) Seleção dos planos de informação; (B) Geração dos mapas de critérios; (C) Aplicação do método de análise multicriterial; (D) Mapa final de priorização.

Antes da combinação, no entanto, foi realizada a padronização dos fatores, que consiste em reduzir todos os fatores a imagens booleanas com áreas prioritárias e secundárias, isto é, as restrições. Para converter os mapas de critérios foram adotadas regras de decisão (Tabela 1), adaptadas de Francisco (2006)FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p., para determinar áreas prioritárias a serem recuperadas. Aplicando-se o modo de reclassificação para os oito mapas de critérios, foram geradas as imagens booleanas correspondentes, que foram então combinadas pelo modo de sobreposição.

Tabela 1
Regras de decisão adotadas para converter os mapas de critérios em imagens Booleanas.

RESULTADOS

Os resultados foram obtidos a partir da aplicação dos módulos de processamento do IDRISI 3.2, obtidos pela multiplicação de informações (oito indicadores) ponderadas pelos critérios descritos na metodologia. A imagem resultante define as "áreas prioritárias" (Figura 3). Cabe observar que as áreas que receberam a indicação "8" são aptas para os oito critérios, enquanto que o valor "zero" indica que foi encontrada inaptidão para algum dos critérios ponderados.

Figura 3
Áreas prioritárias.

A partir das informações que definiram as áreas prioritárias da Figura 3, foi aplicado o modo de reclassificação e as áreas prioritárias foram categorizadas em três classes de aptidão: alta prioridade, sendo aptas para 5 a 8 critérios (Figura 4); média prioridade, com 4 a 3 critérios (Figura 5); e baixa prioridade, com 2 a 0 critérios (Figura 6). Os mapas gerados apresentam as áreas prioritárias para a recomposição florestal da região, nesse caso as áreas com alta prioridade representam 5,9% do total (Tabela 2).

Figura 4
Alta prioridade.
Figura 5
Média prioridade.
Figura 6
Baixa prioridade.
Tabela 2
Áreas prioritárias para recuperação florestal, segundo método Booleano.

A partir da definição das áreas prioritárias para a recomposição florestal, foi aplicado o modo sobreposição para conseguir delimitar as hierarquias de APP para a recuperação florestal, que também foram separadas em três classes de aptidão: alta prioridade, sendo aptas para 5 a 7 critérios (Figura 7); média prioridade, com 4 a 3 critérios; e baixa prioridade, com 2 a 0 critérios. Nesse caso não foram encontradas APP que correspondem aos 8 critérios iniciais (Figura 8), e a área de alta prioridade de recuperação de APP corresponde a 34,01% (Tabela 3).

Figura 7
Área de preservação permanente com alta prioridade.
Figura 8
Área de preservação permanente e todos os critérios de recuperação.
Tabela 3
Áreas prioritárias para recuperação de Áreas de preservação permanente, segundo método Booleano.

DISCUSSÃO

Com base no mapa de prioridades, observa-se que 34,0% das áreas de preservação permanentes da bacia apresentam alta prioridade, 54,5% apresentam média prioridade e 11,5%, baixa prioridade para a recuperação (Tabela 3). Sendo que as áreas de alta prioridade se concentram na porção sudeste e norte da área (Figura 7).

A análise entre o mapa de priorização para recuperação de APP e o mapa de diretrizes ambientais proposto no Plano de Bacia do Córrego Jararaca (Figura 1) mostrou significativa diferença na identificação de áreas prioritárias.

O Plano de Bacia Hidrográfica do Córrego Jararaca, cuja finalidade é estabelecer diretrizes para adequação ambiental de atividades já instaladas, bem como diretrizes de ocupação do território em bases ambientalmente adequadas, baseou-se em diagnóstico ambiental que considerou condicionantes do meio físico, biótico e socioeconômico da região para identificar áreas de maior fragilidade ambiental, zonas de restrições à ocupação e áreas de expansão. A zona de fragilidade ambiental se concentra na porção centro-oeste da área (Figura 1), que pode ser considerada como uma primeira proposta que incorpora os resultados da consulta à população local.

Nesse sentido, na abordagem realizada pelo Plano de Bacia do Córrego Jararaca, desenvolvida por Montaño e Fontes (2008), o diagnóstico sobre o meio socioeconômico efetuado nas pesquisas qualitativas serviu para validar as diretrizes definidas, em termos da necessidade de manutenção e melhoria dos aspectos ambientais na bacia. Como resultado, a influência das questões sociais e econômicas somada aos fatores ambientais indica como prioritárias as áreas mais próximas da região urbanizada.

Muitos participantes acreditam que o processo de participação popular oferece oportunidades iguais a todos os atores envolvidos. Contudo, os grupos mais organizados dispõem de melhores condições de negociação (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHALL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p.113-122.). Como resultado, surge o risco de dominação dos interesses dos grupos mais fortalecidos, legitimando o interesse particular como democrático (CARTER & WHITE, 2012CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.). Os atores sociais, com a possibilidade de exercer influência, e alguns setores mais estruturados e bem organizados podem antecipar-se a fim de conduzir o processo segundo seus objetivos, de forma desigual. Mesmo que os conflitos e as disputas não sejam exclusivos da sociedade civil, isso se torna mais evidente nesse segmento, pela própria heterogeneidade de sua composição envolvendo moradores, ambientalistas, empresários e agricultores (VILLAÇA, 2005VILLAÇA, F. (2005) As Ilusões do plano diretor. São Paulo: Edição do Autor. Disponível em: <http://www.flaviov1laca.arq.br/pdf/1usao_pd.pdf>. Acesso em: 10 maio 2009.
http://www.flaviov1laca.arq.br/pdf/1usao...
). A escolha do que será incluído ou deixado de fora da análise pode beneficiar, intencionalmente ou não, alguns atores (KARSTENS et al., 2007KARSTENS, S.A.M.; BOTS, P.W.G.; SLINGER, J.H. (2007) Spatial boundary choice and the views of different actors. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, n. 1, p. 386-407.).

Os critérios considerados na metodologia deste artigo, adaptada de Francisco (2006)FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p. foram fundamentalmente fatores físicos e bióticos, uma vez que o objetivo foi determinar áreas de APP prioritárias para a recuperação com reflorestamento. A definição de áreas prioritárias para a recuperação de APP é fortemente influenciada pela metodologia aplicada para a região em questão.

Dentre os critérios técnicos utilizados estão os diferentes tipos de APP classificadas entre nascentes, curso d'água e reservatórios, categorias vigentes durante a elaboração do Plano de Bacia do Córrego Jararaca realizado em 2008. Entretanto, o Código Florestal aprovado em 2012 aumenta o número de categorias de APP, propondo diferentes condições de reflorestamento em função do tamanho das propriedades rurais e histórico de uso e ocupação. Nas novas categorias de APP é previsto o plantio de até 50% de espécies exóticas, segundo o parágrafo 13 do Art. 61-A, permitindo a continuidade das atividades agrossilvipastoris em andamento. Nesse sentido, é necessário incluir informações sobre o tamanho das propriedades afetadas, o uso do solo e o tipo de vegetação existente nas APP, a fim de atualizar as bases de referências utilizadas.

A abordagem que prioriza os recursos naturais, elaboradas por especialistas da área ambiental, como no caso da metodologia desenvolvida por Francisco (2006)FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p., obtém áreas localizadas em regiões menos urbanizadas, que pode ser considerada como uma segunda alternativa realizada por meio de considerações técnicas.

De acordo com os resultados identificados nas duas alternativas analisadas, pode-se inferir que a percepção dos problemas ambientais por especialistas da área ambiental é diferente dos problemas ambientais diagnosticados pelo público diretamente afetado. Além das diferentes percepções, a definição de alternativa por meio da participação popular pode variar em função da articulação e dos interesses dos grupos envolvidos, enquanto que a definição de alternativa por critérios essencialmente técnicos pode variar em função da dinâmica de reformulação legal.

Poderia ainda ser elaborada uma terceira proposta. Segundo González et al. (2011), a abordagem participativa, com o envolvimento das partes interessadas e do público em geral, complementada por especialistas, é considerada necessária para combinar os valores derivados das distintas percepções ambientais. Embora os valores possam ser considerados arbitrários, eles seriam adotados para enfatizar os parâmetros ambientais de acordo com os valores sociais. Essa terceira proposta poderia contribuir para identificar a alternativa mais favorável, isto é, aquela localizada em áreas ambientalmente mais vulneráveis, e também para entender sua importância relativa no contexto socioeconômico local. Para Gauthier et al. (2011)GAUTHIER, M.; SIMARD, L.; WAAUB, J.P. (2011) Public participation in strategic environmental assessment: critical review and the Quebec (Canada) approach. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 1, p. 48-60., o processo de planejamento deve ser visto como um sistema interativo para o estabelecimento de valores compartilhados entre as partes interessadas.

O uso da ferramenta SIG é de reconhecida importância e agilidade para mapear as regiões em questão, no entanto, a participação popular e as determinações políticas na tomada de decisão são necessárias para adequar a problemática ambiental ao contexto socioeconômico, com o objetivo de direcionar as ações de recuperação florestal para o desenvolvimento sustentável da área. É necessário haver diferentes alternativas de ação durante as ações de planejamento. Sem a existência de diferentes alternativas não há possibilidade de escolha, com o risco da utilização dos instrumentos de planejamento ambiental para direcionar a tomada de decisão.

CONCLUSÃO

A escolha dos critérios na análise multicriterial para seleção de locais ou áreas para estudos ambientais deve ser realizada em função dos objetivos do estudo. Os objetivos distintos das duas propostas iniciais levaram à escolha de diferentes critérios adequados às demandas identificadas. A função do processo de planejamento é garantir que a grande variedade de interesses seja considerada e que os benefícios estejam relacionados com questões técnicas, aparato legal e interesse público em geral, considerando a necessidade de atendimento a vários interesses.

Uma das razões para o crescimento da importância dos processos de planejamento e das descentralizações nas decisões junto ao envolvimento da sociedade está na possibilidade de que eles serão efetivos na redução do conteúdo dos conflitos futuros. A sociedade pode ajudar a estabelecer os objetivos, metas e indicadores e tornar as informações técnicas mais compreensíveis, tornando as questões ambientais mais próximas da realidade local e contribuindo para a identificação de opções inovadoras, sustentáveis e politicamente aceitáveis, além se selecionar alternativas e medidas mitigadoras, garantindo a eficiência na implementação das ações.

A integração dos procedimentos participativos pode ajudar a romper as tradicionais barreiras entre disciplinas e grupos de interesses, particularmente durante o processo de geração de soluções para os problemas do uso e ocupação do solo. A consulta integrada aos especialistas no assunto e à sociedade deveria ser conduzida de modo a direcionar as questões sociais, econômicas e ambientais de maneira que sirvam de base para os procedimentos para a gestão da sustentabilidade no uso e ocupação do solo. Dessa maneira, os diferentes setores da sociedade poderiam defender seus interesses, respaldados pelas diferentes percepções ambientais, considerando as interações dos fatores técnicos, sociais e econômicos.

REFERÊNCIAS

  • ALVES, L.F. & METZGER, J.P. (2006) Forest regeneration in secondary forest areas of Morro Grande Reserve, Cotia, SP. Biota Neotropical, vol. 6, n. 2.
  • BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHALL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p.113-122.
  • BRASIL (2012). Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 maio 2012. Disponível em: http:/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 10 maio 2009.
    » http:/www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
  • CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.
  • EASTMAN, J.R. (2001) Idrisi for Windows: user's guide - Version 3.2. Worcester: Clark University.
  • FIDALGO, E.C.C. (2003) Critérios para a análise de métodos e indicadores ambientais usados na etapa de diagnóstico de diagnóstico ambiental de planejamentos ambientais. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola). Campinas: Universidade de Campinas. 258 p.
  • FRANCISCO, C.E.S. (2006) Áreas de Preservação Permanente na Bacia do Ribeirão das Anhumas: estabelecimento de prioridades para recuperação por meio de análise multicriterial. Dissertação (Mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical). Campinas: Instituto Agronômico. 146 p.
  • GAUTHIER, M.; SIMARD, L.; WAAUB, J.P. (2011) Public participation in strategic environmental assessment: critical review and the Quebec (Canada) approach. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 1, p. 48-60.
  • GENELETTI, D. (2012) Environmental assessment of spatial plan policies through land use scenarios: a study in a fast-developing town in rural Mozambique. Environmental Impact Assessment Review, v. 32, n. 1, p. 1-10.
  • GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.
  • KARSTENS, S.A.M.; BOTS, P.W.G.; SLINGER, J.H. (2007) Spatial boundary choice and the views of different actors. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, n. 1, p. 386-407.
  • MONTAÑO, M. & FONTES, A.T. (2008). Plano de Bacia do Córrego Jararaca (São Carlos, SP). Diretrizes para a ocupação do território. Relatório Técnico. São Carlos: Fator Ambiental Consultoria e Treinamento Ltda.
  • VETORRAZZI, C.A. (2006) Avaliação Multicritérios, em ambiente SIG, na definição de áreas prioritárias à restauração florestal visando à conservação de recursos hídricos. Tese (Livre docência). Piracicaba: Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiróz" da Universidade de São Paulo.
  • VILLAÇA, F. (2005) As Ilusões do plano diretor São Paulo: Edição do Autor. Disponível em: <http://www.flaviov1laca.arq.br/pdf/1usao_pd.pdf>. Acesso em: 10 maio 2009.
    » http://www.flaviov1laca.arq.br/pdf/1usao_pd.pdf
  • ZUFFO, A.C.; REIS, L.F.R.; SANTOS, R.F.; CHAUDHRY, F.H. (2002). Aplicação de métodos multicriteriais ao planejamento dos recursos hídricos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 7, n. 1, p. 81-102.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2012
  • Aceito
    18 Mar 2014
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br