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Avaliação Ambiental Estratégica e as Áreas de Proteção Ambiental

Strategic Environmental Assessment and the Environmental Protection Areas

Resumos

O estabelecimento e manejo de áreas protegidas constituem importantes estratégias para a proteção da biodiversidade. Para as Áreas de Proteção Ambiental (APA), os planos de manejo são essenciais para a consecução dos objetivos. Para melhorar os resultados, alguns países utilizam a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para elaborar planos de manejo. Essa estratégia tem apresentado bons resultados, com a melhora na gestão da área protegida. No Brasil, há um Roteiro Metodológico para Gestão de APAs (RMG-APAs) que orienta a elaboração dos planos de manejo desta categoria. Neste contexto, o artigo analisa as contribuições da AAE para os planos de manejo e discute se estas contribuições podem ser encontradas no RMG-APAs utilizado no Brasil. O método utilizado neste artigo foi qualitativo e, a partir de um levantamento conceitual obtido na literatura internacional e a definição de cinco unidades de análise, foi realizada uma análise documental de três estudos de caso relacionados às áreas protegidas. Dois destes trabalhos obversavam planos de manejo com influência da AAE (internacionais) e o terceiro, sem influência da AAE, o RMG-APAs. Os resultados mostram importantes contribuições da AAE para os planos manejo, a saber: melhor integração das etapas de planejamento, notadamente com outros planos de uso do solo e também de outros setores; avaliação dos objetivos dos planos de manejo; melhor integração e avaliação de estratégias envolvendo o social, o ambiental e o econômico; fortalecimento da gestão participativa e outros. Com relação ao RMG-APAs, a conclusão é que os planos de manejo poderão apresentar melhores resultados quando associados à AAE.

Planos de manejo; avaliação ambiental estratégica; áreas protegidas; categoria V da International Union for Conservation of Nature; áreas de proteção ambiental


The plans establishment and management for protected areas are key strategies for biodiversity protection. The management plans are essential to achieving the goals for Environmental Protected Areas (EPA), one of the conservation areas types in Brazil. Some countries use Strategic Environmental Assessment to make management plans and they are getting good results. On the other hand, in Brazil, the management plans preparation applied in EPAs follows a specific Methodological Guide. In this context, the present paper analyzed the SEA contribution to management plans and discussed how these contributions can improve Methodological Guide of EPA in Brazil. The method used was qualitative and the conceptual framework obtained from international literature. Thus, the paper analyzed three case studies: two were related to protected areas with SEA influence and the third without influence of SEA. The results show SEA important contributions for plans management, namely: planning stages better integration, especially with land use plans; consider other management plans objectives; better integration and evaluation of strategies involving social, environmental and economic issues; participatory management strengthening. Also, considering Methodological Guide of EPA, the conclusion is that management plans can provide better results when associated with SEA.

Management plan; strategic environmental assessment; protected areas; International Union for Conservation of Nature category V; environmental protected area


INTRODUÇÃO

O estabelecimento e o manejo de áreas protegidas são considerados importantes estratégias dos esforços globais para a proteção da biodiversidade (JENKINS & JOPPA, 2009JENKINS, C.N. & JOPPA, L. (2009) Expansion of the global terrestrial protected area system. Biological Conservation, v. 142, p. 2166-2174.; PRIMACK & RODRIGUES, 2006; UNEP-WCMC, 2008UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME – WORLD CONSERVATION MONITORING CENTRE (UNEP-WCMC). (2008) State of the World's Protected Areas 2007: An Annual Review Of Global Conservation Progress. UNEP-WCMC, Cambridge.). Na tentativa de estabelecer certa uniformidade nas nomenclaturas de áreas protegidas com distintas categorias de manejo em termos internacio-nais, em 1992, a International Union for Conservation of Nature (IUCN) desenvolveu uma classifcação para as áreas protegidas, que compreende seis diferentes categorias de classifcação (IUCN, 1994). Essa classifcação passou a ser uma referência para o enquadramento das UCs em todos os países.

No Brasil, as áreas protegidas são contempladas pela Lei Federal 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção de vegetação nativa, incluindo as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reservas Legais, e pela Lei Federal n° 9.985/00, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) com critérios e normas para a criação, imple-mentação, gestão das Unidades de Conservação (UC) e divide as UCs em dois grupos: de proteção integral e de uso sustentável.

As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) fazem parte das UCs de uso sustentável, que correspondem à categoria V da IUCN, que é considerada a categoria de manejo que sofre maior modifcação das condições naturais (PHILLIPS, 2002PHILLIPS, A. (2002) Management Guidelines for IUCN Category V Protected Areas Protected Landscapes/Seascapes. IUCN.), pois tem sua maior extensão territorial em propriedades privadas. Neste contexto, as APAs mere-cem especial atenção devido ao alto grau de interferência por meio das atividades antrópicas nos recursos naturais, pois o que as difere das áreas não protegidas são o estabelecimento do plano de manejo e a gestão da área. Portanto, as APAs sem gestão e sem plano de manejo difcilmente cumprirão com a função de uma UC.

Os planos de manejo das UCs no Brasil têm sido preparados, principalmente, com base em roteiros metodológicos (CHAGAS et al., 2004; FERREIRA et al., 2007; GALANTE et al, 2002GALANTE, M.L.V.; BEZERRA, M.M.L.; MENEZES, E.O. (2002) Roteiro metodológico de planejamento: Parque nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica. Brasilia: IBAMA.). No caso das APAs, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) preparou um específico para esta categoria: o Roteiro Metodológico para Gestão das APAs (RMG-APAs) (MMA, 2001).

Atualmente, existem 245 APAs (Federais e Estaduais) deste total apenas 45 (18%) tem planos de manejo (MMA, 2013). O fato mais preocupante não é somente a baixa porcentagem de UC com planos de manejo, mas a falta de efetividade dos planos existentes, onde a situação atual dos mesmos é conhecida pelos casos de insu-cessos, como destacado pelos autores Cases (2012), Dourojeanni (2003DOUROJEANNI, M.J. (2003) Análise crítica dos planos de manejo de áreas protegidas no Brasil. In: BAGER, A. (ed). Áreas protegidas: conservação no âmbito do cone sul. p. 1-20. Pelotas: Universidade Católica de Pelotas.) e Mello (2008). A principal crítica aos planos de manejo, ressaltada por estes autores está relacionada à complexidade do documento, sendo muito extenso, dependendo de alto investi-mento, com tempo elevado para elaboração e o produto final é fora da realidade de implementação.

Por outro lado, em alguns países como, por exemplo, Canadá, Escócia e África do Sul, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é utilizada no contexto das áreas protegidas (LEMOS et al., 2012LEMOS, C.C.; FISCHER, T.B.; SOUZA, M.P. (2012) Strategic environmental assessment in tourism planning: Extent of application and quality of documentation. Environmental Impact Assessment Review, v. 35, p. 1-10.; NOBLE, 2003NOBLE, B.F. (2003) Auditing strategic environmental assessment practice in Canada. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 5, n. 2, p. 127-147.; STOCKDALE & BARKER, 2009STOCKDALE, A. & BARKER, A. (2009) Sustainability and the multifunctional landscape: An assessment of approaches to planning and management in the Cairngorms National Park. Land Use Policy. v. 26, n. 2, p. 479-492.). No caso do Parque Nacional Cairngorms (PNC), na Escócia, a AAE influenciou na elaboração do plano de manejo e este caso é considerado como um exemplo de boa prática (STOCKDALE & BARKER, 2009STOCKDALE, A. & BARKER, A. (2009) Sustainability and the multifunctional landscape: An assessment of approaches to planning and management in the Cairngorms National Park. Land Use Policy. v. 26, n. 2, p. 479-492.). No Canadá, a AAE também é utilizada na elaboração dos planos de manejo das áreas protegidas (PARKS CANADÁ, 2013PARKS CANADA. (2013) Environmental Assessment. Disponível em: <http://www.pc.gc.ca/eng/progs/eie-eia/index.aspx>. Acesso em: 25 set. 2013.
http://www.pc.gc.ca/eng/progs/eie-eia/in...
). Na África do Sul, o Banco Mundial solicitou que o Projeto de expansão do Parque Nacional Elefante Addo (PEPNEA) fosse submetido a uma AAE (SANPARKS, 2006).

Cabe observar que, de maneira geral, a AAE é defnida como um procedimento sistemático para a avaliação contínua das consequên-cias ambientais que, por sua vez, são decorrentes de visões e inten-ções de alternativas para o desenvolvimento. Muitas vezes, estas visões e intenções são incorporadas em iniciativas como a formulação de ações estratégicas, ou seja, de Políticas, Planos e Programas (PPPs). Assim, a AAE auxilia na elaboração das ações estratégicas de modo a assegurar a integração efetiva dos aspectos biofísicos, econômicos, sociais e políticos, o mais cedo possível, nos processos públicos de planejamento e tomada de decisão (FISCHER, 1999FISCHER, T.B. (1999) Benefits arising from SEA application — a comparative review of North West England, Noord-Holland, and Brandenburg-Berlin. Environmental Impact Assessment Review, v. 19, p. 143-173.; THERIVEL, 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.; WOOD & DEJEDDOUR, 1992WOOD, C.; DEJEDDOUR, M. (1992) Strategic Environmental Assessment: Environmental Assessment of policies, plans, and programmes. Impact Assessment Bulletin, England, v. 10, n. 1, p. 3-22.).

Além destas práticas, a AAE tem contribuído para as áreas pro-tegidas e a conservação da biodiversidade por meio do planejamento do uso do solo (COFFEY et al., 2011COFFEY, B.; FITZSIMONS, J.; GORMLY, R. (2011). Strategic public land use assessment and planning in Victoria, Australia: Four decades of trailblazing but where to from here? Land Use Policy, v. 28, p. 306-313.; OÑATE et al., 2003OÑATE, J.J.; PEREIRA, D.; SUÁREZ, F. (2003) Strategic Environmental Assessment of the Efects of European Union's Regional Development Plans in Doñana National Park (Spain). Environmental Management, v. 31, n. 5, p. 642-655.), inserindo questões sobre a biodiversidade no planejamento setorial e territorial, como descrito pelos autores Byron e Treweek (2005)TREWEEK, J. Therivel, R.; Thompson, S.; Slater, M. (2005) Principles for the use of strategic environmental assessment as a tool for promoting the conservation and sustainable use of biodiversity. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 7, n. 2, p. 173-199., Söderman e Saarela (2010). Entretanto, no Brasil, a aplicação de AAE ainda é incipiente e voluntária (LEMOS et al., 2012LEMOS, C.C.; FISCHER, T.B.; SOUZA, M.P. (2012) Strategic environmental assessment in tourism planning: Extent of application and quality of documentation. Environmental Impact Assessment Review, v. 35, p. 1-10.; PELLIN et al., 2011PELLIN, A.; LEMOS, C.C.; TACHARD, A.; OLIVEIRA, I.D.S.; SOUZA, M.P. (2011) Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil: considerações a respeito do papel das agências multilaterais de desenvolvimento. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 1, p. 27-36.; SANTOS & SOUZA, 2011SANTOS, S.M. & SOUZA, M.P. (2011) Análise das contribuições potenciais da Avaliação Ambiental Estratégica ao Plano Energético Brasileiro. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 4, p. 369-378.).

Assim, diante da defnição de AAE e das práticas no âmbito da conservação da biodiversidade e dos planos de manejo, parte-se do pressuposto que a AAE pode contribuir para que os planos de manejo sejam mais efcazes. Neste sentido, o objetivo deste artigo é analisar as contribuições da AAE para os planos de manejo das APAs e discu-tir se estas contribuições podem ser encontradas no RMG-APAs uti-lizado no Brasil.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

O método utilizado neste artigo foi qualitativo com a revisão teó-rica do tema e complementada e ilustrada com a análise documental de três estudos de caso. Dois destes estudos de caso eram relacionados às áreas protegidas com influência da AAE: sobre o PNC na Escócia e o PEPNEA na África do Sul. Ambos os casos utilizaram a AAE para elaborar os seus respectivos planos de manejo. O terceiro estudo de caso é brasileiro e, em contrapar-tida com as experiências internacionais, o RMG-APAs (MMA, 2001) não sofre interferência da AAE. Estes três estudos de caso foram analisados a partir de cinco unidades de análise, conforme descrição que segue.

As unidades de análise são os cinco benefícios verificados pela aplicação de AAE (PARLAMENTO EUROPEU, 2001PARLAMENTO EUROPEU; CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. (2001) Directiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho: relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:197:0030:0037:PT:PDF>. Acesso em: 15 ago. 2013.
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexU...
; FISCHER, 1999FISCHER, T.B. (1999) Benefits arising from SEA application — a comparative review of North West England, Noord-Holland, and Brandenburg-Berlin. Environmental Impact Assessment Review, v. 19, p. 143-173.; WOOD & DJEDDOUR, 1992WOOD, C.; DEJEDDOUR, M. (1992) Strategic Environmental Assessment: Environmental Assessment of policies, plans, and programmes. Impact Assessment Bulletin, England, v. 10, n. 1, p. 3-22.), quais sejam:

  1. a consideração mais ampla de alternativas de desenvolvimento e seus efeitos;

  2. uma avaliação proativa, em que a AAE é vista como uma ferra-menta que almeja o desenvolvimento sustentável;

  3. o fortalecimento da Avaliação de Impactos Ambientais de Projetos (AIA) com uma tomada de decisão mais eficiente;

  4. a consideração sistemática das questões ambientais em níveis mais altos de tomada de decisão e

  5. a consulta e participação pública nas questões relacionadas à AAE.

Os critérios de análise para cada uma destas unidades foi adaptado de Fischer (1999FISCHER, T.B. (1999) Benefits arising from SEA application — a comparative review of North West England, Noord-Holland, and Brandenburg-Berlin. Environmental Impact Assessment Review, v. 19, p. 143-173.), que utilizou este método para avaliar as AAEs do setor de transporte, e das boas práticas da AAE para inserir as informações da biodiversidade da tomada de decisão (ESTEVES & SOUZA, 2012ESTEVES, A.O. & SOUZA, M.P. (2012) Strategic Environmental Assessment and the Biodiversity. In: Annual Conference of the International Association for Impact Assessment, 32, 2012, Porto. 32nd Annual Conference of the International Association for Impact Assessment. Portugal.). Assim, a partir deste arcabouço teórico, os três casos são analisados, as contribuições da AAE para os planos de manejo são discutidas e é veri-ficado se estas contribuições podem ser encontradas no RMG-APAs.

Avaliação Ambiental Estratégica e os Planos de Manejo de áreas protegidas

Quando comparada a outros setores, como energia, transporte, uso do solo, a relação entre AAE e planos de manejo de áreas protegidas não é muito discutida na literatura internacional e são encontradas poucas experiências com este tema. Apesar disso, a AAE tem contri-buído no contexto de estratégias para a conservação.

Como exemplo das contribuições da AAE, Stockdale e Barker (2009STOCKDALE, A. & BARKER, A. (2009) Sustainability and the multifunctional landscape: An assessment of approaches to planning and management in the Cairngorms National Park. Land Use Policy. v. 26, n. 2, p. 479-492.) ressaltam como a AAE infuenciou significativamente no preparo do plano de manejo do Parque Nacional Cairgorms (PNC). Também, Barker e Stockdale (2008BARKER, A. & STOCKDALE, A. (2008) Out of the wilderness? Achieving sustainable development within Scottish national parks. Journal of Environmental Management, v. 88, n. 1, p.181-19.) avaliaram o plano de manejo do PNC e concluíram que este demonstra um compromisso com as melhores práticas internacionais.

Também merece destaque, o PEPNEA, localizado na África do Sul, onde a AAE auxiliou na elaboração do plano de manejo e envol-veu a comunidade local no processo de avaliação, contribuindo para um melhor entendimento sobre o projeto por parte da população. No Canadá, a AAE é aplicada para o estabelecimento de áreas prote-gidas e para a elaboração dos respectivos planos de manejo (NOBLE, 2003NOBLE, B.F. (2003) Auditing strategic environmental assessment practice in Canada. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 5, n. 2, p. 127-147.; PARKS CANADÁ, 2013PARKS CANADA. (2013) Environmental Assessment. Disponível em: <http://www.pc.gc.ca/eng/progs/eie-eia/index.aspx>. Acesso em: 25 set. 2013.
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). Entretanto, as avaliações da AAE no Canadá não são disponibilizadas, sendo difícil avaliar se existe ou não contribuições por parte da AAE para as áreas protegidas (NOBLE, 2003NOBLE, B.F. (2003) Auditing strategic environmental assessment practice in Canada. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 5, n. 2, p. 127-147.).

Além destas experiências com planos de manejo de áreas prote-gidas, destaca-se o caso da Austrália, onde a AAE foi aplicada ao pla-nejamento de terras públicas, auxiliando não só a resolver confitos de uso do solo como também ajudou a ampliar o sistema de áreas prote-gidas (COFFEY et al., 2011COFFEY, B.; FITZSIMONS, J.; GORMLY, R. (2011). Strategic public land use assessment and planning in Victoria, Australia: Four decades of trailblazing but where to from here? Land Use Policy, v. 28, p. 306-313.).

Em outro caso evidenciado por Oñate, Pereira e Suárez (2003OÑATE, J.J.; PEREIRA, D.; SUÁREZ, F. (2003) Strategic Environmental Assessment of the Efects of European Union's Regional Development Plans in Doñana National Park (Spain). Environmental Management, v. 31, n. 5, p. 642-655.), a AAE foi desenvolvida para o Plano de Desenvolvimento Regional, em Andaluzia na Espanha. Com base neste estudo, os impactos no Parque Nacional Doñana foram identifcados propostas e medidas para evitar e mitigar tais impactos.

Entre os casos citados acima, dois casos são analisados a seguir com maior detalhe.

Avaliação Ambiental Estratégica do Plano de Manejo do Parque Nacional Cairngorms - Escócia

O PNC está localizado na região noroeste da Escócia. O objetivo da gestão do PNC é incentivar o desenvolvimento sustentável dentro dos seus limites, não havendo restrições quanto ao envolvimento das pes-soas com os recursos naturais. Por conta disso, existe uma preocu-pação com relação as pressões constantes sobre os recursos naturais que são geradas pela população local e pelos visitantes (CNPA, 2007). Portanto, uma AAE foi requerida para avaliar os possíveis impactos do plano de manejo do PNC.

O processo de elaboração da AAE foi realizado em paralelo com o desenvolvimento do plano de manejo do PNC. Desta maneira, as considerações da AAE foram incorporadas no plano de manejo em processo de elaboração, o que fez com que as questões ambientais ressaltadas pela AAE fossem refetidas no desenho final do referido plano (CNPA, 2007).

Avaliação Ambiental Estratégica do Projeto de Expansão do Parque Nacional do Elefante Addo - África do Sul

O Parque Nacional Elefante Addo (PNEA), localizado na região leste da África do Sul, foi criado em 1931 para proteger uma população remanescente de elefantes. Em 1997, a Universidade de Port Elizabeth publicou uma proposta para a expansão do PNEA.

O Projeto da Expansão do Parque Nacional Elefante (PEPNEA) teve como objetivo principal evitar a degradação dos ecossistemas dentro e no entorno do PNEA. Para tanto, uma área de conservação com representatividade global seria criada e a redução da pobreza seria fomentada por meio da geração de empregos ligados ao ecoturismo (SANPARKS, 2006).

A expansão do parque é denominada como “projeto". Entretanto, como a expansão do parque envolve um planejamento muito mais amplo, este assimila-se a um “programa" ou mesmo “plano". Assim, a AAE para este projeto foi requerida com o intuito de desenvolver um plano de conservação estratégico para o PEPNEA.

O processo de elaboração da AAE focou a análise em três etapas: a primeira diz respeito à conservação e a segunda avaliou a viabilidade e o potencial social, econômico e institucional. Com base nos resulta-dos destas etapas, a terceira etapa realizou um balanço geral sobre as oportunidades e as limitações da expansão do PNEA. Assim, AAE avaliou que a expansão do parque cumpre com seus objetivos propostos: a proteção e a conservação da biodiversidade local e contribui para a redução da pobreza (SANPARKS, 2006).

Experiência brasileira - Roteiro Metodológico para Gestão de Áreas de Proteção Ambiental

O RMG-APAs não consiste em regras fxas a serem seguidas, pois cada área de planejamento tem seu contexto local, que deve ser considerado junto ao processo de elaboração dos planos de manejo. Para tanto, o RMG-APAS sugere uma estrutura de planejamento destacada em seguida.

O primeiro item abordado pelo RMG-APAs é a formação de um comitê gestor da APA. Os integrantes do comitê devem ser representantes de instituições atuantes da região da APA.

Defnido o comitê gestor, a próxima fase é a elaboração do plano de manejo, que se inicia com a sistematização das informações disponíveis, a defnição do escopo de trabalho e a realização do diagnóstico da área de estudo e do seu entorno para a elaboração de um quadro socioambiental. A função deste quadro é fazer uma análise da situação socioambiental atual da região para que sejam identifcados os principais problemas e as oportu-nidades para o estabelecimento da APA.

Os resultados da avaliação do quadro socioambiental fornecem elementos para as próximas etapas, que seriam: a defnição dos objeti-vos; o prognóstico e a formulação dos cenários futuros. Com base na proposição dos cenários futuros, as tendências positivas e/ou negativas são avaliadas com o quadro socioambiental para que o zoneamento e as normas para o uso do solo e o uso dos recursos naturais sejam defnidos.

Para atender as normas estabelecidas pelo zoneamento, os progra-mas de ação identificam os impactos e confitos na área da APA e pro-põem estratégias para solucioná-los. Após todas as ações defnidas, o plano de manejo é implementado concomitante com um programa de monitoramento e posterior revisão do plano de manejo (MMA, 2001).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir são apresentados os resultados obtidos da análise e compara-ção das experiências internacionais com o caso brasileiro e discutidos por unidade de análise. Assim, para comparar e analisar as experiências, todos os critérios foram considerados com mesmo peso e com três possibilidades de resposta: Sim=2, Parcial=1 e Não=0. Ao final foi gerado um percentual para cada unidade análise.

Tabela 1
Análise sobre as “Considerações mais am0pla sobre as alternativas e seus efeitos".

Consideração mais ampla sobre as alternativas e seus efeitos

A AAE é considerada uma ferramenta potencial para avaliar os impac-tos indiretos, sinergéticos e cumulativos, bem como os impactos a longo prazo decorrentes do desenvolvimento de ações estratégicas que permitem a consideração de alternativas que não são consideradas em âmbito de projetos. Neste contexto, a Tabela 1 apresenta a análise com-parativa sobre esta unidade de análise.

O caso da África do Sul, o PEPNEA, obteve uma pontuação de 83%. Este percentual foi devido à falta de uma avaliação sobre a signifcância dos impactos com relação aos objetivos propostos pelo projeto. Esta avaliação é importante para verifcar os impactos positivos e negativos dos objetivos e, consequentemente, auxiliar a identifcar, previamente, o potencial dos mesmos (THERIVEL, 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.).

Tabela 2
Análise sobre a “Avaliação Proativa – Avaliação Ambiental Estratégica para alcançar o desenvolvimento sustentável".

O Plano de Manejo do Parque Nacional de Cairngorms (PMPNC -da Escócia) obteve uma pontuação de 100%. O planejamento do PNC segue uma hierarquia de ações estratégicas para alcançar os objetos das visões. Com isso, os objetivos do planejamento são avaliados em diferentes níveis hierárquicos e contam com uma avaliação mais ampla dos seus efeitos. Stockdale e Barker (2009STOCKDALE, A. & BARKER, A. (2009) Sustainability and the multifunctional landscape: An assessment of approaches to planning and management in the Cairngorms National Park. Land Use Policy. v. 26, n. 2, p. 479-492.) sugerem que esses fatores levaram a implementação do plano ao sucesso.

Já o caso brasileiro obteve a menor pontuação (50%) pois três questões não foram pontuadas (efeito de outras ações estratégicas, signifcância dos impactos dos objetos proposto e alternativa zero). Para Fischer (2007FISCHER, T.B. (2007) Theory & Practice of Strategic Environmental Assessment: Towards a more systematic approach. London: Earthscan.), é quase inevitável que as ações estratégicas apresentem certo conflito. Portanto, o fato desta articulação não ser considerada, no caso brasileiro, sugere uma falha em identifcar e evitar confitos e/ou duplicações entre as ações estratégicas. No caso dos planos de manejo das APAs, que estão diretamente envolvidos com o ordenamento do território, é essencial que os planos de bacia, os planos diretores dos municípios, planos de desenvolvimento, e outros planos ou programas que estão sendo desenvolvidos na região da APA sejam confrontados com os novos objetivos propostos pelo plano de manejo para identifcar os conflitos e as oportunidades (PHILLIPS, 2002PHILLIPS, A. (2002) Management Guidelines for IUCN Category V Protected Areas Protected Landscapes/Seascapes. IUCN.). Outro critério não ponderado foi a avaliação da significância dos impactos (positivos ou negativos) dos objetivos do plano de manejo, não contribuindo para avaliação da importância da adoção do plano de manejo para a região.

Esta discussão sobre a signifcância dos impactos dos objetivos é um momento oportuno para discuti-los junto com a população e com os outros atores envolvidos no intuito de trazer a população para a discussão e melhorar a proposta do plano de manejo. Por fm, a alternativa zero, que é a não adoção da ação estratégica proposta, avalia o ambiente com e sem a ação estratégica (plano de manejo). Esta discussão pode promover o entendimento de como o plano de manejo pode infuen-ciar ou inteferir na área da APA.

Avaliação Proativa - Avaliação Ambiental Estratégica como ferramenta que almeja o desenvolvimento sustentável

A abordagem proativa das questões ambientais auxilia a identificar a origem dos impactos, em vez de simplesmente tentar remediá-los. A partir da iden-tificação das causas dos impactos, é possível propor medidas estratégicas para que, na medida do possível, os impactos previstos possam ser evitados. A avaliação dos impactos pode considerar as questões sociais, eco-nômicas e ambientais de maneira integrada ou avaliar somente a ques-tão ambiental. Terivel (2004) discute sobre estas duas abordagens e levanta pontos importantes para serem considerados. Um ponto nega-tivo da abordagem integrada é a possibilidade das questões ambientais serem marginalizadas pelas questões sociais e econômicas. Por outro lado, a questão ambiental, quando avaliada desassociada das outras questões, se apresenta de maneira mais robusta e completa. Entretanto, em contrapartida, torna-se mais difícil integrar as considerações da avaliação ambiental na tomada de decisão e com as outras questões (sociais e econômicas), sendo vista como um assunto que restringe as aspirações econômicas e socais. Assim, em concordância com Terivel (2004), uma avaliação integrada permite decisões mais transparentes e auxilia a identificar soluções ou estratégias (win-win-win) que intera-gem com as três dimensões, contribuindo para a formulação de ações estratégicas mais sustentáveis. A Tabela 2 apresenta a análise sobre a avaliação proativa da AAE.

Sob a perspectiva da avaliação proativa, a AAE do PEPNEA (África do Sul) e o RMG-APAS (Brasil) obtiveram as seguintes pontuações de 74 e 71%, respectivamente. Já o PMPNC (Escócia) alcançou 93%.

O único critério não contemplado na AAE do PMPNC foi a avalia-ção mais ampla sobre a biodiversidade, pois o estudo focou as pesqui-sas para a área do parque. No entanto, Slootweg et al. (2006SLOOTWEG, R.; KOLHOFF, A; VERHEEM, R.; HÖFT, R. (2006) Biodiversity in EIA and SEA Background document to CBD decision VIII/28: Voluntary guidelines on biodiversity-inclusive impact assessment. The Netherlands: Commission for Environmental Assessment,.) e Treweek et al. (2005)TREWEEK, J. Therivel, R.; Thompson, S.; Slater, M. (2005) Principles for the use of strategic environmental assessment as a tool for promoting the conservation and sustainable use of biodiversity. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 7, n. 2, p. 173-199. recomendam que a avaliação da biodiversidade também seja realizada nas áreas do entorno. A AAE identifca, o quanto antes, as ameaças, as pressões e os impactos sobre a biodiversidade. Assim, o resultado desta avaliação é inserido, de maneira proativa e não rea-tiva, no planejamento (RAJVANSHI, 2005RAJVANSHI, A. (2005) Strengthening biodiversity conservation through community-oriented development projects: Environmental review of the India Ecodevelopment Project. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 7, n. 2, p. 299-325.; SLOOTWEG et al., 2006SLOOTWEG, R.; KOLHOFF, A; VERHEEM, R.; HÖFT, R. (2006) Biodiversity in EIA and SEA Background document to CBD decision VIII/28: Voluntary guidelines on biodiversity-inclusive impact assessment. The Netherlands: Commission for Environmental Assessment,.; CBBIA-IAIA, 2004CBBIA-IAIA. (2004) Capacity-Building for Good Practice in Biodiversity and Impact Assessment - International Association for Impact Assessment. Strategic Environmental Assessment a biodiversity: Guidance.). Por conta disso, a AAE é considerada por alguns autores o mainstream para inserir considerações sobre a biodiversidade no processo de planejamento territorial (espacial) e setorial (BYRON & TREWEEK, 2005BYRON, H. & TREWEEK, J. (2005) Guest editorial strategic environmental assessment — great potential for biodiversity? Journal of Environmental Assessment Policy and Management. v. 7, n. 2, p. v-viii.; SÖDERMAN & SAARELA, 2010).

Para a AAE do PEPNEA, não houve nenhum processo formal nas etapas Screening e Scoping. A formalização e a documentação destas etapas na AAE são importantes para dar transparência ao processo. Outro ponto que enfraqueceu a abordagem proativa da AAE para este caso foi o fato da AAE não ter sido desenvolvida junto com o PEPNEA. Terivel (2004) ressalta que quanto mais distantes estiverem o processo da AAE e o de elaboração da ação estratégica, mais difícil será para incorporar as considerações da AAE na tomada de decisão. Além disso, duas fases importantes do processo, a implementação e o monitora-mento, não foram citadas e nem justifcadas as suas ausências na AAE.

No caso do Brasil, vários itens foram identificados para cumprir esta unidade de análise, porém alguns aspectos podem ser aprimo-rados para uma melhor efcácia do RMG-APAS. Como exemplo, cita-se o estabelecimento dos indicadores relacionados com os objetivos da APA e não somente vinculados aos possíveis impactos existentes. Em AAE, os indicadores dos objetivos direcionam e monitoram a base de dados — diagnóstico — (e vice-versa) e podem e devem ser utilizados na previsão de impactos. De maneira geral, os obje-tivos/indicadores orientam os dados que serão coletados na base de dados, define a previsão de impactos e o sistema de monitora-mento (THERIVEL, 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.). Esta abordagem da AAE fornece uma visão integrada do planejamento, onde uma etapa complementa a outra. Ao contrário desta percepção do planejamento, os planos de manejo são fragmentados e difícil visualizar as conexões entre as etapas do planejamento. Outro aspecto a ser aprimorado é a ado-ção de um relatório para avaliar o plano de manejo, para que as considerações da avaliação possam ser incorporadas no desenho final do plano (FISCHER, 2007FISCHER, T.B. (2007) Theory & Practice of Strategic Environmental Assessment: Towards a more systematic approach. London: Earthscan.). Tal fato não ocorre no contexto brasileiro pois o plano, primeiramente, é implementado e, somente depois, é realizada uma avaliação integrada com o monitoramento. Por fim, é importante ressaltar, que devido à AAE, o planejamento para o manejo das ações no PNC tiveram avanços, principalmente, com relação à articulação entre as questões ambientais com o desenvolvi-mento econômico e social, a participação pública no processo de planejamento e tomada de decisão e na maior efetivação das ações propostas pelo plano de manejo (STOCKDALE & BARKER, 2009STOCKDALE, A. & BARKER, A. (2009) Sustainability and the multifunctional landscape: An assessment of approaches to planning and management in the Cairngorms National Park. Land Use Policy. v. 26, n. 2, p. 479-492.). Nos outros casos, apesar de serem consideradas as questões ambientais, sociais e econômi-cas, estas não são integradas, difcultando a formulação de estratégias que interajam com as três dimensões, como destacado por Terivel (2004).

Fortalecimento da Avaliação de Impactos Ambientais de projetos - tomada de decisão mais eficiente

Dentro da hierarquia de Políticas, Planos, Programas e Projetos, os projetos são os níveis mais baixos de tomada de decisão. Por isso, as avaliações anteriores devem ser consultadas e articuladas a fm de agilizar e complementar as avaliações posteriores. A Tabela 3 mostra a análise sobre a perspectiva do fortalecimento da AIA.

As experiências da África do Sul (PEPNEA) e da Escócia (PMPNC) obtiveram 100%. A AAE do PEPNEA identifcou uma área com pro-posta para o desenvolvimento de um porto. Para tanto, foi sugerida uma AIA para este projeto. Neste caso, não foi mencionado se houve propostas de medidas mitigadoras na instância da AAE para a proposta do porto, mas é interessante pensar em medidas mitigadoras mais estra-tégicas, pois no âmbito do projeto as possibilidades de medidas para evitar impactos são menores (THERIVEL, 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.).

Para o estudo de caso do Brasil foi obtido um total de 50% para esta unidade de análise. Tal fato foi devido à ausência da AAE, ou de não ter nenhum instrumento que avalie o plano de manejo, e a não proposição de medidas mitigadoras para os impactos identifi-cados. Com relação as medidas mitigadoras, como os objetivos do plano de manejo não são avaliados, os impactos dos mesmos não são previstos, e logo não há como propor medidas mitigadoras. Apesar disto, os planos de manejo podem auxiliar nas avaliações de projetos. Todas as avaliações realizadas para a elaboração do plano de manejo da APA podem ser aproveitadas para avaliar um projeto, bem como substituir de parte deste. Além disso, segundo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) 428/2010, o licenciamento para projetos na área da APA só será concedido mediante a autorização do órgão responsável pela UC. Assim, as informações contidas no plano de manejo da APA são essenciais também para subsidiar a tomada de decisão do gestor da UC em relação ao licenciamento do projeto em questão.

Tabela 3
Análise sobre o “Fortalecimento da Avaliação de Impactos Ambientais de Projetos – tomada de decisão mais eficiente".

Consideração sistemática das questões ambientais em níveis mais altos e estratégicos de tomada de decisão

Com a aplicação da AAE, os objetivos ambientais são considerados em todos os níveis de tomada de decisão. Com isso, a AAE permite que as questões ambientais sejam verifcadas, avaliadas e inseridas o mais cedo possível no processo de tomada de decisão e planejamento. Nesse contexto, as questões ambientais passam a ser um fator determinante na escolha das alternativas para o desenvolvimento (FISCHER 1999FISCHER, T.B. (1999) Benefits arising from SEA application — a comparative review of North West England, Noord-Holland, and Brandenburg-Berlin. Environmental Impact Assessment Review, v. 19, p. 143-173.; THERIVEL 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.; WOOD & DEJEDDOUR, 1992WOOD, C.; DEJEDDOUR, M. (1992) Strategic Environmental Assessment: Environmental Assessment of policies, plans, and programmes. Impact Assessment Bulletin, England, v. 10, n. 1, p. 3-22.). Assim, para verifcar esta perspectiva, a Tabela 4 apresenta análise a presente unidade de análise.

Esta análise apresentou grande diferença entre os países. A AAE do PEPNEA e o RMG-APAS obtiveram um total de 29%. Já a AAE do PMPNC alcançou os 100%.

Tabela 4
Análise sobre a “Consideração sistemática das questões ambientais em níveis mais altos e estratégicos de tomada de decisão".

A AAE na África do Sul é aplicada de maneira voluntária, porém exi guia, com as mesmas etapas sugeridas pela Diretiva Europeia 2001/42/EC, que fornece orientações para as experiências com AAE no país. Apesar da existência deste guia, a AAE estudada não foi ela-borada tendo este como base. As orientações do guia não têm caráter obrigatório, mas suas indicações podem auxiliar na melhor prática da AAE na África do Sul (RETIEF, 2006RETIEF, F. (2006) The quality and efectiveness of Strategic Environmental Assessment (SEA) as a decision-aiding tool for national park expansion—the greater Addo Elephant National Park case study. Koedoe, v. 2, n. 49, p. 103.-122.).

O baixo percentual do estudo de caso do Brasil é devido a falta de uma AAE. O principal objetivo da AAE é inserir a variável ambiental nos objetivos das ações estratégicas. Portanto, se no Brasil a aplicação deste instrumento é incipiente e não apresenta as expectativas da def-nição da AAE, as ações estratégicas a que os planos de manejo estão subordinados, provavelmente, apresentam uma lacuna sobre as consi-derações ambientais, ocasionando confitos entre as ações estratégicas. Por outro lado, os planos de manejo das APAs já têm um cunho ambiental, sendo esta a única instância em que a variável ambiental é consi-derada. Por isso, não há como realizar considerações sistemáticas das questões ambientais em níveis mais altos de tomada de decisão, pois a questão ambiental está inserida somente em um nível: a do plano de manejo da APA. Entretanto, isto não é uma falha do RMG-APAS, mas sim do sistema brasileiro de planejamento.

Com relação ao estudo de caso da Escócia, este obteve a pontuação total, pois o processo da AAE é formalizado, facilitando as considerações a respeito das questões ambientais nos níveis mais altos e estraté-gicos de tomada de decisão.

Consulta e participação pública nas questões relacionadas à Avaliação Ambiental Estratégica

A consulta e a participação pública (desde as primeiras etapas) são con-sideradas como importantes benefícios promovidos pela AAE, pois as primeiras consultas ajudam a identifcar alguns problemas e questões que, por sua vez, podem ser trabalhados com antecedência. A Tabela 5 apresenta a análise relacionada a participação pública e também uma análise geral das cinco unidades de análise apresentadas.

Tabela 5
Análise sobre a “Participação pública e consulta a outras agências".

Para o PEPNEA, a participação pública teve início apenas com o processo da AAE. Como o PEPNEA foi elaborado antes da AAE, a falta de informação causou muitas preocupações a população, pois não havia informações disponíveis sobre o que aconteceria com as comunidades que seriam atingidas pela expansão do parque. Parte destas preocupações foi resolvida quando o processo da AAE foi ini-ciado e promoveu a participação pública.

No caso do Brasil, a pontuação foi a menor. O RMG-APAS prevê a participação pública por meio de oficinas de planejamento e é esperado que isto aconteça em alguns momentos durante o processo de elaboração do plano de manejo. Apesar da baixa pon-tuação, não é possível afirmar que a participação pública e a con-sulta a outras agências não podem ser alcançadas devido à falta de uma AAE. A AAE reforça a participação pública e a consulta a outras agências em diversos momentos do processo de elaboração das ações estratégicas, mas não é a única responsável por isto. Por outro lado, os planos de manejo quando submetidos a uma AAE, a perspectiva de participação é diferente, pois este instrumento está avaliando os objetivos, as alternativas e os impactos decorrentes desta nova ação estratégica e a participação acontece tanto no pro-cesso de planejamento como no de tomada de decisão (THERIVEL, 2004THERIVEL, R. (2004) Strategic Environment Assessment in Action. London: Earthscan, 276 p.; FISCHER, 2007FISCHER, T.B. (2007) Theory & Practice of Strategic Environmental Assessment: Towards a more systematic approach. London: Earthscan.; MCCLUSKEY & JOÃO, 2011). Outra falha encontrada no RMG-APAS é falta de um relatório dos resultados do plano de manejo para ser submetido a consulta pública antes da aprovação do plano de manejo.

No PMPNC percebe-se uma melhor organização na disponi-bilidade de todos os documentos relacionados com a avaliação da AAE, o que facilita a consulta e participação pública. Além disso, esses documentos foram elaborados de maneira clara, sendo pos-sível visualizar exatamente quais foram as sugestões que a popu-lação e os outros atores fizeram ao PMPNC, como e porque estas sugestões foram ou não incorporadas ao desenho final do plano (CNPA, 2007).

De maneira geral, os estudos de caso internacionais mostraram que não basta só aplicar a AAE, é necessário que este instrumento seja implementado com qualidade para alcançar os benefícios da AAE, como no caso da Escócia, que obteve melhor desempenho na presente análise. Provavelmente, este bom desempenho está relacionado com a existência de uma regulamentação e diretrizes específicas bem definidas, que auxilia na implementação do pro-cesso da AAE, e consequentemente, a alcançar os seus benefícios (MCCLUSKEY & JOÃO, 2011). No caso da África, Retief (2006) fez uma análise sobre algumas práticas da AAE na África do Sul e com base em seus resultados concluiu que não há uma compreensão sobre o processo da AAE no contexto sul-africano, o que justifica o baixo desempenho da África do Sul e próximo ao desempenho do Brasil, onde não há influência de uma AAE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise das experiências internacionais considera-se que a AAE contribui para os planos de manejo das áreas prote-gidas, sendo estas:

  • avaliação dos impactos (positivos e negativos) dos objetivos e das ações dos planos de manejo;

  • identifcação dos confitos e/ou duplicações por meio da articulação com outras ações estratégicas, permitindo uma avaliação mais ampla dos efeitos ambientais;

  • avaliação proativa dos impactos;

  • integração entre o social, ambiental e econômico, auxiliando na identifcação de estratégias menos confitantes e mais sustentáveis;

  • integração das etapas de planejamento;

  • fortalecimento da gestão participativa;

  • fortalecimento da AIA para projetos por meio da proposição das medidas mitigadoras em níveis mais estratégicos;

  • avaliação sistemática das questões ambientais no contexto da AAE possibilita que a variável ambiental seja considerada nos níveis mais altos de tomada de decisão, facilitando a articulação dos planos de manejo com as demais ações estratégicas;

  • participação pública envolvida no planejamento e na tomada de decisão.

Com relação se o RMG-APAS pode alcançar as mesmas contribuições da AAE para os planos de manejo das APAs, considera-se que apenas em parte, pois foram encontradas lacunas no RMG-APAS que impedem que estes benefícios sejam alcançados na sua totalidade, a saber:

  • a falha na articulação com outras ações estratégicas e o fato dos objetivos do plano de manejo não serem avaliados impossibilitam as considerações mais amplas sobre as alternativas e seus efeitos;

  • as questões sobre o social, o econômico e o ambiental são percebi-das de maneira segregadas, apresentando um planejamento frag-mentado destas questões;

  • os indicadores não corresponderem aos objetivos do plano de manejo, não sendo possível avaliar e acompanhar a evolução do plano, enfraquecendo a possibilidade de uma abordagem proativa;

  • o fato de não ter uma AAE regulamentada e de qualidade no Brasil impede que as considerações sistemáticas das questões ambientais em níveis mais altos de tomada de decisão não sejam uma reali-dade. Tais questões não são discutidas no RMG-APAS;

  • não é gerado nenhum relatório sobre os resultados do plano de manejo para ser disponibilizado para consulta antes da aprovação do mesmo;

  • apesar de ser prevista, a participação pública e a consulta a outros agências, a abordagem da participação pública da AAE frente a tomada de decisão é algo a ser ponderado.

A perspectiva que a AAE traz para os planos de manejo pode ser aproveitada para melhorar a realidade brasileira frente aos planos de manejo das APAs, tornando-os mais condizentes com a realidade e exequíveis por meio de um planejamento integrado e voltado para a implementação dos objetivos do plano. A AAE executa um papel importante para a gestão do PNC, proporcionando uma avaliação sistemática onde as questões ambientais são discutidas no âmbito do parque e transcendendo para contextos mais amplos, como regional e nacional, por meio, da articulação entre as ações estratégicas. Com base nesta experiência, é possível constatar a infuência dos benefícios da AAE em ações estratégicas relacionadas com as áreas protegidas. Sendo assim, considera-se oportuno buscar que tais benefícios possam ser encontrados na prática dos planos de manejo das APAs no Brasil, que poderão apresentar melhores resultados quando associados à AAE.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2012
  • Aceito
    15 Maio 2014
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