Acessibilidade / Reportar erro

Inativação de cistos de Giardia duodenalis por peroxidação e peroxidação assistida por radiação ultravioleta

Inactivation of Giardia duodenalis cysts by peroxidation and peroxidation assisted by ultraviolet radiation

Resumos

No presente trabalho foi avaliado um processo oxidativo avançado (POA), peróxido de hidrogênio assistido por radiação ultravioleta (H2O2/UV), e um processo oxidativo, peroxidação (H2O2), na inativação de cistos de Giardia duodenalis. Foram utilizadas concentrações de peróxido de hidrogênio de 15 mg.L-1 e 6x103 mg.L-1 e dose de UV de 44, 2.736 e 5.472 mW s.cm-2. A eficiência dos processos foi aferida com base na observação de danos à parede dos cistos por meio da reação de imunofluorescência direta (RID) e da microscopia eletrônica de varredura (MEV). Quando utilizada a menor dose de radiação e concentração de oxidante, o POA se mostrou mais eficiente que a peroxidação tanto em causar dano na parede de G. duodenalis quanto em reduzir o número de cistos. Com a aplicação do POA e da peroxidação houve uma redução média de 45,2 e 22,6% do número de cistos de G. duodenalis, sendo que, em média, 42 e 29,4% dos cistos restantes apresentaram danos, respectivamente.

processo oxidativo avançado; Giardia duodenalis ; microscopia eletrônica de varredura


Performance of an advanced oxidative process (AOP) with the application of hydrogen peroxide and UV radiation (H2O2/UV) has proven effective to inactivate Giardia duodenalis cysts. Hydrogen peroxide concentrations of 15 mg.L-1 and 6x103 mg.L-1 and 44 UV doses of 2,736 and 5,472 mW s.cm-2 were used in this study. The process effectiveness was assessed observing the occurrence of damage to the cyst's wall using direct immunofluorescence reaction (IFA) and scanning electron microscopy (SEM). When using the lower UV radiation dose and the lower oxidant concentration the AOP has shown higher effectiveness both in causing damage to the Giardia duodenalis wall and in reducing the number of cysts inoculated at the beginning. The average reduction AOP and peroxidation processes reduced 45.2 and 22.6% in the number of G. duodenalis cysts and 42 and 29.4% of the remaining cysts presented damage, respectively.

advanced oxidation process; Giardia duodenalis ; scanning eletronic microscopy


INTRODUÇÃO

Giardia duodenalis é um protozoário que infecta o ser humano, sendo responsável por cerca de 35% dos mais de 199 surtos por veiculação hídrica causados por protozoários no mundo no período de 2004 a 2010 (BALDURSSON & KARANIS, 2011BALDURSSON, S.; & KARANIS, P. (2011) Waterborne transmission of protozoan parasites: Review of worldwide outbreaks e an update 2004 e 2010 . Water Res, v. 45, n. 20, p. 6603-6614.). O hospedeiro infectado com Giardia spp. elimina na ordem de 107 cistos por grama de fezes, sendo que a ingestão de um pequeno número dessas formas infectantes (10 a 1.000 cistos) é suficiente para causar a infecção (CACCIÒ & RYAN, 2008CACCIÒ, S.M. & RYAN, U. (2008) Molecular epidemiology of giardiasis. Molecular and Biochemical Parasitology, v. 160, p. 75-80.). Cistos de Giardiaspp. persistem no ambiente, mantendo-se infectantes por até 2 meses em água doce a 20ºC, e há elevada resistência aos desinfetantes mais usualmente utilizados no tratamento da água para consumo humano, como, por exemplo, o cloro (RYU et al., 2008RYU, H.; GERRITY, D.; CRITTENDEN, J.C.; ABBASZADEGAN, M. (2008) Photocatalytic inactivation of Cryptosporidium parvum with TiO2 and low-pressure ultraviolet irradiation. Water Research, v. 42, p. 1523-1530, .).

Os processos oxidativos avançados (POAs) são utilizados para obtenção do radical hidroxila (•OH), um agente de alto potencial oxidante (E=2,80 V) (CORDEIRO et al., 2004CORDEIRO, A.C. de S.; LEITE, S.G.F.; DEZOTTI, M. (2004) Inativação por oxidação fotocatalítica de Escherichia coli e Pseudomonas sp. Química Nova, v. 27, n. 5, p. 689-694.). Vários processos são utilizados para a geração desse radical: ozonização em meio básico (O3/OH-), fotocatálise heterogênea (TiO2/UV), reagente de Fenton (Fe2+/H2O2/H+), foto-Fenton (Fe2+/H2O2/H+/UV), peroxidação assistida com luz ultravioleta (H2O2/UV), dentre outros (MATTOS et al., 2003MATTOS, I.L.; SHIRAISHI, K.A.; BRAZ, A.D.; FERNANDES, J.R. (2003) Peróxido de Hidrogênio: Importância e Determinação . Química Nova, v. 26, n. 3, p. 373-380.). Dentre os POAs, a H2O2/UV oferece como vantagem a acessibilidade comercial do peróxido de hidrogênio, sua estabilidade térmica e armazenagem no próprio local de uso (DOMÈNECH et al., 2001DOMÈNECH, X., JARDIM, W.F., LITTER, M.I. (2001) Procesos avanzados de oxidación para la eliminación de contaminantes. In: Eliminación de Contaminantes por Fotocatálisis Heterogénea, cap. 1, Rede CYTED, La Plata.) e a radiação UV ser eficiente em inativar micro-organismos como bactérias e vírus (GUIMARÃES & BARRETTO, 2003GUIMARÃES, J.R.; & BARRETTO, A.S. (2003) Photocatalytic inactivation of Clostridium perfringens and coliphages in water. Brazilian Journal of Chemical Engineering, v. 20, n. 4, p. 403-411.).

Uma molécula de H2O2 produz, teoricamente, dois radicais hidroxila quando submetida a uma fonte de energia suficiente para romper a ligação entre os dois átomos de oxigênio (Equação 1). O rendimento quântico (f) é de 0,98 a 254 nm.

H2O2 →•OH+•OH UV (1)

Embora com eficiência comprovada para mineralização de compostos recalcitrantes e inativação de bactérias e vírus, estudos desse POA sobre patógenos mais resistentes, como protozoários e helmintos, são incipientes (RODRIGUES-SILVA et al., 2013RODRIGUES-SILVA, C.; MANIERO, M.G.; RATH, S.; GUIMARÃES, J.R. (2013) Degradation of flumequine by photocatalysis and evaluation of antimicrobial activity. Chemical Engineering Journal, v. 224, p. 46-52, .). Poucos estudos sobre esses organismos indicam que a aplicação do POA (H2O2/UV) foi capaz de reduzir protozoários e helmintos presentes em amostras de esgoto (GUADAGNINI et al., 2013GUADAGNINI, R.A.; SANTOS, L.U.; FRANCO, R.M.B.; GUIMARÃES, J.R. (2013) Inactivation of bacteria and helminth in wastewater treatment plant effluent using oxidation processes. Water Science & Technology, v. 68, n. 8, p. 1825-1829.; GUIMARÃES et al., 2014GUIMARÃES, J.R.; SANTOS, L.U.; FRANCO, R.M.B.; GUADAGNINI, R.A. (2014) Giardia duodenalis number and fluorescence reduction caused by the advanced oxidation process (H2O2/UV) 2014. International Scholarly Research Notices, v.0, p. 7.).

Para avaliar a inativação dos cistos de Giardia spp., embora trabalhoso e demorado na geração dos resultados, o melhor modelo ainda é a experimentação animal (in vivo), uma vez que os corantes vitais e o método de excistação in vitro super ou subestimam a eficiência dos processos avaliados (SAKAMOTO et al., 2001SAKAMOTO, G.; SCHWARTZEL, D.; TOMOWICH, D. (2001) UV disinfection for reuse applications in North America. Water Science and Technology, v. 43, n. 10, p. 173-178.). A avaliação da infectividade de protozoários de veiculação hídrica com métodos que associam o cultivo celular e os corantes vitais com a reação em cadeia de polimerase (polymerase chain reaction - PCR) tem sido realizada e se mostra promissora (ALUM et al., 2012ALUM, A.; BASEL, S.; ASAAD, H.; RUBINO, J.R.; IJAZ, M.K. 2012 ECC-RT-PCR: a new method to determine the viability and infectivity of Giardia cysts. International Journal of Infectious Diseases, v. 16, p. e350-e353.; LIANG & KEELEY, 2012LIANG, Z. & KEELEY, A. (2012) Comparison of propidium monoazide-quantitative PCR and reverse transcription quantitative PCR for viability detection of fresh Cryptosporidium oocysts following disinfection and after long-term storage in water samples. Water Research, v. 46, p. 5941-5953.).

A alteração estrutural de cistos de Giardia spp. possui associação com resultados de experimentos de infecciosidade animal, sendo, assim, uma medida válida para a inferência da inativação desse organismo ao se observar danos à forma e/ou à fluorescência do cisto (WIDMER et al., 2002WIDMER, G.; CLANCY, T.; WARD, H.D.; MILLER, D.; BATZER, G.M.; PEARSON, C.B.; et al. (2002) Structural and biochemical alterations in Giardia lamblia cysts exposed to ozone. Journal of Parasitology, v. 88, n. 6, p. 1100-1106.).

A identificação por meio de coloração com reação de imunofluorescência direta (RID), utilizando anticorpos monoclonais conjugados com o corante fluorogênico FITC (que confere fluorescência aos organismos), se mostra 12 vezes mais eficiente que as técnicas tradicionais de coloração de protozoários e pode ser uma medida indireta da integridade da parede do cisto de Giardia spp., área que, ao ser danificada, impede a reação antígeno anticorpo, levando a falhas na visualização desse organismo.

O objetivo do presente estudo foi avaliar os danos causados às paredes de cistos de G. duodenalis quando submetidos aos processos de peroxidação (H2O2) e peroxidação assistida por radiação ultravioleta (H2O2/UV).

METODOLOGIA

Em todos os experimentos foi utilizada solução aquosa, elaborada com água ultrapura (Milli-Q(r)) e adição de sais (APHA, 2005APHA - AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. (2005) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 20 ed. Washington, DC: APHA.). Os cistos de G. duodenalis utilizados nos ensaios foram purificados de fezes humanas (SMITH & SMITH, 1989SMITH, A.L. & SMITH, H. V (1989) A compararison of fluorescein diacetate and propidium iodide staining and in vitro excystation for determining Giardia intestinalis cyst viability. Parasitology, v. 99, p. 329-331, .), e, para a identificação da espécie, foi utilizado Kit DNA ZR Fungal/Bacterial DNA(r), com amplificação por PCR usando gene da proteína β giardin (MAHBUBANI et al., 1992MAHBUBANI, M.H.; BEJ, A.K.; PERLIN, M.H.; SCHAEFER III, F.W.; JAKUBOWSKI, W.; ATLAS, R.M. (1992) Differentiation of Giardia duodenalis from other Giardia spp by using Polymerase Chain Reaction and gene probes. Journal Clinical Microbiology, v. 30, p. 74-78.).

Os cistos foram inoculados na ordem de 2x103 em um litro da solução salina e submetidos aos processos oxidativo (H2O2) e oxidativo avançado (H2O2/UV), de acordo com as condições experimentais expostas na Tabela 1.

Tabela 1.
Condições experimentais dos processos de peroxidação (H2O2) e peroxidação assistida por radiação ultravioleta (H2O2/UV).

Foi utilizado um sistema experimental, conforme descrito em Rodrigues-Silva et al. (2013)RODRIGUES-SILVA, C.; MANIERO, M.G.; RATH, S.; GUIMARÃES, J.R. (2013) Degradation of flumequine by photocatalysis and evaluation of antimicrobial activity. Chemical Engineering Journal, v. 224, p. 46-52, ., que foi descontaminado após cada ensaio, recirculando soluções de eluição (Tween 80, 0,1%), hipoclorito de sódio a 1% e água ultrapura. Após os processos peroxidação e POA, os organismos presentes na solução eram concentrados por filtração em membrana de fibras mistas de ésteres de celulose (D=47 mm; porosidade nominal=3 μm), segundo Franco et al.(2001)Franco, R.M.B.; ROCHA-EBERHARDT, R.; CAUNTSIO NETO, R. (2001) Occurrence of Cryptosporidium oocysts and Giardia cysts in raw water from the Atibaia river, Campinas, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 43, n. 2, p. 109-111..

Visualização dos cistos de G. duodenalis por reação de imunofluorescência direta e microscopia eletrônica de varredura

Para a confecção da lâmina de RID, foi aplicado o protocolo de homogeneização de Redlinger et al. (2002)REDLINGER, T.; CORELA-BARUD, V.; GRAHAM, J.; GALINDO, A.; AVITIA, R.E. CARDENAS, V. (2002) Hyper endemic Cryptosporidium and Giardia in households lacking municipal sewer and water on the United States - México border. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v. 66, n. 6, p. 794-798. e visualizadas alíquotas de 15 μL (n=3). A RID é baseada na reação entre anticorpos monoclonais anti-Giardia (conjugados com o fluorocromo FITC) e epítopos da parede dos cistos (Figura 1). Quando observado em microscópio de epifluorescência, o fluorocromo gera a cor verde-maçã brilhante (USEPA, 2012USEPA - US ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. (2012) EPA- 816-R-12-001. Method 1623.1: Cryptosporidium and Giardia in Water by Filtration/IMS/FA. Office of Water. Washington: US Environmental Protection Agency.).

Figura 1.
Esquema da reação de imunofluorescência direta mostrando a ligação dos epítopos da parede de cistos (antígeno) com o anticorpo conjugado com FITC e a geração de fluorescência utilizada para observação.

Para facilitar a avaliação de um possível dano causado à parede dos cistos, foi proposta uma escala de classificação (Tabela 2) segundo a observação realizada por RID (Figura 2).

Tabela 2.
Classificação dos cistos, pela coloração de reação de imunofluorescência direta, quanto ao dano* ou não à parede do organismo após os processos.

Figura 2.
Cisto de G. duodenalis observado com reação de imunofluorescência direta (600x), classificações A (A), B (B), C (C) e D (D).

As lâminas para a observação por microscopia eletrônica de varredura (MEV) foram preparadas segundo o protocolo de Bozzola e Russell (1999)BOZZOLA, J.J. & RUSSELL, L.D. (1999) Electron microscopy: principles and techniques for biologists. 4 ed. Sudbury: Jones and Bartlett Publishers. p. 49-71..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Processo oxidativo avançado

A observação dos cistos de G. duodenalis remanescentes após o POA mostra que tal processo teve ação sobre a parede do cisto, nas três condições estudadas.

Observa-se que quando foram aplicadas a maior dose de UV e a maior concentração de peróxido de hidrogênio, obteve-se maior porcentagem de cistos danificados (46%) e maior porcentagem de dano C e D, com 35% dos cistos danificados.

Quando utilizadas a menor concentração do oxidante e a menor dose de UV, foi observada uma porcentagem de 45,3% de danos nos cistos remanescentes, semelhante à obtida com a alta concentração de peróxido de hidrogênio e dose de UV (Tabela 3).

Tabela 3.
Danos (%) observados nos cistos de G. duodenalis após aplicação do processo oxidativo avançado.

Pôde-se verificar, ainda, uma redução do número inicial de cistos inoculados na amostra (Tabela 4).

Tabela 4.
Redução média (%) dos cistos de G. duodenalis após aplicação do processo oxidativo avançado.

Quando observado o número de cistos, verificou-se maior taxa de redução quando utilizada a dose de UV de 2.736 mW s cm-2. De uma maneira geral, a geração de radicais hidroxila foi mais eficiente nas condições experimentais de baixa concentração de oxidante e dose de UV, pois, nessa condição, ocorreu maior alteração na forma dos cistos e taxa de redução semelhante às demais condições.

A hipótese de que altas doses (de oxidante e UV) promoveriam maior ação sobre o protozoário não se confirmou. Sabe-se que a aplicação de peróxido de hidrogênio em alta concentração resulta em uma interferência negativa no processo, pois o oxidante "sequestra" os radicais hidroxila, gerando outro radical, o hidroperoxila (HO2 •), que possui um menor potencial de oxidação (DOMÈNECHE et al., 2001DOMÈNECH, X., JARDIM, W.F., LITTER, M.I. (2001) Procesos avanzados de oxidación para la eliminación de contaminantes. In: Eliminación de Contaminantes por Fotocatálisis Heterogénea, cap. 1, Rede CYTED, La Plata.). A produção de espécies reativas de oxigênio é maior em valores de pH próximos ao neutro (HARGREAVES et al., 2007HARGREAVES, A.; TAIWO, F.A.; DUGGAN, O.; KIRK, S.H.; AHMAD, S.I. (2007) Near-ultraviolet photolysis of b-phenylpyruvic acid generates free radicals and results in DNA damage. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, v. 89, p. 110-116.). Isso pode também explicar a baixa eficiência do processo, já que o pH do meio reacional nesses ensaios foi próximo a 4.

As imagens de MEV mostram que cistos não submetidos aos processos estavam íntegros (Figura 3A). Após a aplicação do POA, independentemente da dose utilizada, alterações na forma e na superfície foram observadas (Figura 3B), corroborando os resultados obtidos pela RID.

Figura 3.
Cisto de G. duodenalis em amostra bruta 3.500x (A) e após processo oxidativo avançado 4.300x (B).

Processo químico: peroxidação

Utilizando a menor concentração de peróxido de hidrogênio com menor tempo de contato, obteve-se o maior número de cistos com alteração de fluorescência, quando comparada com as maiores concentrações e os maiores tempos de contato. A alta concentração promoveu um aumento para 25% de cistos com alteração de fluorescência, quando o tempo de contato foi de 60 minutos. Já a aplicação de 15 mg.L-1 de peróxido de hidrogênio (contato de 5,5 s) alterou cerca de 52% da fluorescência dos cistos de G. duodenalis, porém com pouca ação em alterar a forma dos cistos (classificações C e D) (Tabela 5). A redução do número de cistos foi observada em apenas duas das três condições experimentais avaliadas: com a alta e a baixa concentração do oxidante (Tabela 6).

Tabela 5.
Danosobservados nos cistos de G. duodenalis após aplicação da peroxidação ().

Tabela 6.
Redução média (%) dos cistos de G. duodenalis após aplicação da peroxidação.

A observação com MEV mostrou retrações de membrana e alterações na superfície nos organismos somente após o POA (Figura 3B). A peroxidação causou, em média, alteração de fluorescência ou forma em apenas 29,4% dos cistos submetidos a esse processo.

A parede dos cistos de G. duodenalis possui 43% de carboidratos, sendo formada basicamente de um complexo de carboidratos e peptídeos (ERLANDSEN et al., 1996ERLANDSEN, S.L.; MACECHKO, P.T.; KEULEN, H.V.; JARROLL, E.L. (1996) Formation of the Giardia cyst wall studies on extracellular assembly using immunogold labeling and high resolution field emission SEM. Journal of Eukaryotic Microbiology, v. 43, n. 5, p. 416-429.). Segundo Ferreira e Matsubara (1997)FERREIRA, A.L.A.; & MATSUBARA, L.S. (1997) Radicais livres: conceitos, doenças relacionadas, sistema de defesa e estresse oxidativo . Revista da Associação Médica Brasileira, v. 43, n. 1, p. 61-68., o radical hidroxila pode reagir e inativar as proteínas que compõem as membranas celulares, oxidando seus grupos sulfidrilas (-SH) e as pontes de dissulfeto (-SS), provocando descaracterização e alteração das propriedades dessas membranas.

A destruição de um micro-organismo ocorre em função da oxidação da parede celular e, consequentemente, de seu rompimento. Essa ação leva ao extravasamento celular, a difusão do oxidante por toda a célula, atingindo e danificando enzimas que comprometem a síntese proteica (GUIMARÃES et al., 2004GUIMARÃES, J.R.; IBÁÑEZ, J.;; LITTER, M.I. PIZARRO, R. (2004) Eliminación de contaminantes por fotocatálisis heterogénea. 1 ed. Madrid: Editorial Ciemat. p. 375-388.).

A peroxidação lipídica provoca alterações na estrutura da membrana, como redução da permeabilidade, ou mesmo outras mudanças que produzam deterioração na organização interna da membrana (LABAS et al., 2008LABAS, M.D.; ZALAZAR, C.S.; BRANDI, R.J.; CASSANO, A.E. (2008) Reaction kinetics of bacteria disinfection employing hydrogen peroxide. Biochemical Engineering Journal, v. 38, p. 78-87.). Isso explica as alterações de forma e/ou características de fluorescência que puderam ser observadas por MEV e RID, respectivamente, na parede cística de G. duodenalis, após os processos estudados.

Mesmo com a redução no número de organismos pelos processos, a taxa média de recuperação de tais estruturas, após POA e peroxidação, foi de cerca de 55 e 77%, respectivamente, permitindo um número consistente de organismos para observação de dano.

Comparando os resultados, o POA foi o processo que causou maior redução no número e dano à parede de cistos G. duodenalis, independentemente da concentração peróxido de hidrogênio e da dose de UV utilizada.

CONCLUSÕES

A peroxidação assistida por radiação UV foi o melhor processo para reduzir o número de organismos e alterar a sua fluorescência, independentemente da dose de UV e da concentração do oxidante utilizado.

Quando utilizada a menor dose de radiação UV e concentração do oxidante, foi observada uma maior porcentagem de organismos com alteração de fluorescência, indicando a possibilidade de sua aplicação prática.

Estes resultados sugerem o POA como possível agente de inativação de protozoários.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (n° 2008/52796-5) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) (n° 471487/2007-4), pelo suporte financeiro concedido a este trabalho.

REFERÊNCIAS

  • ALUM, A.; BASEL, S.; ASAAD, H.; RUBINO, J.R.; IJAZ, M.K. 2012 ECC-RT-PCR: a new method to determine the viability and infectivity of Giardia cysts. International Journal of Infectious Diseases, v. 16, p. e350-e353.
  • APHA - AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. (2005) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 20 ed. Washington, DC: APHA.
  • BALDURSSON, S.; & KARANIS, P. (2011) Waterborne transmission of protozoan parasites: Review of worldwide outbreaks e an update 2004 e 2010 . Water Res, v. 45, n. 20, p. 6603-6614.
  • BARBEE, S.L.; WEBER, D.J.; SOBSEY, M.D.; RUTALA, W.A. (1999) Inactivation of Cryptosporidium parvum oocyst infectivity by disinfection and sterilization processes. Gastrointestinal endoscopy, v. 49, n. 5,.
  • BOZZOLA, J.J. & RUSSELL, L.D. (1999) Electron microscopy: principles and techniques for biologists. 4 ed. Sudbury: Jones and Bartlett Publishers. p. 49-71.
  • CACCIÒ, S.M. & RYAN, U. (2008) Molecular epidemiology of giardiasis. Molecular and Biochemical Parasitology, v. 160, p. 75-80.
  • CLANCY, J.L.; BUKHARI, Z.; STERLING, C.R.; MARSHALL, M.M.; KORICH, D.G.; SCHAEFER III, F.W.; et al. (2000) Cell culture method not yet viable. Journal American Water Works Association, v. 92, n. 4, p. 4-6.
  • CORDEIRO, A.C. de S.; LEITE, S.G.F.; DEZOTTI, M. (2004) Inativação por oxidação fotocatalítica de Escherichia coli e Pseudomonas sp. Química Nova, v. 27, n. 5, p. 689-694.
  • DOMÈNECH, X., JARDIM, W.F., LITTER, M.I. (2001) Procesos avanzados de oxidación para la eliminación de contaminantes. In: Eliminación de Contaminantes por Fotocatálisis Heterogénea, cap. 1, Rede CYTED, La Plata.
  • ERLANDSEN, S.L.; MACECHKO, P.T.; KEULEN, H.V.; JARROLL, E.L. (1996) Formation of the Giardia cyst wall studies on extracellular assembly using immunogold labeling and high resolution field emission SEM. Journal of Eukaryotic Microbiology, v. 43, n. 5, p. 416-429.
  • FERREIRA, A.L.A.; & MATSUBARA, L.S. (1997) Radicais livres: conceitos, doenças relacionadas, sistema de defesa e estresse oxidativo . Revista da Associação Médica Brasileira, v. 43, n. 1, p. 61-68.
  • Franco, R.M.B.; ROCHA-EBERHARDT, R.; CAUNTSIO NETO, R. (2001) Occurrence of Cryptosporidium oocysts and Giardia cysts in raw water from the Atibaia river, Campinas, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 43, n. 2, p. 109-111.
  • GUADAGNINI, R.A.; SANTOS, L.U.; FRANCO, R.M.B.; GUIMARÃES, J.R. (2013) Inactivation of bacteria and helminth in wastewater treatment plant effluent using oxidation processes. Water Science & Technology, v. 68, n. 8, p. 1825-1829.
  • GUIMARÃES, J.R.; & BARRETTO, A.S. (2003) Photocatalytic inactivation of Clostridium perfringens and coliphages in water. Brazilian Journal of Chemical Engineering, v. 20, n. 4, p. 403-411.
  • GUIMARÃES, J.R.; IBÁÑEZ, J.;; LITTER, M.I. PIZARRO, R. (2004) Eliminación de contaminantes por fotocatálisis heterogénea. 1 ed. Madrid: Editorial Ciemat. p. 375-388.
  • GUIMARÃES, J.R.; SANTOS, L.U.; FRANCO, R.M.B.; GUADAGNINI, R.A. (2014) Giardia duodenalis number and fluorescence reduction caused by the advanced oxidation process (H2O2/UV) 2014. International Scholarly Research Notices, v.0, p. 7.
  • HARGREAVES, A.; TAIWO, F.A.; DUGGAN, O.; KIRK, S.H.; AHMAD, S.I. (2007) Near-ultraviolet photolysis of b-phenylpyruvic acid generates free radicals and results in DNA damage. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, v. 89, p. 110-116.
  • LABAS, M.D.; ZALAZAR, C.S.; BRANDI, R.J.; CASSANO, A.E. (2008) Reaction kinetics of bacteria disinfection employing hydrogen peroxide. Biochemical Engineering Journal, v. 38, p. 78-87.
  • LIANG, Z. & KEELEY, A. (2012) Comparison of propidium monoazide-quantitative PCR and reverse transcription quantitative PCR for viability detection of fresh Cryptosporidium oocysts following disinfection and after long-term storage in water samples. Water Research, v. 46, p. 5941-5953.
  • MAHBUBANI, M.H.; BEJ, A.K.; PERLIN, M.H.; SCHAEFER III, F.W.; JAKUBOWSKI, W.; ATLAS, R.M. (1992) Differentiation of Giardia duodenalis from other Giardia spp by using Polymerase Chain Reaction and gene probes. Journal Clinical Microbiology, v. 30, p. 74-78.
  • MATTOS, I.L.; SHIRAISHI, K.A.; BRAZ, A.D.; FERNANDES, J.R. (2003) Peróxido de Hidrogênio: Importância e Determinação . Química Nova, v. 26, n. 3, p. 373-380.
  • QUILEZ, J.; SANCHEZ-ACEDO, C.; AVEDAÑO, C.; DEL CACHO, E.; LOPEZ-BERNAD, F. (2005) Efficacy of Two Peroxygen-Based Disinfectants for Inactivation of Cryptosporidium parvum Oocysts. Applied and Environmental Microbiology, v. 71, n. 5, p. 2479-2483,.
  • REDLINGER, T.; CORELA-BARUD, V.; GRAHAM, J.; GALINDO, A.; AVITIA, R.E. CARDENAS, V. (2002) Hyper endemic Cryptosporidium and Giardia in households lacking municipal sewer and water on the United States - México border. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v. 66, n. 6, p. 794-798.
  • RODRIGUES-SILVA, C.; MANIERO, M.G.; RATH, S.; GUIMARÃES, J.R. (2013) Degradation of flumequine by photocatalysis and evaluation of antimicrobial activity. Chemical Engineering Journal, v. 224, p. 46-52, .
  • RYU, H.; GERRITY, D.; CRITTENDEN, J.C.; ABBASZADEGAN, M. (2008) Photocatalytic inactivation of Cryptosporidium parvum with TiO2 and low-pressure ultraviolet irradiation. Water Research, v. 42, p. 1523-1530, .
  • SAKAMOTO, G.; SCHWARTZEL, D.; TOMOWICH, D. (2001) UV disinfection for reuse applications in North America. Water Science and Technology, v. 43, n. 10, p. 173-178.
  • SHIN, G.A.; LINDEN, K.G.; FAUBERT, G. (2009) Inactivation of Giardia lamblia cysts by polychromatic UV. Letters in Applied Microbiology, v. 48, p. 790-792, .
  • SMITH, A.L. & SMITH, H. V (1989) A compararison of fluorescein diacetate and propidium iodide staining and in vitro excystation for determining Giardia intestinalis cyst viability. Parasitology, v. 99, p. 329-331, .
  • USEPA - US ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. (2012) EPA- 816-R-12-001. Method 1623.1: Cryptosporidium and Giardia in Water by Filtration/IMS/FA. Office of Water. Washington: US Environmental Protection Agency.
  • WEIR, S.C.; POKORNY, N.J.; CARRENO, R.A.; TREVORS, J.T.; LEE, H. (2002) Efficacy of Common Laboratory Disinfectants on the Infectivity of Cryptosporidium parvum Oocysts in Cell Culture. Applied and Environmental Microbiology, v. 68, n. 5, p. 2576-2579, .
  • WIDMER, G.; CLANCY, T.; WARD, H.D.; MILLER, D.; BATZER, G.M.; PEARSON, C.B.; et al. (2002) Structural and biochemical alterations in Giardia lamblia cysts exposed to ozone. Journal of Parasitology, v. 88, n. 6, p. 1100-1106.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).
  • Trabalho realizado no Laboratório de Processos Oxidativos (LABPOX-DSA) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Campinas (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2012
  • Aceito
    06 Nov 2015
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br