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Avaliação de lavador de gases do tipo Venturi, operando com solução de hidróxido de sódio, para dessulfuração de biogás com altas concentrações de H2S

Evaluation of a Venturi gas scrubber operating with sodium hydroxide solution for desulphurization of biogas with high H2S concentrations

RESUMO

O processo de metanização tem sido empregado com sucesso como tratamento biológico de distintas tipologias de efluentes orgânicos. Para conversão do biogás em energia, o sulfeto de hidrogênio (H2S) é o principal composto a ser removido. A metanização da vinhaça, principal efluente do setor sucroenergético, gera um biogás com concentrações de H2S que podem ultrapassar os 30.000 ppmV, com grande variação devido às condições operacionais das usinas. Processos químicos de dessulfuração apresentam-se como uma alternativa que alia robustez e maior controle operacional do processo, além de não resultarem em diluição da concentração de metano, como ocorre em processos biológicos. Entretanto, a principal desvantagem desses processos é a demanda de compostos químicos, resultando em custos operacionais elevados. Esse trabalho teve como objetivo avaliar a viabilidade técnica de se realizar uma dessulfuração química de biogás com altas concentrações de H2S, além de determinar as concentrações de hidróxido de sódio (NaOH) em meio aquoso que proporcionassem altas eficiências de remoção de H2S e que possibilite que o efluente desse processo seja passível de regeneração por microrganismos sulfo-oxidantes. Foi utilizado um lavador do tipo Venturi, com uma solução de 5,00 x 10-2 mol.L-1 de NaOH. Na faixa de pH de crescimento desses microrganismos, as eficiências de remoção de H2S variaram de 99,3 a 99,9%. Constatou-se que é possível atingir eficiências máximas de remoção de H2S utilizando soluções de 5,00 x 10-3 mol.L-1 de NaOH, obtendo um efluente com pH adequado ao crescimento de microrganismos sulfo-oxidantes. Verificou-se, ainda, que o CO2 exerce grande influência na competição pelas hidroxilas presentes no meio.

Palavras-chave:
dessulfuração química; hidróxido de sódio; biogás; lavador Venturi; vinhaça.

ABSTRACT

The methanation process has been successfully used as a biological treatment method for different effluent typologies. For biogas to energy conversion, the hydrogen sulfide (H2S) is the most important compound that must be removed. The methanation of vinasse, which is the major effluent of the sugar and ethanol industry, results in a biogas with hydrogen sulfide concentrations that might exceed 30,000 ppmV. The concentrations may vary considerably according to the operational conditions of the production process. Chemical desulphurization processes are presented as an alternative that combines robustness and provides better operational process control. Moreover, the chemical desulphurization does not result in dilution of the methane concentration, which is side effect noticed in the biological desulphurization processes. However, the main disadvantage of the chemical desulphurization is exactly the high demand for chemical compounds, which results in high operational costs. The present research investigated the technical feasibility of applying a chemical desulphurization process to treat biogas with high hydrogen sulfide concentrations; the research also aimed to determine the sodium hydroxide (NaOH) concentration in the aqueous medium, as the NaOH presence enables high efficiency of hydrogen sulfide removal and allows the effluent regeneration by sulfo-oxidant microorganisms. The experiments were carried out using a Venturi absorption tower with a NaOH chemical solution of 5.00 x 10-2 mol.L-1. In the pH range favorable to this microorganisms, the H2S removal efficiency varied from 99.3 to 99.9%. It was observed that it is possible to achieve maximum efficiency of removal of H2S using solutions of 5.00 x 10-3 mol.L-1 NaOH, obtaining an effluent with proper pH to grow sulfo oxidant microorganisms. Moreover, it was verified that carbon dioxide significantly influenced the competition for the hydroxyls present in the solution.

Keywords:
chemical desulphurization; Sodium Hydroxide; biogas; Venturi; vinasse.

INTRODUÇÃO

O processo de digestão anaeróbia tem sido empregado com sucesso como tratamento biológico de distintas tipologias de efluentes orgânicos, com destaque para o setor de tratamento de esgoto doméstico e de efluentes da indústria alimentícia e de bebidas, apresentando vantagens com relação aos processos de tratamento aeróbio, como: baixos custos operacionais, baixa produção de lodo, geração de biofertilizante, redução da emissão de gases do efeito estufa e geração de biogás, passível de utilização energética variada (MCCARTY, 1964MCCARTY, P.L. (1964) Anaerobic waste treatment fundamentals. Public Works - Parts 1, 2, 3 and 4. 95, n. 9, 107-112; n. 10, 123-126; n. 11, 91-94; n.12, 95-99.; LETTINGA et al., 1980LETTINGA, G.; VAN VELSEN, A.F.M.; HOBMA, S.W.; DE ZEEUW, W.; KLAPWIJK, A. (1980) Use of Upflow Sludge Blanket (USB) reactor concept for biological wastewater Treatment especially for anaerobic treatment. Biotechnology and Bioengineering , v. 22, n. 4, p. 699-734.; BECCARI et al., 1996BECCARI, M.; BONEMAZZI, F.; MAJONE, M.; RICCARDI, C. (1996) Interaction between acidogenesis and methanogenesis in the anaerobic treatment of olive oil mill effluents. Water Research , v. 30, n. 1, p. 183-189.; CHERNICHARO, 2007CHERNICHARO, C.A.L. (2007) Reatores anaeróbios . 2ª. ed. Belo Horizonte: UFMG. 588 p.). Considerando o contexto atual de incentivos para a diversificação da matriz energética nacional com base em fontes da biomassa, fomentando a geração distribuída e limpa (EPE, 2012BRASIL. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. EPE - EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. (2012) Projeção da demanda de energia elétrica para os próximos 10 anos (2013-2022) Rio de Janeiro: EPE. 80 p.), pode-se posicionar a digestão anaeróbia como alternativa tecnológica com relevância estratégica, na medida em que associa tratamento de efluentes com geração de energia de fonte renovável.

O biogás gerado em processos anaeróbios é uma mistura de gases, composto, majoritariamente, por metano e dióxido de carbono (GALANTE et al., 2012GALANTE, C.G.; PEZZOLA, L.; PRIANO, N.; SCARAMELLINI, S.; SOTTOCORNOLA, A. (2012) Methane from biogas: the process, cleaning and projects . Trondheim: Norewegian University of Science and Technology. 52 p.). Independentemente da destinação do biogás, a qualidade é crucial, tanto em termos da concentração de metano, o qual confere poder calorífico ao gás, quanto à pureza (RAMOS; PÉREZ; FDZ-POLANCO, 2013RAMOS, I.; PÉREZ, R.; FDZ-POLANCO, M. (2013) Microaerobicdesulphurisation unit: a new biological system for the removal of H2S from biogas. Bioresource Technology , v. 142, p. 633-640.). A aplicação efetiva do tratamento anaeróbio visando a geração de energia depende diretamente da eficiência de processos de limpeza do biogás, de forma a reduzir e/ou eliminar compostos indesejáveis, cuja presença e concentração variam de acordo com o afluente tratado. Entre as principais impurezas que demandam remoção estão o dióxido de carbono (CO2), sulfeto de hidrogênio (H2S), água (H2Ovapor), siloxanos e partículas sólidas (DEUBLEIN & STEINHAUSER, 2008DEUBLEIN, D. & STEINHAUSER, A. (2008) Biogas from Waste and Renewable Resources: An Introduction 2ª. ed. Weinheim: Wiley-VCH. 443 p.).

Para o aproveitamento energético do biogás, o sulfeto de hidrogênio é o principal composto a ser removido (VILLALOBOS, 2011VILLALOBOS, I.D. (2011) H 2S free biogas. From anaerobic to microaerobic. Tese (doutorado) Escuela de Ingenierías Industriales, Universidad de Valladolid, Valladolid.). Segundo o autor, o sulfeto de hidrogênio gera óxidos de enxofre durante o processo de combustão, os quais são altamente solúveis em água e propiciam a formação de ácido sulfúrico, o que reduz a vida útil das tubulações e dos equipamentos de aproveitamento do biogás. Ademais, deve-se considerar os problemas relativos aos maus odores, haja vista que este transtorno é detectado em concentrações de gás sulfídrico da ordem de 0,1 ppbV (NOYOLA; MORGAN-SAGASTUME; LÓPEZ-HERÁNDEZ, 2006NOYOLA, A.; MORGAN-SAGASTUME, J.M.; LÓPEZ-HERNÁNDEZ, J.E. (2006) Treatment of biogas produced in anaerobic reactors for domestic wastewater: odor control and energy/resource recovery. Reviews in environmental science and bio/technology , v. 5, n. 1, p. 93-114.).

O sulfeto de hidrogênio em sistemas anaeróbios é gerado pelos microrganismos sulfato-redutores, a partir de compostos de enxofre, sendo que geralmente provém do sulfato, ânion correspondente à forma mais estável do enxofre em meio aquoso e no pH típico de operação de reatores anaeróbios.Nesse processo, o sulfato é utilizado como aceptor final de elétrons, sendo que diversas fontes de carbono podem ser utilizadas como doadores de elétrons, como o etanol, o acetato e o propionato (DU PREEZ et al., 1992DU PREEZ, L.A.; ODENDAAL, J.P.; MAREE, J.P.; PONSONBY, M. (1992) Biological removal of sulphate from industrial effluents using producer gas as an energy source. Environmental. Technology v.13, n. 9, p.875-882.; HANSEN, 1993HANSEN, T.A. Carbon Metabolism of Sulfate-Reducing Bacteria. In: ODOM, J.M.; JR., R.S. (1993) The Sulfate-Reducing Bacteria: Contemporary Perspectives ., p. 21-40.). Verifica-se, portanto, que além de gerar um produto indesejável, os microrganismos sulfato-redutores competem pela matéria orgânica presente no meio com os microrganismos produtores de metano (GOTTSCHALK, 1979GOTTSCHALK, G. (1979) Bacterial Metabolism . New York: Springer, 359 p., LENS et al., 1998LENS, P.N.L.; VISSER, A.N.L.; JANSSEN, A.J.H.; HULSHOFF POL, L.W.; LETTINGA, G. (1998) Biotechnological Treatment of Sulfate-Rich Wastewaters. Critical Reviews in Environmental Science and Technology , v. 28, n. 1, p. 41-88.) e têm um metabolismo cinético e energeticamente favorecido às arqueias metanogênicas, acarretando em redução na produção de metano no sistema anaeróbio (ELFERINK et al., 1994ELFERINK, S.; VISSER, A.; POL, L.W.H.; STAMS, A.J.M. (1994) Sulfate reduction in methanogenic bioreactors. FEMS Microbiology Reviews , v. 15, n. 2-3, p. 119-136.; COLLERAN; FINNEGAN; LENS, 1995COLLERAN, E.; FINNEGAN, S.; LENS, P. (1995) Anaerobic treatment of sulfate-containing waste streams. Antonie Van Leeuwenhoek International Journal of General and Molecular Microbiology , v. 67, n. 1, p. 29-46.).

Face a essa problemática, diversas alternativas vêm sendo estudadas e utilizadas, visando a eliminação do sulfeto de hidrogênio no biogás, processo denominado dessulfuração (McKINSEY, 2003McKINSEY, Z.S. (2003) Removal of hydrogen sulfide from biogas using cow-manure compost. Tese (doutorado). Faculty of the Graduate School of Cornell University, Ithaca, NY.).

O estado da arte relacionado à temática de dessulfuração do biogás indica a utilização de diferentes processos unitários para tal finalidade que se distribuem em duas categorias principais: processos químicos e processos biológicos (KOHL & NEILSEN, 1997KOHL, A.L. & NIELSEN, R. (1997) Gas purification . 5ª. ed. Houston: Gulf Publishing Company, 1414 p.; WELLINGER & LINBERG, 2000WELLINGER, A. & LINBERG, A. (2000) Biogas upgrading and utilization - IEA Bioenergy Task 24. Paris, France: International Energy Association,. 20 p.; SCHIEDER et al., 2003SCHIEDER, D.; QUICKER, P.; SCHNEIDER, R.; WINTER, H.; PRECHTL, S.; FAULSTICH, M. (2003) Microbiological removal of hydrogen sulfide from biogas by means of a separate biofilter system: experience with technical operation. Water Science and Technology , v. 48, n. 4, p. 209-212.; SODERMAN, 2003SÖDERMAN, M.L. (2003) Recovering energy from waste in Sweden - a systems engineering study. Resources, Conservation and Recycling , v. 38, n. 2, p. 89-121.; HORIKAWA et al., 2004HORIKAWA, M.S.; ROSSI, M.L.; GIMENES, M.L.; COSTA, C.M.M.; DA SILVA, M.G.C. (2004) Chemical absorption of H2S for biogas purification. Brazilian Journal of Chemical Engineering , v. 21, n. 3, p. 415-422.; CYTRYN et al., 2005CYTRYN, E.; VAN RIJN, J; SCHRAMM, A.; GIESEKE A.; DE BEER, D.; MINZ, D.(2005) Identification of Bacteria Potentially Responsible for Oxic and Anoxic Sulfide Oxidation in Biofilters of a Recirculating Mariculture System. Applied and Environmental Microbiology , v.71, n.10, p. 6134-6141.; TRUONG & ABATZOGLOU, 2005TRUONG, L.V.-A. & ABATZOGLOU, N. (2005) A H2S reactive adsorption process for the purification of biogas prior to its use as a bioenergy vector. Biomass and Bioenergy , v. 29, n. 2, p. 142-151.; KAPDI et al., 2007KAPDI, S.S.; VIJAY, V.K.; RAJESH, S.K.; PRASAD, R. (2005) Biogas scrubbing, compression and storage: perspective and prospectus in Indian context. Renewable Energy , v. 30, n. 8, p. 1195-1202.; ABATZOGLOU & BOIVIN, 2009ABATZOGLOU, N. & BOIVIN, S. (2009) A review of biogas purification processes. Biofuels, Bioproducts and Biorefining , v. 3, n. 1, p. 42-71.; RAMÍREZ-SÁENZ et al., 2009RAMÍREZ-SÁENZ, D.; ZARATE-SEGURA, P.B.; GUERRERO-BARAJAS, C.; GARCÍA-PEÑA, E.I. H2S and volatile fatty acids elimination by biofiltration: Clean-up process for biogas potential use. Journal of Hazardous Materials , v. 163, n. 2-3, Abril 2009. 1272-1281.).

A literatura aponta os processos químicos como o sistema mais empregado atualmente, devido ao maior conhecimento tecnológico do processo, às experiências em plantas em escala industrial e pelas altas eficiências obtidas, que permitem atingir concentrações finais de sulfeto de hidrogênio muito baixas. Diversos compostos químicos têm sido estudados e empregados mundialmente, com destaque para os óxidos de ferro (Fe2O3), hidróxidos de ferro (Fe(OH)3), carvão ativado e zeólitas impregnadas (KI, K2CO3, KMnO4), soluções alcanolaminas (MEA, DEA, DIPA, MDEA), hidróxido de sódio (NaOH), e quelato férrico. Entretanto, as experiências operacionais descritas indicam elevado consumo de produtos químicos, assim como a necessidade de tratamento dos produtos da reação (resíduo final), resultando em altos custos de operação e manutenção desses sistemas (TAYLOR, 1956, apud ZICARI, 2003TAYLOR, D. K. Natural Gas Desulfurization (Parts 1-4). Oil and Gas Journal (November 5, 19, and December 3, 10): 4 p. 1956 apud ZICARI, S. M. Removal of hydrogen sulfide from biogas using cow-manure compost. Dissertação de mestrado. Faculty of the Graduate School of Cornell University, 2003.; PHILIP & BROOKS, 1974PHILIP, C.V. & BROOKS, D.W. (1974) Iron (III) chelate complexes of hydrogen sulfide and mercaptans in aqueous solution. American Chemical Society , v. 13, n. 2, p. 384-386.; NEUMANN & LYNN, 1984NEUMANN, D.W. & LYNN, S. (1984) Oxidative Absorption of H2S and O2 by Iron Chelate Solutions. AIChE Journal , v. 30, n. 1, p. 62-69.; KOHL & NEILSEN, 1997KOHL, A.L. & NIELSEN, R. (1997) Gas purification . 5ª. ed. Houston: Gulf Publishing Company, 1414 p.; McKINSEY, 2003McKINSEY, Z.S. (2003) Removal of hydrogen sulfide from biogas using cow-manure compost. Tese (doutorado). Faculty of the Graduate School of Cornell University, Ithaca, NY.; BAGREEV; ADIB; BANDOSZ, 2001BAGREEV, A.; ADIB, F.; BANDOSZ, T.J. (2001) pH of activated carbon surface as an indication of its suitability for H2S removal from moist air streams. Carbon , v. 39, n. 12, p. 1897-1905.; ILIUTA & LARACHI, 2003ILIUTA, I. & LARACHI, F. (2003) Concept of bifunctional Redox iron-chelate process for H2S removal in pulp and paper atmospheric emissions. Chemical Engineering Science , v. 58, n. 23, p. 23-24, p. 5305-5314.; HORIKAWA et al., 2004HORIKAWA, M.S.; ROSSI, M.L.; GIMENES, M.L.; COSTA, C.M.M.; DA SILVA, M.G.C. (2004) Chemical absorption of H2S for biogas purification. Brazilian Journal of Chemical Engineering , v. 21, n. 3, p. 415-422.; ZHANG & TONG, 2006ZHANG, J. & TONG, Z. (2006) Study on Catalytic Wet Oxidation of H2S into Sulfur on Fe/Cu Catalyst. Journal of Natural Gas Chemistry , v. 15, n. 1, p. 63-69.; SAELEE et al., 2009SAELEE, R.; BUNYAKAN, C.; CHUNGSIRIPORN, J. (2009) Removal of H2S in biogas from concentrated latex industry with iron(III)chelate in packed column. Songklanakarin Journal of Science and Technology , v. 31, p. 195-203.; XIAO et al., 2008XIAO, Y.; WANG, S.; WU, D.; YUAN, Q. (2008) Catalytic oxidation of hydrogen sulfide over unmodified and impregnated activated carbon. Separation and purification technology . v. 59, n. 3, p. 326-332.;OSORIO & TORRES, 2009OSORIO, F. & TORRES, J. C. (2009) Biogas purification from anaerobic digestion in a wastewater treatment plant for biofuel production. Renewable Energy , v. 34, n. 10, p. 2164-2171.; DESHMUKH; SHETE; PAWAR, 2012DESHMUKH, G.M.; SHETE, A.; PAWAR, D.M. (2012) Oxidative Absorption of Hydrogen Sulfide using Iron-chelate Based Process: Chelate Degradation. Journal of chemical technology and biotechnology , v. 88, n. 3, p. 432-436.).

É importante destacar que a literatura relacionada tem se focado não somente na eficiência dos processos unitários para a dessulfuração do biogás, mas também tem enfatizado a importância de distintos fatores para a seleção de um determinado processo ou processos associados (DEUBLEIN & STEINHAUSER, 2008DEUBLEIN, D. & STEINHAUSER, A. (2008) Biogas from Waste and Renewable Resources: An Introduction 2ª. ed. Weinheim: Wiley-VCH. 443 p.; VILLALOBOS, 2011VILLALOBOS, I.D. (2011) H 2S free biogas. From anaerobic to microaerobic. Tese (doutorado) Escuela de Ingenierías Industriales, Universidad de Valladolid, Valladolid.). De maneira adicional, a literatura tem se concentrado em analisar a eficiência dos processos de dessulfuração aplicados a efluentes tipicamente tratados via anaeróbia (efluentes domésticos, fração orgânica de resíduos sólidos urbanos, suinocultura etc.) cuja concentração de H2S geralmente não ultrapassa 2.000 ppmV (DEUBLEIN & STEINHAUSER, 2008DEUBLEIN, D. & STEINHAUSER, A. (2008) Biogas from Waste and Renewable Resources: An Introduction 2ª. ed. Weinheim: Wiley-VCH. 443 p.). Poucos estudos foram destinados a avaliar a eficiência e viabilidade de remoção de elevadas concentrações de H2S do biogás.

Essa lacuna do conhecimento dificulta a aplicação do tratamento anaeróbio de determinadas tipologias de efluentes industriais com significativo potencial de geração de biogás, como a vinhaça ou vinhoto, efluente da produção de etanol gerado principalmente pelo setor sucroalcooleiro. Resultados ainda não publicados, obtidos em pesquisa ora em andamento, indicam que esse efluente tratado via anaeróbia resulta em um biogás com concentrações de sulfeto de hidrogênio que pode ultrapassar 30.000 ppmV, com grande variação devido às condições operacionais das usinas. Por outro lado, o setor sucroenergético demonstra crescente interesse em sistemas anaeróbios para o tratamento da vinhaça associado à geração de energia incentivada, visando ampliar a sua participação no mercado de energias renováveis (EPE, 2012BRASIL. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. EPE - EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. (2012) Projeção da demanda de energia elétrica para os próximos 10 anos (2013-2022) Rio de Janeiro: EPE. 80 p.).

Destaca-se, ainda, que a vinhaça é gerada em grande escala, a uma taxa que varia de 10 a 14 L.L-1 de etanol produzido (SANTOS, 2000SANTOS, M.B. (2000) Proposta metodológica para o planejamento do uso agrícola da vinhaça, considerando os seus aspectos ambientais, por meio de sistema de informações geográficas. Dissertação (mestrado). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos.), possui características físico-químicas que a tornam um passivo ambiental para o setor e é carente de estratégias de tratamento e gestão adequadas. A demanda química de oxigênio (DQO) da vinhaça varia de 15 a 70 g.L-1, cerca de 100 vezes superior ao encontrado no esgoto doméstico, e o efluente possui baixo pH (4,0 a 4,5), elevada corrosividade e altas concentrações de potássio (FREIRE & CORTEZ, 2000FREIRE, W.J. & CORTEZ, L.A.B. (2000) Vinhaça de cana-de-açúcar . Guaíba: Editora Agropecuária. 203p.).

Diante do exposto, verifica-se que o desenvolvimento de um processo técnica e economicamente viável para a dessulfuração de biogás com altas concentrações de H2S é de suma importância para o aproveitamento energético do biogás oriundo da metanização da vinhaça. Nesse cenário, a dessulfurização química apresenta-se como a técnica apropriada, uma vez que possibilita maior controle operacional do processo em função das variações de concentrações existentes no biogás proveniente da vinhaça, além de não resultar em diluição da concentração de metano. Dentre as tipologias de dessulfuração química, a utilização de hidróxido de sódio pode se constituir em uma opção atrativa devido à elevada reatividade com o H2S e possibilidade de regeneração por meio da utilização de microrganismos específicos em um processo biológico posterior à dessulfuração química.

As reações químicas envolvidas no processo de dessulfuração via hidróxido de sódio são resumidas nas reações 1, 2, 3, 4, 5, 6:

Verifica-se que, além da reação com o H2S, há também reatividade entre o CO2 e as hidroxilas, possibilitando que o CO2 seja removido concomitantemente, podendo incrementar o poder calorífico do biogás. Verifica-se, ainda, que o bicarbonato formado pode reagir com as hidroxilas e formar carbonato, o qual, por sua vez, reage com o H2S.

Porém, a dissociação das espécies químicas e, consequentemente, as reações que ocorrerão dependem do pH do meio, como pode ser observado na Figura 1 e nas reações 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14:

Figura 1:
Diagrama de dissociação do sulfeto (esquerda) e ácido carbônico (direita) em água.

A faixa de pH vai influenciar também na possível regeneração das hidroxilas, uma vez que o pH de crescimento dos principais microrganismos sulfo-oxidantes (Thiobacillus novellus, Thiobacillus thioparus, Thermothrix azorensis e Thiotrhix nivea ) que sobrevivem em pH básico, é inferior a 9 (Figura 1).

Dessa maneira, torna-se possível associar o processo químico responsável pela remoção do H2S do fluxo gasoso e processo biológico, o qual possibilita a regeneração das hidroxilas por meio das reações 15,16, 17, 18:

Pode-se verificar que a regeneração das hidroxilas ocorre a partir dos íons bissulfeto, bicarbonato e carbonato, sugerindo que até as hidroxilas consumidas para remover CO2 do fluxo gasoso podem ser regeneradas.

Dessa forma, a associação de um sistema químico utilizando NaOH acoplado a um sistema de regeneração biológico possibilita amenizar as principais limitações do emprego de processos químicos para dessulfuração do biogás, visto que o reagente (hidroxilas) pode ser regenerado e o enxofre formado pode ser separado do meio líquido por uma etapa posterior de sedimentação. Ressalta-se que é importante controlar a introdução de oxigênio, uma vez que há consumo de hidroxilas na reação com excesso de oxigênio (Reação 16).

Face aos aspectos apresentados, essa pesquisa teve como objetivo determinar as concentrações de hidróxido de sódio em meio líquido que proporcionassem altas eficiências de remoção de H2S e que o efluente desse processo seja passível de regeneração por microrganismos sulfo-oxidantes.

METODOLOGIA

Descrição do aparato experimental

A pesquisa foi desenvolvida na Usina Monte Alegre (UMA), no município de Monte Belo, estado de Minas Gerais, onde opera um Sistema de Metanização (SM) de vinhaça em escala piloto, o qual possui geração constante de biogás com elevadas concentrações de sulfeto de hidrogênio. A esse sistema foi acoplado o Sistema de Dessulfuração desenvolvido para a pesquisa.

O sistema de metanização é constituído por um reator híbrido de 10 m3 de volume total (sendo 8,5 m3 de volume útil), operado em temperatura mesofílica (37oC) e carga orgânica volumétrica que varia de 10 a 20 kgDQO.m-3.d-1, tratando vinhaça in natura proveniente da destilaria da referida usina.

O biogás gerado no processo é direcionado a um sistema de desumidificação e sua vazão é mensurada em dois medidores volumétricos de gás do tipo diafragma, sendo, então, encaminhado a um acumulador de gás (gasômetro), de laminado reforçado de PVC com 9 m3 de volume, cuja função é estocar e homogeneizar o biogás gerado. A Figura 2 apresenta o fluxograma do sistema de metanização.

Figura 2:
Fluxograma dos componentes que integram o Sistema de Metanização.

Na sequência do sistema de metanização, um compressor direciona o biogás ao Sistema de Dessulfuração (SD).Nessa linha, foram instalados transdutores de pressão e temperatura, rotâmetros e um ponto de amostragem para o monitoramento das concentrações de metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), sulfeto de hidrogênio (H2S) e oxigênio (O2) no biogás de entrada ao SD, realizado com o auxílio de um analisador portátil.

O SD é composto por uma Torre de Absorção (TA) do tipo Venturi, cilíndrica e construída em aço inoxidável e um reservatório de líquidos na parte inferior, sendo que o canal Venturi utilizado possui um volume de 1,22 Litros. O biogás e a solução líquida são introduzidos na parte superior da torre, a qual opera em um sistema pressurizado de fluxo concorrente. Os fluxos, gasoso (biogás) e líquido (solução aquosa de hidróxido de sódio), ao serem direcionados aos canais do Venturi, criam uma zona de turbulência de forma a otimizar o contato líquido-gás e, consequentemente, a reação química. A turbulência no interior da torre de absorção é intensificada ao acelerar os fluxos, no estreitamento dos canais, e ao dispersar o fluxo líquido, por meio da aspersão em um bico de jato cônico cheio. O biogás tratado é analisado continuamente por meio de um analisador de gás.

Para monitoramento do sistema de líquidos na TA, foram instalados um transdutor combinado de pH, temperatura e potencial de oxi-redução (ORP), um transdutor de condutividade e uma chave de nível do tipo condutiva de quatro hastes, que indica a necessidade de reposição de insumos no sistema e garante a parada do mesmo, caso necessário. O líquido tem sua vazão medida por um rotâmetro e, em seguida, é retornado à parte superior por uma bomba centrífuga. A Figura 3 ilustra a torre de absorção que integra o sistema de dessulfuração.

Figura 3:
Isométrica lateral da torre de absorção.

Os equipamentos e instrumentos utilizados no sistema de dessulfuração são monitorados e controlados por um Controlador Lógico Programável (CLP) e as informações pertinentes ao processo e/ou obtidas por meio de sensores e atuadores são exibidas em um painel de controle conectado ao CLP. O Supervisório utilizado GE/iFIX é um sistema HMI (Human Machine Interface ) / SCADA (Supervisory Control and Data Acquisition ).

A Figura 4 ilustra as principais telas do sistema de automação desenvolvido.

Figura 4:
Telas de automação desenvolvidas para auxiliar no monitoramento dos processos.

Análises químicas

As concentrações de sulfato e sulfeto foram realizadas em um espectrofotômetro visível portátil (DR800, Hach), utilizando-se os reagentes SulfaVer (CAT-21067-69, Hach), para sulfato e sulfeto 1 (1816-32, Hach); e sulfeto 2 (1817-32, Hach), para análise de sulfeto.

A temperatura e as concentrações de metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), sulfeto de hidrogênio (H2S) e oxigênio (O2) no biogás são aferidas com um analisador de gás portátil (Landtec GEM5000), para o biogás afluente, e com um analisador de gás contínuo (Landtec GA3000), para o gás efluente.

O monitoramento do pH, temperatura e ORP da fase líquida da Torre Química foi realizado com transdutores combinados (Endress + Hauser modelo CPS16D-1009/0). A alcalinidade do reator é aferida com o auxílio de um titulador automático (HI-902, Hanna). A vazão de biogás é mensurada com o auxílio de medidores de gás do tipo diafragma (LAO Indústria, modelos G1,6 e G2,5), instalados em diferentes pontos da linha de gás. Todos os transdutores são acoplados a um sistema de automação e monitoramento.

Condições operacionais

Os experimentos foram realizados em bateladas, com cinco repetições, analisando os seguintes parâmetros: decaimento da alcalinidade e pH, eficiência de remoção de H2S, competição do H2S com CO2 e sulfeto dissolvido. A Tabela 1 apresenta as condições operacionais dos ensaios realizados.

Tabela 1:
Condições operacionais para os ensaios de dessulfuração em batelada realizados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 5 apresenta a variação da eficiência de remoção de H2S em função da alcalinidade obtida pela torre de absorção.

Figura 5:
Variação da eficiência de remoção de H2S em função da alcalinidade.

Em relação à eficiência de remoção de H2S do fluxo gasoso, observa-se, a partir da Figura 5 que eficiências de remoção de H2S próximas a 100% (99,3 a 99,9%) são possíveis até reduzidos valores de alcalinidade da ordem de 5,00 x 10-3 mol.L-1. Quando a alcalinidade reduz totalmente, as eficiências de remoção tendem a reduzir consideravelmente, atingindo valores entre 5,1 a 17,3% (mediana 10,2% e média de 10,3%). Fica evidente, a partir da análise desse gráfico, que, mesmo com reduzidas concentrações de hidroxilas presentes no meio, o lavador do tipo Venturi foi eficiente na remoção de H2S do biogás nas condições operacionais analisadas.

A Figura 6 ilustra a variação da eficiência de remoção de H2S em função da massa de H2S introduzida.

Figura 6:
Variação da eficiência de remoção de H2S em função da massa de H2S afluente.

A partir da Figura 6 é possível verificar que eficiências de remoção de sulfeto de hidrogênio do fluxo gasoso da ordem de 100% são obtidas quando a massa de H2S afluente ao sistema é inferior a 8 g. Para valores de sulfeto de hidrogênio afluente superiores a 8 g, a eficiência decresce. Todavia, é possível observar que eficiências que variaram entre 85,3 e 99,9% (média de 93,8% e mediana de 95%) foram obtidas com uma massa de 10 g de H2S afluente. Com 12 g de H2S afluente, obteve-se eficiências de remoção entre 50,1 e 84,6% (média de 65,8% e mediana de 64,4%). Já com uma massa de 14 g, verificou-se um decréscimo substancial da eficiência de remoção de H2S, variando de 0 a 12%. Para valores superiores a 16 g, não se verificou remoção de H2S.

Dessa maneira, considerou-se 10 g (2,94 x 10-1 mols) como a massa máxima de H2S suportada pelo sistema. Tendo em vista que a mediana da alcalinidade nessa condição foi de 0,009 mol.L-1 e que a quantidade total de hidroxila introduzida no sistema foi de 3,25 mols, tem-se que 2,95 mols de hidroxila foram consumidos pelo CO2 presente no meio, sendo que a relação de consumo foi de 11,05 molsNaOH.molH2S. Esse alto consumo se deve ao fato de o CO2 estabelecer uma competição desigual com o H2S pelas hidroxilas. Como a concentração de CO2 no biogás é bastante superior à de H2S verifica-se que, caso não seja necessária a remoção do CO2 do biogás, deve-se buscar outras alternativas para diminuir essa competição. Isso se deve ao fato de que na faixa de pH entre 6,35 e 10,33, o CO2 estará, majoritariamente, na forma de bicarbonato na solução e que as reações tendem para a equimolaridade (1:1) no processo (Reação 5), sendo que os 2,95 mols de NaOH restantes reagem, predominantemente, com o CO2, correspondendo a 90,77 % das hidroxilas disponíveis no meio.

Uma das maneiras é trabalhar com um pH próximo a 8. Como pode ser observado no gráfico de dissociação do ácido carbônico (ver Figura 1), acima do valor de pH 10,33 (pka2), o carbonato (CO3 2-) é a espécie química mais abundante no meio. No intervalo de pH de 10,33 a 14,0, um mol de CO2 tende a consumir 2 mols de NaOH para a formação do carbonato (Reações 3 e 5, simultaneamente).

No intervalo de pH entre 6,35 a 10,33 (pka1 a pka2) observa-se que o bicarbonato (HCO3 será a espécie química mais abundante no meio e, portanto, um mol de CO2 tende a consumir um mol de NaOH (Reação 3), sendo que, no pH próximo de 8, os mecanismos reacionais sofrerão influência do equilíbrio que ocorre efetivamente no pH de 6,35 em conformidade com o diagrama de dissociação. Com a liberação de CO2 para a fase gasosa a partir do pH 8,0, ocorrerá o reestabelecimento da alcalinidade (Reação 12), sendo essa faixa de pH mais recomendável quando o objetivo for minimizar a competição do CO2. Importante salientar que, conforme evidenciado nas reações 17 e 18, no sistema de regeneração biológico também ocorrerá a liberação de hidroxilas a partir do carbonato e bicarbonato presentes no meio.

Em relação ao diagrama de dissociação para H2S (ver Figura 1), verifica-se que, a partir do pH 9,0, o íon bissulfeto (HS atinge a maior fração molar na solução. Entretanto, o equilíbrio que ocorre efetivamente no pH 6,9 começa a influenciar os mecanismos reacionais a partir do pH de 9,0, o que faz com o que ocorra um início da liberação do H2S para a fase gasosa a partir desse (Reação 10).Na faixa de pH entre 9,0 a 8,0 a função exibe uma queda na concentração de sulfeto solúvel. Entretanto, a partir do pH 8,0, com a saída de CO2 da solução, o H2S na forma gasosa tenderá a reagir com alcalinidade reestabelecida (Reação 2) e novamente voltar para a forma solúvel (HS. A concentração de sulfeto dissolvido (sulfeto de hidrogênio, íon bissulfeto e íon sulfeto) consistiu no parâmetro analisado para verificar a solubilização do sulfeto no meio líquido. A Figura 7 ilustra a variação do sulfeto dissolvido em função da massa de H2S afluente.

Figura 7:
Variação do sulfeto dissolvido em função da massa de H2S afluente.

Esse comportamento oscilante da concentração de sulfeto dissolvido pode ser explicado pelas reações que ocorrem ao reduzir o pH para valores próximos a 9. Ao chegar próximo ao pKa1, inicia-se um equilíbrio entre a concentração de HS e o H2S. Como não foi utilizado nenhum agente precipitante do H2S e o mesmo tende a volatilizar, o que pode ter ocasionado essa variação das concentrações de sulfeto dissolvido.A volatilização do H2S gerado a partir da redução do íon bissulfeto pode ser evitada fixando-se o sulfeto de hidrogênio em solução, por meio da adição, por exemplo, de acetato de zinco, permitindo a precipitação dos sulfetos presentes na forma de sulfeto metálico.

A Figura 8 ilustra a variação da eficiência de remoção de CO2 em função da alcalinidade.

Figura 8:
Variação da eficiência de remoção de CO2 em função da massa de H2S afluente.

Verifica-se que a eficiência de remoção de CO2 decresce à medida que a alcalinidade é consumida.Na alcalinidade de 4,50 x 10-2 mol.L-1, obteve-se remoções que variaram de 31,5 a 46,4% (média de 40,3% e mediana de 41,7%). Já na alcalinidade 5,00 x 10-3 mol.L-1, a eficiência de remoção variou de 24 a 37% (média 31,7% e mediana de 32,9%). Quando já não havia mais alcalinidade no meio, verificou-se que a remoção de CO2 variou de 8,5% a 30,7% (média de 21,6% e mediana de 23,6%), evidenciando que estava ocorrendo remoção física. A Figura 9 ilustra o incremento da concentração de CH4 em função da alcalinidade.

Figura 9:
Incremento da concentração de CH4 em função da alcalinidade.

Conforme mencionado, a utilização do biogás como combustível veicular requer um incremento da concentração de metano no biogás, de forma a aumentar o poder calorífico, diminuir o volume de armazenamento e, consequentemente, aumentar a autonomia dos veículos. Apesar dos testes terem priorizado a dessulfuração do biogás, a utilização de NaOH pode se configurar em uma alternativa para realizar, concomitantemente, a remoção de H2S e CO2. Verificou-se que, com uma alcalinidade de 4,50 x 10-2 mol.L-1, obteve-se um incremento na concentração de metano, variando de 12,3 a 18,5%, resultando em um biogás com 79,7 a 84,9% de metano. Na alcalinidade de 5,00 x 10-3 mol.L-1 obteve-se um incremento na concentração de metano, variando de 9,8 a 16,3%, o que resultou em um biogás com 77,4 a 82,6% de metano.

É fundamental estabelecer uma faixa de pH para a operação em contínuo do meio. A utilização de NaOH acarreta em liberação das hidroxilas e, consequentemente, torna-se o pH da solução básico. Porém, conforme descrito, os principais microrganismos sulfo-oxidantes que podem ser utilizados para regenerar as hidroxilas possuem faixa de crescimento em pH inferior a 9. A Figura 10 ilustra a variação do pH em função da alcalinidade.

Figura 10:
Variação do pH em função da alcalinidade.

A alcalinidade inicial introduzida no sistema, correspondente a 5,00 x 10-2 mol.L-1 de NaOH, resultou em um pH do meio líquido próximo a 12, em todos os ensaios. Uma vez que há reação do H2S e CO2 com as hidroxilas do meio, a partir da introdução do biogás, com vazão variando entre 12 e 14,3 L.min-1, o pH decresceu até o consumo total da alcalinidade, alcançando valores que variaram de 7 a 7,5 (mediana equivalente a 7,2). Após a alcalinidade zerar, os valores de pH são menos dispersos, variando entre 7,12 e 6,95 (mediana 7,02). Com a alcalinidade correspondente a 5,00 x 10-3 mol.L-1, o pH variou de 7,84 a 9,18 (média de 8,22 e mediana de 8). Uma vez que essa faixa de pH é apropriada ao crescimento de microrganismos sulfo-oxidantes e que nessa alcalinidade verificou-se eficiência de remoção de H2S, que variou de 99,3 a 99,9%, verifica-se que a operação do sistema em contínuo com a manutenção da faixa de pH e alcalinidade pode propiciar a operação de um sistema de dessulfuração com hidróxido de sódio com regeneração biológica das hidroxilas.

CONCLUSÕES

A utilização de hidróxido de sódio dissolvido em água para dessulfuração de biogás com altas concentrações de sulfeto de hidrogênio em uma torre de absorção do tipo Venturi, nas condições operacionais descritas, possibilitou eficiências de remoção de H2S entre 99,3 e 99,9% até os mínimos valores de alcalinidade mensurados.

Com uma massa aplicada de 10 g de H2S, as eficiências de remoção variaram entre 85,3 e 99,9%. Com 12 g de H2S afluente, a eficiência de remoção reduziu para valores entre 50,1 e 84,6%. Já com uma massa de 14 g, verificou-se um decréscimo substancial da eficiência de remoção de H2S, variando de 0 a 12%.

Considerandoa quantidadede H2S de 2,94 x 10-1 mols e que estavam disponíveis no meio 3,25 mols de hidróxido de sódio, obteve-se uma razão de11,05 molsNaOH.molH2S-1, evidenciando uma competição das hidroxilas com o CO2, que pode ter consumido91,07% das hidroxilas disponíveis no meio.

Com a alcalinidade correspondente a 5,00 x 10-3 mol.L-1, o pH variou de 7,84 a 9,18. Uma vez que essa faixa de pH é apropriada ao crescimento de microrganismos sulfo-oxidantes e que verificou-se eficiência de remoção de H2S, que variou de 99,3 a 99,9%, verifica-se que a operação do sistema em contínuo com a manutenção dessa faixa de pH e alcalinidade pode propiciar a operação de um sistema de dessulfuração com hidróxido de sódio acoplado a um sistema de oxidação biológica de regeneração das hidroxilas pode se constituir em uma alternativa para reduzir o consumo de hidróxido de sódio desse sistema. Ressalta-se que ao longo de todo o experimento, odores característicos do sulfeto de hidrogênio não foram percebidos.

A utilização desse sistema para realizar a dessulfuração e purificação do biogás pode se constituir em uma alternativa tecnicamente viável, uma vez que verificou-se incrementos da concentração de metano de até 18,5%.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2014
  • Aceito
    15 Abr 2015
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