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Modelagem baseada em agentes para a simulação da dispersão de poluentes em cursos d'água

Agent-based modeling for simulation of pollutants dispersion in water courses

RESUMO

A atividade antrópica em bacias hidrográficas frequentemente gera efluentes que poluem cursos d'água e tendem a gerar problemas ambientais diversos. Uma ferramenta muito útil para auxiliar a avaliação desses problemas é a modelagem matemática. Uma classe específica de modelos matemáticos com aplicações promissoras na área de recursos hídricos e controle da poluição são os modelos baseados em agentes. Neste trabalho se demonstrou como um modelo baseado em agentes pode ser desenvolvido e utilizado para a simulação de plumas de constituintes conservativos e não conservativos em cursos d'água. Foram apresentadas as suposições feitas para a representação dos fenômenos de advecção, dispersão e decaimento de primeira ordem no modelo. Posteriormente, foi feita uma comparação entre os resultados do modelo e a solução analítica unidimensional da equação de advecção-dispersão. Os resultados das comparações apontaram boa representação dos processos pelo modelo baseado em agentes e evidenciaram a importância da definição da discretização da massa dos constituintes lançados para essa classe de modelo. As soluções desenvolvidas e apresentadas mostram-se promissoras para a aplicação de modelos baseados em agentes na simulação de impactos de despejos em cursos d'água, bem como o modelo desenvolvido consiste atualmente em uma ferramenta educacional simples para o entendimento desses fenômenos.

Palavras-chave:
qualidade da água; dispersão; modelagem baseada em agentes

ABSTRACT

Human activity often generates effluents that pollute waterways and tend to generate serious environmental problems. A very useful tool to help assess these issues is the mathematical modeling. A specific class of models that are very promising for water resources and pollution control are the agent-based models. This paper presents an agent-based model developed and used to simulate plumes of conservatives and non-conservatives constituents in water courses. The assumptions made for the representation of advection, dispersion and first order decay phenomena's on the development of the model are presented, and these solutions are evaluated against the analytical solution of one-dimensional advection-dispersion equation. The results of the comparisons show a good representation of the agent-based model, and show the importance of the released constituent's mass discretization definition. The solutions developed and presented are promising for the application of agent based models in the simulation of impacts of discharges into watercourses, as well as the developed model presents itself as an educational tool for simple understanding of the simulated phenomena.

Keywords:
water quality; simulation; agent-based modeling

INTRODUÇÃO

A atividade antrópica em bacias hidrográficas frequentemente tende a gerar efluentes diversos, em que os cursos d'água são utilizados para diluir e transportar esses produtos residuais para longe do local de produção e descarga. Nesse cenário, muitas vezes a água do corpo receptor, com qualidade perturbada, acaba tornando-se inutilizável pela população, causa problemas de saúde pública e origina desequilíbrios ambientais.

Para auxiliar a avaliar e solucionar esses problemas, a modelagem matemática da qualidade hídrica é uma valiosa ferramenta que consiste na aplicação de equações matemáticas para a simulação de processos de transporte e transformação de poluentes em um corpo d'água (CHAPRA, 1997CHAPRA, S.C. Surface water-quality models . Illinois: Waveland Press, Inc., 1997. 844p.; BENEDINI, 2011BENEDINI, M. Water Quality Models for Rivers and Streams. State of the Art and future perspectives. European Water , v. 40, p. 27-40, 2011.). A sua aplicação propicia a previsão e avaliação de cenários, o controle de alterações na qualidade das águas causadas por descargas de poluentes, o licenciamento e planejamento do uso da água, as análises de risco e a tomada de decisão em relação à proteção de mananciais e/ou às captações (COX, 2003COX, B.A. A review of currently available in-stream water quality models and their applicability for simulating dissolved oxygen in lowland rivers. Science of Total Environment Journal , v. 314-316, p. 335-377, 2003.; LARENTIS; COLLISCHONN; TUCCI, 2009LARENTIS, D.G.; COLLISCHONN, W.; TUCCI, C.E.M. Simulação da Qualidade de Água em Grandes Bacias: Rio Taquari-Antas, RS. Revista Brasileira de Recursos Hídricos , v. 13, n. 3, p. 1-14, 2009.; BENEDINI, 2011BENEDINI, M. Water Quality Models for Rivers and Streams. State of the Art and future perspectives. European Water , v. 40, p. 27-40, 2011.; FAN; COLLISCHONN; RIGO, 2013FAN, F.M.; COLLISCHONN, W.; RIGO, D. Modelo analítico de qualidade da água acoplado com Sistema de Informação Geográfica para simulação de lançamentos com duração variada. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental , v. 18, n. 4, p. 359-370, 2013.).

Uma classe de modelos que tem chamado a atenção para a solução de diversos problemas, não apenas de engenharia, são os modelos baseados em agentes (JANSSEN & VRIES, 1998JANSSEN, M.A.; VRIES, H.J.M. The battle of perspectives: a multi-agent model with adaptive responses to climate change. Ecological Economics , v. 26, n. 1, p. 43-65, 1998.; GILBERT & BANKES, 2002GILBERT, N.; BANKES, S. Platforms and Methods for Agent-Based Modelling. Proceeding of the National Academy of Sciences of the USA , v. 99, n. 3, p. 7197-7198, 2002.; JANSEN, 2005JANSSEN, M.A. Agent-based modeling. In: PROOPS, J.; SAFONOV, P. (Eds.)Modeling in Ecological Economics. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2005. p. 155-172.; CASTLE & CROOKS, 2006CASTLE, C.J.E.; CROOKS, A.T. Principles and Concepts of Agent-Based Modelling for Developing Geospatial Simulations London, UK: Working Paper Series, Centre for Advanced Spatial Analysis (UCL), 2006. 60p.; MACAL & NORTH, 2010MACAL, C.M.; NORTH, M.J. Tutorial on agent-based modelling and simulation. Journal of Simulation , v. 4, p. 151-162, 2010.; MARETTO; ASSIS; GAVLAK, 2011MARETTO, R.V.; ASSIS, T.O.; GAVLAK, A.A. Simulating Urban Growth and Residential Segregation through Agent-Based Modeling. In: DIMURO, G.P.; COSTA, A.C.R.; SICHMAN, J.S.; TEDESCO, P.; ADAMATTI, D.F.; BALSA, J.; ANTUNES, L. (Org.). Advances in Social Simulation 2010 Post Proceedings of Second Brazilian Workshop on Social Simulation. 1st ed. Los Alamitos: IEEE - The Institute of Electrical and Electronics Engineers, 2011. p. 52-57.; ASSIS et al., 2010ASSIS, T.O.; AGUIAR, A.P.D.; CÂMARA, G.; ANDRADE, P.R. Modelos baseados em agentes em mudanças de uso e cobertura da terra: o caso da moratória da soja em Santarém. SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOINFORMÁTICA, Campos do Jordão, 2010.). Um modelo baseado em agentes é um simulador de um sistema de inteligência artificial distribuída, na qual se usa um conjunto de componentes com comportamento próprio predefinido, os chamados agentes (MACAL & NORTH, 2010MACAL, C.M.; NORTH, M.J. Tutorial on agent-based modelling and simulation. Journal of Simulation , v. 4, p. 151-162, 2010.; MARETTO; ASSIS; GAVLAK, 2011MARETTO, R.V.; ASSIS, T.O.; GAVLAK, A.A. Simulating Urban Growth and Residential Segregation through Agent-Based Modeling. In: DIMURO, G.P.; COSTA, A.C.R.; SICHMAN, J.S.; TEDESCO, P.; ADAMATTI, D.F.; BALSA, J.; ANTUNES, L. (Org.). Advances in Social Simulation 2010 Post Proceedings of Second Brazilian Workshop on Social Simulation. 1st ed. Los Alamitos: IEEE - The Institute of Electrical and Electronics Engineers, 2011. p. 52-57.).

Os agentes são componentes autônomos com comportamentos particulares que se inter-relacionam entre si e com o ambiente. Basicamente, a filosofia de um modelo baseado em agentes é que o comportamento singular de um único agente não representa fielmente a realidade, mas que a soma de todos os comportamentos locais corresponde a uma boa representação do comportamento real do grupo. Dessa forma, é possível constatar que aplicar uma abordagem orientada a agentes para a resolução de um problema significa decompô-lo em múltiplos componentes autônomos com objetivos particulares e que se inter-relacionam (GILBERT & BANKES, 2002GILBERT, N.; BANKES, S. Platforms and Methods for Agent-Based Modelling. Proceeding of the National Academy of Sciences of the USA , v. 99, n. 3, p. 7197-7198, 2002.; JANSSEN, 2005JANSSEN, M.A. Agent-based modeling. In: PROOPS, J.; SAFONOV, P. (Eds.)Modeling in Ecological Economics. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2005. p. 155-172.; CASTLE & CROOKS, 2006CASTLE, C.J.E.; CROOKS, A.T. Principles and Concepts of Agent-Based Modelling for Developing Geospatial Simulations London, UK: Working Paper Series, Centre for Advanced Spatial Analysis (UCL), 2006. 60p.; MACAL & NORTH, 2010MACAL, C.M.; NORTH, M.J. Tutorial on agent-based modelling and simulation. Journal of Simulation , v. 4, p. 151-162, 2010.).

Logo, pode-se utilizar a representação de agentes em sistemas hídricos para a simulação das interações que acontecem nesses sistemas, sejam elas processos físicos, químicos ou biológicos. Esse tipo de abordagem apresenta-se como um futuro promissor de aplicação na área de recursos hídricos e de controle da poluição. Nesse sentido, este trabalho visou propor e avaliar uma técnica de como simular os fenômenos de dispersão, advecção e decaimento de poluentes lançados em cursos d'água por meio do uso de ferramentas de modelagem baseada em agentes.

Para tanto, foi desenvolvido um modelo baseado em agentes em que cada unidade do constituinte derramado é representada como um agente simulado de forma individual. Nesse processo foram feitas considerações sobre como os fenômenos físicos e bioquímicos devem ser simulados. Os objetivos deste artigo foram apresentar como essas considerações foram feitas e avaliar o seu desempenho em comparação com casos simplificados hipotéticos nos quais é possível a aplicação de soluções analíticas da equação de advecção-dispersão.

Com um modelo baseado em agentes adequado para a simulação do transporte de constituintes, tem-se uma ferramenta útil que pode ser aplicada em estudos diversos de qualidade da água e que também consiste em uma estrutura básica para o acoplamento de outros agentes a serem simulados, os quais de alguma maneira interagem com os agentes do constituinte derramado.

Ainda, como um resultado secundário, o modelo desenvolvido serve como um laboratório experimental para o ensino prático dos fenômenos de advecção e dispersão em cursos d'água e para o estudo de modelagem baseado em agentes.

MATERIAIS E MÉTODOS

A principal diretriz seguida neste trabalho foi que os contaminantes despejados nos cursos d'água seriam simulados por meio de agentes individuais, representados por um número de partículas com valor de massa predefinido que se propagam ao longo de um rio. Dessa forma, o ambiente foi representado como o rio em que os agentes (partículas) se propagam.

Para a aplicação dessas considerações e o desenvolvimento deste trabalho, foram utilizados alguns materiais e métodos, que são apresentados a seguir.

NetLogo

O modelo desenvolvido e apresentado neste trabalho para a realização dos testes de simulação de plumas de contaminantes em corpos hídricos foi concebido em linguagem NetLogo (WILENSKY, 1999WILENSKY, U. NetLogo. Center for Connected Learning and Computer-Based Modeling . Evanston, IL: Northwestern University, 1999. Disponível em: <Disponível em: http://ccl.northwestern.edu/netlogo >. Acesso em: 15 jul. 2013.
http://ccl.northwestern.edu/netlogo...
; WILENSKY & REISMAN, 2006WILENSKY, U.; REISMAN, K. Thinking like a wolf, a sheep or a firefly: learning biology through constructing and testing computational theories - an embodied modeling approach. Cognition and Instruction , v. 24, n. 2, p. 171-209, 2006.).

O NetLogo é um sistema de desenvolvimento de modelos baseado em agentes que possui linguagem de programação própria e uma interface visual que permite o acompanhamento das simulações (WILENSKY, 1999WILENSKY, U. NetLogo. Center for Connected Learning and Computer-Based Modeling . Evanston, IL: Northwestern University, 1999. Disponível em: <Disponível em: http://ccl.northwestern.edu/netlogo >. Acesso em: 15 jul. 2013.
http://ccl.northwestern.edu/netlogo...
; WILENSKY & REISMAN, 2006WILENSKY, U.; REISMAN, K. Thinking like a wolf, a sheep or a firefly: learning biology through constructing and testing computational theories - an embodied modeling approach. Cognition and Instruction , v. 24, n. 2, p. 171-209, 2006.). Neste artigo, todas essas potencialidades foram exploradas.

Para a realização de uma simulação com o modelo, devem ser definidas as condições do curso d'água simulado (em regime permanente de vazões) na interface gráfica. Uma vez iniciada a simulação, os despejos de poluentes são inseridos por meio de cliques diretos sobre a tela com o rio, ou mediante um formulário com especificação dos dados de entrada. A Figura 1 exibe a simulação de uma pluma de poluente em trecho genérico de rio durante três intervalos de tempo.

O modelo permite a realização de simulações em duas dimensões (conforme Figura 1), ou somente na dimensão longitudinal.

Figura 1:
Simulação de uma pluma de poluente (na cor preta) em um trecho genérico de rio durante três intervalos de tempo, em que t1<t2<t3.

Equacionamento

Para a representação do transporte de poluentes que se dispersam em cursos d'água, é normalmente utilizada a equação de transporte (CHAPRA, 1997CHAPRA, S.C. Surface water-quality models . Illinois: Waveland Press, Inc., 1997. 844p.), dada pela Equação 1:

Em que:

  • C(x,y,z,t)  concentração do poluente [ML-3];
  • E(x,y,z)  coeficiente de dispersão na direção especificada [L2T-1];
  • S(x,y,z,t)  contribuições externas [MLT-1];
  • K  coeficiente de reação [T-1].

A solução analítica dessa equação, na sua forma unidimensional, é dada por Chanson (2004CHANSON, H. Environmental Hydraulics of Open Channel Flows . London, UK: Elsevier Butterworth-Heinemann, 2004. 483p.), Devens, Barbosa Junior e Silva (2006DEVENS, J.A.; BARBOSA JUNIOR, A.R.; SILVA, G.Q. Modelo de quantificação do coeficiente de dispersão longitudinal de pequenos cursos de água naturais. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental , v. 11, n. 3, p. 269-276, 2006.) e Ribeiro et al. (2010RIBEIRO, C.B.M.; SILVA, D.D.; SOARES, J.H.P.; GUEDES, H.A.S. Desenvolvimento e validação de equação para determinação do coeficiente de dispersão longitudinal em rios de médio porte. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental , v. 15, n. 4, p. 393-400, 2010.) (Equação 2):

Em que:

  • c(x,t)  concentração no local x no instante de tempo t [ML-3];
  • El  coeficiente de dispersão longitudinal [L2T-1];
  • t  instante de tempo em que se deseja saber a concentração [T];
  • x  local em que se deseja saber a concentração [L];
  • u  velocidade média da água no sentido longitudinal [LT-1];
  • M  massa injetada no sistema [M];
  • A  área da seção transversal em que ocorre a dispersão longitudinal [L2];
  • k  coeficiente de decaimento ambiental do constituinte [T-1].

Nessa equação são representados três fenômenos: advecção, dispersão longitudinal e decaimento dos constituintes. Tal equação é apresentada em termos unidimensionais neste trabalho, porque essa é a forma utilizada para a derivação do comportamento dos agentes.

Para que os agentes que representam os contaminantes sigam um comportamento similar ao apresentado pela equação, foram necessárias algumas considerações e adaptações.

Primeiramente, para simular o efeito de advecção no modelo baseado em agentes, bastava que o movimento das partículas fosse atualizado a cada intervalo de tempo de acordo com a velocidade e o sentido do curso d'água.

Em segundo lugar e visando simular o fenômeno de dispersão, verificou-se que a equação da advecção-dispersão longitudinal é muito similar à equação de uma curva gaussiana, dada pela Equação 3:

Em que:

  • f  valor da variável;
  • µ  média da distribuição;
  • σ2  variância da distribuição;
  • x  posição em que se deseja saber o valor da variável.

Podemos então interpretar que a equação de advecção-dispersão descreve as diferentes formas assumidas pelo "sino" da equação gaussiana ao longo de diferentes instantes de tempo, no momento em que o termo de dispersão aparece sempre multiplicado pelo tempo em uma comparação direta entre as duas equações. Assim, o efeito de dispersão é simulado pela equação simplesmente pela alteração da variância ao longo do tempo. Igualando a variância da equação de uma gaussiana com o termo El da equação de advecção-dispersão 1D, é obtido σ2=2 para o primeiro intervalo de tempo (t=1).

Se mantivermos esse σ para o segundo, o terceiro e os demais intervalos de tempo, cada partícula que compõe o poluente simulado estará em uma nova posição dada por uma distribuição normal. Ou seja, como as partículas estão em uma nova posição a cada novo intervalo de tempo, o resultado final da sua distribuição espacial tende a ser semelhante ao alcançado com a aplicação da equação de ­advecção-dispersão para os demais intervalos de tempo.

Essa hipótese pode ser assumida porque a equação de advecção-dispersão é linear (CHANSON, 2004CHANSON, H. Environmental Hydraulics of Open Channel Flows . London, UK: Elsevier Butterworth-Heinemann, 2004. 483p.). Para comprovar essa hipótese, podem ser feitos testes usando técnicas de convolução dos resultados da distribuição normal na forma de polutogramas, conforme já foi demonstrado em trabalhos de Jobson (1997JOBSON, H.E. Predicting travel time and dispersion in rivers and streams. Journal of Hydraulic Engineering , v. 123, n. 11, p. 971-978, 1997.), Chanson (2004CHANSON, H. Environmental Hydraulics of Open Channel Flows . London, UK: Elsevier Butterworth-Heinemann, 2004. 483p.), Ribeiro et al. (2011RIBEIRO, C.B.M.; SILVA, D.D.; SOARES, J.H.P.; GUEDES, H.A.S. Warning system based on theoretical-experimental study of dispersion of soluble pollutants in rivers.Engenharia Agrícola, v. 31, n. 5, p. 985-997, 2011.) e Fan (2013FAN, F.M. Simulação dos impactos de lançamentos de poluentes sobre a qualidade da água de bacias hidrográficas integrada com Sistema de Informação Geográfica . Dissertação (Mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.).

As mesmas considerações foram realizadas para a dispersão na direção transversal no modelo, contudo deveria ter sido adotada uma constante de dispersão transversal (Et).

Por fim, o último processo representado pela equação da ­advecção-dispersão da forma mostrada foi o decaimento de primeira ordem do constituinte. Para representar esse decaimento em um modelo baseado em agentes, fez-se necessária a transformação do coeficiente de decaimento de primeira ordem em uma informação de probabilidade.

Isso ocorreu por meio da transformação do coeficiente k, normalmente dado em dia-1, em uma probabilidade de destruição (ou transformação) de cada partícula em cada intervalo de tempo. Por exemplo, supondo decaimento de 1 dia-1 e um intervalo de tempo da simulação de 1 s, a cada segundo, cada uma das partículas tinha probabilidade de ser desintegrada (ou transformada) igual a 1/86.400.

Para utilizar esse conceito no modelo baseado em agentes, fez-se então, a cada intervalo de tempo e para cada partícula, a estimativa de um número aleatório com distribuição uniforme entre zero e um. Se esse número aleatório estivesse abaixo do limiar dado pelo coeficiente, a partícula seria eliminada ou transformada.

Testes realizados

O modelo apresentado neste trabalho foi testado, e seus resultados foram comparados aos obtidos com a solução analítica da equação de advecção-dispersão unidimensional para um lançamento (hipotético) em um trecho de rio (também hipotético) com as especificações exibidas na Tabela 1.

Tabela 1:
Especificações do canal hipotético e do lançamento utilizadas na avaliação do modelo baseado em agentes.

Foi adotado este estudo de caso porque consistia em uma situação em que a solução analítica era válida e poderia ser aplicada de forma direta. Supôs-se que, caso a solução analítica fosse bem representada nesses testes, o modelo baseado em agentes seria aplicável também para outros casos de dispersão longitudinal, incluindo casos nos quais a solução na forma analítica não existia.

Além de uma avaliação comparativa com os resultados usando esses parâmetros padronizados, foram feitos testes comparando valores de coeficiente de dispersão longitudinal de 5 e 20 m²/s, valores de velocidade de 2 m/s e coeficientes de decaimento de 1 e 100/dia-1. Assim, no teste padrão o constituinte foi considerado conservativo, porém nos testes com variação dos parâmetros se levou em conta a existência de decaimento. Nesses testes com variação de parâmetros, visou-se à verificação de possíveis impactos da mudança desses parâmetros nos resultados do modelo, em que o parâmetro analisado foi modificado e os demais parâmetros foram mantidos conforme os definidos como padrão.

Em todos os testes, representou-se cada um dos agentes como equivalente a 0,1 g do constituinte despejado no curso d'água. Contudo, adicionalmente, foram avaliadas discretizações mássicas mais grosseiras para a representação dos constituintes por meio dos agentes, e foi verificada a representação das concentrações mediante cada um dos agentes como equivalentes a 1 e 10 g. O objetivo desta análise foi averiguar os impactos da discretização mássica adotada sob os resultados gerados.

Além da análise visual dos resultados, para todos os testes ocorreu uma análise comparativa direta com o cálculo da medida de desempenho Raiz do Erro Médio ao Quadrado (REMQ), dada pela Equação 4:

Em que:

  • Co  concentração dada pela solução analítica em cada intervalo de tempo;
  • Ca  concentração calculada com o modelo de agentes em cada intervalo de tempo;
  • n  número de intervalos de tempo de cada simulação.

Na REMQ, quanto menor o erro, mais parecido é um plotugrama com o outro. Um valor de REMQ igual a zero simboliza que os dois polutogramas são idênticos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 2 apresenta os resultados para a situação padrão adotada. Nessa primeira análise, os resultados mostraram que a representação da dispersão com o modelo baseado em agentes foi similar ao uso da representação analítica, contudo o modelo baseado em agentes apontou a pluma com uma espécie de "ruído", que formava uma envoltória de concentrações no entorno da solução analítica.

Figura 2:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes nas condições padrão adotadas.

Supôs-se que esse ruído foi causado pela variação do número de agentes na seção de controle. Isso foi averiguado com mais profundidade nas análises de alteração da discretização dos lançamentos, demonstradas mais adiante neste texto.

As Figuras 3, 4, 5, 6 e 7 indicam os resultados para as simulações com as variações nos parâmetros de condições hidráulicas do escoamento e de decaimento dos poluentes. Nessas figuras, nota-se que em todas as simulações com o modelo baseado em agentes os resultados obtidos foram muito similares aos alcançados com a solução analítica da equação de dispersão-advecção longitudinal. Destacam-se especialmente os resultados com coeficientes de decaimento de 1 e 100 dia-1 (que não foram avaliados nos demais testes), em que os resultados entre os dois métodos se mantiveram praticamente iguais. Apenas, assim como para a condição padrão, verificou-se que o modelo baseado em agentes representava a pluma com uma espécie de "ruído", formando uma envoltória de concentrações no entorno da solução analítica.

Figura 3:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com El=5 m2/s e demais condições padronizadas.

Figura 4:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com El=20 m2/s e demais condições padronizadas.

Figura 5:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com U=20 m/s e demais condições padronizadas.

Figura 6:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com k=1 dia-1 e demais condições padronizadas.

Figura 7:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com k=100 dia-1 e demais condições padronizadas.

A Figura 8 exibe a análise da REMQ para todos os testes das Figuras 2, 3, 4, 5, 6 e 7.

Figura 8:
Análise da Raiz do Erro Médio ao Quadrado para os testes de coeficiente de dispersão, decaimento e velocidade.

De modo geral, os resultados apresentados para os testes de dispersão, decaimento e velocidade corroboraram o fato de que o modelo baseado em agentes representou com boa fidelidade os mesmos resultados da solução analítica, independentemente de alterações nos parâmetros citados. Em todos os casos o valor da medida de REMQ se manteve entre 0,01 e 0,02 mg/L.

Nas Figuras 9 e 10 são apresentados os resultados da análise de discretização mássica dos lançamentos como 1 e 10 g, respectivamente.

Figura 9:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com discretização 1 agente=1 g de constituinte despejado.

Figura 10:
Comparação entre simulação analítica e modelo baseado em agentes com discretização 1 agente=10 g de constituinte despejado.

Os polutogramas resultantes das análises de discretização mássica dos lançamentos em agentes mostraram que os resultados do modelo são muito dependentes da discretização adotada. Com discretizações mais grosseiras, a banda de variação de concentrações em torno da solução analítica foi bem mais ampla. A Figura 11 traz a análise da REMQ em função da discretização mássica adotada. Nela, destaca-se a piora do desempenho do modelo em função da discretização mais grosseira.

Figura 11:
Análise da Raiz do Erro Médio ao Quadrado em função da discretização mássica adotada.

Os resultados da análise de discretização estão de acordo com a interpretação do problema, uma vez que em uma solução com menos agentes se têm sempre variações mais severas nas concentrações na seção de controle. Em outras palavras, um agente de 10 g entrando e saindo do volume de controle em que são feitas as medidas de concentração causa alterações mais bruscas na concentração total no volume, em comparação com a entrada e saída de um agente de 0,1 g.

Com base na mesma teoria e nos resultados apresentados, é possível assumir que a solução analítica da dispersão longitudinal pode ser perfeitamente obtida pelo modelo fundamentado em agentes quando o número de agentes simulados tende a infinito. Ou seja, a solução perfeita pode ser obtida quando a massa simulada pelos agentes individualmente tende a números infinitesimais, próximos de zero.

Como simular um número infinito de agentes é impossível e como o uso de um número muito grande de agentes para a discretização mássica detalhada pode causar problemas de falta de capacidade computacional, esse teste realizado respalda a necessidade de uma correta definição da discretização dos lançamentos, e mostra-se sempre conveniente a realização de testes para a definição de uma discretização suficientemente adequada às incertezas do processo simulado.

CONCLUSÕES

Este trabalho apresentou como um modelo baseado em agentes pode ser desenvolvido e utilizado para a simulação de plumas de constituintes em cursos d'água. Como produto, foi mostrado um modelo desenvolvido em linguagem NetLogo.

As suposições feitas para a representação dos fenômenos de advecção, dispersão e decaimento de primeira ordem no desenvolvimento do modelo demonstraram-se suficientes para a obtenção de resultados satisfatórios, em comparação com a solução analítica unidimensional da equação de advecção-dispersão.

Também foi evidenciada a importância da correta definição da discretização do lançamento para o modelo baseado em agentes, em que discretizações muito grosseiras tendem a gerar representações igualmente grosseiras dos constituintes simulados.

É válido ressaltar que os testes aqui realizados se limitaram aos parâmetros e às condições propostas na Tabela 1, somadas com as análises comparativas feitas. Assim, nem todos os resultados são definitivos, podendo ainda sofrer variações para outras condições de aplicação. Da mesma forma, algumas hipóteses não foram avaliadas ainda no âmbito desta investigação, como a representação da transformação e a reação de poluentes.

Todavia, com base nesta investigação desenvolvida, é possível pensar no acoplamento das soluções adotadas em outros sistemas de simulação, ou no aprimoramento do modelo apresentado para a inclusão de agentes diversos que se inter-relacionam com os agentes poluidores. Essas alternativas serão testadas em trabalhos futuros.

Finalmente, pode-se considerar que o modelo desenvolvido e apresentado neste trabalho cumpre bem o papel como uma ferramenta educacional simples que permite ampliar o entendimento sobre processos de dispersão em cursos d'água.

AGRADECIMENTOS

O primeiro autor deste trabalho agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a bolsa de doutorado recebida durante a realização deste trabalho. Os autores agradecem também os comentários dos revisores, que auxiliaram na melhoria do texto.

A ferramenta didática apresentada neste trabalho está disponível, com código-fonte aberto, com a solicitação aos autores.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2013
  • Aceito
    18 Mar 2016
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