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Destinação de resíduos de serviços de saúde do subgrupo A4: política baseada em evidência ou em intuição?

Disposal of medical wastes (A4 subgroup): evidence-based or intuitive policy?

RESUMO

A destinação dos resíduos de serviços de saúde (RSS) representa uma discussão ampla e polêmica, e o momento de revisão da resolução da diretoria colegiada n.º 306/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), é oportuno para ampliar esse debate. Nesse contexto, este artigo buscou, por meio da revisão de publicações científicas, subsidiar escolhas que favoreçam a sustentabilidade ambiental e a proteção da saúde humana na destinação dos RSS. Foram realizadas pesquisa bibliográfica, em âmbitos nacional e internacional, e a revisão de instrumentos legais que regulam a destinação dos RSS no Brasil. As resoluções da ANVISA (n.º 306/2004) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (n.º 358/2005) mostram que a disposição final dos RSS do subgrupo A4 pode ser feita em local licenciado para receber RSS, sem tratamento prévio. Diversas publicações científicas apontam para a falta de evidências quanto à existência de riscos aumentados para o ambiente e à saúde humana dos RSS se comparados aos resíduos sólidos domiciliares e explicam que ambos poderiam ter destinação final com base nos mesmos requisitos. A segregação dos RSS de acordo com os riscos reais de cada grupo e no momento da geração, assim como o acondicionamento como barreira de proteção, é o procedimento mais seguro de gerenciamento de risco contra contaminações e acidentes, sobrepondo-se aos requisitos para a destinação final. A exigência de tratar previamente os resíduos do subgrupo A4 antes de serem aterrados, conforme defendem alguns, poderia resultar em desnecessária elevação dos custos do processo sem evidência de redução dos riscos envolvidos.

Palavras-chave:
resíduos de serviços de saúde; destinação final; legislação ambiental

ABSTRACT

The disposal of healthcare waste (HCW) is a controversial and wide discussion, and the review of the Collegiate Directorate Resolution no. 306/2004, from the National Health Surveillance Agency (Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA), a Brazilian regulation, is appropriate to increase this debate. In this context, through the review of scientific publications, this paper supports choices that promote environmental sustainability and the protection of human health during the HCW disposal process. A bibliographical research including national and international levels and a review of legal instruments about HCW management in Brazil were done. The rules of ANVISA (no. 306/2004) and National Environment Council (no. 358/2005) point out that the final disposal of HCW, specially the subgroup A4, could be done in certified place to disposal HCW, without prior treatment. Several scientific papers mention the lack of evidences about increased risks of some kinds of HCW when compared to domestic waste, and these wastes may have final disposal based on the same criteria. Segregation of the HCW according to the real risks of each group at the moment of the generation of waste, as well as the packaging as a protective barrier, configures a safer risk management procedures against contamination and accidents. The requirement to treat the A4 subgroup before landfill disposal, as argue by some researchers, could represent an increase of unnecessary economical costs without evidences of risk reduction.

Keywords:
medical waste; refuse disposal; environmental legislation

INTRODUÇÃO

Entre os diferentes tipos de resíduos sólidos gerados nos ambientes urbanos há os resíduos de serviços de saúde (RSS), que representam em torno de 1% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) (PHILIPPI JUNIOR; ROMERO; BRUNA, 2004PHILIPPI JUNIOR, A.; ROMERO, M.A.; BRUNA, G.C. (2004) Curso de gestão ambiental. Barueri: Manole.). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que aproximadamente 85% dos resíduos sólidos gerados pelas atividades de saúde são similares aos resíduos sólidos domésticos, e os demais 15% têm alguma característica de periculosidade. De todos os tipos de RSS, os perfurocortantes representam cerca de 1% do volume e merecem cuidado especial por representarem risco de acidentes com ou sem contaminação biológica, química ou radiológica (WHO, 2015WHO - World Health Organization. (2015) Wastes from health-care activities. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs253/en/ >. Acesso em: 30 ago. 2016.
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
). Outro resíduo que merece cuidado especial são os recipientes descartáveis contendo meios de cultura com colônias patogênicas ou não. Assim, apenas uma pequena parcela dos RSS apresenta alta concentração de microrganismos e deve ser tratada previamente à disposição final, a fim de evitar a proliferação microbiana e possível disseminação ambiental.

No Brasil, as pesquisas de Alves et al. (2014ALVES, S.B.; SOUZA, A.C.S.; TIPPLE, A.F.V.; REZENDE, K.C.A.D.; RESENDE, F.R.; RODRIGUES, E.G.; PEREIRA, M.S. (2014) The reality of waste management in primary health care units in Brazil. Waste Management & Research, v. 32, n. 9, p. 40-47.) e Moreira e Günther (2013MOREIRA, A.M.M. & GÜNTHER, W.M.R. (2013) Assessment of medical waste management at a primary health-care center in São Paulo, Brazil. Waste Management, v. 33, n. 1, p. 162-167.) identificaram, respectivamente, 30,2 e 25,0% de resíduos infectantes em relação ao total de RSS gerados em unidades de atendimento primário à saúde. Vieira et al. (2009VIEIRA, C.D.; CARVALHO, M.A.R.; CUSSIOL, N.A.M.; LEITE, M.E.A.; SANTOS, S.G.; GOMES, R.M.F.; SILVA, M.X.; FARIAS, L.M. (2009) Composition analysis of dental solid waste in Brazil. Waste Management , v. 29, n. 4, p. 1388-1391.) encontraram proporção entre 14,5 e 29,4% de resíduos infectantes em relação ao total de RSS gerados em serviços de saúde dental. As proporções indicadas por essas fontes são referentes a todos os resíduos do grupo A gerados nos estabelecimentos estudados, sem considerar suas subclassificações. A proporção apresentada pela OMS considera apenas os resíduos com característica de periculosidade entre todos os RSS. Portanto, os valores não são comparáveis.

Comparando com a classificação de RSS estabelecida na resolução da diretoria colegiada (RDC) nº 306/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e na Resolução nº 358/2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), os 85% dos resíduos mencionados pela OMS são equivalentes aos resíduos comuns (grupo D) e infectantes com pouco potencial de contaminação (subgrupo A4). Pelas resoluções brasileiras, os resíduos do subgrupo A4 podem ser destinados sem tratamento para aterramento em local licenciado para receber RSS (BRASIL, 2004BRASIL. (2004) Ministério da Saúde. Resolução da Diretoria Colegiada n.º 306, de 7 de dezembro de 2004. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).; BRASIL, 2005BRASIL. (2005). Resolução CONAMA n.º 358, de 29 de abril de 2005. Diário Oficial da União, Brasília.).

Haja vista esse debate internacional, mostra-se oportuno para a comunidade científica debater aspectos das normativas nacionais. Por essa razão, justifica-se a necessidade de ampliar as discussões, com informações consolidadas no meio científico, como meio de subsidiar escolhas que favoreçam a proteção da saúde e do ambiente.

METODOLOGIA

Foi realizada pesquisa bibliográfica, em âmbitos nacional e internacional, com base em trabalhos acadêmicos e instrumentos legais que contemplam os RSS no Brasil. Não se pretendeu esgotar as fontes de pesquisa, mas apresentar o essencial. O foco da pesquisa foi a destinação dos RSS do subgrupo A4.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resíduos sólidos domiciliares podem exercer influência sobre o perfil epidemiológico de comunidades (PORTA et al., 2009PORTA, D.; MILANI, S.; LAZZARINO, A.I.; PERUCCI, C.A.; FORASTIERE, F. (2009) Systematic review of epidemiological studies on health effects associated with management of solid waste. Environmental Health, v. 8, p. 60.; SIQUEIRA & MORAES, 2009SIQUEIRA, M.M. & MORAES, M.S. (2009) Saúde coletiva, resíduos sólidos urbanos e os catadores de lixo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 6, p. 2115-2122.). Entretanto, quanto ao debate se os resíduos do subgrupo A4 poderiam implicar risco aumentado em relação aos domiciliares, não há consenso, muitas vezes confundindo-se os argumentos lastreados em evidências científicas com opiniões e defesas de algum tipo de interesse, ensejando polêmicas.

De um lado, encontra-se uma corrente que considera que o manejo dos RSS apresenta riscos adicionais à saúde humana se comparado com o manejo dos resíduos sólidos domiciliares (FRANKA, 2009FRANKA, E.; EL-ZOKA, A.H.; HUSSEIN, A.H.; ELBAKOSH, M.M.; ARAFA, A.K.; GHENGHESH, K.S. (2009) Hepatitis B virus and hepatitis C virus in medical waste handlers in Tripoli, Libya. Journal of Hospital Infection , v. 72, n. 3, p. 258-261.; GERSHON et al., 2005GERSHON, R.R.M.; MITCHELL, C.; SHERMAN, M.F.; VLAHOV, D.; LEARS, M.K.; FELKNOR, S.; LUBELCYK, R.A. (2005) Hepatitis B vaccination in correctional health care workers. American Journal of Infection Control, v. 33, n. 9, p. 510-5185.; JOHNSON et al., 2000JOHNSON, K.R.; BRADEN, C.R.; CAIRNS, K.L.; FIELD, K.W.; COLOMBEL, A.C.; YANG, Z.; WOODLEY, C.L.; MORLOCK, G.P.; WEBER, A.M.; BOUDREAU, A.Y.; BELL, T.A.; ONORATO, I.M.; VALWAY, S.E.; STER-GREEN, P.A. (2000) Transmission of Mycobacterium tuberculosis from medical waste. Journal of the American Medical Association, v. 284, n. 13, p. 1683-1688.; RUSHTON, 2003RUSHTON, L. (2003) Health hazards and waste management. British Medical Bulletin, v. 68, n.1, p. 183-197.; TAKAYANAGUI, 2005TAKAYANAGUI, A.M.M. (2005) Gerenciamento de resíduos de serviço de saúde. In: PHILIPPI JUNIOR, A. (Ed.) Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri: Manole . p. 323-374.; TOOHER et al., 2005TOOHER, R.; GRIFFIN, T.; SHUTE, E.; MADDERN, G. (2005) Vaccinations for waste-handling workers: a review of the literature. Waste Manage Research, v. 23 , n. 1, p. 79-86.). De outro, há a corrente que se contrapõe à maior potencialidade de risco que o manejo dos RSS representaria quando comparado aos resíduos sólidos domiciliares (BORG, 2007BORG, M.A. (2007) Clinical waste disposal: getting the facts right. Journal of Hospital Infection, v. 65, n. 2, p. 178-180.; COSTA & SILVA et al., 2011COSTA E SILVA, C.A.M.; CAMPOS, J.C.; FERREIRA, J.A.; MIGUEL, M.A.L.; QUINTAES, B.R. (2011) Caracterização microbiológica de lixiviados gerados por resíduos sólidos domiciliares e de serviços de saúde da cidade do Rio de Janeiro. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 2, p. 127-132.; CUSSIOL, 2005CUSSIOL, N.A.M. (2005) Disposição final de resíduos potencialmente infectantes de serviços de saúde em célula especial e por co-disposição com resíduos sólidos urbanos. Tese (Doutorado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; FERREIRA, 1997FERREIRA, J.A. (1997) Lixo hospitalar e domiciliar: semelhanças e diferenças. Estudo de caso no município do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.; MÜHLICH; SCHERRER; DASCHNER, 2003MÜHLICH, M.; SCHERRER, M.; DASCHNER, F.D. (2003) Comparison of infectious waste management in European hospitals. Journal of Hospital Infection , v. 55, n. 4, p. 260-268.; QUINTAES, 2013QUINTAES, B.R. (2013) Estudo bacteriológico em aterro experimental: avaliação da codisposição de resíduos sólidos domiciliares e de resíduos sólidos de serviço de saúde. Tese (Doutorado em Processos Químicos e Bioquímicos). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; ZANON, 2002ZANON, U. (2002) As teorias da origem das doenças e a suposta periculosidade do lixo hospitalar. In: EIGENHEER, E. Lixo hospitalar: ficção legal ou realidade sanitária. Rio de Janeiro: SEMADS.). Ressalta-se que o segundo grupo considera que tanto os RSS como os resíduos domiciliares devem ser gerenciados de forma segura por apresentarem potencial de ocorrência de acidentes do trabalho aos expostos sem a devida proteção e presença de agentes biológicos (em ambos há absorventes higiênicos, preservativos masculinos, fraldas descartáveis infantis e geriátricas, papel higiênico, vidro quebrado e objetos pontiagudos, entre outros).

Sabe-se que a presença de agentes patogênicos nos resíduos sólidos por si só não é suficiente para a transmissão de doenças. A cadeia epidemiológica da infecção depende de outros fatores além da presença do agente infeccioso, como a via de transmissão, a concentração do microrganismo, a porta de entrada e o estado de susceptibilidade do hospedeiro (OPAS, 2010OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. (2010) Módulos de princípios de epidemiologia para o controle de enfermidades. 7 volumes. Brasília: OPAS. 48 p.).

As discussões sobre a necessidade de tratamento de todos os RSS no Brasil vêm ocorrendo desde a proposição da norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) nº 12.808/1993 (Gerenciamento de resíduos de serviços de saúde intraestabelecimento) e seguiram, posteriormente, por meio das Resoluções do CONAMA nº 05/1993 e nº 283/2001. A alternativa de definição pelo tratamento de todos os RSS mais parece estar pautada no mito do risco elevado de contaminações e desenvolvimento de doenças infecciosas provenientes dos estabelecimentos de saúde do que, de fato, no cunho científico (FERREIRA, 2002FERREIRA, J.A. (2002) Resíduos domiciliares e de serviços de saúde: semelhanças e diferenças: necessidade de gestão diferenciada? In: EIGENHEER, E. Lixo hospitalar: ficção legal ou realidade sanitária? Rio de Janeiro: Secretaria do Meio Ambiente.; ZANON, 2002ZANON, U. (2002) As teorias da origem das doenças e a suposta periculosidade do lixo hospitalar. In: EIGENHEER, E. Lixo hospitalar: ficção legal ou realidade sanitária. Rio de Janeiro: SEMADS.). A Resolução nº 283/2001 e a Resolução nº 05/1993, nas disposições que tratam de resíduos sólidos oriundos de serviços de saúde, foram revogadas pela Resolução nº 358/2005.

Pode-se mencionar o exemplo da lógica adotada no município de Belo Horizonte, Minas Gerais. Por anos, a cidade praticou a codisposição dos RSS com os resíduos sólidos domésticos, aparentemente sem provocar riscos adicionais de agravos ambientais, à saúde dos trabalhadores em frente ao aterro nem os da comunidade do entorno (CUSSIOL, 2005CUSSIOL, N.A.M. (2005) Disposição final de resíduos potencialmente infectantes de serviços de saúde em célula especial e por co-disposição com resíduos sólidos urbanos. Tese (Doutorado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.). Diante desse quadro, o órgão ambiental Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) optou por permitir que os resíduos do subgrupo A4 fossem destinados, sem tratamento, a aterros sanitários licenciados para receber RSU - Portaria FEAM nº 361/2008 (MINAS GERAIS, 2008MINAS GERAIS . (2008) Portaria n.º 361, de 23 de outubro de 2008. Dispõe sobre transporte e disposição em aterros sanitários dos resíduos de serviços de saúde (RSS) no Estado de Minas Gerais, e dá outras providências. Minas Gerais: Fundação Estadual do Meio Ambiente.), revogada e atualizada pela Deliberação Normativa (DN) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) nº 171/2011 (MINAS GERAIS, 2011MINAS GERAIS. (2011) Deliberação Normativa COPAM n.º 171, de 22 de dezembro de 2011. Estabelece diretrizes para sistemas de tratamento e disposição final adequada dos resíduos de serviços de saúde no Estado de Minas Gerais, altera o anexo da Deliberação Normativa COPAM n.º 74, de 09 de setembro de 2004, e dá outras providências. Diário do Executivo, Minas Gerais.).

Borg (2007BORG, M.A. (2007) Clinical waste disposal: getting the facts right. Journal of Hospital Infection, v. 65, n. 2, p. 178-180.) enfatizou em seu artigo que muitas das regulamentações sobre a gestão de RSS vigentes em vários países foram construídas por meio de pressão política e percepções populares, tendo pouca base científica. Os documentos elaborados pela Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA) indicam a existência de regulamentações sobre RSS sem base científica e, muitas vezes, confundem conceitos a respeito dos riscos químicos e biológicos. De fato, uma parcela dos RSS possui periculosidade e necessita de tratamento, porém tal quantitativo representa em torno de 15% do total dos RSS (WHO, 2015WHO - World Health Organization. (2015) Wastes from health-care activities. Disponível em: <Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs253/en/ >. Acesso em: 30 ago. 2016.
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
). O restante é similar aos resíduos sólidos domiciliares.

A classificação dos RSS em Portugal, no Reino Unido e na Alemanha também assume que tais resíduos sejam similares aos urbanos, em termos de potencial de infecção, podendo receber a mesma destinação dos resíduos sólidos domiciliares. Mais uma vez, nota-se que o cuidado em prover o tratamento prévio dos resíduos sólidos está limitado à pequena parcela dos resíduos que apresentam elevado grau de contaminação (TAVARES & PEREIRA, 2005TAVARES, A. & PEREIRA, I.A. (2005) Análise comparativa da designação, definição e classificação de resíduos hospitalares em legislações da União Europeia. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 23, n. 1, p. 5-23.).

O modo de transmissão de cada agente patogênico é distinto e os procedimentos adotados nos ambientes de atendimento à saúde incluem o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) visando à proteção dos profissionais envolvidos no atendimento ao paciente e no manuseio dos resíduos sólidos. Além disso, desde que haja segregação no momento da geração, é possível promover a redução significativa da quantidade de resíduos sólidos que precisam de tratamento. Não se trata apenas de uma questão de redução de custos, mas sobretudo de reconhecimento do risco associado a cada tipo de resíduo.

No Quadro 1 são apresentados alguns resultados de pesquisas desenvolvidas em cenários nacional e internacional, envolvendo resíduos sólidos domiciliares e de serviços de saúde. A maior parte das citações não especifica os resíduos do subgrupo A4, abrangendo os RSS de forma geral.

Quadro 1:
Relação de autores e contribuições científicas sobre a comparação dos resíduos de serviços de saúde e resíduos sólidos domiciliares.

As argumentações utilizadas pelos autores que defendem o tratamento dos resíduos do subgrupo A4 baseiam-se em duas racionalidades. A primeira argumenta que a maior parte dos resíduos gerados nos estabelecimentos de saúde é perigosa, e a segunda apoia-se no artigo 9º da Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010BRASIL. (2010) Lei Federal n.º 12.305, de 02 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Diário Oficial da União , Brasília.), ao estabelecer a ordem de prioridade de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos: “Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos” (BRASIL, 2010BRASIL. (2010) Lei Federal n.º 12.305, de 02 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Diário Oficial da União , Brasília.). Entretanto, conforme dito neste artigo, não há evidências que justifiquem a exigência de gerenciar os resíduos do subgrupo A4 diferentemente dos resíduos sólidos domésticos. Além disso, há a elevação do custo do tratamento, a ser suportado pelos geradores e, ao fim, pelos usuários.

CONCLUSÕES

A Lei n.º 12.305/2010 propõe uma hierarquia de ações para a destinação dos resíduos sólidos, visando evitar ao máximo a sua disposição em aterro sanitário, o que deveria ser aplicado exclusivamente aos rejeitos. Entretanto, considerando as evidências dos estudos, sobretudo aqueles que comparam os diferentes tipos de resíduos, este artigo assume que o resíduo do subgrupo A4, entre os RSS, particularmente por conta das características microbiológicas similares aos resíduos domiciliares, poderia ser disposto em aterro sanitário sem a necessidade de tratamento prévio.

A exigência de tratamento dos resíduos do subgrupo A4 antes da disposição final, baseando-se somente no discurso da “hierarquia” de ações definidas na PNRS, não leva em conta os conceitos de perigo nem de risco, da cadeia epidemiológica de infecção nem as evidências científicas de que microrganismos patogênicos estão presentes em concentrações similares nos resíduos domiciliares e nos RSS. Nem por isso os resíduos domiciliares devem ser tratados antes da disposição final. Essa posição não reconhece as ferramentas existentes de gerenciamento de risco. Em uma decisão de caráter técnico-científico, não levar em consideração os resultados de pesquisas científicas é injustificável, além de ser pouco responsável com o recurso público.

Diante do exposto, a forma de gerenciamento dos RSS, consolidada por meio da Resolução ANVISA nº 306/04 e da sua proposta de revisão (Consulta Pública nº 20/2015), configura procedimento mais seguro para o gerenciamento de risco de contaminações e acidentes. Dessa forma, prioriza-se a segregação dos RSS no momento da geração, de acordo com os riscos reais de cada grupo, e o correto acondicionamento como barreira de proteção.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Ezequiel Dias (FUNED), pelo apoio na realização desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2017
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2015
  • Aceito
    27 Out 2016
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