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Avaliação energética de um sistema integrado de abastecimento de água

Energy evaluation of an integrated water supply system

RESUMO

Os encargos energéticos decorrentes do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana (SIAA-FSA) foram analisados utilizando o método de avaliação do ciclo de vida. Foram identificadas, na cadeia de abastecimento de água, as etapas do sistema com maiores encargos energéticos, e propostos cenários de melhoria. Cadeias de produção dos insumos químicos, transporte dos insumos, energia elétrica e substituição dos tubos na rede para a manutenção do SIAA-FSA foram consideradas. A demanda energética acumulada do SIAA-FSA foi de 3,51 kWh.m-3 de água consumida. As etapas de captação e distribuição de água apresentaram os maiores consumos energéticos, e a eletricidade do bombeamento representou 86% da demanda energética acumulada. Os cenários propostos para o SIAA-FSA apresentaram melhorias significativas em relação ao cenário atual, com usos mais racionais de insumos químicos, eletricidade e água.

Palavras-chave:
água distribuída; avaliação do ciclo de vida; demanda energética acumulada; eficiência energética

ABSTRACT

The energy burdens of the Feira de Santana Integrated Water Supply System (SIAA-FSA) were analyzed using the life cycle assessment method. The higher energy burdens in the water supply chain were identified and scenarios for improvement were proposed. The supply chain of chemicals, transportation, electricity and replacement of pipes were considered for SIAA-FSA. The cumulative energy demand of SIAA-FSA was 3.51 kWh.m-3 of consumed water. The water uptake and distribution steps presented the highest energy demands, and the electricity for pumping represented 86% of the cumulative energy demand. The SIAA-FSA proposed scenarios showed significant improvements over the current one, with rational use of chemicals, electricity and water.

Keywords:
water supply; life cycle assessment; cumulative energy demand; energy efficiency

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. (2015) The United Nations World Water Development Report 2015: water for a sustainable world. UNESCO. 139 p.), a demanda por água é prevista para aumentar 55% até 2050. O mundo enfrenta grandes desafios no cenário de água e energia para garantir o fornecimento sustentável de água para 748 milhões de pessoas que não têm acesso a ela. Globalmente, a energia comercial consumida para entregar água chega a 7% do consumo energético mundial, de modo que aproximadamente 80% dos custos de processamento e distribuição de águas municipais são decorrentes da eletricidade (TRIPATHI, 2007TRIPATHI, M. (2007) Life-cycle energy and emissions for municipal water and wastewater services: case-studies of treatment plants in U.S. 218p. Dissertação (Mestrado) -University of Michigan, Ann Arbor.).

Dados do Balanço Energético Nacional (BEN) (BRASIL, 2013BRASIL. (2013) Balanço Energético Nacional - BEN. Rio de Janeiro: MME-EPE. 288p.) indicam que a demanda energética brasileira, no ano de 2012, foi de 498 TWh, enquanto no saneamento, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2012, com dados de 2010, o consumo de energia foi 10,8 TWh, o que representa 2% de toda eletricidade consumida no país (BRASIL, 2014BRASIL. (2014) Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos. Brasília: SNSA/MCIDADES. 164p.).

Diante da crescente demanda por água e energia, torna-se prioritária a utilização racional e eficiente desses recursos. Nesse sentido, análises do consumo, em todas as etapas dos sistemas de água e esgoto, são requeridas para a identificação dos pontos de baixa eficiência do setor e proposição de melhorias para a redução do consumo de energia, especialmente porque ainda são poucas as indústrias e empresas que dão a devida atenção à sustentabilidade dos recursos hídricos na prática.

Nesse contexto, os indicadores ambientais são usados como ferramentas de medida que expressam os resultados referentes ao desempenho ambiental para apoiar as estratégias do setor industrial como um todo, assim como de empresas individuais. Assim, a avaliação do ciclo de vida (ACV) proporciona uma visão holística dos aspectos ambientais e energéticos associados a um serviço ou produto. A ACV identifica melhores escolhas das matérias-primas e fontes energéticas com maiores eficiências e menos geração de resíduos e emissões. Associada a um sistema de tratamento de água, a ACV gera informações que auxiliam a identificação dos pontos fracos dos processos de produção de água potável e tomada de decisões mais ecológicas. O Quadro 1 apresenta um resumo dos principais artigos com a aplicação da ACV em sistemas de abastecimento de água e esgoto.

Quadro 1:
Estudos de avaliação do ciclo de vida de sistemas urbanos de água e esgoto.

Os resultados dos estudos de ACV da cadeia hídrica, descritos no Quadro 1, apontam que o consumo de energia elétrica é o aspecto de maior relevância nos impactos ambientais dos sistemas de tratamento de água e esgoto. Entre as fases de construção, operação e demolição, a fase de operação destaca-se com quase a totalidade dos impactos (FRIEDRICH & BUCKLEY, 2002FRIEDRICH, E. & BUCKLEY, C. (2002) Life-cycle assessment as an environmental assessment tool in the water industry. Durban: University of Natal.; LUNDIE; PETERS; BEAVIS, 2004LUNDIE, S.; PETERS, G.; BEAVIS, P. (2004) Life Cycle Assessment for Sustainable Metropolitan Water Systems Planning. Environmental Science & Technology, v. 38, n. 13, p. 3465-3473.; LUNDIN & MORRISON, 2002LUNDIN, M. & MORRISON, G. (2002) A life cycle assessment based procedure for development of environmental sustainability indicators for urban water systems. Urban Water, v. 4, n. 2, p. 145-152.; TARANTINI & FERRI, 2001TARANTINI, M. & FERRI, F. (2001) LcA of drinking and wastewater treatment systems of Bologna city: final results. In: IRCEW Conference, 4., Fortaleza, 2001. Anais...).

No Brasil, o trabalho que se destaca no setor de água e esgoto utilizando a ACV é o estudo de Machado (2003MACHADO, L. (2003) Análise do Ciclo de Vida aplicada ao gerenciamento de resíduos: o caso da ETA Bolonha. 340p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará, Belém.), na cidade de Belém, Pará, que propôs três alternativas para os resíduos produzidos na estação de tratamento de água (ETA) Bolonha: desaguamento do lodo, disposição final do lodo em aterro e aproveitamento agrícola. Os resultados desse estudo demonstraram que a utilização do lodo na agricultura apresentou o menor consumo energético e potencial impacto ambiental nas categorias de aquecimento global e acidificação.

Alguns estudos como: Tripathi (2007TRIPATHI, M. (2007) Life-cycle energy and emissions for municipal water and wastewater services: case-studies of treatment plants in U.S. 218p. Dissertação (Mestrado) -University of Michigan, Ann Arbor.), Carbon Footprint Report (2008CARBON FOOTPRINT REPORT. (2008) Scottish Water carbon footprint report 2007-2008. Scottish Water.), Rothausen e Conway (2011ROTHAUSEN, S. & CONWAY, D. (2011) Greenhouse-gas emissions from energy use in the water sector. Nature Climate Change, v. 1, p. 210-219.) se destacaram na avaliação da demanda energética, pois avaliaram, quantificaram encargos e destacaram oportunidades de melhoria, além de promoverem o uso eficiente de energia e avanços tecnológicos. Segundo Landu e Brent (2006LANDU, L. & BRENT, A. (2006) Environmental life cycle assessment of water supply in South Africa: the Rosslyn industrial area as a case study. Water SA, v. 32, n. 2, p. 249-256.), o impacto mais expressivo no sistema de abastecimento de água urbana do município de Rosslyn, Reino Unido, foi a extração de água, e, por conseguinte, a sua recomendação principal era reduzir as perdas. A redução do consumo de água apresenta-se como forma eficaz de reduzir a demanda de energia elétrica e outros insumos, como foi apresentado na análise dos cenários no Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana (SIAA-FSA). Porém, existem limitações para comparar diretamente os resultados da literatura com o presente estudo em razão das seguintes diferenças: métodos de avaliação de impacto, limites do sistema adotados, parâmetros de potabilidade da água e tecnologias de tratamento da água. Caso contrário, as tecnologias de tratamento que detêm resultados com baixa qualidade da água poderiam estar em vantagem em comparação com alternativas que obtêm a água com uma qualidade melhor. Apesar das diferenças metodológicas, a comparação dos estudos foi realizada.

O método cumulative energy demand (demanda de energia acumulada) (CED) é um indicador amplamente utilizado como parâmetro de eficiência energética e triagem para os impactos ambientais de processos. O CED é utilizado para comparar a demanda de energia primária em estudos de ACV. Deve-se calcular toda a energia utilizada como energia primária, entendida como a forma de energia encontrada na natureza, que não foi submetida a um processo de transformação, como o petróleo, que é extraído e transformado em energia secundária como a eletricidade ou óleo combustível (SPOSTO & PAULSEN, 2014SPOSTO, R. & PAULSEN, J. (2014) Energia incorporada em habitações de interesse social na fase de pré-uso: o caso do programa Minha Casa Minha Vida no Brasil. Oculum Ensaios, v. 11, n. 1, p. 39-50.).

O método CED calcula a energia usada em todo o ciclo de vida de um bem ou serviço. Isso inclui os usos diretos, assim como a energia indireta. O CED baseia-se no método publicado por Jungbluth e Frischknecht (2007JUNGBLUTH, N. & FRISCHKNECHT, R. (2007) Part II Cumulative energy demand. In: FRISCHKNECHT, R.; JUNGBLUTH, N.; ALTHAUS, H-J.; BAUER, C.; DOKA, G.; DONES, R.; HISCHIER, R.; HELLWEG, S.; HUMBERT, S.; KÖLLNER, T.; LOERINCIK, Y.; MARGNI, M.; NEMECEK, T. Implementation of Life Cycle Impact Assessment methods. 3ª ed. v. 2.0. Dübendorf: Ecoinvent. p. 31-38.) e se constitui de cinco categorias: não renováveis, fósseis; não renovável, nuclear; renovável, biomassa; renovável, eólica, solar, geotérmica; renovável, água (EUROPEAN COMMISSION, 2010EUROPEAN COMMISSION. (2010) ILCD Handbook: international reference life cycle data system: general guide for life cycle assessment. Luxemburgo: Publications Office of the European Union. 417p.). Assim, o objetivo do presente artigo foi analisar o CED do SIAA-FSA, situado no estado da Bahia, Brasil, utilizando a metodologia de ACV.

METODOLOGIA

A abordagem do ciclo de vida foi usada para avaliar o SIAA-FSA, com base nas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR ISO 14040 (ABNT, 2009aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. (2009a) NBR ISO 14040: Gestão ambiental - avaliação do ciclo de vida - princípios e estrutura. Rio de Janeiro: ABNT.) e 14044 (ABNT, 2009bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. (2009b) NBR ISO 14044: avaliação do ciclo de vida - requisitos e orientações. Rio de Janeiro: ABNT.). O inventário do ciclo de vida (ICV) foi elaborado a partir da coleta de dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados para a cadeia principal do sistema em estudo, que inclui captação, tratamento e distribuição. Os dados secundários foram utilizados para a cadeia de suprimento, a exemplo da cadeia de produção dos insumos químicos e eletricidade utilizados na cadeia principal, ambos oriundos da base de dados ecoinvent (WERNET et al., 2016WERNET, G.; BAUER, C.; STEUBING, B.; REINHARD, J.; MORENO-RUIZ, E.; WEIDEMA, B. (2016) The ecoinvent database version 3 (part I): overview and methodology. The International Journal of Life Cycle Assessment, v. 21, n. 9, p. 1218-1230.) versão 3.01. A fronteira deste estudo foi classificada em “berço ao portão”, da captação da água no corpo hídrico até a entrada da água na habitação, excluindo a etapa de uso, coleta e tratamento do esgoto.

Foi utilizado o método CED ou demanda de energia acumulada (tradução livre) para contabilizar a energia primária usada ao longo do ciclo de vida do produto.

Descrição do sistema

O SIAA-FSA é suprido por um manancial de superfície, o Rio Paraguaçu - Lago de Pedra do Cavalo, situado no município de Conceição da Feira, estado da Bahia, com as coordenadas geográficas 12º30’23”S e 38º59’48”O. O SIAA-FSA é do tipo convencional, composto de captação em manancial superficial, elevatória e adutora de água bruta, tratamento, elevatória de água tratada, reservação e distribuição. O sistema requer a transposição da Serra da Putuma, o que é feito em duas etapas: a primeira do lago até a ETA e a segunda da ETA ao topo da serra, de onde a água é distribuída por gravidade, totalizando um desnível geométrico de cerca de 200 m.

A captação da água do manancial é realizada através de recalque por 2 conjuntos de motor-bomba com potências individuais de 600 CV e vazão de 270 L.s-1 e 3 conjuntos motor-bomba com potência de 1.100 CV e vazão de 540 L.s-1 com capacidade total de 1.700 L.s-1, que bombeia água bruta para a ETA onde se realiza o tratamento por meio de um processo convencional (floculação, decantação, filtração e desinfecção).

A água é conduzida da ETA para duas estações elevatórias de água tratada. A Estação Elevatória Água Tratada I (EET1) está equipada com 3 conjuntos motor-bomba com potência de 1.350 CV, vazão 513,3 L.s-1 e altura manométrica de 103,3 mca (metros de coluna d’água). A Estação Elevatória Água Tratada II (EET2) conta com 4 conjuntos de 750 CV, vazão de 300 L.s-1 e altura manométrica de 120 mca. A água é bombeada para um reservatório apoiado, do qual segue por gravidade para 23 unidades de distribuição situadas em regiões estratégicas para abastecer as cidades de Conceição de Feira, Feira de Santana, Santa Bárbara, São Gonçalo dos Campos, Santanópolis e Tanquinho. A extensão total da rede de distribuição de água tratada é 2.175 km.

No ano de 2013 a captação total de água do SIAA-FSA foi de 42.875.953 m3, das quais foram consumidas 21.440.780 m3 para atender 429.670 pessoas. Para cada 1 m3 de água potável fornecida ao consumidor, 2 m3 são captados e 1,8 m3 tratados. Portanto, as perdas de água no sistema produtor foram de 9,7% e no sistema distribuidor foram de 44%.

O sistema funciona 20 h.dia-1 e não opera no horário de pico, entre 17h e 21h, em razão de o custo da energia nesse período ser mais elevado. A Figura 1 apresenta o croqui do SIAA-FSA.

Figura 1:
Croqui do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana.

Unidade funcional

A unidade funcional adotada foi 1 m3 de água efetivamente consumida.

Fronteiras do sistema

A fronteira do sistema foi delimitada pela captação da água bruta até a distribuição de água na porta do consumidor, que inclui os seguintes aspectos: consumo de energia elétrica, utilização de insumos químicos, tubos substituídos da rede de distribuição e transporte.

Neste estudo foi desconsiderada a fase de construção do SIAA-FSA, pois não teve informação disponível sobre materiais, energia, emissões e resíduos produzidos na obra. Ademais, de acordo com a literatura consultada, o impacto da fase de construção geralmente não ultrapassa 5% dos impactos ambientais dos sistemas de abastecimento de água durante a fase de operação (RALUY; SERRA; UCHE, 2006RALUY, G.; SERRA, L.; UCHE, J. (2006) Life cycle assessment of MSF, MED and RO desalination technologies. Energy, v. 31, n. 13, p. 2361-2372.; FRIEDRICH; PILLAY; BUCKLEY, 2009BFRIEDRICH, E.; PILLAY, S.; BUCKLEY, C.A. (2009b) Environmental life cycle assessments for water treatment processes - a South African case study of an urban water cycle. Water SA, v. 35, n. 1, p. 73-84.; LUNDIE; PETERS; BEAVIS, 2004LUNDIE, S.; PETERS, G.; BEAVIS, P. (2004) Life Cycle Assessment for Sustainable Metropolitan Water Systems Planning. Environmental Science & Technology, v. 38, n. 13, p. 3465-3473.; VINCE et al., 2008VINCE, F.; AOUSTIN, E.; BRÉANT, P.; MARECHAL, F. (2008) LCA tool for the environmental evaluation of potable water production. Desalination, v. 220, n. 1-3, p. 37-56., BUCKLEY; FRIEDRICH; BLOTTNITZ, 2011BUCKLEY, C.; FRIEDRICH, E.; BLOTTNITZ, V. (2011) Life-cycle assessments in the South African water sector: a review and future challenges. Durban: University of KwaZulu-Natal.; RACOVICEANU et al., 2007RACOVICEANU, A.; KARNEY, B.; KENNEDY, C.; COLOMBO, A. (2007) Life-cycle energy use and greenhouse gas emissions inventory for water treatment systems. Journal of Infrastructure Systems, v. 13, n. 4, p. 261-270.; SHARAAI; MAHMOOD; SULAIMAN, 2010SHARAAI, A.; MAHMOOD, N.; SULAIMAN, A. (2010) Life Cycle Impact Assessment (LCIA) in potable water production in Malaysia: potential impact analysis contributed from production and construction phase using eco-indicator 99 evaluation method. World Applied Sciences Journal, v. 11, n. 10, p. 1230-1237.). Foram desconsiderados também os processos administrativos da cadeia de abastecimento, assim como as etapas de uso, coleta e tratamento das águas.

Foi considerada a substituição dos tubos utilizados na rede de distribuição de água. O estudo de Filion, Maclean e Karney (2004filion, y; maclean, h.a.; karney, b. (2004) Life-cycle energy analysis of a water distribution system. Journal of Infrastructure Systems, v. 10, n. 3, p. 120-130.) quantificou o gasto de energia nas fases de fabricação, utilização e fim de vida dos tubos de um sistema de distribuição de água e identificou que esses apresentam impactos relevantes sobre os sistemas de abastecimento de água.

Inventário do ciclo de vida

Origem dos dados

Os dados do volume de água captada, tratada e distribuída, no ano de 2013, foram obtidos nos relatórios do Controle Operacional de Água e Esgoto (COPAE) disponibilizados pela Empresa Baiana de Saneamento (EMBASA). Foi considerado o volume micro medido e o estimado para a água consumida.

As quantidades de insumos químicos utilizados na etapa de tratamento foram coletadas nas planilhas obtidas na unidade de funcionamento do sistema. A coleta das informações da energia embutida nos insumos químicos e tubos foi feita a partir dos dados secundários do ecoinvent, apresentados na Tabela 1. Foram considerados insumos com cobertura mundial na ausência de dados de cadeias produtivas do Brasil.

Tabela 1:
Dados dos insumos do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana.

A base de dados ecoinvent dispõe apenas o inventário para o sulfato de alumínio em pó, e no SIAA-FSA ele é utilizado na forma hidratada; portanto, adaptou-se massa utilizada no inventário numa proporção de 50%. O insumo poliacrilamida foi desconsiderado por sua contribuição no inventário e no indicador energético ser desprezível.

Admitiu-se uma taxa anual de substituição de 3% da extensão total da tubulação devido aos danos na rede de distribuição, com base em estimativa realizada pelos autores em conjunto com técnicos responsáveis pela manutenção do sistema. Essa estimativa tem respaldo no trabalho realizado por Sarzedas (2009SARZEDAS, G. (2009) Planejamento para a substituição de tubulações em sistemas de abastecimento de água: aplicação na rede de distribuição de água da região metropolitana de São Paulo. 113p. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo. ) na cidade de São Paulo, que encontrou valores de até 2%. Assumiu-se uma condição média dos tubos o diâmetro de 75 mm e o material de composição o policloreto de vinila (PVC). Considerou-se uma massa de 1,54 kg.m-1 (AMANCO, 2012AMANCO. (2012) Catálogo de infraestrutura. Disponível em: <Disponível em: http://assets.production.amanco.com.br.s3.amazonaws.com/uploads/gallery_asset/file/2/Catalogo_Infra_2014_web.pdf >. Acesso em: 13 mar. 2014.
http://assets.production.amanco.com.br.s...
). A Tabela 2 apresenta os valores da massa dos tubos no inventário.

Tabela 2:
Cálculo da massa de tubos substituídos.

Os dados do consumo de energia elétrica foram obtidos por meio dos relatórios anuais de consumo de energia elétrica. Os relatórios contêm dados referentes ao consumo da ETA, das nove estações elevatórias setoriais de água tratada e sete boosters. O consumo de energia da ETA tem um único ponto de medição, portanto, foi calculado o consumo de energia dos conjuntos elevatórios das etapas de captação e distribuição, utilizando a Equação 1, e o saldo da energia atribuiu-se para a etapa de tratamento.

(1)

Em que:

  • E  energia consumida, kWh;
  • H  altura manométrica de bombeamento, mca;
  • V  volume de água bombeada, m3; e
  • η  rendimento total dos conjuntos motor-bomba.

Mediante os dados disponibilizados, foram obtidos os valores do consumo de energia que são distribuídos entre estação de água bruta, estação de tratamento de água e as duas estações elevatórias de água tratada (Tabela 3).

Tabela 3:
Consumo de energia elétrica do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana para 21.440.780 m3 de água consumida.

O consumo de energia elétrica das unidades de distribuição que integram o SIAA-FSA foi incorporado ao consumo de energia da etapa de distribuição. A partir desses dados, foram obtidos os consumos de energia elétrica das etapas de captação, tratamento e distribuição do sistema estudado (Tabela 3).

O fator de energia primária para a energia elétrica utilizado neste artigo foi de 1,6 kWh/kWh, de acordo com o inventário realizado no ano de 2003 para a matriz energética brasileira (COLTRO; GARCIA; QUEIROZ, 2003COLTRO, L.; GARCIA, E.; QUEIROZ, G. (2003) Life cycle inventory for electric energy system in Brazil. The International Journal of Life Cycle Assessment, v. 8, n. 5, p. 290-296.). Os consumos energéticos referentes ao transporte de materiais para o sistema foram calculados pelo momento de transporte. Foi utilizado 0,45 kWh.t-1.km-1 (TAVARES, 2006TAVARES, S. (2006) Metodologia de análise do ciclo de vida energético de edificações residenciais brasileiras. 225p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), com o pressuposto de que todos os transportes ocorrem por caminhão.

As distâncias consideradas para os transportes foram do local de fabricação dos insumos para a ETA, apresentadas na Tabela 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise de inventário e avaliação de impacto ciclo de vida

A Tabela 4 apresenta o resultado do inventário e as contribuições do CED por etapa do ciclo de vida do SIAA-FSA.

Tabela 4:
Inventário ciclo de vida para 21.440.780 m3 de água consumida/ano.

A fim de comparar de forma consistente as etapas do sistema analisado, a estimativa do fluxo de energia foi normalizada para o fluxo de referência, que é o consumo anual de água potável expresso em metros cúbicos, selecionado de acordo com o objetivo do estudo.

Os resultados do sistema são apresentados por etapas e comparados com alguns estudos desenvolvidos no setor de água em nível mundial, visto que no Brasil não foram identificados pelos autores estudos semelhantes.

O sistema consumiu 1,89 kWh de eletricidade por m3 de água efetivamente consumida. Com o resultado apontado, pode-se afirmar que a eletricidade da água consumida mensal em uma residência com quatro pessoas seria de 27 kWh, considerando o consumo de água per capita médio no SIAA-FSA, igual a 121 L. Esse valor representa 22% do consumo mensal de eletricidade em uma residência média em Feira de Santana no ano de 2013, igual a 118 kWh (SEI, 2014SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA - SEI. (2014) Tabela do consumo e consumidores de energia elétrica por classe na Bahia. Salvador: SEI.). Essa energia seria suficiente para funcionar uma geladeira de 120 L (19 kWh por mês) e mais 4 lâmpadas de 60 W ligadas 4,5 horas por dia.

Nas etapas de captação, tratamento e distribuição do SIAA-FSA, 86% da demanda acumulada de energia está relacionada ao consumo de energia elétrica. Esse resultado se assemelha aos resultados de Tarantini e Ferri (2001TARANTINI, M. & FERRI, F. (2001) LcA of drinking and wastewater treatment systems of Bologna city: final results. In: IRCEW Conference, 4., Fortaleza, 2001. Anais...), Racoviceanu et al. (2007RACOVICEANU, A.; KARNEY, B.; KENNEDY, C.; COLOMBO, A. (2007) Life-cycle energy use and greenhouse gas emissions inventory for water treatment systems. Journal of Infrastructure Systems, v. 13, n. 4, p. 261-270.), Landu e Brent (2006LANDU, L. & BRENT, A. (2006) Environmental life cycle assessment of water supply in South Africa: the Rosslyn industrial area as a case study. Water SA, v. 32, n. 2, p. 249-256.), Lundie, Peters e Beavis (2004LUNDIE, S.; PETERS, G.; BEAVIS, P. (2004) Life Cycle Assessment for Sustainable Metropolitan Water Systems Planning. Environmental Science & Technology, v. 38, n. 13, p. 3465-3473.), Friedrich, Pillay e Buckley (2009aFRIEDRICH, E.; PILLAY, S.; BUCKLEY, C. (2009a) Carbon footprint analysis for increasing water supply and sanitation in South Africa: a case study. Journal of Cleaner Production, v. 17, n. 1, p. 1-12.) e Lemos et al. (2013LEMOS, D.; DIAS, A.; GABARRELL, X.; ARROJA, L. (2013) Environmental assessment of an urban water system. Journal of Cleaner Production, v. 54, n. 1, p. 157-165.), que avaliaram o perfil ambiental do setor da água e esgoto com base na ACV em diferentes regiões do globo e afirmaram que os maiores impactos desses sistemas são atribuídos ao consumo de eletricidade.

A maior contribuição do CED do consumo de energia elétrica é atribuída à topologia do sistema, conforme mencionado no item “descrição do sistema” da seção “metodologia”. Soma-se a isso o consumo de energia para o tratamento e as elevatórias setoriais da rede de distribuição, assim como as elevadas perdas na distribuição de água.

De acordo com a Tabela 5, a demanda energética acumulada do setor de água varia de 0,03 a 2,24 kWh.m-3. Alguns estudos que avaliaram esse ponto (APPELBAUM; GOLDSTEIN; SMITH, 2002APPELBAUM, B.; Goldstein, R.; Smith, W. (2002) Water and sustainability: U.S. electricity consumption for water supply & treatment - the next half century. Palo Alto: EPRI. 93p.; GRIFFITHS-SATTENSPIEL & WILSON, 2009GRIFFITHS-SATTENSPIEL, B. & WILSON, W. (2009) The Carbon Footprint of Water: a River Network Report. Portland: River Network.; MAAS, 2009MAAS, C. (2009) Greenhouse gas and energy co-benefits of water conservation. POLIS Project on Ecological Governance. 33p.; LEMOS et al., 2013LEMOS, D.; DIAS, A.; GABARRELL, X.; ARROJA, L. (2013) Environmental assessment of an urban water system. Journal of Cleaner Production, v. 54, n. 1, p. 157-165.) incluem o tratamento de sistemas de águas residuais e excluem o uso do lodo e demolição. O estudo de Tripathi (2007TRIPATHI, M. (2007) Life-cycle energy and emissions for municipal water and wastewater services: case-studies of treatment plants in U.S. 218p. Dissertação (Mestrado) -University of Michigan, Ann Arbor.) avalia apenas a etapa de tratamento de água e esgoto, e o estudo de Friedrich, Pillay e Buckley (2009bFRIEDRICH, E.; PILLAY, S.; BUCKLEY, C.A. (2009b) Environmental life cycle assessments for water treatment processes - a South African case study of an urban water cycle. Water SA, v. 35, n. 1, p. 73-84.) inclui todas as etapas até a disposição final.

Tabela 5:
Comparação dos resultados da demanda de energia acumulada (kWh.m-3) no presente estudo e outros estudos no setor de água com base no ciclo de vida.

A demanda de energia de cada etapa do setor da água pode variar consideravelmente, a depender da matriz de geração de energia elétrica dos locais estudados e dos usos de energia primária e secundária. Por exemplo, neste estudo, os resultados são referentes à energia primária, semelhante ao estudo de Racoviceanu et al. (2007RACOVICEANU, A.; KARNEY, B.; KENNEDY, C.; COLOMBO, A. (2007) Life-cycle energy use and greenhouse gas emissions inventory for water treatment systems. Journal of Infrastructure Systems, v. 13, n. 4, p. 261-270.), que multiplicou a quantidade total de eletricidade pela intensidade energética de cada uso.

Os resultados do SIAA-FSA foram segregados e estão distribuídos em 1,11 kWh.m-3 para a captação, 0,85 kWh.m-3 para o tratamento e 1,55 kWh.m-3 para a distribuição, de acordo a Figura 2.

Figura 2:
Demanda de energia acumulada das etapas do ciclo de vida da água consumida do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana.

A demanda de 1,11 kWh.m-3 para a captação de água deve-se ao processo de bombeamento da água bruta do Lago de Pedra do Cavalo até a estação de tratamento. Esse valor representa 32% de toda a demanda acumulada de energia do sistema. Os estudos apontados na Tabela 5 apresentaram uma variação de 0,03 a 2,43 kWh.m-3 para demanda de energia na etapa de captação, cujos valores variam de acordo com a topografia do local e a distância do manancial até a ETA. Por exemplo, nos estudos de Mass (2009MAAS, C. (2009) Greenhouse gas and energy co-benefits of water conservation. POLIS Project on Ecological Governance. 33p.), os sistemas de água da Califórnia são intensivos no consumo de energia, em relação à média nacional, 0,8 kWh.m-3, devido aos requisitos de bombeamento para captar e transportar a água por maiores distâncias e alturas.

O CED na etapa de tratamento do SIAA-FSA foi 0,85 kWh.m-3 de água tratada, considerando-se a cadeia de produção e transporte dos insumos químicos e a eletricidade utilizada nos equipamentos.

Nessa etapa, o valor encontrado no estudo assemelha-se aos valores encontrados pelos estudos de Lemos et al. (2013LEMOS, D.; DIAS, A.; GABARRELL, X.; ARROJA, L. (2013) Environmental assessment of an urban water system. Journal of Cleaner Production, v. 54, n. 1, p. 157-165.) para o sistema convencional na cidade de Aveiro (Portugal), de 0,9 kWh.m-3; e de Mass (2009MAAS, C. (2009) Greenhouse gas and energy co-benefits of water conservation. POLIS Project on Ecological Governance. 33p.) para 9 sistemas no Canadá, entre 0,47 e 0,92 kWh.m-3. Os valores da demanda de energia na etapa de tratamento dos estudos comparados na Tabela 5 variaram de 0,03 a 0,92 kWh.m-3. A discrepância entre os resultados justifica-se pelo tipo de tratamento, qualidade da água bruta e padrões de potabilidade. Na etapa de tratamento do SIAA-FSA, outro contribuinte para os encargos energéticos, além da energia elétrica, foram os insumos químicos, responsáveis por 0,4 kWh.m-3. Destaca-se, entre eles, o sulfato de alumínio, responsável pela maior demanda acumulada de energia - 55% - na etapa de tratamento, conforme apresentado na Figura 3. Esse fato corrobora a literatura consultada de Vince et al. (2008VINCE, F.; AOUSTIN, E.; BRÉANT, P.; MARECHAL, F. (2008) LCA tool for the environmental evaluation of potable water production. Desalination, v. 220, n. 1-3, p. 37-56.), Barrios (2008BARRIOS, R.; SIEBEL, M.; VAN DER HELM, A.; BOSKLOPPER, K.; GIJZEN, H. (2008) Environmental and financial life cycle impact assessment of drinking water production at Waternet. Journal of Cleaner Production, v. 16, p. 471-476.) e Mohamed-Zine, Hamouche e Krim (2013MOHAMED-ZINE, M.; HAMOUCHE, A.; KRIM, L. (2013) The study of potable water treatment process in Algeria (boudouaou station) by the application of life cycle assessment (LCA). Journal of Environmental Health Science & Engineering, v. 11, n. 1, p. 1-9.). Tal destaque decorre da quantidade de sulfato de alumínio consumida, visto que sua demanda de energia para a produção é menor que a dos demais insumos químicos.

Figura 3:
Demanda de energia acumulada (kWh.m-3) dos produtos químicos da etapa de tratamento do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana.

A demanda de energia nos processos de transporte dos insumos químicos e dos tubos, referentes às etapas de tratamento e distribuição, respectivamente, apresentaram contribuições desprezíveis em relação à produção dos insumos e energia. Contribuiu para isso a distância média adotada no transporte do local de produção até o local de uso, estimada em 200 km. Caso os insumos fossem produzidos em locais mais distantes, por exemplo, em outros países, a contribuição para o CED do processo de transporte se tornaria relevante.

Esse resultado é consistente com os estudos de Tarantini e Ferri (2001TARANTINI, M. & FERRI, F. (2001) LcA of drinking and wastewater treatment systems of Bologna city: final results. In: IRCEW Conference, 4., Fortaleza, 2001. Anais...) e Racoviceanu et al. (2007RACOVICEANU, A.; KARNEY, B.; KENNEDY, C.; COLOMBO, A. (2007) Life-cycle energy use and greenhouse gas emissions inventory for water treatment systems. Journal of Infrastructure Systems, v. 13, n. 4, p. 261-270.), que afirmaram que a contribuição associada ao transporte de insumos químicos é pequena quando comparada com outros aspectos.

O valor do CED da etapa de distribuição do SIAA-FSA foi de 1,55 kWh.m-3. Essa etapa apresentou maior demanda de energia em relação às outras etapas do sistema. Desse valor, 1,47 kWh.m-3 foram atribuídos ao consumo de energia elétrica, conforme a Figura 1. Os estudos de Racoviceanu et al. (2007RACOVICEANU, A.; KARNEY, B.; KENNEDY, C.; COLOMBO, A. (2007) Life-cycle energy use and greenhouse gas emissions inventory for water treatment systems. Journal of Infrastructure Systems, v. 13, n. 4, p. 261-270.), Friedrich, Pillay e Buckley (2009aFRIEDRICH, E.; PILLAY, S.; BUCKLEY, C. (2009a) Carbon footprint analysis for increasing water supply and sanitation in South Africa: a case study. Journal of Cleaner Production, v. 17, n. 1, p. 1-12.) e Amores et al. (2013AMORES, M.; MENESES, M.; PASQUALINO, J.; ANTÓN, A.; CASTELLS, F. (2013) Environmental assessment of urban water cycle on Mediterranean conditions by LCA approach. Journal of Cleaner Production, v. 43, p. 84-92.) concluíram também que a etapa da distribuição teve o maior CED devido ao consumo de eletricidade para o bombeamento da água, sendo muito influenciado pela topografia.

Nos estudos comparativos apresentados na Tabela 5, os resultados da demanda acumulada de energia da etapa de distribuição variaram entre 0,05 e 0,41 kWh.m-3. Ressalta-se que para os estudos do CEC (2005CALIFORNIA ENERGY COMMISSION - CEC. (2005) Water-Energy Relationship Report. Califórnia: CEC.) e Wilkinson (2000WILKINSON, R. (2000) Methodology for analysis of the energy intensity of California water systems, and an assessment of multiple potential benefits through integrated water-energy efficiency measures. 89p. Projeto de Pesquisa - University of California, Santa Barbara.), a etapa de distribuição não apresenta a maior demanda de energia, pois as redes de distribuição estão incluídas na etapa de captação, o que a diferencia do sistema estudado.

A demanda de energia na etapa de distribuição no sistema estudado é atribuída à extensão da rede, à topologia e ao bombeamento das estações elevatórias de água tratada. Nessa etapa, a substituição anual dos tubos na rede não contribuiu significativamente no CED em relação aos demais insumos.

Análise de cenários

O consumo de eletricidade foi identificado como o maior contribuinte para o CED do SIAA-FSA. Portanto, preferencialmente, devem ser estabelecidos cenários de melhoria nos processos intensivos em energia elétrica, a fim de diminuir de forma mais eficaz o seu consumo. Foram propostos cinco cenários alternativos para comparação com o cenário atual. São eles:

  • Cenário 1: corresponde às condições atuais do sistema estudado, que possui um índice de perda de água no sistema produtor de 9,7% e no sistema distribuidor de 44%.

  • Cenário 2: manteve-se a perda atual do sistema produtor e admitiu-se uma redução das perdas de água no sistema distribuidor para 20%, de acordo a meta do Plano Estadual de Recursos Hídricos para o ano de 2020.

  • Cenário 3: admitiu-se uma redução das perdas de água no sistema produtor para 3% e no sistema distribuidor para 20%.

  • Cenário 4: considerou o cenário 3 com uma redução adicional de 30% no consumo de água potável distribuída.

  • Cenário 3.1: admitiu-se apenas uma redução de perdas de água de 3% no sistema produtor.

  • Cenário 4.1: admitiu-se apenas uma redução de 30% no consumo de água.

Os resultados comparativos desses cenários são apresentados na Figura 4.

Figura 4:
Demanda de energia acumulada dos cenários de água consumida do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana.

No cenário 2, ao reduzir as perdas de água no sistema distribuidor para 20%, a quantidade de água captada para consumir 1 m3 de água potável seria reduzida de 2,0 para 1,38 m3, consequentemente, haveria uma redução no consumo de energia elétrica, produtos químicos e combustíveis durante as etapas de captação, tratamento e distribuição de água. Nesse cenário haveria uma redução de 30% no CED do SIAA-FSA em relação ao cenário atual, resultando em uma economia anual de aproximadamente 22 milhões de kWh e 13 milhões de m3 de água captada.

No cenário 3 haveria, adicionalmente ao cenário 2, uma redução das perdas de água no sistema produtor. Em vez de tratar 1,38 m3, seriam tratados 1,29 m3, o que reduziria em aproximadamente 33% do CED em relação ao cenário 1.

No cenário 4, o valor do CED foi mantido em comparação ao cenário 3 (Tabela 6). Contudo, as medidas implementadas no cenário 4 reduziriam o CED anual em 52% e o volume de água captada em 55% em relação ao cenário 1.

Tabela 6:
Volume de água e consumo de energia dos cenários propostos.

Se as reduções propostas nos cenários 2, 3 e 4 não fossem cumulativas, como apresentadas nos cenários 3.1 e 4.1, os resultados obtidos não trariam ganhos energéticos significativos no CED do produto. No cenário 3.1, a redução seria de 4% do CED em relação ao cenário 1.

No cenário 4.1 seria reduzida a demanda anual de água captada e a demanda acumulada de energia anual do SIAA-FSA. Porém, a redução do CED por unidade de produto do SIAA-FSA coloca-se como fator complementar para o aumento da eficiência energética global, como aponta o cenário 4.

CONCLUSÃO

O indicador de demanda de energia acumulada identificou que os maiores encargos energéticos do SIAA-FSA estão associados ao consumo de energia elétrica. Os encargos energéticos associados com as perdas na rede de distribuição são considerados altos, visto que todos os insumos químicos e energia usados no tratamento e no bombeamento da água são desperdiçados a jusante.

Das três etapas do sistema estudado, a distribuição foi aquela dominante para o CED. Na etapa de tratamento, os encargos energéticos derivados do consumo de energia elétrica e insumos químicos tiveram resultados próximos, 53 e 47%, respectivamente.

A ACV energética do sistema estudado comprovou que o bombeamento na captação, a energia consumida pelas estações elevatórias e as perdas de água na distribuição são pontos-chave para ações de melhoria da eficiência energética na cadeia de abastecimento de água. Vale ressaltar que a qualidade da água captada influencia na quantidade de produtos químicos usados no tratamento e merece atenção.

A ACV do SIAA-FSA por etapas foi útil para identificar as contribuições específicas, facilitando a proposição de medidas de redução do CED em cada uma delas.

Devem, preferencialmente, ser estabelecidos cenários de melhoria como foi proposto, a fim de reduzir efetivamente o CED e seus potenciais impactos ambientais. O aumento da utilização da água também se reflete no aumento da quantidade dos insumos químicos e do consumo de energia elétrica; portanto, ao reduzir as perdas de água no sistema de distribuição, como foram propostos nos cenários 2, 3 e 4, simultaneamente, será reduzido significativamente o CED da água potável distribuída. Os impactos ambientais do transporte de insumos químicos e da manutenção dos tubos foram constatados desprezíveis. Os resultados desta análise são úteis para comparação entre estudos semelhantes, principalmente no contexto brasileiro, que carece de publicações na área de ACV da cadeia de abastecimento de água. Recomendamos simulações que avaliem, além do CED, os potenciais impactos ambientais de sistemas de abastecimento de água.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Pré Sustainability e o ecoinvent em nome da ACVBrasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2017
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2015
  • Aceito
    25 Out 2016
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