Acessibilidade / Reportar erro

Risco ecológico da Bacia Hidrográfica Lagos São João, RJ

Ecological risk of Lagos São João River Basin, RJ, Brazil

RESUMO

A Bacia Hidrográfica Lagos São João (BHLSJ), no Estado do Rio de Janeiro, é reconhecidamente de grande importância para a conservação de recursos naturais e hídricos. No entanto, apesar dos constantes esforços de conservação e recuperação dos ecossistemas aquáticos, as ameaças e os desafios de gestão são diversos. A gestão dos recursos hídricos em bacias hidrográficas requer processos de tomada de decisão assertivos, para garantir a conservação das águas (em quantidade e qualidade) e os seus múltiplos usos. Para maior efetividade, esses processos demandam análise integrada de um grande número de variáveis que, em conjunto, podem gerar diferentes alternativas de gestão e cenários, facilitando, assim, a tomada de decisão. Nesse sentido, ferramentas de análise que possam identificar, quantificar e espacializar as ameaças efetivas à integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos em bacias hidrográficas tornam-se relevantes. O presente artigo teve por objetivo apresentar o desenvolvimento e os resultados do diagnóstico da BHLSJ, gerado por meio de um protocolo baseado no risco à integridade ecológica. Como resultado da aplicação dessa metodologia, pode-se concluir que a BHLSJ se encontra em situação de moderado a alto risco ecológico - sendo ameaçada, principalmente, por fatores como a retificação dos rios e as pastagens degradadas - e necessita de ações urgentes de recuperação, com foco nas unidades hidrológicas mais ameaçadas.

Palavras-chave:
gestão de bacia hidrográfica; integridade ecológica; protocolo baseado no risco; geotecnologias

ABSTRACT

Lagos São João River Basin, located in Rio de Janeiro state, Brazil, is known of great importance for the conservation of natural and water resources. However, despite constant efforts to conserve and restore the aquatic ecosystems, many are the threats and management challenges. The water resources management in river basins requires assertive decision-making processes to ensure the conservation of water quantity and quality and its multiple uses. Aiming to be more effective, these processes require an integrated analysis of a large number of variables, which together can lead to different management alternatives and scenarios, thereby facilitating decision-making. In this sense, analytical tools that can identify, quantify and spacialize the current threats to the ecological integrity of aquatic ecosystems become relevant. This article aimed to present the development and results of the diagnosis of Lagos São João River Basin, generated through a risk-based protocol to ecological integrity. As a result of the application of this methodology, it can be concluded that Lagos São João River Basin is in a situation of moderate to high ecological risk, being threaten by river engineering and degraded grassland, demanding urgent restoration actions, focusing on the most endangered hydrologic units.

Keywords:
river basin management; ecological integrity; risk-based protocol; geotechnologies

INTRODUÇÃO

Localizada no Estado do Rio de Janeiro, a Bacia Hidrográfica Lagos São João (BHLSJ) destaca-se por suas características ambientais, sua biodiversidade e seus ecossistemas aquáticos únicos. Aproximadamente 57% do território da bacia é coberto por áreas protegidas federais e estaduais, de proteção integral ou de uso sustentável, incluindo relevantes reservas (biológicas, extrativistas e particulares), áreas de proteção ambiental e parques (CILSJ, 2013CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). (2013) Relatório sobre a situação da bacia - Ano III. Araruama: CILSJ.).

A Região dos Lagos ou “Costa do Sol”, internacionalmente conhecida por suas praias e lagoas, está inserida na área da BHLSJ; destaca-se, particularmente, a Lagoa de Araruama, maior ecossistema lagunar hipersalino do mundo (KJERFVE et al., 1996KJERFVE, B.; SCHETTINI, C.A.F.; KNOPPERS, B.; LESSA, G.; FERREIRA, H.O. (1996) Hydrology and salt balance in a large, hypersaline coastal lagoon: Lagoa de Araruama, Brazil. Estuarine, Coastal and Shelf Science, v. 42, n. 6, p. 701-725. https://doi.org/10.1006/ecss.1996.0045
https://doi.org/10.1006/ecss.1996.0045...
; BIDEGAIN & BIZERRIL, 2002BIDEGAIN, P. & BIZERRIL, C. (2002) Lagoa de Araruama: perfil ambiental do maior ecossistema lagunar hipersalino do mundo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.), dadas as multiplicidades de usos e relações que se estabeleceram em torno desse sistema de características únicas, bem como sua significativa relevância ambiental, social e econômica para a região,

A Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, também inserida na BHLSJ, tornou-se referência nacional e mundial de conservação da biodiversidade, em virtude da criação da primeira Reserva Biológica do Brasil, em 1974, motivada pela ameaça de extinção do mico-leão-dourado (BRITO et al., 2004BRITO, D.; OLIVEIRA, L.C.; MELLO, M.A.R. (2004) An overview of mammalian conservation at Poço das Antas Biological Reserve, southeastern Brazil. Journal for Nature Conservation, v. 12, n. 4, p. 219-228. https://doi.org/10.1016/j.jnc.2004.09.001
https://doi.org/10.1016/j.jnc.2004.09.00...
; BRASIL, 2008BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). (2008) Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. Brasília: MMA.). O Rio São João, maior corpo hídrico genuinamente fluminense, somado a um grande sistema hídrico, contribui com suas águas para suprir o Reservatório de Juturnaíba, manancial de abastecimento estratégico da região e do Estado do Rio de Janeiro; estima-se que tal reservatório atenda a uma população de 450 mil habitantes distribuída em 8 municípios da BHLSJ (CUNHA, 1995CUNHA, S.B. (1995) Impactos das obras de engenharia sobre o ambiente biofísico da bacia do rio São João (Rio de Janeiro - Brasil). Rio de Janeiro: Editora do Instituto de Geociências da UFRJ. 378p.; INEA, 2014INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE (INEA). (2014) Fontes Alternativas para o Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, com ênfase na RMRJ. Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA.).

No entanto, o grande valor desses ecossistemas aquáticos não foi suficiente para garantir e guiar uma lógica sustentável de desenvolvimento para a região. Os ecossistemas aquáticos da BHLSJ foram muito alterados, principalmente pelas obras hidráulicas executadas pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) na região na década de 1970 (BIDEGAIN & VÖLCKER, 2004BIDEGAIN, P. & VÖLCKER, C.M. (2004) Bacia Hidrográfica dos Rios São João e das Ostras: águas, terras e conservação ambiental. Rio de Janeiro: CILSJ.; RIBEIRO, 2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.). Com isso, muitos rios e riachos foram retificados, canais de drenagem foram abertos para secar as áreas de baixada e grande parte da vegetação florestal ribeirinha foi removida para dar lugar à agropecuária; como resultado, milhares de hectares de áreas úmidas e florestas situadas na planície de inundação foram perdidos (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.).

Nessa mesma época houve um crescimento exponencial dos loteamentos e condomínios, sobretudo na região costeira, com a inauguração da Ponte Rio-Niterói. A Região das Baixadas Litorâneas teve, nas últimas 5 décadas - considerando como referência o ano de 2008 -, um crescimento populacional duas vezes maior (248%) que o Estado do Rio de Janeiro, com destaque para os municípios costeiros, que tiveram crescimento explosivo de sua população devido ao turismo (LIMA-GREEN, 2008LIMA-GREEN, A.P. (2008) Análise político-institucional da gestão das águas na Bacia Lagos São João. 133f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro. ). A configuração desse cenário na região gerou pressão por serviços essenciais - abastecimento de água e tratamento de esgoto - por parte de uma população flutuante significativa (IBGE, 2006aINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2006a) A ENCE aos 50 anos: um olhar sobre o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas.), e mais recentemente residente, fato que conflita com a conservação e a preservação dos recursos hídricos e de seus múltiplos usos.

O desafio da gestão da população sazonal e sua pressão sobre os ecossistemas aquáticos, somado ao histórico de baixo investimento em infraestrutura de saneamento, e a ocupação desordenada resultaram em um cenário de intensa degradação ambiental (BIDEGAIN & BIZERRIL, 2002BIDEGAIN, P. & BIZERRIL, C. (2002) Lagoa de Araruama: perfil ambiental do maior ecossistema lagunar hipersalino do mundo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.; RIBEIRO et al., 2011RIBEIRO, N.B.; MARTINS, M.; JOHNSSON, R.M.F..; VIANA, V. (2011) Vulnerabilidade e adaptação às variabilidades do clima na bacia Lagos São João: uma análise preliminar. In: Congresso Mundial da Água, 14 . Anais... Porto de Galinhas.). Apesar de esforços das últimas décadas no sentido de recuperar e conservar os ecossistemas aquáticos, ainda hoje a bacia é exposta aos antigos e novos problemas, que devido às mudanças ambientais, sobretudo de uso e ocupação do solo, tornam o cenário ainda mais complexo e desafiador (CILSJ, 2013CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). (2013) Relatório sobre a situação da bacia - Ano III. Araruama: CILSJ.).

Entender os riscos ecológicos a que uma região está submetida auxilia a definir qual tipo de ação é necessário para evitar ou minimizar impactos negativos (PETRY et al., 2011PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy.) das ações antrópicas, bem como para valorizar as potencialidades dessa região. Principalmente quando se trata de localizar e compreender as ameaças à integridade da bacia e priorizar ações e investimentos que se traduzam em melhor retorno ambiental, social e econômico. Nesse sentido, as políticas e os instrumentos de uso e ocupação do solo, o ordenamento territorial e a conservação devem ser concebidos e implementados de forma sistêmica e integrada (FREITAS et al., 2010FREITAS, G.K.; BARRETO, S.; BECKER, M.; RODRIGUES, S. T.; BARROSO, M.; OLIVEIRA, M.; CALDAS, B.; GIRARD, P. (2010) A análise de vulnerabilidade da Bacia transfronteiriça do Alto Paraguai às mudanças climáticas. Brasília: WWF-Brasil.).

Esses preceitos alinham-se ao proposto pela Lei Federal nº 9.433/97 e pela Lei Estadual nº 3.239/99, que instituem a Política Nacional e Estadual de Recursos Hídricos, que prevê, entre outros, a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem a dissociação dos aspectos de qualidade e quantidade nem das características ecológicas dos ecossistemas (BRASIL, 1997BRASIL. (1997) Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União.; RIO DE JANEIRO, 1999RIO DE JANEIRO. (1999) Lei Estadual nº 3.239 de 02 de agosto de 1999. Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.). No entanto, estamos diante de novas políticas que ainda demandam ferramentas nesse sentido. Os Planos de Recursos Hídricos - planejamentos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da política e o gerenciamento dos recursos hídricos -, bem como os Sistemas de Informações sobre os Recursos Hídricos - responsáveis por coletar, tratar, armazenar e recuperar informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão - são instrumentos de gestão previstos por lei que podem ser particularmente beneficiados com o desenvolvimento e a adoção de metodologias que auxiliem na gestão das bacias hidrográficas.

Uma importante questão na gestão das águas em bacias hidrográficas refere-se a avaliar os efeitos de possíveis cenários de gestão (SRDJEVIC et al., 2004SRDJEVIC, B.; MEDEIROS, Y.D.P.; FARIA, A.S. (2004) An objective multi-criteria evaluation of water management scenarios. Water Resources Management, v. 18, n. 1, p. 35-54. https://doi.org/10.1023/B:WARM.0000015348.88832.52
https://doi.org/10.1023/B:WARM.000001534...
). A tomada de decisão no âmbito do planejamento ambiental necessita de grande número de variáveis dos meios físico, biológico, social e econômico, quantificáveis ou não, cujas combinações podem produzir diferentes alternativas de uso. Assim, ferramentas de análise que permitam reunir essas variáveis, atribuindo-lhes pesos e valores, dando prioridade às diferentes alternativas, facilitam a tomada de decisão (FRANCISCO et al., 2007FRANCISCO, C.E.S.; COELHO, R.M.; TORRES, R.B.; ADAMI, S.F. (2007) Espacialização de análise multicriterial em SIG: prioridades para recuperação de Áreas de Preservação Permanente. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 13., Florianópolis, SC. Anais... p. 2643-2650.).

Este artigo teve por objetivo apresentar o desenvolvimento metodológico gerado por meio de um protocolo baseado no risco à integridade ecológica da bacia, e os resultados da sua aplicação na BHLSJ, visando a informar tomadores de decisão quanto às áreas ameaçadas, que demandam ações prioritárias para recuperação e conservação dos recursos hídricos. A metodologia construída combina métodos quantitativos e qualitativos para avaliar a pressão sobre a integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos, a partir de uma análise compreensiva “água-território” e suas relações, em uma lógica espacial.

INTEGRIDADE ECOLÓGICA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

Historicamente, o homem tem utilizado os rios mais do que qualquer outro tipo de ecossistema (ARTHINGTON & WELCOMME, 1995ARTHINGTON, A.H. & WELCOMME, R.L. (1995) The condition of large river systems of the World. In: ARMANTROUT, N.B. & WOLOTIRA JR, R.J. (Eds.). Condition of the World’s Aquatic Habitats. Lebanon: World Fisheries Congress, Science Publishers. p. 44-75.). Mesmo dependendo essencialmente da água para sua vida, os homens e as sociedades desenvolveram uma relação fortemente negativa com esse elemento natural (MEDONÇA & LEITÃO, 2008MENDONÇA, F.A. & LEITÃO, S.A.M. (2008) Riscos e vulnerabilidade socioambiental urbana: uma perspectiva a partir dos recursos hídricos. GeoTextos, v. 4, n. 1-2, p. 145-163. http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v4i0.3300
http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v...
). No entanto, qualquer que seja o tipo de desenvolvimento, a oferta de água, na quantidade requerida e na qualidade desejável, é uma condição sine qua non de sustentabilidade (CAMPOS, 1997CAMPOS, J.N.B. (1997) Vulnerabilidades hidrológicas do semi-árido às secas. Planejamento e Políticas Públicas. Brasília. p. 261-294.). Manter a integridade ecológica de um ecossistema aquático é fundamental para que todos os usos múltiplos possam coexistir e permanecer por longo tempo (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.).

A manutenção do bom funcionamento e das propriedades dos ecossistemas em bacias hidrográficas deve ser incorporada aos sistemas de gestão e às políticas como uma meta comum a ser alcançada (RIBEIRO, 2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.). A integridade ecológica é um conceito-chave na gestão dos recursos naturais e na proteção ambiental (ANDREASEN et al., 2001ANDREASEN, J.K.; O’NEILL, R.V.; NOSS, R.; SLOSSER, N.C. (2001) Considerations for the development of a terrestrial index of ecological integrity. Ecological Indicators, v. 1, p. 21-35. https://doi.org/10.1016/S1470-160X(01)00007-3
https://doi.org/10.1016/S1470-160X(01)00...
), e tem sido adotada como conceito-base e incorporada a diversas políticas, particularmente nos Estados Unidos e na Europa. Esse conceito vem sendo amplamente utilizado como base conceitual para avaliação local e regional das condições dos ecossistemas aquáticos, além de comparar os impactos ao longo das bacias hidrográficas (KARR & CHU, 1999KARR, J.R. & CHU, E. (1999) Restoring Life in Running Waters: Better Biological Monitoring. Washington, D.C.: Island Press.).

As atividades humanas representam fator principal que afeta a integridade dos ecossistemas aquáticos; dessa forma, a integridade ecológica é inversamente relacionada aos impactos humanos sobre os ecossistemas (KWAK & FREEMAN, 2010KWAK, T.J. & FREEMAN, M.C. (2010) Assessment and management of ecological integrity. In: Hubert, W.A.; QUIST, M.C. (Eds.). Inland fisheries management in North America. American Fisheries Society. p. 353-394. ). Os ecossistemas aquáticos refletem o uso e a ocupação da bacia na qual se inserem, sendo, portanto, bons indicadores da integridade ecológica da bacia hidrográfica (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.). Assim, o reconhecimento da relação entre os impactos humanos decorrentes do uso do solo e a integridade ecológica é essencial para a adequada avaliação e gestão das bacias hidrográficas (VERDONSCHOT, 2000VERDONSCHOT, P.F.M. (2000) Integrated ecological assessment methods as a basis for sustainable catchment management. In: JUNGWIRTH, M.; MUHAR, S.; SCHMUTZ, S. (Eds.). Assessing the Ecological Integrity of Running Waters. Holanda: Springer. p. 389-412.; MATTSON & ANGERMEIER, 2007MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-...
).

Tradicionalmente, a avaliação de impactos ambientais em ecossistemas aquáticos tem sido realizada por meio da medição de alterações nas concentrações de variáveis físicas e químicas, bem como dos aspectos biológicos (VERDONSCHOT, 2000VERDONSCHOT, P.F.M. (2000) Integrated ecological assessment methods as a basis for sustainable catchment management. In: JUNGWIRTH, M.; MUHAR, S.; SCHMUTZ, S. (Eds.). Assessing the Ecological Integrity of Running Waters. Holanda: Springer. p. 389-412.; RIBEIRO, 2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.). Diversas são as vantagens relativas a essa forma de monitoramento da qualidade dos ecossistemas, embora seja insuficiente em retratar a influência das dinâmicas e mudanças do território.

Ainda, o conhecimento local tem grande potencial de prover orientações e novas informações para a pesquisa, e a combinação desse conhecimento, sobretudo dos usuários de tais recursos, somada à informação técnica e científica, tem se provado útil para a gestão de bacias hidrográficas (SILVANO et al., 2005SILVANO, R.A.M; UDVARDY, S.; CERONI, M.; FARLEY, J. (2005) An ecological integri ty assessment of a Brazilian Atlantic Forest watershed based on surveys of stream health and local farmers’ perceptions: implications for management. Ecological Economics, v. 53, n. 3, p. 369-385.). Assim, o objetivo de avaliações ecológicas integradas é analisar os efeitos das atividades humanas sobre os recursos ecológicos, e os resultados são então traduzidos em medidas de gestão (VERDONSCHOT, 2000VERDONSCHOT, P.F.M. (2000) Integrated ecological assessment methods as a basis for sustainable catchment management. In: JUNGWIRTH, M.; MUHAR, S.; SCHMUTZ, S. (Eds.). Assessing the Ecological Integrity of Running Waters. Holanda: Springer. p. 389-412.).

ESTUDO DE CASO

Bacia Hidrográfica Lagos São João

Inserida na Bacia Hidrográfica do Atlântico Sudeste (ANA, 2015AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Bacias Hidrográficas. Conheça mais sobre as Bacias Hidrográficas. Disponível em: <Disponível em: http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias/default.aspx >. Acesso em: 18 out. 2015.
http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/b...
), a Bacia Hidrográfica das Lagoas de Araruama e Saquarema e dos Rios São João e Una (Figura 1) corresponde à Região Hidrográfica VI do Estado do Rio de Janeiro (Resolução CERHI-RJ nº 107/2013CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CERHI-RJ). (2013) Resolução nº 107 de 22 de maio de 2013. Aprova a nova definição das Regiões Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro e revoga a Resolução CERHI-RJ nº 18 de 08 de novembro de 2006. Rio de Janeiro: CERHI-RJ.), antiga Macrorregião Ambiental IV. Situada na porção sudeste do Estado do Rio de Janeiro, a BHLSJ possui uma área aproximada de 3.825 km2, abrangendo 12 municípios, alguns parcialmente inseridos na área da bacia e outros integralmente situados em sua área. A população residente na região hidrográfica é de aproximadamente 610.000 habitantes (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2010) XII Censo demográfico. Brasil: IBGE.), podendo esse valor ter um aumento significativo na alta temporada, devido ao turismo, principalmente na zona costeira (CILSJ, 2012CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). Sobre a Bacia. Disponível em: <Disponível em: http:www.lagossaojoao.org.br >. Acesso em: 05 fev. 2012.
http:www.lagossaojoao.org.br...
).

Figura 1:
Mapa de localização da Bacia Hidrográfica Lagos São João e dos municípios.

Devido ao amplo gradiente ambiental, a região das baixadas litorâneas possui grande diversidade de ecossistemas, desde os ambientes característicos das praias e dos costões rochosos até as serras cobertas pela Mata Atlântica (BRASIL, 2008BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). (2008) Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. Brasília: MMA.). Os ecossistemas aquáticos da região são utilizados para abastecimento público, irrigação, suprimento de pequenas indústrias, mineração, produção de sal, recreação e lazer, navegação, além de servirem como habitat de milhares de animais, plantas e microrganismos nativos (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.) (Figura 2).

A região hidrográfica é ainda constituída por quatro bacias, a saber:

  • Bacia Hidrográfica do Rio São João;

  • Bacia Hidrográfica da Lagoa de Araruama;

  • Bacia Hidrográfica da Lagoa de Saquarema;

  • Bacia Hidrográfica do Rio Una e Cabo de Búzios (CILSJ, 2011CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). (2011) Delimitação da Bacia Hidrográfica Lagos São João, municípios e bacias hidrográficas da área de abrangência. Araruama: CILSJ. 1 mapa, color. Escala 1:25.000.).

Figura 2:
Cobertura vegetal, uso e ocupação do solo da Bacia Hidrográfica Lagos São João.

A Bacia Hidrográfica do Rio São João é caracteristicamente a região produtora de água da bacia, concentrando os principais ecossistemas de água doce - o Rio São João e o Reservatório de Juturnaíba. As demais bacias, mais próximas às áreas costeiras, possuem ecossistemas e biodiversidade de igual valor. De maneira geral, há poucos rios nas bacias costeiras, sendo a grande maioria intermitente, ou decorrente de drenagens formadas no período chuvoso (RIBEIRO, 2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.). No intervalo entre as serras e as áreas costeiras podemos encontrar manguezais, restingas, florestas de baixadas e de encosta, ecossistemas aquáticos e brejos (BRASIL, 2008BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). (2008) Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. Brasília: MMA.).

Entre as principais ameaças à integridade ecológica dos sistemas aquáticos regionais, destacam-se, entre outros, o lançamento de esgoto sem tratamento nos corpos d’água, o descarte inadequado do lixo, a ocupação irregular das margens das lagoas e rios e demais áreas de proteção permanente e o desmatamento (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.). Parte da água captada na Reservatório de Juturnaíba pelas empresas de saneamento e distribuída à população costeira tem como destino final as Lagoas de Araruama e Saquarema, bem como outras lagoas costeiras (BIDEGAIN & BIZERRIL, 2002BIDEGAIN, P. & BIZERRIL, C. (2002) Lagoa de Araruama: perfil ambiental do maior ecossistema lagunar hipersalino do mundo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.), que, além das águas dos rios contribuintes, recebem uma quantidade adicional de água doce devido à transposição das águas do Rio São João. Por anos, as águas servidas e o esgoto, lançados sem tratamento prévio diretamente na Lagoa de Araruama, por exemplo, alteraram seu aspecto natural hipersalino, fator fundamental para a manutenção das funções ecológicas desse sistema (RIBEIRO, 2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.).

Método de avaliação do índice de risco ecológico

O estudo de caso da Bacia Lagos São João foi desenvolvido a partir do método proposto por Mattson e Angermeier (2007MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-...
), e sua aplicação foi baseada na qualificação dos riscos ambientais da Bacia do Rio Paraguai (PETRY et al., 2011PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy.). Esse método busca integrar os impactos das ações antrópicas e a integridade ecológica de ecossistemas aquáticos, por meio de um protocolo baseado nos riscos, o índice de risco ecológico (IRE). O risco ecológico aqui proposto não é probabilístico, mas aproxima-se mais de uma avaliação que enxerga a fragilidade da bacia como produto das relações de um sistema e suas características ambientais, além de determinadas perturbações decorrentes das ações antrópicas. Pode ser assim traduzido nas ameaças efetivas à integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos da BHLSJ.

O IRE proposto por Mattson & Angermeier (2007MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-...
) utiliza um procedimento de ranqueamento para identificar áreas de baixo, moderado e alto risco à integridade ecológica, baseado na combinação do potencial impacto dos estressores (severidade) sobre os atributos-chave da integridade ecológica: qualidade da água, estrutura física do habitat, regime hidrológico, interações bióticas, fontes de energia (KARR et al., 1986KARR, J.R.; FAUSCH, K.D.; ANGERMEIER, P.L.; YANT, P.R.; SCHLOSSER, I.J. (1986) Assessing biological integrity in running waters. A method and its rationale. Illinois Natural History Survey, Special Publication, Champaign, v. 5.) e conectividade (PETRY et al., 2011PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy.); na sensibilidade do local e na ocorrência dos estressores nessas áreas. A manutenção desses processos dentro de parâmetros sustentáveis expressa a integridade ambiental da bacia hidrográfica e, consequentemente, aumenta sua capacidade de resiliência (FREITAS et al., 2010FREITAS, G.K.; BARRETO, S.; BECKER, M.; RODRIGUES, S. T.; BARROSO, M.; OLIVEIRA, M.; CALDAS, B.; GIRARD, P. (2010) A análise de vulnerabilidade da Bacia transfronteiriça do Alto Paraguai às mudanças climáticas. Brasília: WWF-Brasil.).

O método IRE prevê o desenvolvimento de uma base de dados em Sistema de Informação Geográfica (SIG) e a delimitação de unidades de análise em escalas distintas (micro, meso e macrobacias), aqui chamadas de unidades hidrológicas, além de uma etapa participativa (painel de especialistas). O IRE a um determinado estressor, que pode ser calculado por ameaça individual (Equação 1), será o produto da sua severidade e frequência (ocorrência), bem como da sensibilidade do ambiente. O índice de risco ecológico composto (IRE-C) é resultante da combinação dos IREs calculados para cada estressor considerado na análise (índice de risco ecológico do estressor i - IRE-Ei) (Equação 2), visando a refletir o risco geral à integridade ecológica em toda a área de estudo (MATTSON & ANGERMEIER, 2007MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-...
). O cálculo dos índices é baseado nas seguintes fórmulas:

I R E - E i = ( F - E i × S v - E i × S s - E i ) (1)

I R E - C = S ( I R E - E i + . . . . . . + I R E - E n ) (2)

Em que:

  • IRE  = índice de risco ecológico;
  • Ei  = estressor i, sendo i o estressor considerado na análise;
  • IRE-Ei  = índice de risco ecológico do estressor i;
  • IRE-C  = índice de risco ecológico composto;
  • F-Ei  = frequência do estressor i;
  • Sv-i  = severidade do impacto do estressor i;
  • Ss-Ei  = sensibilidade do ecossistema ao estressor i;
  • En  = representa o número de estressores que compõe a análise.

Como citado, o método IRE foi desenvolvido por Mattson e Angermeier (2007MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-...
) e adaptado por Petry et al. (2011PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy.), sendo esse protocolo aplicado a bacias de grandes dimensões territoriais, como as Bacias Amazônica e do Alto Paraguai. Dadas as dimensões da BHLSJ (3.825 km2) e considerando o seu caráter costeiro, não foi possível uma pronta replicação do protocolo referencial desenvolvido por esses autores, a partir das bases de dados utilizadas nesses estudos. Para o estudo de caso da BHLSJ, demandou-se aprofundamento metodológico e levantamento exaustivo de dados e informações.

O primeiro passo foi desenvolver o referencial conceitual e metodológico do estudo, base para a estruturação das etapas, e definir a estratégia para sua aplicação, adaptada em vários aspectos ao estudo de caso da BHLSJ. Foram necessárias adaptações metodológicas quanto às etapas de levantamento de dados e informações, composição da base de dados espacial e ajustes, delineamento das unidades de análise (unidades hidrológicas), sendo essas discutidas e apresentadas detalhadamente no estudo de Ribeiro (2012RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais. 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.). O desenvolvimento do trabalho ocorreu por meio de três etapas:

  • estruturante: compreende a construção da base de dados espaciais, realizada por meio da identificação dos principais estudos sobre a bacia e dos dados geográficos disponíveis, base para o delineamento das unidades de análise, identificação e caracterização dos estressores e sua frequência (ocorrência), e a identificação das características de sensibilidade do território;

  • análise participativa dos riscos: contemplou um painel de especialistas, momento do estudo em que os resultados da etapa anterior foram discutidos, complementados e validados, e foram realizadas as avaliações de severidade e sensibilidade;

  • processamento dos dados e validação dos resultados: consistiu em calcular os IREs por estressor, bem como o risco ecológico total, seguido da apresentação dos resultados aos especialistas, para ajustes e validação.

Desenvolvimento das etapas estruturante, de análise participativa e de processamento dos dados

Iniciou-se o estudo com o desenvolvimento da etapa estruturante. Como explicado, essa etapa referiu-se, em resumo, ao levantamento e à consolidação da base de dados qualitativa e geográfica do estudo. A ampla pesquisa bibliográfica foi fundamental para ampliar o conhecimento sobre a bacia e seu contexto ecológico, social e econômico, e especialmente sobre as principais ameaças aos ecossistemas aquáticos, foco do presente estudo.

Buscou-se confrontar as informações de caracterização e contexto obtidas na etapa de levantamento bibliográfico com aquelas disponíveis sob a forma georreferenciada (e em escala adequada ao tamanho da BHLSJ) para, assim, compor o banco de dados geográficos do estudo. Os shapefiles utilizados na análise têm como base os dados do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Rio de Janeiro (ZEERJ, 2011ZONEAMENTO ECOLÓGICO - ECONÔMICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ZEERJ). Subsídios - Shapes. Disponível em: <Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeConteudo?article-id=282959 >. Acesso em: 27 ago. 2011.
http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeConteu...
), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006bINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2006b) Ortofotos do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. 1 mapa, color. Escala 1:25.000. ), do Departamento de Recursos Minerais do Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ), do Projeto Rio de Janeiro (CPRM, 2006COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS (CPRM). Serviço Geológico do Brasil. (2006) Projeto Rio de Janeiro - Geomorfológica. Mapas geomorfológico. Rio de Janeiro: CPRM. 1 mapa, color. Escala 1:250.000.), além daqueles que compõem o Banco de Dados Geográfico do Consórcio Intermunicipal Lagos São João.

Foram manipulados os seguintes shapefiles: uso e ocupação do solo (1:100.000); declividade e curvas de nível (1:25.000); domínios geomorfológicos (1:100.000); isoietas de precipitação (1:250.000); rodovias, ferrovias, dutovias e linhas de transmissão (1:100.000); hidrografia, mineração, lixões e atividades de alto impacto ambiental (1:50.000). Como os dados levantados nas diversas fontes haviam sido gerados para objetivos outros e em escalas diversas, eles foram apenas ajustados tendo como base a delimitação da BHLSJ.

Também durante a etapa estruturante foram delineadas as unidades de hidrológicas, bases para o cálculo do IRE e futuro planejamento ambiental da BHLSJ. Para o delineamento das unidades de análise, inicialmente, seria utilizado como base o modelo digital de elevação do terreno SRTM/2000, processado e disponível na base de dados HydroSHEDS (LEHNER et al., 2008LEHNER, B.; VERDIN, K.; JARVIS, A. (2008) New global hydrography derived from spaceborne elevation data. EOS, Transactions American Geophysical Union, v. 89, n. 10, p. 93-94. https://doi.org/10.1029/2008EO100001
https://doi.org/10.1029/2008EO100001...
), como realizado na análise da Bacia do Paraguai (PETRY et al., 2011PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy.). Na tentativa de gerar os dados hidrológicos, e por fim o delineamento das unidades hidrológicas, a partir da base de dados HydroSHEDS, identificou-se que essa não era adequada à escala da BHLSJ (útil apenas para bacias de grande porte, como a Bacia Amazônica, por exemplo), não sendo possível utilizá-la. Dessa forma, para delimitar as unidades hidrológicas foram utilizadas as ferramentas “Hydrology” da extensão “Spatial Analyst” do software ArcGis Desktop 10® (ESRI, 2010ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE (ESRI). (2010) ArcGIS Desktop 10. Nova York: ESRI. 1 CD-ROM. ), para o processamento dos dados disponíveis para a bacia. Foi gerado um total de 168 unidades hidrológicas.

A etapa participativa da metodologia baseou-se em um painel de especialistas e reuniu expertises para validação das bases conceitual e metodológica do estudo, bem como para verificação dos dados geográficos reunidos na base de dados da análise, avaliações de impacto e validação dos resultados da análise do risco ecológico da bacia estudo de caso. Participaram dessa etapa 17 especialistas de diversas áreas de conhecimento, tais como, saneamento, ecologia, hidrologia, geologia, biodiversidade, entre outros, oriundos de diferentes instituições (por exemplo: Instituto Estadual do Ambiente - INEA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, municípios, organizações não governamentais, concessionárias de água e esgoto, Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ etc.). Foram identificadas, inicialmente, 12 ameaças principais à integridade ecológica da bacia, sendo essas validadas pelos especialistas; em seguida, foram definidas as respectivas métricas de frequência (Quadro 1) para avaliação de sua ocorrência.

Quadro 1:
Estressores e medidas de frequência.

Para a avaliação do componente “sensibilidade” do IRE, foi proposta a diferenciação do território da bacia quanto à resposta aos impactos dos estressores, por meio de atributos do meio físico distribuídos em classes (Quadro 2). Entende-se que diferentes áreas da bacia hidrográfica, por suas características físicas, respondem de maneiras distintas aos estressores. A partir da combinação das classes dos atributos do meio físico foram gerados códigos para cada unidade hidrológica. Esses códigos identificavam a predominância das classes dos atributos nas unidades hidrológicas, sendo base para a elaboração de um mapa com todas as características de sensibilidade presentes na região estudada.

Quadro 2:
Atributos e classes de sensibilidade.

A esse mapa base composto pelas características de sensibilidade predominantes em cada unidade de análise foram vinculados os valores obtidos por meio da avaliação dos especialistas, para gerar os mapas de sensibilidade para cada estressor (Ss-Ei). A matriz utilizada pelos especialistas para avaliação da sensibilidade é similar à apresentada no Quadro 3; no entanto, é avaliada a sensibilidade das áreas, por meio dos atributos e respectivas classes, aos impactos dos estressores.

A avaliação da severidade referiu-se aos impactos dos estressores aos atributos da integridade ecológica, definidos por Karr et al. (1986KARR, J.R.; FAUSCH, K.D.; ANGERMEIER, P.L.; YANT, P.R.; SCHLOSSER, I.J. (1986) Assessing biological integrity in running waters. A method and its rationale. Illinois Natural History Survey, Special Publication, Champaign, v. 5.), sendo utilizada a matriz apresentada no Quadro 3 pelos especialistas. Os resultados da análise de severidade não geram mapas, pois a severidade é um produto da avaliação de impacto dos estressores sobre os atributos da integridade ecológica, sendo este, portanto, uma constante na equação. Seu peso na análise é atribuído quando há estressor na unidade hidrológica, sendo sua magnitude atribuída por sua frequência e pela sensibilidade da área em que ocorre.

Quadro 3:
Matriz de avaliação da severidade e sensibilidade.

Para a definição das classes de frequência, foi procedido o cruzamento do shapefile de cada estressor com o arquivo das unidades hidrológicas, de acordo com as métricas de frequência apresentadas no Quadro 1. Dessa forma, os valores de frequência de cada estressor foram divididos em classes pelo método da curva de distribuição de frequências e pelo algoritmo de Jenks (1977JENKS, G.F. (1977) Optimal data classification for choropleth maps: occasional paper. Kansas: Departament of Geography, University Kansas. v. 2. 24 p.), sendo os dados agrupados em cinco classes que variaram de “0” (sem ocorrência) a “5” (alta ocorrência). Esse método, denominado de “quebra natural” (natural breaks), ajusta os limites das classes de acordo com a distribuição dos dados, identificando pontos de quebra entre as classes, por meio de uma análise estatística que se baseia na variabilidade dos dados (FERNANDES et al., 2013).

A base de dados geográficos e as matrizes de avaliação foram processadas por meio do software de geoprocessamento ArcGis Desktop 10® (ESRI, 2010ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE (ESRI). (2010) ArcGIS Desktop 10. Nova York: ESRI. 1 CD-ROM. ), gerando mapas que permitem a avaliação e a comparação visual dos graus de risco ecológico das unidades hidrológicas da bacia. A Figura 3 apresenta as etapas detalhadas para o levantamento de dados e o cálculo do IRE. Foram calculados o IRE-Ei e o IRE-C, gerando os respectivos mapas. Os valores de IRE obtidos foram classificados também pelo método da curva de distribuição de frequências e pelo algoritmo de Jenks (1977JENKS, G.F. (1977) Optimal data classification for choropleth maps: occasional paper. Kansas: Departament of Geography, University Kansas. v. 2. 24 p.), gerando quatro classes de valores - baixo, médio, moderado e alto, além da não presença do estressor na unidade, sendo atribuído valor “0”.

Figura 3:
Fluxograma de desenvolvimento e cálculo do índice de risco ecológico para a Bacia Hidrográfica Lagos São João.

Foi gerado um total de 38 mapas, sendo 13 de sensibilidade (1 mapa base composto mais 12 mapas para cada estressor), 12 de frequência, 12 com o cálculo do IRE-Ei e 1 mapa com o IRE-C. Cabe ressaltar que os resultados da análise de risco ecológico foram submetidos aos especialistas para validação e ajustes.

Principais resultados da análise do risco ecológico

A estratégia de desenvolvimento do banco de dados geográfico para a bacia baseou-se, predominantemente, no levantamento e na busca de informações preexistentes, que foram geradas com objetivos distintos da análise de risco. No entanto, apesar do desafio de se trabalhar com dados geográficos com características múltiplas, foi possível gerar uma base geográfica e metodológica com rigor científico. Outra consequência positiva dessa estratégia foi a possibilidade de trabalhar com um grande volume de informações a baixo custo e associá-las aos dados da análise participativa (componente qualitativo da análise).

A consolidação de uma base de dados geográficos para a área da BHLSJ, oportunizada por meio deste estudo, pode ser destacada como um dos pontos-chave dessa metodologia, ao contribuir para a consolidação de um Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, previsto na Lei das Águas. Os dados e as informações, antes isolados em diferentes instituições e projetos, ganharam ambiente para uma base única, em escala e formato adequados ao planejamento da bacia hidrográfica. Apesar de ser uma prioridade apontada no Plano de Bacia Hidrográfica Lagos São João - criar um SIG para lançamento das informações para o gerenciamento dos recursos hídricos (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.) - essa tarefa ainda não tinha sido realizada até a finalização deste estudo.

Como resultado da avaliação da severidade dos estressores, ou seja, de seus impactos sobre os atributos da integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos, destaca-se aqui o alto valor atribuído aos aglomerados de habitantes, em especial as áreas urbanas, que contribuem significativamente, ainda nos dias atuais, para a perda da qualidade das águas da bacia. Apesar dos esforços notórios para aumentar a cobertura de rede de coleta e tratamento de esgoto, sobretudo nas áreas mais ocupadas (PEREIRA, 2014PEREIRA, L.F.M. (2014) Controle Social das Águas: O poder local como base do desenvolvimento. Um Estudo de Caso: A Região dos Lagos, RJ. Rio de Janeiro: Garamond.), a contaminação dos recursos hídricos ainda representa grande ameaça aos ecossistemas aquáticos.

Particularmente os mapas de sensibilidade apresentaram resultados bastante relevantes ao indicar a BHLSJ, região produtora de água da bacia, como uma área crítica à conversão do uso do solo e outras atividades humanas, com destaque para as pastagens degradadas e os leitos retificados. Esses mapas adquirem particular relevância ao informar aos gestores ambientais, aos administradores públicos e à sociedade as áreas da bacia com maior potencial de serem impactadas caso decida-se por um desses tipos de atividades.

A partir dos mapas do IRE gerados para cada um dos 12 estressores foi possível observar que os estressores “Pastagem” e “Leitos retificados” foram os que apresentaram um maior número de unidades hidrológicas classificadas de moderado a alto, com destaque para o estressor “Pastagem”. A Figura 4 apresenta os mapas de sensibilidade, frequência e o IRE calculado para esses estressores. Quanto ao estressor “Pastagem”, a combinação de severidade, sensibilidade e frequência gerou um mapa com o maior número de unidades hidrológicas com alto IRE.

Figura 4:
Mapas de sensibilidade, frequência e índice de risco ecológico calculado para os estressores “Leitos retificados” e “Pastagem”.

Por meio deste estudo identificou-se que o estressor “Pastagem” é caracterizado por atividades ocupando extensas áreas (inclusive as APPs), na maioria dos casos com baixa taxa de ocupação (nº de cabeças/ha) e sem manejo adequado (controle dos fatores de erosão). Segundo a avaliação de severidade, esse estressor impacta significativamente a maior parte dos atributos da integridade ecológica, com destaque para “qualidade da água”, “fontes de energia” (devido ao aporte de nutrientes aos ecossistemas aquáticos) e “estrutura física do habitat”.

Sabe-se que a retificação do leito dos rios é responsável, entre outros, por causar alterações intensas no regime de fluxo e na profundidade do canal, aumentando a temperatura da água e comprometendo a estrutura do habitat dos ecossistemas aquáticos (CUNHA, 1995CUNHA, S.B. (1995) Impactos das obras de engenharia sobre o ambiente biofísico da bacia do rio São João (Rio de Janeiro - Brasil). Rio de Janeiro: Editora do Instituto de Geociências da UFRJ. 378p.; ASSUMPÇÃO & MARÇAL, 2012ASSUMPÇÃO, A.P. & MARÇAL, M.S. (2012) Retificação dos canais fluviais e mudanças geomorfológicas na planície do rio Macaé (RJ). Revista de Geografia, Recife, v. 29, n. 3, p. 18-36.). O mapa de frequência do estressor “Leitos retificados” chama a atenção por permitir visualizar a sua distribuição na área da bacia, que varia média a alta ocorrência na maior parte das unidades hidrológicas.

Em um olhar mais regional, como o utilizado na presente análise, os estressores “Lixões”, “Ferrovias”, “Dutos” e “Agricultura em larga escala” foram menos significativos em termos de valores de IRE, por se concentrarem em partes da bacia envolvendo a área de abrangência de algumas unidades hidrológicas. No entanto, em escalas mais locais os resultados obtidos ganham maior notoriedade, visto que, quanto a sua severidade, esses estressores foram avaliados como de alto impacto sobre os atributos da integridade ecológica.

Em linhas gerais, o IRE-C gerado para a bacia apresentou predomínio de unidades hidrológicas com valores de IRE variando de moderado a alto (Figura 5). A localização espacial das unidades mais ameaçadas, ou seja, com maior IRE-C, concentra-se na BHLSJ, considerada de extrema significância para a conservação dos ecossistemas de água doce, visto que abrigando ainda a Represa de Juturnaíba, manancial estratégico da região e do qual depende a maior parte da população da zona costeira. Ao analisar o mapa do IRE-C é possível observar que as unidades hidrológicas que contribuem para esse manancial estão bastante comprometidas, colocando em risco a disponibilidade de água em quantidade e qualidade para atender à demanda de populações, comunidades e ecossistemas que dele dependem.

Figura 5:
Índice de risco ecológico composto para a Bacia Hidrográfica Lagos São João.

Esses estressores afetam de forma significativa os processos hidrológicos da bacia, expondo essas áreas a outros efeitos adversos, como, por exemplo, aumento da demanda pelo uso dos recursos hídricos e alterações climáticas. Como citado, em decorrência da elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos, o Reservatório de Juturnaíba foi apontado como umas das fontes alternativas de abastecimento da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, o que alerta para a necessidade de intervenções urgentes nessas unidades com alto risco ecológico.

Ao contrário da hipótese inicial discutida junto aos especialistas, a zona costeira não apresentou unidades com valores altos de IRE-C. Devido ao fato de o IRE-C ser um somatório dos estressores (IRE-E) que ocorrem nas unidades hidrológicas, a predominância de um tipo de uso do solo acaba subestimando o real impacto do estressor avaliado. Uma unidade hidrológica com 90% de área urbana, por exemplo, terá valor inferior de IRE-C, se comparada a uma com ocorrência de 3 estressores. No entanto, essa limitação metodológica pode ser prontamente solucionada, visto que mapas por estressor foram gerados e disponibilizados para a tomada de decisão.

Além disso, na etapa de validação dos resultados foram discutidos e apresentados dois apontamentos relevantes para o estudo:

  1. atribuir peso àqueles estressores considerados subestimados pela análise;

  2. especificamente para o shapefile dos “aglomerados de habitantes”, substituir a medida de frequência (ocorrência) de área por dados mais desmembrados, o que necessitaria de investimentos de médio e longo prazos no levantamento e na consolidação de dados em base geográfica, tais como: cobertura da rede de esgoto, abastecimento de água, densidade populacional, entre outros, que possam melhor caracterizar o impacto de áreas mais densamente ocupadas sobre os ecossistemas aquáticos. Essa última etapa, segundo os especialistas, é de fundamental importância, devido aos resultados da avaliação da severidade e à impossibilidade da utilização desses dados pela sua indisponibilidade em uma base única geográfica e consolidada para toda a bacia.

Ressalta-se que a robustez da metodologia se encontra na base de dados disponíveis para o estudo; dessa forma, é necessário o refinamento da maior parte das informações quanto à escala. Essa adequação deve ser buscada em longo prazo, à medida que recursos, mão de obra e tempo estejam disponíveis. Assim, cabe aos gestores e atores envolvidos no gerenciamento dos recursos hídricos da bacia priorizar investimentos no sentido de levantar e consolidar essas informações em SIG. Feito isso, os novos dados podem ser adicionados ao modelo desenvolvido por meio do presente estudo e um novo índice composto pode ser prontamente calculado. Isso, porém, não inviabiliza o uso das informações disponíveis para a análise, dado o foco regional da análise, sendo adotado como critério apenas o uso de dados que contemplem toda a área da bacia hidrográfica.

CONCLUSÕES

O uso do SIG como ferramenta, ao agregar dados e informações, incluindo as contribuições dos especialistas, permitiu espacializar, qualificar e quantificar as ameaças à integridade ecológica da BHLSJ, gerando mapas de risco ecológico. A partir desses mapas foi possível identificar as unidades mais ameaçadas do território em análise, bem como aquelas relevantes para a conservação ambiental. Entende-se que estas são alvo prioritário para as ações de recuperação e conservação dos ecossistemas aquáticos e dos serviços ecossistêmicos por esses providos.

Como resultado da aplicação dessa metodologia, pode-se concluir, em linhas gerais, que a BHLSJ se encontra em situação de moderado a alto risco ecológico, necessitando de ações urgentes de recuperação, com foco nas unidades hidrológicas mais ameaçadas (altos valores de IRE). Destacam-se quatro principais áreas em situação de risco ecológico:

  • as cabeceiras e os tributários que contribuem para a produção de água doce;

  • as unidades hidrológicas contribuintes do Reservatório de Juturnaíba;

  • a área de baixada do Rio São João;

  • as unidades hidrológicas contribuintes da Lagoa de Araruama.

A proposta inicial de construir uma metodologia que gerasse resultados para utilização na gestão dos recursos hídricos da bacia hidrográfica foi exitosa em seu objetivo, e seus impactos podem ser confirmados pela utilização dos resultados de sua aplicação, como base para decisões, resoluções e investimentos na BHLSJ. A adoção da integridade ecológica como norteador da análise de risco foi igualmente importante por estar alinhada com o Método de Gestão por Ecossistemas, estratégia de enfoque regional prevista também no Plano da Bacia Hidrográfica Lagos São João (BIDEGAIN & PEREIRA, 2005BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João. Rio de Janeiro: CILSJ.).

O protocolo em etapas e o modelo gerado em ambiente SIG foram desenvolvidos de forma que, por seu caráter dinâmico, pudessem ser adaptados a um variado número e a diversos tipos de estressores, o que também possibilitou sua atualização conforme a necessidade de novas avaliações, geração de informações georreferenciadas e melhoria dos dados, principalmente quanto à escala e à abrangência. Por fim, outras camadas podem ser prontamente adicionadas e novos resultados podem ser gerados para diferentes objetivos. Dados de monitoramento dos recursos hídricos, por exemplo, podem ser cruzados com os mapas gerados no presente estudo, permitindo estabelecer relações mais diretas e respostas mais efetivas aos desafios emergentes.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CILSJ, WWF-Brasil e ao CNPq pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.

REFERÊNCIAS

  • AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Bacias Hidrográficas Conheça mais sobre as Bacias Hidrográficas. Disponível em: <Disponível em: http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias/default.aspx >. Acesso em: 18 out. 2015.
    » http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias/default.aspx
  • ANDREASEN, J.K.; O’NEILL, R.V.; NOSS, R.; SLOSSER, N.C. (2001) Considerations for the development of a terrestrial index of ecological integrity. Ecological Indicators, v. 1, p. 21-35. https://doi.org/10.1016/S1470-160X(01)00007-3
    » https://doi.org/10.1016/S1470-160X(01)00007-3
  • ARTHINGTON, A.H. & WELCOMME, R.L. (1995) The condition of large river systems of the World. In: ARMANTROUT, N.B. & WOLOTIRA JR, R.J. (Eds.). Condition of the World’s Aquatic Habitats Lebanon: World Fisheries Congress, Science Publishers. p. 44-75.
  • ASSUMPÇÃO, A.P. & MARÇAL, M.S. (2012) Retificação dos canais fluviais e mudanças geomorfológicas na planície do rio Macaé (RJ). Revista de Geografia, Recife, v. 29, n. 3, p. 18-36.
  • BIDEGAIN, P. & BIZERRIL, C. (2002) Lagoa de Araruama: perfil ambiental do maior ecossistema lagunar hipersalino do mundo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
  • BIDEGAIN, P. & PEREIRA, L.F.M. (2005) Plano das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos e do Rio São João Rio de Janeiro: CILSJ.
  • BIDEGAIN, P. & VÖLCKER, C.M. (2004) Bacia Hidrográfica dos Rios São João e das Ostras: águas, terras e conservação ambiental. Rio de Janeiro: CILSJ.
  • BRASIL. (1997) Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União
  • BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). (2008) Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado Brasília: MMA.
  • BRITO, D.; OLIVEIRA, L.C.; MELLO, M.A.R. (2004) An overview of mammalian conservation at Poço das Antas Biological Reserve, southeastern Brazil. Journal for Nature Conservation, v. 12, n. 4, p. 219-228. https://doi.org/10.1016/j.jnc.2004.09.001
    » https://doi.org/10.1016/j.jnc.2004.09.001
  • CAMPOS, J.N.B. (1997) Vulnerabilidades hidrológicas do semi-árido às secas Planejamento e Políticas Públicas. Brasília. p. 261-294.
  • COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS (CPRM). Serviço Geológico do Brasil. (2006) Projeto Rio de Janeiro - Geomorfológica Mapas geomorfológico. Rio de Janeiro: CPRM. 1 mapa, color. Escala 1:250.000.
  • CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CERHI-RJ). (2013) Resolução nº 107 de 22 de maio de 2013. Aprova a nova definição das Regiões Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro e revoga a Resolução CERHI-RJ nº 18 de 08 de novembro de 2006. Rio de Janeiro: CERHI-RJ.
  • CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). (2011) Delimitação da Bacia Hidrográfica Lagos São João, municípios e bacias hidrográficas da área de abrangência Araruama: CILSJ. 1 mapa, color. Escala 1:25.000.
  • CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). Sobre a Bacia. Disponível em: <Disponível em: http:www.lagossaojoao.org.br >. Acesso em: 05 fev. 2012.
    » http:www.lagossaojoao.org.br
  • CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL LAGOS SÃO JOÃO (CILSJ). (2013) Relatório sobre a situação da bacia - Ano III. Araruama: CILSJ.
  • CUNHA, S.B. (1995) Impactos das obras de engenharia sobre o ambiente biofísico da bacia do rio São João (Rio de Janeiro - Brasil) Rio de Janeiro: Editora do Instituto de Geociências da UFRJ. 378p.
  • ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE (ESRI). (2010) ArcGIS Desktop 10 Nova York: ESRI. 1 CD-ROM.
  • FRANCISCO, C.E.S.; COELHO, R.M.; TORRES, R.B.; ADAMI, S.F. (2007) Espacialização de análise multicriterial em SIG: prioridades para recuperação de Áreas de Preservação Permanente. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 13., Florianópolis, SC. Anais.. p. 2643-2650.
  • FREITAS, G.K.; BARRETO, S.; BECKER, M.; RODRIGUES, S. T.; BARROSO, M.; OLIVEIRA, M.; CALDAS, B.; GIRARD, P. (2010) A análise de vulnerabilidade da Bacia transfronteiriça do Alto Paraguai às mudanças climáticas Brasília: WWF-Brasil.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2006a) A ENCE aos 50 anos: um olhar sobre o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2006b) Ortofotos do Brasil Rio de Janeiro: IBGE. 1 mapa, color. Escala 1:25.000.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2010) XII Censo demográfico Brasil: IBGE.
  • INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE (INEA). (2014) Fontes Alternativas para o Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, com ênfase na RMRJ Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA.
  • JENKS, G.F. (1977) Optimal data classification for choropleth maps: occasional paper. Kansas: Departament of Geography, University Kansas. v. 2. 24 p.
  • KARR, J.R. & CHU, E. (1999) Restoring Life in Running Waters: Better Biological Monitoring. Washington, D.C.: Island Press.
  • KARR, J.R.; FAUSCH, K.D.; ANGERMEIER, P.L.; YANT, P.R.; SCHLOSSER, I.J. (1986) Assessing biological integrity in running waters. A method and its rationale. Illinois Natural History Survey, Special Publication, Champaign, v. 5.
  • KJERFVE, B.; SCHETTINI, C.A.F.; KNOPPERS, B.; LESSA, G.; FERREIRA, H.O. (1996) Hydrology and salt balance in a large, hypersaline coastal lagoon: Lagoa de Araruama, Brazil. Estuarine, Coastal and Shelf Science, v. 42, n. 6, p. 701-725. https://doi.org/10.1006/ecss.1996.0045
    » https://doi.org/10.1006/ecss.1996.0045
  • KWAK, T.J. & FREEMAN, M.C. (2010) Assessment and management of ecological integrity. In: Hubert, W.A.; QUIST, M.C. (Eds.). Inland fisheries management in North America American Fisheries Society. p. 353-394.
  • LEHNER, B.; VERDIN, K.; JARVIS, A. (2008) New global hydrography derived from spaceborne elevation data. EOS, Transactions American Geophysical Union, v. 89, n. 10, p. 93-94. https://doi.org/10.1029/2008EO100001
    » https://doi.org/10.1029/2008EO100001
  • LIMA-GREEN, A.P. (2008) Análise político-institucional da gestão das águas na Bacia Lagos São João 133f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.
  • MATTSON, K.M. & ANGERMEIER, P.L. (2007) Integrating Human Impacts and Ecological Integrity into a Risk-Based Protocol for Conservation Planning. Environmental Management, v. 39, p. 125-138. https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
    » https://doi.org/10.1007/s00267-005-0238-7
  • MENDONÇA, F.A. & LEITÃO, S.A.M. (2008) Riscos e vulnerabilidade socioambiental urbana: uma perspectiva a partir dos recursos hídricos. GeoTextos, v. 4, n. 1-2, p. 145-163. http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v4i0.3300
    » http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v4i0.3300
  • PEREIRA, L.F.M. (2014) Controle Social das Águas: O poder local como base do desenvolvimento. Um Estudo de Caso: A Região dos Lagos, RJ. Rio de Janeiro: Garamond.
  • PETRY, P.; RODRIGUES, S.T.; RAMOS NETO, M.B.; MATSUMOTO, M.H.; KIMURA, G.; BECKER, M.; REBOLLEDO, P.; ARAÚJO, A.; OLIVEIRA, B.C.; SOARES, M.S.; OLIVEIRA, M.G.; GUIMARÃES, J. (2011) Análise de risco ecológico da Bacia do rio Paraguai: Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. The Nature Conservancy
  • RIBEIRO, N.B.; MARTINS, M.; JOHNSSON, R.M.F..; VIANA, V. (2011) Vulnerabilidade e adaptação às variabilidades do clima na bacia Lagos São João: uma análise preliminar. In: Congresso Mundial da Água, 14 . Anais... Porto de Galinhas.
  • RIBEIRO, N.B. (2012) Análise de vulnerabilidade ecológica da Bacia Lagos São João, RJ: uma contribuição metodológica para estudos de adaptação às mudanças ambientais globais 138f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro.
  • RIO DE JANEIRO. (1999) Lei Estadual nº 3.239 de 02 de agosto de 1999 Institui a Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
  • SRDJEVIC, B.; MEDEIROS, Y.D.P.; FARIA, A.S. (2004) An objective multi-criteria evaluation of water management scenarios. Water Resources Management, v. 18, n. 1, p. 35-54. https://doi.org/10.1023/B:WARM.0000015348.88832.52
    » https://doi.org/10.1023/B:WARM.0000015348.88832.52
  • SILVANO, R.A.M; UDVARDY, S.; CERONI, M.; FARLEY, J. (2005) An ecological integri ty assessment of a Brazilian Atlantic Forest watershed based on surveys of stream health and local farmers’ perceptions: implications for management. Ecological Economics, v. 53, n. 3, p. 369-385.
  • VERDONSCHOT, P.F.M. (2000) Integrated ecological assessment methods as a basis for sustainable catchment management. In: JUNGWIRTH, M.; MUHAR, S.; SCHMUTZ, S. (Eds.). Assessing the Ecological Integrity of Running Waters Holanda: Springer. p. 389-412.
  • ZONEAMENTO ECOLÓGICO - ECONÔMICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ZEERJ). Subsídios - Shapes Disponível em: <Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeConteudo?article-id=282959 >. Acesso em: 27 ago. 2011.
    » http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeConteudo?article-id=282959

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2016
  • Aceito
    03 Mar 2017
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br