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Síntese hidrotérmica de zeólitas a partir de cinza volante de carvão mineral: aplicação na adsorção de íon amônio

Hydrothermal synthesis of zeolites from fly ash of mineral coal: application of ion ammonium adsorption

RESUMO

A cinza volante é o principal resíduo industrial do uso de carvão mineral na geração de vapor e energia. No Brasil, são produzidas 1,4 milhão toneladas ao ano. Essas cinzas podem ser convertidas em produtos zeolíticos por tratamento hidrotérmico alcalino. Este trabalho teve como objetivo principal realizar essa conversão hidrotérmica, a fim de obter unicamente fases cristalinas zeolíticas para a adsorção de íon amônio. Realizaram-se diversas sínteses alterando o método utilizado (clássico ou de duas fases), o tempo de reação (24 ou 30 h) e a massa de NaOH. A caracterização dos produtos e da cinza (in natura e calcinada) foi realizada por difratometria de raios X, microscopia eletrônica de varredura e, em alguns casos, análises térmica diferencial e gravimétrica (ATD-TG). Os resultados demonstraram que é possível sintetizar as zeólitas hidroxissodalita e cancrinita a partir da cinza estudada. O produto obtido pelo método de duas etapas foi utilizado na adsorção de íon amônio em solução, sendo, neste processo, o modelo isotérmico de Sips o mais adequado; alcançando um valor de capacidade máxima de adsorção de 2,71 mg.g-1.

Palavras-chave:
síntese hidrotérmica; cinza volante; hidroxissodalita; cancrinita

ABSTRACT

Fly ash is the main industrial waste generated by coal in steam and power plans. In Brazil, 1,4 million tons are produced every year. These ashes can be converted into zeolite products by alkaline hydrothermal treatment. The main objective of this paper was to induce this reaction which produces only zeolitic crystalline phases for ammonium ion absorption. So, some syntheses were done by different hydrothermal method (classical or two stages), work time (24 or 30 h) and many NaOH bulks. The characterization of ash (in natura and calcined) and products was performed by X-ray diffraction method, scanning electron microscopy and, in some cases, differential thermal and thermogravimetric analysis The product by two stages method was used in ammonium ion absorption in solution at Sips Mathematic Model: the highest capacity of 2,71 mg.g-1.

Keywords:
hydrothermal synthesis; fly ash; hydroxy sodalite; cancrinite

INTRODUÇÃO

O aproveitamento de resíduos industriais é uma área de estudos promissora, visto que há necessidade de desenvolvimento e/ou otimização de processos de baixo custo que agreguem valor a esses materiais e promovam a redução de impactos socioambientais, principalmente oriundos do seu acúmulo e da sua disposição inadequada.

A cinza volante é tóxica (PAPROCKI, 2009PAPROCKI, A. (2009) Síntese de zeólitas a partir de cinzas de carvão visando sua utilização na descontaminação de drenagem ácida de mina. 156f. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Tecnologia de Materiais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.) e corresponde a 70% dos resíduos produzidos na geração de vapor e/ou eletricidade a partir de carvão mineral - 1,4 milhão de toneladas ao ano no Brasil (REIJNDERS, 2005REIJNDERS, L. (2005) Disposal uses and treatments of combustion ashes: a review. Resources Conservation and Recycling, v. 43, n. 3, p. 313-336. https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2004.06.007
https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2004...
; IZIDORO, 2013IZIDORO, J.C. (2013) Síntese e caracterização de zeólita pura obtida a partir de cinza volante de carvão. 146 p. Tese (Doutorado em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Materiais) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Universidade de São Paulo, São Paulo.). A conversão desse material aluminossilicatado em zeólitas, feita por meio de reações químicas de síntese (IZIDORO, 2013IZIDORO, J.C. (2013) Síntese e caracterização de zeólita pura obtida a partir de cinza volante de carvão. 146 p. Tese (Doutorado em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Materiais) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Universidade de São Paulo, São Paulo.; PAPROCKI, 2009PAPROCKI, A. (2009) Síntese de zeólitas a partir de cinzas de carvão visando sua utilização na descontaminação de drenagem ácida de mina. 156f. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Tecnologia de Materiais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; FERRET, 2004FERRET, L.S. (2004) Zeólitas de cinzas carvão: síntese e uso. 154 p. Tese (Doutorado em Engenharia) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), pode representar a solução para um expressivo passivo ambiental. Destaca-se que essa utilização de combustível fóssil é a principal no mundo, correspondente a 40% da produção energética; essa realidade deve ser mantida até 2038, segundo a International Energy Agency (IEA) (BRASIL, 2005BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). (2005) Carvão mineral. In: BRASIL. Atlas de energia elétrica do Brasil. 2. ed. Brasília: ANEEL. p. 129-142. Disponível em: <Disponível em: http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas3ed.pdf >. Acesso em: 8 abr. 2015.
http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atl...
).

Entre os métodos de conversão de cinza volante em zeólitas, o mais utilizado é o método de tratamento hidrotérmico alcalino (clássico), que tem um rendimento médio de 50 % e produz uma mistura de diferentes tipos de espécie zeolítica. Há uma variação desse método, um processo de duas etapas em que a mistura cinza-álcali é “fundida” e envelhecida antes de ser submetida ao tratamento clássico. Este método é mais eficiente, pois tem uma alta taxa de conversão e produz materiais com maior pureza (IZIDORO, 2013IZIDORO, J.C. (2013) Síntese e caracterização de zeólita pura obtida a partir de cinza volante de carvão. 146 p. Tese (Doutorado em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Materiais) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Zeólita é um mineral microporoso com potencial para ser utilizado em processos industriais e para auxiliar no combate à poluição das águas e do ar (LUZ, 1995LUZ, A.B. (1995) Zeólitas: propriedades e usos industriais. Rio de Janeiro: CETEM/CNPQ. 35 p. (Série Tecnologia Mineral). Disponível em: <Disponível em: http://www.cetem.gov.br/291-serie-tecnologia-mineral >. Acesso em: 8 abr. 2015.
http://www.cetem.gov.br/291-serie-tecnol...
). Suas principais utilizações são: adsorventes, catalisadores e agentes de troca iônica (PAYRA & DUTTA, 2003PAYRA, P.; DUTTA, P.K. Zeolites: a primer. In: AUERBACH, S.M.; CARRADO, K.A.; DUTTA, P.K. (Orgs.). Handbook of zeolite science and technology. Nova York: Marcel Dekker, 2003. p. 12-30.). A hidroxissodalita e a cancrinita são espécies sintéticas deste mineral que podem ser utilizadas como adsorventes de moléculas polares, como água, amônia, gás hélio e, até mesmo, gás hidrogênio (dependendo das condições do processo), em misturas fluidas (MAIA, 2011MAIA, A.Á.B. (2011) Desenvolvimento do processo de síntese da zeólita A e da sodalita a partir de rejeitos de Caulim da Amazônia com aplicações em adsorção. 148 f. Tese (Doutorado em Geoquímica e Petrologia) - Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, Universidade Federal do Pará, Belém.).

A capacidade de adsorção de amônio dessas zeólitas por troca iônica é altamente seletiva em relação ao íon de interesse e pode evitar a eutrofização de águas. A eutrofização é um fenômeno de degradação da qualidade da água que consiste no enriquecimento por nutrientes, como fósforo e nitrogênio, que proporciona o crescimento de algas tóxicas (cianobactérias), alterando o gosto e o odor da água, além de implicar no aumento do custo de tratamento desta para abastecimento (GALLI & ABE, 2010GALLI, C.S.; ABE, D.S. (2010) Disponibilidade, poluição e eutrofização das águas. In: BICUDO, C.E.M.; TUNDISI, J.G.; SCHEUENSTUHL, M.C.B. (Orgs.). Águas do Brasil: Análises estratégicas. São Paulo: Instituto de Botânica, p. 165-174.). Nesse contexto, a zeólita pode ser aplicada para a descontaminação e, posteriormente, saturada por amônia, utilizada como fertilizante de liberação lenta em atividades agrícolas.

O objetivo geral deste trabalho foi aproveitar a cinza volante, convertendo-a somente em fases zeolíticas, por meio de sínteses hidrotérmicas, para a adsorção de amônia e, assim, contribuir tanto para os estudos de aproveitamento de resíduos industriais quanto para os estudos de recuperação de águas contaminadas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Cinza volante

A cinza volante utilizada neste estudo é um dos resíduos produzidos pela queima de carvão mineral, material produzido na fornalha de leito fluidizado da termoelétrica de autoprodução da refinaria Hydro Alunorte. A fornalha tem a temperatura de combustão entre 850 e 950ºC (ROCHA JUNIOR et al., 2012ROCHA JUNIOR, C.A.F.; SANTOS, S.C.A.; SOUZA, C.A.G.; ANGÉLICA, R.S.; NEVES, R.F. (2012) Síntese de zeólitas a partir de cinza volante de caldeiras: caracterização física, química e mineralógica. Cerâmica, v. 58, n. 2012, p. 43-52.; TEIXEIRA & LORA, 2004TEIXEIRA, F.N.; LORA, E.E.S. (2004) Suprimento energético para termelétricas. In: LORA, E.E.S.; NASCIMENTO, M.A.R. (Orgs.). Geração termelétrica: Planejamento, projeto e operação. Rio de Janeiro: Interciência. p. 63-74.). A composição química dessa cinza consiste, principalmente, em SiO2 (33,72%); Al2O3 (13,32%) e CaO (14,44%) (ROCHA JUNIOR et al., 2012ROCHA JUNIOR, C.A.F.; SANTOS, S.C.A.; SOUZA, C.A.G.; ANGÉLICA, R.S.; NEVES, R.F. (2012) Síntese de zeólitas a partir de cinza volante de caldeiras: caracterização física, química e mineralógica. Cerâmica, v. 58, n. 2012, p. 43-52.).

A calcinação da cinza volante foi feita em forno tipo mufla preaquecido a 650ºC por 2 h, uma vez que a cinza apresenta elevado teor de carbono incombusto, que prejudica o processo de zeolitização.

Sínteses hidrotérmicas de zeólitas

Método clássico

O método clássico, assim como o método de duas etapas, utilizou um equipamento aberto de tratamento hidrotérmico (Figura 1). Os procedimentos desse método tiveram início com uma mistura dos reagentes (NaOH em pérolas, água e cinza calcinada) no balão de três vias, com temperatura de 100ºC e tempo de síntese variável. Posteriormente, o material foi lavado com água destilada por filtragem a vácuo até pH<9; em seguida, foi seco em estufa a 110ºC por 24 h (Figura 2); e armazenado em recipientes de polietileno. Assim, obteve-se dois produtos, SCL 24 e SCL 230, que utilizaram, respectivamente, 65,8 e 132 g de NaOH, além de 24 e 30 h de tempo de reação (Tabela 1).

Figura 1 -
Esquema do equipamento utilizado para a síntese.

Figura 2 -
Fluxograma das etapas da síntese pelo método clássico.

Tabela 1 -
Produtos obtidos pelo método clássico.

Método de duas etapas

As sínteses realizadas sob o método de duas fases seguiram a metodologia adaptada de Izidoro (2013IZIDORO, J.C. (2013) Síntese e caracterização de zeólita pura obtida a partir de cinza volante de carvão. 146 p. Tese (Doutorado em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Materiais) - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Universidade de São Paulo, São Paulo.), de acordo com o procedimento: fusão da cinza calcinada com o NaOH em forno tipo mufla a 550ºC por 1 h; cominuição do material fundido; envelhecimento do material cominuído em água destilada a temperatura ambiente por 16 h, sob agitação constante no próprio equipamento de síntese.

Após o envelhecimento, a reação zeolítica foi realizada a 100ºC pelos tempos de reação de 24 e 30 h, sendo, posteriormente, feito lavagem, secagem e armazenamento, idem ao método clássico (Figura 3). Os produtos obtidos por meio desse método foram: SDF 24, com 65,8 g de NaOH por 24 h; SDF 30, 65,8 g de NaOH por 30 h; SDF 204, 132 g de NaOH por 4 h; SDF 208, 132 g de NaOH por 8 h; SDF 210, 132 g de NaOH por 10 h; SDF 224, 132 g de NaOH por 24 h; e SDF 230, 132 g de NaOH por 30 h (Tabela 2).

Figura 3 -
Fluxograma do método de duas fases.

Tabela 2 -
Produtos obtidos pelo método de duas fases.

Caracterização da cinza volante e produtos

Para a caracterização, todos os produtos citados anteriormente e a cinza volante utilizada, in natura e calcinada, foram submetidos à análise morfológica por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e à análise mineralógica por difratometria de raios X (DRX). O produto da síntese SDF 230 e a cinza in natura também foram submetidos às análises térmica diferencial e gravimétrica (ATD-TG). Também foram feitos ensaios de adsorção do íon amônio (NH4 +) com o produto SDF 230.

Microscopia eletrônica de varredura

A análise morfológica por MEV foi realizada com as amostras em pó sobre fita adesiva dupla-face de carbono, metalização por platina, análise por elétrons secundários de um filamento de tungstênio com voltagens de 5 kV, no equipamento Zeiss modelo LEO1430.

Difratometria de raios X

A análise mineralógica por DRX foi realizada com aproximadamente 0,5 g de cada amostra no difratômetro de raios X modelo X’PERT PRO MPD (PW 3040/60) da PANalytical. A aquisição e o tratamento de dados foram feitos por meio dos softwares fornecidos pelo fabricante do equipamento.

Análises termodiferenciais e termogravimétricas

As ATD-TG foram realizadas com aproximadamente 10 mg de cada amostra em um cadinho de alumina submetido a 1.100ºC, com taxa de aquecimento de 20ºC/min, sob atmosfera inerte. O equipamento utilizado foi do modelo PL Thermal Sciences, com analisador térmico simultâneo STA 1000/1500 da Stanton Redcroft Ltda.

Ensaios de adsorção de íon amônio pelo Método de Nessler

Os ensaios de adsorção do NH4 + foram realizados em duplicata com 50 mL de solução-padrão, preparada a partir de NH4Cl, em agitação magnética com aproximadamente 0,25 g de material zeolítico. Foram feitos ensaios de adsorção em função do tempo, com solução-padrão de 100 ppm, e em função da concentração do meio, por 20 min.

Após o tempo de adsorção, cada sistema solução-adsorvente foi submetido à filtragem a vácuo e cada líquido filtrado foi analisado em um espectrofotômetro da marca Hach DR modelo 2010. O comprimento de onda utilizado foi de 425 nm. Aproximadamente 25 mL das soluções foram transferidos para cubetas. Em seguida, adicionou-se 3 gotas de estabilizador mineral e álcool polivinil, e 1 mL de reagente Nessler. Após o tempo de 1 min de estabilização da solução, foi feita a leitura de NH4 +, em mgL-1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Cinza volante

A Figura 4 mostra o resultado da análise DRX da cinza volante in natura, que indicou a presença das seguintes fases mineralógicas: quartzo (Q, SiO2); anidrita (A, CaSO4); calcita (C, CaCO3); albita ((Na1-0,9,Ca0-0,1)Al(Al0-0,1,Si1-0,9)Si2O8); e gipso (G, CaSO4.H2O). Destaca-se que em outros trabalhos, como de Rocha Junior et al. (2012ROCHA JUNIOR, C.A.F.; SANTOS, S.C.A.; SOUZA, C.A.G.; ANGÉLICA, R.S.; NEVES, R.F. (2012) Síntese de zeólitas a partir de cinza volante de caldeiras: caracterização física, química e mineralógica. Cerâmica, v. 58, n. 2012, p. 43-52.) e Siqueira (2011SIQUEIRA, J.S. (2011) Reciclagem de resíduo a partir de cinzas de carvão mineral: produção de argamassas. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) - Instituto Tecnológico, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química, Universidade Federal do Pará, Belém.), também se observou a presença dessas fases mineralógicas. Na Figura 5, nota-se a morfologia característica de algumas das fases mineralógicas encontradas no DRX da cinza, como a presença de cristais ortorrômbicos de anidrita, cristais euédricos de quartzo e cristais ­romboédricos de calcita.

Figura 4 -
Difratograma da cinza in natura.

Figura 5 -
Micrografia da cinza volante in natura utilizada neste estudo.

As fases calcita, anidrita e gipso estão relacionadas ao sistema de controle de emissões de gases, que ocorre no interior da fornalha. Segundo Rocha Junior et al. (2012ROCHA JUNIOR, C.A.F.; SANTOS, S.C.A.; SOUZA, C.A.G.; ANGÉLICA, R.S.; NEVES, R.F. (2012) Síntese de zeólitas a partir de cinza volante de caldeiras: caracterização física, química e mineralógica. Cerâmica, v. 58, n. 2012, p. 43-52.), a presença de anidrita na cinza é por causa do processo de dessulfuração interna utilizado durante a queima do carvão mineral para o controle de emissões de gases SOx para a atmosfera. A dessulfuração interna acontece por meio da sulfuração do CaO proveniente da decomposição do calcário (principalmente de calcita - CaCO3) queimado com o carvão mineral. O CaCO3 é decomposto e o CaO reage com o SO2 e oxigênio e forma a anidrita (CaSO4) (Equações 1 e 2). O gipso ocorre pela hidratação de cristais de anidrita.

C a C O 3 C a O + C O 2 (1)

C a O + S O 2 + 1 / 2 O 2 C a S O 4 (2)

As ATD-TG (Figura 6) da cinza in natura mostraram a existência de dois picos endotérmicos (End) e um exotérmico (Exo). O endotérmico que ocorre a 130ºC é referente à umidade superficial, e o que ocorre a 800ºC está relacionado à decomposição da calcita. O exotérmico de 400 a 750ºC é atribuído à queima de carvão ainda presente na matriz.

Figura 6 -
Análises termodiferencial e termogravimétrica da cinza volante.

Cinza volante calcinada

Diante da ATD, foi possível adotar a temperatura de calcinação de 650ºC, ideal para eliminar materiais não reativos e manter a maioria das fases mineralógicas cristalinas. A análise por DRX da cinza calcinada confirmou que essa temperatura proporcionou o desaparecimento do gipso, pela desidratação deste mineral, que ocorre entre 300 e 700ºC (BALTAR; BASTOS; LUZ, 2005BALTAR, C.A.M.; BASTOS, F.F.; LUZ, A.B. (2005) Gipsita. In: LUZ, A.B.; LINS, F.F. Rochas e minerais industriais: usos e especificações. Rio de Janeiro: CETEM. p. 699-720.), e manteve a estrutura cristalina da calcita. Maues et al. (2015MAUES, T.C.L.; ROCHA JUNIOR, C.A.F.; RODRIGUES, E.C.; BARBOSA, C.L.R. (2015) Síntese hidrotérmica de hidroxi-sodalita a partir de cinza volante. In: ENCONTRO DE PROFISSIONAIS DE QUÍMICA DA AMAZÔNIA, 14., 2015, Belém. Anais... Belém.) perceberam o desaparecimento desse carbonato pela calcinação dessa mesma cinza a 800ºC.

Produtos das sínteses hidrotérmicas

Sínteses de baixa concentração

As sínteses de baixa concentração (2,5 M de NaOH), pelos métodos clássicos e duas fases, foram realizadas com base nas razões molares de Na2O, Si2O e H2O, em relação ao número de mols de Al2O3, que podem compor os reagentes de uma reação que produz hidroxissodalita a 100ºC (BRECK, 1973BRECK, D.W. (1973) Zeolite Molecular Sieves: structure, chemistry, and use. Nova York: Wiley-interscience.).

Os dois métodos produziram duas fases zeolíticas, a sodalita e a cancrinita, segundo as análises por DRX (Figura 7), mantendo a fase cristalina do quartzo oriunda do material de partida. Os picos da sodalita e da cancrinita são mais intensos no método de duas fases em relação ao método clássico, mas não aumentaram consideravelmente com o tempo (de 24 a 30 h).

Figura 7 -
Difratograma dos produtos SDF 30, SDF 24 e SCL 24.

Sínteses de alta concentração

Os produtos SCL 230 e SDF 230, por DRX, apresentaram as mesmas fases zeolíticas que os produtos citados anteriormente, porém com o desaparecimento da fase cristalina do quartzo. O produto SDF 230 demonstrou picos característicos mais intensos da sodalita e da cancrinita (Figura 8), apesar de a cristalização da cancrinita ser associada a temperaturas entre 200 e 390ºC (BRECK, 1973BRECK, D.W. (1973) Zeolite Molecular Sieves: structure, chemistry, and use. Nova York: Wiley-interscience.; PEÑA & CARLOS, 2002PEÑA, U.; CARLOS, J. (2002) Síntesis de zeolitas a partir de cenizas volantes de centrales termoeléctricas de carbón. 252f. Tese (Doutorado em Enginyeria Minera I Recursos Naturals) - Universitat Politénica de Catalunya, Barcelona.; LIN & HSI, 1995 apudPAPROCKI, 2009PAPROCKI, A. (2009) Síntese de zeólitas a partir de cinzas de carvão visando sua utilização na descontaminação de drenagem ácida de mina. 156f. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Tecnologia de Materiais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). A alta concentração de calcita na cinza utilizada pode ter contribuído com os íons de cálcio e de carbonato para a formação da cancrinita a partir da sodalita (FERRET, 2004FERRET, L.S. (2004) Zeólitas de cinzas carvão: síntese e uso. 154 p. Tese (Doutorado em Engenharia) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).

Figura 8 -
Difratograma dos produtos SCL 230 (linha contínua) e SDF 230 (linha tracejada).

A solubilização do quartzo pode ser atribuída à combinação do método de síntese adotado, da alta concentração de NaOH e do envelhecimento. Este, por si só, não favorece essa destruição nem a formação da sodalita (FERRET, 2004FERRET, L.S. (2004) Zeólitas de cinzas carvão: síntese e uso. 154 p. Tese (Doutorado em Engenharia) - Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), tanto que Rocha Junior et al. (2012ROCHA JUNIOR, C.A.F.; SANTOS, S.C.A.; SOUZA, C.A.G.; ANGÉLICA, R.S.; NEVES, R.F. (2012) Síntese de zeólitas a partir de cinza volante de caldeiras: caracterização física, química e mineralógica. Cerâmica, v. 58, n. 2012, p. 43-52.) promoveu esse evento a 190ºC na mesma concentração de NaOH (5 M) utilizando a metodologia de síntese clássica em modo estático.

A análise morfológica (Figura 9) feita por meio de MEV dos produtos SCL 230 e SDF 230 mostrou a presença de formas esféricas modificadas superficialmente e a formação de cristalizações aciculares associadas à cancrinita, de acordo com os trabalhos feitos por Moraes (2008MORAES, C.M. (2008) Adsorção de cromato em materiais sintetizados a partir de rejeito de caulim do Rio Capim. 82 f. Dissertação (Mestrado em Geoquímica e Petrologia) - Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, Universidade Federal do Pará, Belém.) e Santos (2011SANTOS, S.C.A. (2011) Síntese de zeólitas A e 5A a partir de caulim: uma comparação dos métodos de síntese estático e dinâmico. 112f. Dissertação (Mestrado em Geoquímica e Petrologia) - Instituto de Geociências. Universidade Federal do Pará, Belém.).

Figura 9 -
Produtos SCL 230 (à direita) e SDF 230 (à esquerda).

As ATD-TG realizadas para o produto SDF 230 (Figura 10) mostraram a existência de três picos endotérmicos (End) e um exotérmico (Exo). O pico endotérmico a 70ºC corresponde à perda de água adsorvida superficialmente; o endotérmico a 400ºC, à dessorção da água adsorvida e aprisionada nos poros das zeólitas; e o endotérmico a 700ºC é atribuído à perda da água de cristalização do material. O pico exotérmico a 850ºC é referente à degradação da estrutura cristalina zeolítica. A perda de massa é de aproximadamente 15%.

Figura 10 -
Análises térmica diferencial e gravimétrica do produto SDF 230.

Adsorção de íon amônio

Os ensaios de adsorção em função do tempo (Figura 11) demonstraram que a quantidade de íons adsorvidos estabiliza entre 15 e 40 min, sendo possível adotar o tempo de 20 min como razoável para o estudo de equilíbrio de adsorção utilizando o produto SDF 230.

Figura 11 -
Ensaios de adsorção de amônio em função do tempo.

Os dados de concentração coletados nos ensaios de adsorção foram analisados em relação aos modelos matemáticos (isotermas) de Langmuir, de Freundlich e de Sips, como mostra a Figura 12. Os valores de coeficiente de determinação (R2), as constantes e o erro médio relativo (EMR) para cada modelo estão descritos na Tabela 3.

Figura 12 -
Modelos de adsorção.

Tabela 3 -
Análise dos modelos matemáticos obtidos.

Entre os modelos testados para os dados experimentais obtidos, foi possível perceber que o modelo de Freundlich é o menos adequado a este caso, pois não descreve a maioria dos pontos obtidos e apresenta menor valor para R2 e EMR elevado. O modelo de Langmuir e o de Sips se adequam melhor aos experimentos, apresentando valores de R2 próximos a 1. O modelo de Sips se destaca por ter valores de EMR menores que o modelo de Langmuir (Tabela 3).

Os gráficos de valores preditos e residuais (Figura 13) não apresentaram nenhuma distribuição tendenciosa dos pontos obtidos para cada modelo no intervalo de concentração estudado. No entanto, os pontos referentes ao modelo de Freundlich estão menos distribuídos em torno do eixo das abscissas, ou seja, não apresenta homocedasticidade (variância aproximadamente constante), reforçando que este é o modelo menos apropriado ao material em estudo, entre os modelos considerados.

Figura 13 -
Gráficos entre valores preditos e residuais dos modelos estudados.

CONCLUSÕES

O estudo realizado permitiu algumas conclusões sobre a influência da escolha do método na cristalização de zeólitas e a análise da capacidade de adsorção de NH4 + do produto SDF 230.

A mudança do método não influenciou nas espécies zeolíticas formadas quando a concentração dos reagentes não foi alterada. No entanto, a síntese em alta concentração por duas etapas se diferenciou da síntese clássica correspondente, pois promoveu a destruição dos cristais de quartzo e favoreceu a formação das zeólitas, hidroxissodalita e cancrinita.

Sobre o processo de adsorção, o modelo de Sips é estatisticamente o mais adequado para o produto zeolítico SDF 230, apresentando uma capacidade máxima de adsorção (qm) de 2,709 mg.g-1. Dessa forma, esse produto pode ser uma alternativa para o tratamento de efluentes contaminados com NH4 +. E a aplicação do material zeolítico saturado com o NH4 + como fertilizante de liberação lenta deve ser avaliada em estudos posteriores, a fim de verificar o processo difusivo do íon do solo.

REFERÊNCIAS

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    Reg. ABES: 167685

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2018

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2016
  • Aceito
    03 Jul 2017
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