Análise estatística da caracterização gravimétrica de resíduos sólidos domiciliares: estudo de caso do município de Juiz de Fora, Minas Gerais

Statistical analysis of the gravimetric characterization of household solid waste: a case study from the city of Juiz de Fora, Minas Gerais, Brazil

RESUMO

Parte dos resíduos coletados nos municípios brasileiros ainda são destinados de forma inadequada, resultando em transtornos à qualidade de vida e à saúde pública. Assim, a caracterização gravimétrica dos resíduos é um importante instrumento de gestão integrada, uma vez que permite conhecer quantitativamente as frações geradas. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar estatisticamente a composição gravimétrica dos resíduos sólidos domésticos de Juiz de Fora, Minas Gerais, em função das sete regiões urbanas do município e da renda domiciliar da população. Cerca de 140.500 toneladas de resíduos sólidos domésticos foram coletadas no município em 2015, representando uma geração per capita de 0,7 kg/hab./dia. Foram feitos testes estatísticos de hipóteses a 5% de significância em avaliações comparativas, além de testes de correlação para as frações majoritárias (orgânicos e recicláveis) e as respectivas rendas domiciliares. Os resultados indicaram que a fração de orgânicos corresponde a 43,81% dos resíduos gerados no município, 31,74% são passíveis de reciclagem, 14,36% são resíduos potencialmente contaminantes e 10,10% são rejeitos diversos. Observou-se que o resíduo gerado por famílias de alto poder aquisitivo tende a conter maiores percentuais de recicláveis, enquanto em famílias de menor poder aquisitivo os maiores percentuais tendem a ser de orgânicos. A grande incidência de orgânicos e recicláveis evidencia um potencial a ser explorado, apontando a necessidade de reavaliação da estrutura da coleta seletiva e possível instalação da usina de compostagem, mediante estudo de viabilidade técnica e econômica. Por fim, espera-se que o estudo auxilie o poder público local, norteando o planejamento e o dimensionamento de sistemas de coleta, tratamento e destinação de resíduos, além de projetos de educação ambiental, servindo de modelo para outras municipalidades.

Palavras-chave:
gravimetria; resíduos sólidos domésticos; gestão municipal de resíduos; análise estatística

ABSTRACT

Much of the solid waste collected in Brazilian municipalities is still inappropriately destined, resulting in disorders related to quality of life and public health. Thus, the gravimetric characterization of household solid wastes is an important instrument of integrated management, since it quantitatively indicates the fractions generated. In this sense, the present study aims to analyse statistically the gravimetric composition of solid household waste from Juiz de Fora, Minas Gerais, Brazil, generated in 2015 regarding the seven urban regions of the city and the domestic income of the population. Statistical tests of hypothesis were carried out at 5% significance in comparative assessments, as well as correlation tests for organic and recyclable fractions and their respective domestic incomes. The results indicated that the organic fraction corresponds to 43.81% of the solid waste generated in the municipality, 31.74% is the recyclable fraction, 14.36% to potentially contaminant wastes and 10.10% of others. It was observed a trend of greater generation of recyclables in regions with higher socioeconomic status; on the other hand, regions with a predominance of families with lower incomes there was an increase in organic fraction. The high incidence of organic and recyclable materials indicates a potential to be explored, pointing out the need of re-evaluating the structure of the selective collection and the possible installation of a composting plant by a technical and economical feasibility study. Therefore, it is expected that the study supports the local public power, guiding the plan and design of solid waste collection, treatment and disposal systems, as well as environmental education projects and serving as a model for other municipalities.

Keywords:
gravimetry; domestic solid waste; municipal waste management; statistical analysis

INTRODUÇÃO

As questões relacionadas aos resíduos sólidos (RS) gerados por atividades humanas têm se tornado alvo de grandes preocupações ambientais. O aumento da geração dos resíduos está diretamente relacionado ao crescimento exponencial da população, ao rápido e desordenado processo de urbanização, ao desenvolvimento tecnológico e industrial e, consequentemente, ao aumento do poder aquisitivo e à mudança nos padrões de consumo da sociedade (OENNING et al., 2012). Esses fatores resultam em um incremento na demanda de bens e serviços que, por sua vez, irão gerar uma grande quantidade de RS que, se dispostos de forma incorreta, irão representar grandes riscos à saúde e ao bem-estar da população, bem como ao meio ambiente (FRANCO, 2012).

No Brasil, a disposição dos resíduos no solo, sem qualquer critério técnico para preservação do meio ambiente, é ainda uma prática muito comum. Sabe-se que ainda nos dias de hoje, grande parte dos resíduos produzidos no Brasil é disposta em lixões ou em aterros controlados (ABRELPE, 2014). Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em seu Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, referente ao ano de 2014, 41,6% dos resíduos coletados no Brasil foram destinados de forma incorreta, valor correspondente a 81 mil toneladas diárias de resíduos que ainda são encaminhados aos lixões e aos aterros controlados. De acordo com o mesmo panorama, em Minas Gerais, cerca de 90,8% dos resíduos gerados foram coletados, sendo que, destes, 35,4% tiveram destinação incorreta, valor correspondente a 6 mil toneladas diárias (ABRELPE, 2014).

A correta destinação desses resíduos é um grande desafio enfrentado pela sociedade brasileira nos dias de hoje. Nesse sentido, podemos destacar como marco legal a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto nº 7.404/2010, em que é reunido o conjunto de princípios, objetivos, diretrizes, instrumentos, metas e ações para a gestão integrada e o gerenciamento ambientalmente correto dos RS (BRASIL, 2010a; 2010b). A política determina ainda a elaboração de planos de gerenciamento de RS nos níveis estadual, municipal e regional, bem como do Plano Nacional de Resíduos Sólidos; o estabelecimento de metas para a erradicação de lixões; prevê a elaboração de planos de gerenciamento de RS por partes das empresas; além da implantação da coleta seletiva e da logística reversa (GOUVEIA, 2012).

O gerenciamento dos RS deve-se iniciar pela sua caracterização, uma vez que esta possibilita maior compreensão acerca da quantidade e da qualidade dos resíduos. A obtenção da composição gravimétrica de uma determinada localidade é de grande importância para a avaliação da possibilidade de aproveitamento comercial das frações recicláveis, bem como da fração orgânica para a produção de composto orgânico. Nesse sentido, programas de gestão de resíduos baseados em informações sobre a composição e as condições do mercado para recicláveis tendem a obter maior êxito quando comparados a programas ambiciosos e/ou cópias de outras particularidades. Além disso, quando a gravimetria é realizada por regiões de uma cidade, permite a determinação justa de tarifas de coleta, necessidade de rotas de coleta seletiva e o correto dimensionamento delas, bem como das rotas convencionais (IBAM, 2001).

A composição e a quantidade de resíduos podem variar de uma localidade para outra em função de fatores como sazonalidade, estilo de vida, parâmetros sociais e econômicos, hábitos nutricionais, além de regulamentações vinculadas ao tipo de resíduo e às possibilidades de recuperação dele (OZCAN et al., 2016).

A determinação da composição e da quantidade dos resíduos permite maior conhecimento da realidade da fonte geradora, possibilitando propostas de gerenciamento mais eficientes (VEGA et al., 2008). Além disso, a caracterização gravimétrica subsidia a elaboração de qualquer programa ou projeto relacionado aos RS, sendo, portanto, um importante instrumento de gestão integrada para o município (STREB et al., 2004).

Estudos de caracterização gravimétrica dos RS são amplamente encontrados na literatura, sejam eles de municípios, regiões ou mesmo de instituições, como hospitais e universidades (THANH et al., 2010; MADERS & CUNHA, 2015; SOUZA et al., 2015; SIQUEIRA et al., 2016; ADENIRAN et al., 2017). Tais pesquisas normalmente têm como proposta o conhecimento das características de geração como passo inicial para elaboração de programas de gestão. Apesar disso, é possível notar que muitos autores tratam os dados obtidos na gravimetria sem auxílio de ferramentas estatísticas, o que resultaria em maior confiabilidade e credibilidade nos resultados levantados (SANTOS & MOTA, 2010; OENNING et al., 2012; REZENDE et al., 2013; CAJAIBA & CORREIO, 2016; SAIDAN et al., 2017).

Na literatura, é possível encontrar diversas pesquisas estabelecendo relações entre geração de RS e classe socioeconômica (COSTA et al., 2012; JADOON et al., 2014; KHAN et al., 2016; OZCAN et al., 2016).

Banar e Özcan (2008) realizaram a caracterização dos RS da cidade de Eskisehir, na Turquia, dividindo a área de amostragem em 64 localidades classificadas conforme classes alta, média e baixa. Como resultados, os autores observaram que os percentuais de recicláveis foram maiores em regiões de classe alta, e que os percentuais de resíduos alimentares aumentaram conforme diminuía o nível socioeconômico. Miezah et al. (2015) também realizaram o estudo de caracterização de RS em diferentes regiões administrativas de Gana, África Ocidental, baseando as amostragens em três classes socioeconômicas (alta, média e baixa). Em todos esses estudos a fração de orgânicos foi majoritária.

O estudo de Ogwueleka (2013) avaliou a quantidade e a composição dos resíduos gerados em diferentes grupos socioeconômicos em Abuja, na Nigéria. A avaliação estatística dos dados demonstrou correlação positiva entre a renda familiar e a geração de RS, e negativa entre o tamanho da família e a geração per capita diária de resíduos, nos grupos de classe alta. Além disso, nos grupos de classe média, foi encontrada uma pequena diferença, significativa, entre o tamanho da família e a geração per capita diária de resíduos; já nos grupos de classe baixa não foram observadas diferenças significativas para esses parâmetros.

Os resultados obtidos por Suthar e Singh (2015) demonstraram que a quantidade e a composição dos RS variaram com a classe socioeconômica, sendo a taxa máxima de geração observada nos grupos de maior renda. Além disso, foi observada correlação positiva entre geração de resíduos e tamanho do grupo familiar.

Diante do exposto, o presente trabalho teve por objetivo analisar estatisticamente a composição gravimétrica dos resíduos sólidos domiciliares (RSD) gerados em 2015 na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, com base nas sete regiões urbanas do município e na renda domiciliar da população.

MATERIAIS E MÉTODOS

O município de Juiz de Fora está localizado na mesorregião Zona da Mata Mineira, na região Sudeste do Brasil, no estado de Minas Gerais, a uma latitude de 21º41’20” sul e longitude 43º20’40’’ oeste. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade ocupa uma área de aproximadamente 1.436 km², possui densidade demográfica de 359,59 hab.km² e conta com uma população de aproximadamente 555 mil habitantes (IBGE, 2010). Segundo a classificação de W. Köppen, o município possui clima tropical de altitude, caracterizado por verões quentes e predominantemente chuvosos, e invernos secos com baixas temperaturas (CESAMA, 2010).

O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DEMLURB), órgão responsável pelo gerenciamento dos RS urbanos no município de Juiz de Fora, elaborou e executou o presente estudo de caracterização gravimétrica, em parceria com o Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), responsável pela análise estatística dos dados coletados. A Figura 1 apresenta o fluxograma das etapas metodológicas de coleta e tratamento dos dados.

Figura 1 -
Etapas metodológicas de coleta e tratamento dos dados.

O levantamento dos dados foi feito com base na amostragem dos RS domiciliares do município de Juiz de Fora em bairros previamente selecionados, no período de maio a setembro de 2015. O período de amostragem foi estipulado com base no cronograma de atividades do DEMLUB.

Coleta de dados

A Prefeitura de Juiz de Fora considera o município dividido em sete regiões urbanas de planejamento, sendo elas: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Leste, Oeste e Centro (JUIZ DE FORA, 2014).

A classificação dos bairros com relação à renda familiar foi estabelecida pela adaptação de metodologia preconizada pelo IBGE (2010). Conforme essa metodologia, a população brasileira está dividida em cinco classes (A a E) de acordo com a renda familiar, usando como base o salário mínimo. Vale ressaltar que, para o município de Juiz de Fora, não há bairros que se enquadram na classe A, e que a maioria de seus bairros, aproximadamente 64%, caracterizam-se como de classe D.

De acordo com estimativas do IBGE para o ano de 2010, obtiveram-se informações acerca do número de habitantes de cada bairro da cidade de Juiz de Fora, bem como de suas respectivas rendas domiciliares. De posse desses dados, calculou-se a renda domiciliar média de cada uma das sete regiões de Juiz de Fora, ponderada pelo número de habitantes, a fim de nortear a classificação dos bairros em classes sociais alta, média e baixa.

Feito isso, estabeleceu-se que todas as regiões do município fossem contempladas, a fim de obter-se maior representatividade dos dados, e que a seleção dos bairros para amostragem seria da seguinte forma: um bairro de renda média, com características que mais se assemelhassem às da região, e outros dois bairros, um de renda alta e outro de renda baixa, balizados pela renda domiciliar média de cada região. Foi selecionado um total de 21 bairros para amostragem, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1 -
Bairros contemplados pela amostragem.

Região	Bairro	População*	Renda domiciliar* (R$)	Classe social
Sudeste	Nossa Senhora de Lourdes	7.762	2.036,30	Alta
	Vila Furtado de Menezes	2.562	1.738,70	Média
	Vila Olavo Costa	4.391	1.154,50	Baixa
Sul	Teixeiras	6.940	3.205,27	Alta
	Ipiranga	16.045	1.725,99	Média
	Santa Efigênia	7.669	1.441,35	Baixa
Oeste	Morro do Imperador	1.499	13.284,51	Alta
	Aeroporto	2.168	5.246,43	Média
	São Pedro	14.641	2.483,43	Baixa
Centro	Bom Pastor	6.772	7.433,81	Alta
	Alto dos Passos	4.855	4.703,91	Média
	Vila Ozanan	1.611	1.696,13	Baixa
Leste	São Bernardo	3.649	3.222,90	Alta
	Bonfim	2.917	2.038,33	Média
	Santa Rita de Cássia	6.159	1.310,19	Baixa
Nordeste	Bom Clima	786	7.610,12	Alta
	Eldorado	6.106	2.154,95	Média
	Granjas Bethânia	3.975	1.496,25	Baixa
Norte	Carlos Chagas	1.818	2.461,28	Alta
	Benfica	23.045	1.781,90	Média
	Jardim Natal	5.177	1.408,19	Baixa

• *Dados do IBGE (2010)

Amostragem dos resíduos sólidos domiciliares

A fim de não interferir nos hábitos da população residente nos bairros selecionados, ficou determinado que a rota para amostragem dos resíduos submetidos à caracterização gravimétrica seria no mesmo dia e anterior ao cronograma regular de coleta do DEMLURB. Além disso, as amostras coletadas foram transportadas em caminhão caçamba para evitar que o resíduo sofresse qualquer tipo de compactação.

Com intuito de se obter maior representatividade dos dados, foi estabelecido que a amostragem de cada bairro seria realizada em triplicata, em dias distintos. Desse modo, nos bairros onde a coleta regular do DEMLURB era nas segundas, quartas e sextas-feiras, as amostragens seriam finalizadas em uma mesma semana; nos bairros onde a coleta era nas terças, nas quintas e aos sábados, determinou-se que a amostragem seria realocada para a terça-feira da semana subsequente. Evitaram-se o recolhimento de amostras indevidamente acondicionadas e coletas em dias de chuva forte.

Para contemplar maior área possível dos bairros, estabeleceram-se coletas diurnas feitas seguindo padrão de alternância de 3:1, ou seja, a cada amostra coletada, duas outras subsequentes eram ignoradas. Esse procedimento foi realizado até o total preenchimento da caçamba do caminhão com, aproximadamente, 3 m³ de resíduos.

Caracterização gravimétrica

A metodologia utilizada pelo DEMLURB para coleta e preparo das amostras, bem como a determinação da composição gravimétrica e da densidade delas, foi adaptada das especificações técnicas estabelecidas no Manual Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos elaborado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM, 2001). Além disso, o estudo teve como base orientações da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM, 2015) e trabalhos semelhantes desenvolvidos para outros municípios do país (COSTA et al., 2012; OENNING et al., 2012; REZENDE et al., 2013; SIQUEIRA et al., 2016).

Após a coleta, os resíduos foram transportados para um local plano e livre de umidade. O material foi depositado sobre uma superfície impermeabilizada abrindo-se todas as sacolas, sacos, caixas e outros materiais em que estava acondicionado, e posteriormente revolvido com auxílio de enxadas e garfos, até obter-se um único monte homogêneo. A partir deste, realizou-se a técnica de quarteamento para a obtenção de uma amostra com volume de, aproximadamente, 1 m³, aferido com o auxílio de quatro bombonas de, aproximadamente, 0,25 m³, evitando-se compactações dos resíduos, que posteriormente foram encaminhados para triagem.

Os resíduos foram separados em 20 categorias diferentes, conforme classificação proposta por FEAM (2015), sendo elas: restos de comida; poda; plástico rígido, filme e PET; papel fino e papelão; tetra pak; ferro, alumínio e outros; vidro; material inerte; madeira; borracha; tecido; couro; contaminantes biológico e químico; eletrônicos e rejeitos diversos.

O material segregado foi acondicionado em sacolas plásticas individuais e, posteriormente, cada uma das frações foi pesada com o auxílio de uma balança mecânica. Com a massa das frações, foi possível determinar o percentual de cada uma delas em relação ao montante total, obtendo-se, assim, a gravimetria de cada bairro amostrado. Utilizando a massa das frações e o volume líquido dos resíduos, foi possível ainda o cálculo da densidade das amostras.

Tratamento estatístico dos dados

Utilizando-se do software STATISTICA 8.0 (STATSOFT, 2007), foi feita uma análise estatística dos dados obtidos em campo, considerando-se nível de significância de 5% na realização dos testes.

Primeiramente, verificou-se se a distribuição dos dados se ajustaria a uma distribuição normal; para tanto, realizou-se o teste de normalidade Shapiro-Wilk (SW) com análise descritiva do conjunto de dados. Esse método resulta em um histograma em que a forma de sino caracteriza a distribuição normal ou gaussiana (TORMAN et al., 2012). Nesse teste, foram consideradas as frações de orgânicos e recicláveis das sete regiões, por serem majoritárias em todas as amostras e, consequentemente, de maior interesse.

Verificada a normalidade de ambas as frações, realizou-se o teste paramétrico de análise de variância de classificação simples (Oneway ANOVA), que comparou as médias das frações de orgânicos e recicláveis das regiões, avaliando a existência de diferenças significativas entre elas, adotando-se nível de confiança de 95%. Para realização desses testes, foi feita uma análise crítica estabelecendo o limite de dois desvios padrão para identificação e expurgo de outliers, comumente encontrados em conjuntos de dados ambientais (MILLER, 1993).

Para maior detalhamento das diferenças encontradas entre duas médias específicas, utilizou-se o método de comparação múltipla Tukey, estabelecendo diferentes valores de significância (α) na avaliação de contrastes mais significativos (OLIVEIRA, 2008).

Na avaliação de correlação por meio da regressão linear entre as frações de orgânicos e recicláveis com a variável renda, realizaram-se testes para quantificar a associabilidade entre as variáveis por meio de um coeficiente (R) que indica o grau de relacionamento linear. O teste resulta em um diagrama de dispersão com representação gráfica X-Y (MEDRI, 2011).

Analisando-se as frações de orgânicos e recicláveis, agora em função das classes sociais alta e baixa, realizou-se o Teste t de Student a fim de verificar a existência de diferença significativa entre as médias das frações nas duas classes sociais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise descritiva

Na Tabela 2, estão apresentados os resultados da caracterização gravimétrica dos RSD para as sete regiões urbanas do município de Juiz de Fora, em função das classes sociais. Verifica-se, ainda, na mesma tabela, os resultados de densidade com a obtenção de um valor médio de aproximadamente 115 kg.m^-3.

Tabela 2 -
Caracterização gravimétrica em função das diferentes regiões urbanas e as respectivas classes sociais.

Região	Classe	Densidade (kg.m-3)	Frações (%)
			Orgânicos	Recicláveis	Contaminantes	Outros
			Resíduos de comida Podas	Plástico (filme, rígido, PET) Papel (papelão, Tetrapak) Metal (ferroso, alumínio, outros) Vidro	Biológicos Químicos Resíduos eletroeletrônicos	Inertes Madeira Borracha Tecidos Couro Diversos
Sudeste	Alta	114,2 ± 4,9	49,8 ± 2,7	29,8 ± 3,1	12,9 ± 4,8	7,4 ± 2,2
	Média	104,1 ± 9,2	45,9 ± 5,3	27,9 ± 3,5	16,3 ± 2,2	9,8 ± 4,5
	Baixa	131±36	49,9 ± 8,2	24,9 ± 9,6	16,1 ± 4,3	9,1 ± 3,3
Sul	Alta	88±11	47 ± 11	35,2 ± 8,7	11,5 ± 3,6	6,5 ± 3,0
	Média	112,1±7,7	43,7 ± 4,8	31,2 ± 4,4	13,5 ± 3,7	11,5 ± 4,0
	Baixa	128±29	48,5 ± 6,8	27,6 ± 5,0	14,2 ± 2,4	9,69 ± 0,63
Oeste	Alta	114±14	42,9 ± 1,8	37,2 ± 7,6	13,7 ± 7,5	6,1 ± 2,4
	Média	109±13	44,1 ± 8,3	34,6 ± 4,7	14,0 ± 4,2	7,4 ± 2,0
	Baixa	102±13	42,4 ± 3,3	32,9 ± 7,6	16,1 ± 2,7	8,6 ± 3,1
Centro	Alta	125±11	44 ± 15	37 ± 12	9,66 ± 0,66	9,4 ± 3,5
	Média	110,2±7,2	42,8 ± 7,4	37,9 ± 7,1	12,97 ± 0,71	6,3 ± 1,1
	Baixa	118±20	42 ± 12	32,8 ± 9,0	12,33 ± 0,40	13,3 ± 8,2
Leste	Alta	113±11	43,0 ± 5,7	33,7 ± 1,6	12,1 ± 1,3	11,3 ± 6,8
	Média	122,2±4,7	31,8 ± 8,3	29,6 ± 5,1	16,0 ± 2,3	22,7 ± 6,4
	Baixa	133±22	42,1 ± 5,8	24,4 ± 2,6	19,9 ± 4,0	13,6 ± 4,8
Nordeste	Alta	109±13	43,1 ± 8,2	37,9 ± 5,2	11,3 ± 3,2	7,8 ± 1,5
	Média	126±16	40,2 ± 7,6	29,5 ± 6,0	13,8 ± 1,6	16,5 ± 2,3
	Baixa	131±21	40 ± 11	30 ± 11	20,8 ± 1,2	9,0 ± 4,2
Norte	Alta	111,5±2,6	39,4 ± 5,6	33,8 ± 3,4	18,1 ± 5,0	8,7 ± 1,6
	Média	103±11	42,5 ± 7,3	35,1 ± 6,0	15,15 ± 0,72	7,3 ± 2,1
	Baixa	118±22	50,0 ± 2,7	29,6 ± 1,2	10,5 ± 2,9	9,9 ± 1,8

• Nota: média ± desvio-padrão.

Segundo Barros (2012), a densidade média dos RS soltos no Brasil pode apresentar uma faixa de variação entre 120 e 250 ­kg.m^-3. Observa-se, portanto, que o valor obtido se encontra abaixo da média nacional, indicando grande contribuição da fração de recicláveis e/ou menor incidência da fração de orgânicos. Ainda segundo esse autor, à medida que a produção de resíduos vai se sofisticando, sua densidade solta média diminui em função do incremento no quantitativo de embalagens e objetos volumosos, somado à diminuição de material orgânico, conforme o padrão de países desenvolvidos.

Analisando-se os resultados obtidos na caracterização, percebeu-se que as frações que apresentaram o maior percentual em todas as sete regiões, ou seja, as mais representativas, foram a de orgânicos, composta de restos de comida e poda, e a fração de recicláveis, composta de plástico, papel, metal e vidro. Seguida a essas frações, a fração com maior percentual é a de contaminantes, composta dos contaminantes químicos e biológicos, além dos eletroeletrônicos.

Segundo Williamson (1973), contaminante é qualquer substância adicionada ao meio ambiente que cause um desvio em sua composição geoquímica média, tornando-se um poluente a partir do momento que cause um efeito adverso ao meio. Ainda, de forma mais abrangente, a Resolução nº 420/09 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) conceitua contaminantes como substâncias introduzidas no ambiente por meio de atividades antrópicas, cujas concentrações restrinjam a utilização do recurso natural para os usos atuais ou previstos.

Consolidaram-se os resultados dessas frações em um único gráfico (Figura 2) para a cidade de Juiz de Fora, com a representação das frações de orgânicos, recicláveis, contaminantes e outros.

Figura 2 -
Caracterização gravimétrica referente às frações orgânicos, recicláveis, contaminantes e outros para o município de Juiz de Fora, Minas Gerais.

A partir da análise do gráfico apresentado na Figura 2, é possível observar que a fração média de orgânicos representa 43,81% do total de resíduos amostrados no município e que ela se encontra abaixo da estimativa nacional, que é de aproximadamente 50% (BRASIL, 2012; SNIS, 2016). Além disso, o maior percentual médio observado dessa fração foi na região Sudeste, e o menor na região Leste, sendo eles, respectivamente, 48,15 e 39,34%. Grande parte dos estudos de caracterização gravimétrica encontrados na literatura também obteve como fração majoritária os resíduos orgânicos, demonstrando que o desperdício é ainda uma prática muito comum (AL-KHATIB et al., 2010; OGWUELEKA, 2013; JADOON et al., 2014; EDJABOU et al., 2015; ALKMIN & UBERTO JÚNIOR, 2017).

A fração de recicláveis também foi expressiva, representando 31,74% do total de resíduos amostrados e, comparativamente à média nacional, que é de, aproximadamente, 30%, percebe-se que há uma grande proximidade entre os valores (BRASIL, 2012; SNIS, 2016). Entre os recicláveis, a fração mais expressiva é o plástico, representando, em média, 15,95% do total de resíduos. Essas análises evidenciam um potencial a ser explorado, além da necessidade de reavaliação da estrutura da coleta seletiva no município.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2015), 229.672 toneladas de RS urbanos (domésticos+públicos) foram coletadas em 2015 na cidade de Juiz de Fora, representando uma geração per capita de 1,15 kg/hab./dia, sendo apenas 554,4 toneladas dessa geração recuperada via coleta seletiva (0,24%). Tal percentual encontra-se bem abaixo da média nacional para o ano anterior, uma vez que, do total de 64,4 milhões de toneladas de resíduos urbanos coletados no país, 3,6% foram coletados de forma seletiva (SNIS, 2016).

As principais justificativas apontadas para o resultado do programa na cidade de Juiz de Fora são as transferências de responsabilidades entre empresas, sociedade, catadores e prefeitura, além da própria falta de adesão e comprometimento da população (ARÉAS, 2016). O baixo percentual é, possivelmente, consequência de dificuldades na obtenção de dados de coleta seletiva realizadas por outros meios e associações e que, dessa forma, não são contabilizados.

Uma pesquisa realizada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) mostra que 86% da população brasileira concorda que a reciclagem é um dever de todos, porém apenas 26% dos entrevistados declararam que separam os materiais sempre ou frequentemente. Foram ouvidas 10.368 pessoas entre julho de 2011 e fevereiro de 2012. Desse modo, é possível perceber que apesar dos esforços em criar uma consciência ambientalmente correta na população, e de todo investimento em programas e projetos pautados na preservação do meio ambiente e na sustentabilidade, o Brasil ainda caminha lentamente neste sentido (FGV, 2012).

Análise com base na renda

Em razão da grande diversidade econômica entre os bairros de uma mesma região, optou-se por realizar uma análise pautada exclusivamente nesse fator, contemplando as frações majoritárias: orgânicos e recicláveis. Na Figura 3, está representado graficamente o resultado do teste de correlações entre as frações de orgânicos e recicláveis e a renda domiciliar.

Figura 3 -
Avaliação da correlação entre a geração de resíduos e a renda domiciliar: (A) orgânicos; (B) recicláveis.

Com base nos resultados desse teste, é possível verificar que o coeficiente de correlação R da fração de orgânicos foi igual a -0,0278. Este valor pode ser considerado baixo, uma vez que, quanto mais próximo de zero, menor é a associação entre os dados da correlação (MEDRI, 2011). Apesar disso, o fato de o resultado ser negativo nos indica que há correlação inversa, ou seja, quanto maior a renda, menor a fração de orgânicos presente nos resíduos, corroborando estudos similares (COSTA, 2012). Esse resultado também pode ser decorrente do fato de que famílias com maior poder aquisitivo normalmente não fazem suas refeições em suas residências. Já famílias com menor poder aquisitivo normalmente têm suas refeições feitas na própria residência, justificando os altos percentuais de orgânicos encontrados em seus resíduos (TRANG et al., 2017).

O teste de correlação entre a fração de recicláveis e a renda per capita tem como resultado o valor de R igual a 0,23098, que também pode ser considerado baixo. O resultado positivo indica que existe uma correlação direta entre as variáveis, ou seja, a fração de recicláveis, como variável dependente, cresce proporcionalmente com o aumento da variável renda. Desse modo, o aumento da renda resulta em aumento do poder aquisitivo e, consequentemente, do consumo de bens, sendo que os produtos adquiridos são, muitas vezes desenhados para uso e descarte, incrementando, assim, a fração de recicláveis presente nos RS (CAMPOS, 2012). Resultado similar foi obtido no estudo de Trang et al. (2017), que observou que os resíduos gerados por famílias com maior poder aquisitivo detinham maiores percentuais de recicláveis (papel, plástico, PET) do que de orgânicos.

Analisou-se, ainda, a geração das frações de orgânicos e recicláveis em função das classes sociais alta e baixa. O teste de variância t de Student não indicou diferença significativa entre as classes alta e baixa para ambas as frações. A Figura 4 apresenta graficamente os resultados obtidos nesse teste. Ressalta-se que, para realização dos testes de correlação e variância, os conjuntos de dados avaliados seguem a distribuição normal.

Figura 4 -
Boxplot comparativo entre classes sociais: (A) orgânicos; (B) recicláveis.

Por meio da análise dos gráficos da Figura 4, é possível verificar que as médias da fração de orgânicos para as classes alta e baixa foram próximas, apresentando valores em torno de 45%.

Figura 5 -
Boxplot comparativo para as sete regiões: (A) orgânicos; (B) recicláveis.

Também é possível observar que as médias da fração de recicláveis da classe baixa é inferior à da classe alta, com valores próximos a 29 e 33%, respectivamente. Apesar disso, de acordo com o teste t de Student, não foram encontradas evidências de diferenças significativas entre os grupos analisados a 95% de confiança (p>0,05).

Portanto, com base na análise dos resultados pautados na renda e na classe social, foi possível observar que os RS gerados por famílias com maior poder aquisitivo tendem a conter maiores percentuais de recicláveis, e que os gerados por famílias com menor poder aquisitivo tendem a possuir grandes percentuais de resíduos orgânicos. Tais tendências também foram observadas em estudos de Banar e Özcan (2008) e Costa (2012).

Análise com base nas regiões/bairros

Os resultados do teste de verificação de normalidade Shapiro-Wilk para as frações de orgânicos e recicláveis das sete regiões indicaram que, em ambas, a distribuição dos dados segue a normalidade (p>0,05).

A análise de variância não apontou diferença significativa entre as médias das frações a 5% de significância. Porém, ao considerar nível de significância igual a 26% para a fração de orgânicos, notou-se a primeira diferença significativa que, de acordo com o teste de Tukey, ocorreu entre as regiões sudeste e nordeste. Para a fração de recicláveis, a primeira diferença significativa ocorreu ao adotar significância igual a 11%, entre as regiões sudeste e centro. Desse modo, observa-se que a região Sudeste se destacou com valores extremos para ambas as frações, apresentando maior percentual de orgânicos (48,15%) e menor percentual de recicláveis (27,74%). Ressalta-se que, na realização desses testes, considerou-se o expurgo de três valores de outliers, procedimento comumente adotado na determinação de valores de referência (BARBOUR et al., 2006). As análises descritas encontram-se representadas graficamente na Figura 5.

A partir da interpretação da Figura 5, observa-se que a variação entre mínimos e máximos pode ser considerada grande; isso se deve ao fato das amostragens realizadas em uma mesma região contemplarem bairros com diferentes características socioeconômicas.

Além disso, é possível observar que o maior percentual de recicláveis concentra-se no centro da cidade (36,01%), e que essa região possui baixo percentual de orgânicos comparativamente a outras regiões, corroborando o fato de que a geração de materiais recicláveis em bairros com forte influência comercial e grande fluxo de pessoas é proporcionalmente maior do que a de resíduos orgânicos e rejeitos (STEINER, 2010).

A região oeste possui o segundo maior percentual de recicláveis (34,63%), e tal fato pode ser atribuído à presença de condomínios e residências de alto padrão no bairro Morro do Imperador, uma vez que, em regiões com predomínio de famílias com alto poder aquisitivo e grau instrucional, existe uma tendência ao aumento da geração de materiais recicláveis, conforme observado em resultados anteriores.

De modo análogo, percebe-se que a região sudeste detém o maior percentual de orgânicos (48,15%), seguida da região sul (46,15%), fato que pode ser associado a essas regiões possuírem as menores rendas médias domiciliares da cidade de Juiz de Fora.

Por fim, notou-se o hábito da população em descartar resíduos perigosos (lâmpadas, pilhas, baterias, entre outros) de forma indiscriminada, junto ao RSD, o que indica a necessidade de expansão de postos de coleta e de programas de informação e conscientização sobre o correto manejo deles.

CONCLUSÕES

A análise dos resultados da caracterização dos RSD permitiu verificar que, seguindo a tendência nacional, as frações majoritárias de resíduos na cidade de Juiz de Fora foram orgânicos e recicláveis, representando, respectivamente, 43,81 e 31,74% do total de resíduos amostrados no município. Além disso, as regiões centro e sudeste obtiveram os maiores percentuais de orgânicos (36,01%) e recicláveis (48,15%), respectivamente. O comparativo entre as médias das frações majoritárias das regiões, por meio de análises estatísticas, indicou que não houve evidências de diferenças significativas entre elas, possibilitando assim a apresentação de valores de tendência únicos dessas frações para todo o município. Também não foram identificadas diferenças significativas entre as médias dessas frações na análise entre as classes sociais alta e baixa. Com base na análise estatística dos dados, pode-se inferir que regiões de maior poder aquisitivo e grau instrucional indicam maior tendência na geração de materiais recicláveis. Por outro lado, em regiões onde as famílias possuem baixa renda domiciliar e grau instrucional, verifica-se maior incidência de matéria orgânica nos RSD. Os elevados percentuais de orgânicos e recicláveis presentes na composição dos resíduos indicam o potencial de geração do município e a necessidade de uma eficiente gestão deles. Por fim, cabe destacar a importância de novos estudos e análises para o estabelecimento de uma série histórica que possa embasar estratégias e ações em programas de gestão dos RS do município de Juiz de Fora, com base em um banco de dados robusto. Sugere-se, ainda, a determinação de parâmetros como geração per capita nas diferentes classes sociais, potencial de reciclagem, poder calorífico e teor de umidade dos resíduos, levando em consideração a influência da sazonalidade na gravimetria.

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  Reg. ABES: 177437

FONTE DE FINANCIAMENTO

• Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF e Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Juiz de Fora.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Maio 2019
• Data do Fascículo
  Mar-Apr 2019

Histórico

• Recebido
  22 Mar 2017
• Aceito
  11 Dez 2017