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Saneamento nas embarcações fluviais de passageiros na Amazônia: uma análise de risco ao meio ambiente e à saúde por meio da lógica fuzzy

Sanitation on fluvial passenger ships in Amazônia: an analysis of risks to the environment and to health through fuzzy logic

RESUMO

O transporte fluvial é um dos principais meios de locomoção de pessoas e cargas na Região Amazônica. Este trabalho tem como objetivo principal analisar por meio da Lógica Fuzzy o risco ao meio ambiente e à saúde em relação aos efluentes sanitários das embarcações fluviais de passageiros da Região Amazônica e da água para consumo humano distribuída a bordo. Para alcançar os objetivos, foram feitas coletas de água superficial em pontos específicos do rio Amazonas e da água para consumo humano a bordo durante uma viagem de 830 km entre Santarém (PA) e Belém (PA), em uma embarcação fluvial de passageiros. Os resultados mostraram que as embarcações que operam na linha regular Belém/Santarém/Belém não dispõem de mecanismos de captação, armazenamento e tratamento de efluentes sanitários e da água servida, lançando-os diretamente nos rios. A água consumida pelos passageiros e tripulantes, que foi objeto de estudo, é de péssima qualidade, apresentando 89% de amostras contaminadas por coliformes totais e 84% pela bactéria Escherichia coli. Todas as amostras da água superficial apresentaram contaminação por coliformes totais e E. coli. As estatísticas e o modelo propostos, utilizando a lógica fuzzy, apontaram que o risco para o meio ambiente e para a saúde é muito alto em razão da falta de saneamento nas embarcações fluviais de passageiros na Amazônia.

Palavras-chave:
região Amazônica; embarcação fluvial de passageiros; saneamento; lógica fuzzy

ABSTRACT

Fluvial transportation is one of the main ways of transportation for people and loads in the Amazon region. This work has as its main goal to analyze, through the Fuzzy Logic, the risks to the environment and to people’s health regarding the sanitary effluents of fluvial passengers ships in the Amazon Region, as well as the human consumable water distributed on board. To achieve these goals, superficial water collections in specific points of the Amazonas river and collections of human consumable water on board during a trip of 830 km between Santarém/PA and Belém/PA in a fluvial passenger ship were performed. The results showed that the ship that goes through the regular line Belém/Santarém/Belém does not have any methods of caption, storage and sanitary treatment of the effluents and the water served, throwing dejects directly into the river. The consumable water used by the passengers and the crew on board has a terrible quality, because 89% of the samples were contaminated with total coliforms and 84% with Escherichia coli. All superficial water samples were contaminated by total coliforms and E. coli. Statistics and the Fuzzy Logic model pointed that the risks are very high for the environment and for human health due of the lack of sanitation of these fluvial passenger ships in Amazon.

Keywords:
Amazon region; fluvial passengers ship; sanitary; fuzzy logic

INTRODUÇÃO

Com o aumento das pequenas aglomerações urbanas e o surgimento de cidades médias na Amazônia Legal, foram reveladas as fragilidades da rede urbana relacionadas com o impedimento de fluxo de pessoas, mercadorias e serviços, destacando-se as grandes distâncias e a carência de infraestrutura nos setores de transporte e comunicação e de recursos materiais e educacionais (SATHLER; MONTE-MÓR; CARVALHO, 2009SATHLER, D.; MONTE-MÓR, R.L.; CARVALHO, J.A.M. de. As redes para além dos rios: urbanização e desequilíbrios na Amazônia Brasileira. Nova Economia. Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 11-39, 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-63512009000100002
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).

A extensa malha hidroviária e os reduzidos trechos rodoviários e ferroviários na Região Amazônica fizeram com que o desenvolvimento das cidades ocorresse pelo transporte fluvial, com aumento e escoamento da produção extrativista e abastecimento das cidades ribeirinhas de alimentos e bens manufaturados, além da movimentação de passageiros (PIRES JR.; ASSIS, 2011PIRES JR., F.C.M.; ASSIS, L.F. (2011) Uma análise da importância da regulação econômica do transporte aquaviário de passageiros na Amazônia. Journal of Transport Literature, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 51-69.). Para a grande maioria da população da Região Amazônica, o transporte fluvial é a única alternativa viável (MEDEIROS, 2011MEDEIROS, J.T.S. (2011) O transporte fluvial e o direito à dignidade da pessoa humana na Amazônia. 148 f. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) - Universidade do Estado do Amazonas, Manaus.).

Estudo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) (2013bAGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO (ANTAQ). (2013b) Caracterização da oferta e da demanda do transporte fluvial de passageiros na região amazônica. Relatório executivo. Brasil: Agência Nacional de Transporte Aquaviário. Disponível em: <Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/caracterizacao-da-oferta-e-da-demanda-do-transporte-fluvial-de-passageiros-na-regiao-amazonica/ >. Acesso em: 19 out. 2013.
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) contabilizou 602 embarcações fluviais em 317 linhas regulares. Uma das principais linhas opera entre as duas principais capitais da Região Norte, Belém (PA) e Manaus (AM), com 1.642 quilômetros de distância entre elas. O número de passageiros que utiliza o transporte hidroviário na região é de aproximadamente nove milhões por ano.

Apesar de toda a sua dinâmica e importância, uma embarcação de passageiros apresenta problemas de ordem sanitária e ambiental. As embarcações e os portos brasileiros devem cumprir a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 72, de 29 de dezembro de 2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que trata desde o saneamento básico, que inclui água, esgoto, drenagem, limpeza e resíduos sólidos, até o serviço de alimentação, o serviço médico, a climatização e os vetores (BRASIL, 2009BRASIL. (2009) Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC nº 72, de 29 de dezembro de 2009. Dispõe sobre o Regulamento Técnico que visa à promoção da saúde nos portos de controle sanitário instalados em território nacional, e embarcações que por eles transitem. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.).

Estudo recente de Ferreira (2016FERREIRA, M.A.C. (2016) Uma análise do trecho Manaus-Coari e Manaus-Parintins. Tese (Doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus.) sobre o transporte fluvial por embarcações mistas na Região Amazônica, no trecho Manaus-Coari e Manaus-Parintins, mostrou que tanto o Porto Organizado de Manaus quanto o Porto da Manaus Moderna não oferecem água tratada para as embarcações, e que os armadores coletam a água diretamente do rio. Nesses portos, o motor da embarcação é ligado para sugar a água do rio por meio de uma bomba, que não recebe tratamento e provavelmente contamina o sistema hidráulico. Essa água, imprópria para o consumo, é fornecida durante a viagem e utilizada para preparar comida e para a higiene pessoal, sendo utilizada por todos da embarcação no trecho Manaus-Coari. Já a água potável é comprada de uma embarcação que vende água de poço.

Segundo Ferreira (2016FERREIRA, M.A.C. (2016) Uma análise do trecho Manaus-Coari e Manaus-Parintins. Tese (Doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus.), a má qualidade da manutenção, a incerteza da qualidade e da procedência da água e o descarte de dejetos humanos diretamente nos rios podem representar riscos aos passageiros das embarcações fluviais.

Cassady (2000CASSIDY, M.D. (2000) Risk Analysis of Shipboard Drinking Water Chemical Contaminants. Disponivel em: <Disponivel em: http://www.oldbluewater.com/harbors/waterproject%20Navy%20ships1.pdf >. Acesso em: 10 dez. 2016.
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), estudando a qualidade da água potável em embarcações da Marinha dos Estados Unidos, afirmou que, apesar de os sistemas de distribuição de água em navios e submarinos serem relativamente isolados fisicamente, ainda há riscos de contaminação por produtos químicos e outros materiais perigosos utilizados nessas embarcações. Segundo o autor, a preocupação envolve também a fonte de água utilizada para a produção de água potável, no caso, a água do mar; se está contaminada, por exemplo, com combustível ou óleo, durante o bombeamento pode haver risco associado de contaminação química da água potável como produto final.

Segundo a Portaria nº 2.914 do Ministério da Saúde, de 12 de dezembro de 2011, a água para consumo humano é definida como água potável destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal, sendo seu padrão de potabilidade estabelecido por um conjunto de valores permitidos como parâmetros da qualidade da água que não ofereça risco à saúde (BRASIL, 2011BRASIL. (2011) Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República federativa do Brasil, Brasília.).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os efeitos à saúde humana da transmissão de agentes patógenos pela água variam em gravidade, podendo ser fatais. Além da ingestão direta, a água contaminada pode encontrar outras vias para a transmissão de doenças, como a respiratória (Adenovírus, Enterovírus, Legionella e Micobactéria), o contato com a pele, as mucosas e os olhos (Leptospirose, Micobactéria, Schistosoma e Acanthamoeba spp.) (WHO, 2011WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). (2011) Guidelines for Drinking-Water Quality. 4. ed. Disponível em: <Disponível em: https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/drinking-water-quality-guidelines-4-including-1st-addendum/en/ >. Acesso em: 10 out. 2014.
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).

Com o aumento da população, da industrialização, da agricultura e da poluição, a previsão é de que dois terços da população mundial sofram de alguma maneira pela falta de água, caso não sejam adotados o uso racional e medidas de conservação (TUCCI, 2005TUCCI, C.E.M. (2005) Águas urbanas: interfaces no gerenciamento. In: PHILIPPI JR., A. (Org.). Saneamento, Saúde e Ambiente: Fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri: Manole. p. 375-411.). Uma preocupação mundial é a poluição dos corpos de água, que impõe grandes desafios para a preservação dos recursos hídricos (TEODORO et al., 2013TEODORO, A.; IDE, C.N.; RIBEIRO, M.L.; BROCH, S.A.O.; SILVA, J.B. da. (2013) Implementação do conceito Capacidade de Diluição de Efluentes no modelo da qualidade da água QUAL-MG: estudo de caso no Rio Taquarizinho (MS). Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 275-288.).

A análise de risco é o processo de calcular o risco de perigos identificados, levando em conta determinado cenário, suas possíveis consequências e os impactos à população exposta (BARBARINI, 2012BARBARINI, L.H.M. (2012) Análise de risco para embarcações com sistemas de alarmes com foco nos fatores humanos e organizacionais. 237 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo.). Várias formas de poluição ambiental, como do ar, do solo, da água e dos alimentos, se tornam um típico caso de risco extensivo quando atingem determinadas populações e contaminam os locais em que transitam e vivem (PORTO, 2012PORTO, M.F. de S. (2012) Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz.).

O objetivo deste estudo foi analisar os riscos ao meio ambiente e à saúde em relação aos efluentes sanitários das embarcações fluviais de passageiros da Região Amazônica e água para consumo humano distribuída a bordo. Para a análise desses riscos, o estudo propõe um método com base na lógica fuzzy.

Lógica fuzzy

Na época da Revolução Industrial, as máquinas eram acionadas manualmente, gerando altos custos, o que impulsionou o desenvolvimento dos primeiros sistemas de automação (MARTINS, 2011MARTINS, D.L. (2011) Arquitetura de Controladores Fuzzy em Redes Foundation Fieldbus. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica e de Computação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.). Os controladores fuzzy, inicialmente utilizados em processos industriais nos anos 1970, vêm sendo empregados em vários campos do conhecimento, como os estudos de avaliação da qualidade da água e dos mecanismos de automação de controle (OLIVEIRA et al., 2014OLIVEIRA, M.D. de; REZENDE, O.L.T. de; OLIVEIRA, S.M.A.C.; LIBÂNIO, M. (2014) Nova abordagem do índice de qualidade de água bruta utilizando a lógica fuzzy. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 361-372. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522014019000000803
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).

A lógica fuzzy (lógica nebulosa) diferencia-se dos sistemas lógicos tradicionais por se basear em uma extensão da lógica de valores, com objetivos e usos diferentes. Nessa lógica, a verdade é representada por graus, ou seja, uma proposição pode ser verdadeira, falsa ou ter um intermediário, que pode ser um elemento de um valor de verdade finito ou infinito (ZADEH, 1988ZADEH, L.A. (1988) Fuzzy Logic. Computer. University of California, Berkeley, v. 21, n. 4, p. 83-93.).

Os modelos matemáticos muitas vezes lidam com ambiguidade, abstração e ambivalência ou com fenômenos empíricos, o que pode facilmente ser resolvido pela lógica fuzzy (SILVA, 2008SILVA, M.A. (2008) Aplicação da lógica nebulosa para previsão do risco de escorregamentos de taludes em solo residual. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Por suas características intrínsecas, a lógica fuzzy associa o conhecimento objetivo (de dados numéricos) ao conhecimento subjetivo (de informações linguísticas), abrangendo várias áreas do conhecimento (CAMBOIM; SILVA; GOMES, 2014CAMBOIM, W.L.L.; SILVA, S.A. da; GOMES, H.P. (2014) Aplicação de Técnicas Fuzzy no Controle de Pressão em Sistemas de Abastecimento de Água. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 67-77. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522014000100008
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).

A primeira etapa a ser realizada na lógica fuzzy é a transformação das variáveis do problema que estão em termos linguísticos para valores fuzzy (valores de entrada). Cada valor é então associado a uma função de pertinência que permite obter o grau de possibilidades da proposição (NOGUEIRA, 2010NOGUEIRA, M.A.C.S. (2010) Metodologia de avaliação da qualidade do ruído nos postos de trabalho industriais baseada em lógica fuzzy. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica) - Universidade Federal do Pará, Belém.).

Segundo Coppin (2010 apudALBUQUERQUE FILHO, 2012ALBUQUERQUE FILHO, F.S. (2012) Sistemas Inteligentes Aplicados à Análise de Riscos Ambientais. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento em Processos Ambientais) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife.), a segunda etapa é o processo de inferência fuzzy, do qual fazem parte as funções de pertinência, os operadores lógicos e as regras se-então. Nessa etapa se formula o mapeamento, que consiste na aplicação de um conjunto de regras aos valores de entradas por meio de sensores ou operadores humanos para a obtenção de uma saída quantitativa ou ação.

Segundo Albuquerque Filho (2012ALBUQUERQUE FILHO, F.S. (2012) Sistemas Inteligentes Aplicados à Análise de Riscos Ambientais. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento em Processos Ambientais) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife.), existem dois tipos de processamento de inferência nebulosa: o Mamdani e o Sugeno. A diferença está na etapa final, relativa às funções de pertinências de saída. O Mamdani pode utilizar uma variedade de funções (e.g.: triangular, trapezoidal, gaussiana, etc.) e por isso é mais usado do que o Sugeno, que utiliza funções lineares ou constantes.

A etapa final do sistema traduz os valores da variável linguística de saída inferida pelas regras se-então em um único valor numérico discreto e representativo na distribuição de possibilidades. ­Trata-se, portanto, da transformação inversa da saída do domínio fuzzy para o domínio discreto, utilizando métodos baseados no centroide ou nos valores máximos que ocorrem das funções de pertinências resultantes (SIMÕES; SHAW, 2007SIMÕES, M.G.; SHAW, I.S. (2007) Controle e Modelagem Fuzzy. São Paulo: Edgar Blucher.).

METODOLOGIA

Área e objeto de estudo

O sistema hidroviário da Amazônia, o maior do Brasil, é composto das hidrovias do Solimões-Amazonas, Madeira e Tapajós. Os principais rios navegáveis são: Solimões, com 1.620 km; Amazonas, com 1.508 km; Purus, com 2.449 km; Negro, com 310 km; Branco, com 398 km; Jari e Trombetas, com 110 km cada; Madeira, com 1.052 km; Aripuanã, com 212 km; e Tapajós, navegável por 345 km (ANTAQ, 2013aAGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO (ANTAQ). (2013a) Bacia Amazônica: Plano Nacional de Integração Hidroviária. Relatório Técnico. Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/7078331-Bacia-amazonica-plano-nacional-de-integracao-hidroviaria-relatorio-tecnico.html >. Acesso em: 20 mar. 2014.
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).

O clima na Região Amazônica é tropical úmido, com temperatura do ar entre 24 e 26ºC. A precipitação média anual é de 2.205 mm, contra 1.761 das médias de todas as bacias do Brasil. A vazão média na Região Hidrográfica Amazônica é de 132.145 m3/s e a disponibilidade hídrica, de 73.748 m3/s (ANA, 2013AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). (2013) Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil 2013. Brasil: Agência Nacional de Águas. Disponível em: <Disponível em: http://arquivos.ana.gov.br/institucional/spr/conjuntura/webSite_relatorioConjuntura/projeto/index.html >. Acesso em: 15 fev. 2014.
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).

O estudo buscou investigar a infraestrutura das embarcações fluviais de passageiros que realizam o trajeto Belém (PA)/Santarém (PA)/Belém (PA) no que diz respeito aos sistemas de efluentes sanitários e água servida e aos sistemas de distribuição de água para consumo humano a bordo. Foi realizada também uma viagem de 830 km em uma embarcação fluvial partindo de Santarém em 5 de dezembro de 2014 e chegando a Belém em 7 de dezembro de 2014, com escalas nas cidades de Monte Alegre (PA), Prainha (PA), Almeirim (PA) e Gurupá (PA), com o objetivo de coletar amostras de água superficial do rio Amazonas e de água para consumo humano a bordo.

A embarcação fluvial N/M Rondônia foi escolhida como objeto de estudo por ter capacidade de transportar 838 passageiros, sendo a maior também em transporte de cargas, comportando até 2.800 toneladas, o que permitiu montar um pequeno laboratório para análises microbiológicas em um de seus camarotes. A embarcação foi fabricada em 1980 e tem 56,10 metros de comprimento.

Coletas das amostras de água

Para a utilização da modelagem fuzzy, foi coletada uma única amostra em cada ponto de oferta de água para consumo humano a bordo da N/M Rondônia durante a viagem, totalizando 20 amostras. Para a água superficial foram coletadas 21 amostras, e o porto, o horário e o intervalo das coletas dependiam do município de atracação e do horário de chegada da embarcação, sendo a primeira coleta realizada no porto de Santarém (PA). A segunda coleta foi realizada após a desatracação da embarcação do porto de Santarém (PA), à distância estimada de 500 metros do píer. As outras coletas foram realizadas nos seguintes pontos e/ou fases da viagem:

  • na chegada da embarcação às cidades de escala (a 500 metros do porto);

  • entre duas cidades de escala, no meio do rio, em cujas margens não havia moradias ou atividade antrópica;

  • nos portos das cidades de escala, quando a embarcação já estava atracada.

As coletas eram realizadas pela proa ou pela popa, dependendo da operacionalização das coletas dentro da embarcação. Nas coletas de águas superficiais, que seguiram os procedimentos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) (2011COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (CETESB). (2011) Guia nacional de coleta e preservação de amostras: água, sedimento, comunidades aquáticas e efluentes líquidos. São Paulo: CETESB; Brasília: ANA. Disponível em: <Disponível em: http://arquivos.ana.gov.br/institucional/sge/CEDOC/Catalogo/2012/GuiaNacionalDeColeta.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2016.
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), utilizava-se um balde em inox com capacidade para 5 litros, o qual era lançado às águas e içado por meio de uma corda. Dessa forma, a frequência das coletas ficou em torno de 6 horas entre os portos de Santarém, Monte Alegre, Prainha, Almeirim e Gurupá e Belém, levando-se em conta o tempo de atração da embarcação.

Os pontos de coleta da água superficial (PS) e da água de bordo (PB) são discriminados no Quadro 1, e os pontos georreferenciados das coletas (PS) são ilustrados na Figura 1.

Quadro 1 -
Pontos de coleta da água de bordo da embarcação N/M Rondônia e da água superficial no trajeto Santarém/Belém.

Figura 1 -
Pontos de coleta de água superficial georreferenciados no trecho de Santarém (PA) a Belém (PA).

Determinação dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos

Para a análise das águas foram utilizados os métodos prescritos pela American Public Health Association (APHA) (1995AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA). (1995) Standard methods for the examination of water and wastewater. 19. ed. Washington, D.C.: American Water Works Association and Water Pollution Control Federation. 893 p.). Para os parâmetros físico-químicos utilizaram-se os seguintes equipamentos: um pHmetro de bolso da marca CE; um medidor de sólidos dissolvidos totais (SDT) da marca CE; um turbidímetro 2100P da marca HACH; e um colorímetro em disco da marca PoliControl. Foi empregado o método de extração com solvente, conhecido como método Soxhlet, para a determinação do parâmetro “óleos e graxas”, o único realizado em laboratório particular. Para esse parâmetro foram coletadas seis amostras de águas superficiais retiradas pela popa da N/M Rondônia próximo a cada porto e uma única amostra retirada da torneira da cozinha da embarcação.

Para garantir a integridade da amostra, o tempo entre a coleta e o início de sua análise microbiológica não pode exceder 24 horas, e a água deve ser mantida à temperatura máxima de 10ºC durante o período, não podendo ser congelada. Diante das dificuldades e da impossibilidade de preservar as amostras durante a longa viagem, foi montado um pequeno laboratório a bordo para verificar os parâmetros “coliformes totais” e “Escherichia coli”.

Os equipamentos utilizados foram: uma estufa para cultura bacteriológica ECB 1.1 digital da marca Odontobrás, cuja função é favorecer o crescimento de microrganismos por meio da incubação na temperatura e no tempo adequados; um kit COLItest para análise de coliformes totais e E. coli, fabricado por LKP Diagnósticos, validado pela American Public Health Association/American Water Works Association/Water Environment Federation (APHA/AWWA/WEF) e descrito no Standard Methods for the Examination of Water pelo Instituto Tecnológico de Alimentos - ITAL (Campinas/SP. Laudo de análise nº MB-1836/05); e uma lâmpada com comprimento de onda UV 360 nm, da marca LAB, para testes de E. coli.

Após a coleta e a incubação da amostra a 37ºC, por no mínimo 18 horas, pode-se interpretar os resultados como positivos para coliformes totais quando há mudança de cor roxa para amarela. Se não houver mudança de cor, deve-se aguardar até 48 horas para classificá-los como negativos. Um teste de fluorescência é realizado para as amostras positivas para coliformes totais, por meio de uma lâmpada de luz negra de 3 a 6 w, para verificar a presença de E. coli, e uma prova indol é conduzida para a confirmação da presença da bactéria.

Modelo para análises de riscos utilizando a lógica fuzzy

Para as análises de riscos, foram criados seis modelos de sistemas nebulosos: três para análise do risco ao meio ambiente (Figura 2) e três para análise do risco à saúde dos viajantes das embarcações (Figura 3). O que difere os sistemas nebulosos são as variáveis de entrada e de saída de cada sistema.

Figura 2 -
Lógica fuzzy: sistemas nebulosos para análise de risco ao meio ambiente.

Figura 3 -
Lógica fuzzy: sistemas nebulosos para análise de risco à saúde.

Foram utilizadas apenas as funções de pertinências trapezoidais por se ajustarem melhor ao modelo nas simulações realizadas. O método de inferência utilizado foi o Mamdani, por ser mais usual e mais adequado para a função de pertinência escolhida. Em relação à desfuzzificação, foi utilizada a média do máximo (M-o-M). O software MATLAB®, versão R2013a, foi empregado para a formulação e a operacionalização da lógica fuzzy.

A variável saída do primeiro sistema para avaliar o risco ao meio ambiente e à saúde é “qualidade da água (QAS ou QAB)”, de acordo com a Portaria MS nº 2.914/2011 (BRASIL, 2011BRASIL. (2011) Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República federativa do Brasil, Brasília.) e a Resolução CONAMA 357, de 17 de março de 2005 (BRASIL, 2005BRASIL. (2005) Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.). O segundo sistema foi baseado na metodologia aplicada por Khan (2005 apudALBUQUERQUE FILHO, 2012ALBUQUERQUE FILHO, F.S. (2012) Sistemas Inteligentes Aplicados à Análise de Riscos Ambientais. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento em Processos Ambientais) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife.) para a determinação das consequências ao meio ambiente e à saúde, seguindo escalas conforme a Tabela 1. O terceiro e último sistema nebuloso tem como saída as variáveis “risco ao meio ambiente” e “risco à saúde”, cujas regras se-então na inferência fuzzy seguem uma matriz de riscos, conforme o Quadro 2. Os pontos das funções trapezoidais das variáveis do modelo são apresentados nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 1 -
Variáveis de entrada do segundo sistema nebuloso e suas escalas.

Tabela 2 -
Pontuação da função trapezoidal das variáveis de entrada e saída conforme valores qualitativos.

Tabela 3 -
Pontuação da função trapezoidal das variáveis de saída “risco ao meio ambiente” e “risco à saúde” conforme valores qualitativos da matriz de riscos.

Quadro 2 -
Matriz de riscos para as variáveis de saída “risco ao meio ambiente” e “risco à saúde”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A quantidade de embarcações circulantes na Região Amazônica é difícil de estimar, já que a Capitania dos Portos, órgão responsável pela regulamentação, fiscalização e segurança das embarcações e dos portos hidroviários, tinha em 2009 o cadastro de apenas 27.772 de um total de aproximadamente 50 mil embarcações que atuam na Amazônia ocidental. Segundo o órgão, portanto, quase 50% das embarcações operam na ilegalidade (DAVID, 2010DAVID, R.C.A. (2010) A dinâmica do transporte fluvial de passageiros no estado do Amazonas. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus.).

Segundo a ANTAQ (2013bAGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO (ANTAQ). (2013b) Caracterização da oferta e da demanda do transporte fluvial de passageiros na região amazônica. Relatório executivo. Brasil: Agência Nacional de Transporte Aquaviário. Disponível em: <Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/caracterizacao-da-oferta-e-da-demanda-do-transporte-fluvial-de-passageiros-na-regiao-amazonica/ >. Acesso em: 19 out. 2013.
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), aproximadamente 8.894.208 passageiros (54,9% da capacidade de ocupação) são transportados por ano na Região Amazônica, com potencial de ocupação de 9.948.715 passageiros até 2022 em linhas regulares (317 linhas). O número de viajantes, no entanto, pode estar subestimado, já que o estudo da ANTAQ não conseguiu abranger diversas linhas intermunicipais, de pequena expressão e de transporte eventual, considerando-se a dispersão de linhas e a amplitude territorial da Região Amazônica.

Trinta e uma embarcações fluviais, incluindo oito que operam na linha Belém/Santarém/Belém, foram inspecionadas pela Coordenação de Portos, Aeroportos e Fronteiras do Pará, da ANVISA, no período de 2013 a 2014. Foi constatado que nenhuma embarcação tinha qualquer tipo de equipamento de captação, armazenamento e tratamento de efluentes sanitários e águas servidas e que a capacidade de oferecer água para consumo humano aos viajantes em longas viagens é insuficiente.

A embarcação N/M Rondônia faz captação direta da água do rio, bombeando-a através de um sistema e tanque chamado Hidrofor, com capacidade de armazenamento de 3 mil litros. Esse equipamento capta e reserva em seu tanque cerca de 2.500 litros de água do rio, sem qualquer tipo de filtragem ou tratamento, distribuindo-a para toda a embarcação até seu esgotamento, quando um sensor é acionado, repetindo-se o ciclo. Durante a viagem, cada ciclo durava cerca de 7 minutos para um número de 300 passageiros.

Os resultados das análises de cloro residual em todas as amostras de água de consumo a bordo da N/M Rondônia apresentaram 0 ­mg.L-1, estando, portanto, em desacordo com a Portaria MS nº 2.914/2011 (BRASIL, 2011BRASIL. (2011) Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República federativa do Brasil, Brasília.), que determina como faixa de aceitação o intervalo de 0,2 a 2,0 mg.L-1. Para o parâmetro “óleos e graxas”, todas as amostras de água apontaram a virtual ausência desses compostos, o que está de acordo com as legislações.

Os resultados dos parâmetros “pH”, “SDT” e “turbidez” das amostras de água superficial foram comparados aos valores máximos permitidos pela Resolução CONAMA nº 357/2005 (BRASIL, 2005BRASIL. (2005) Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.) para as águas doces de Classe 2. Para os resultados de “pH”, “SDT” e “turbidez” da água para consumo humano, os valores máximos permitidos tiveram como referência a Portaria MS nº 2.914/2011 (BRASIL, 2011BRASIL. (2011) Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República federativa do Brasil, Brasília.), como pode ser observado na Figura 4.

Figura 4 -
Gráficos de comparação dos parâmetros “pH”, “sólidos dissolvidos totais” e “turbidez” para água superficial e de bordo com suas respectivas legislações.

O pH médio das águas superficiais foi de 6,97 mg.L-1 e o pH médio das águas de bordo, 7,13 mg.L-1, estando todas as amostras em conformidade com as legislações pertinentes. O SDT médio das águas superficiais foi de 47,67 mg.L-1 e o SDT médio das águas de bordo, 124,42 mg.L-1, estando as amostras em conformidade com as legislações.

A turbidez média das águas superficiais foi de 60,41 uT, e uma amostra no meio do rio entre Santarém e Monte Alegre (108 uT) é a única que está em desacordo com a Resolução CONAMA nº 357/2005 (BRASIL, 2005BRASIL. (2005) Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.). A turbidez média da água de bordo foi de 41,48 uT, e apenas 6 pontos (1PB, 3PB, 5PB, 7PB, 17PB e 18PB) estavam de acordo com a Portaria nº 2.914/2011 (BRASIL, 2011BRASIL. (2011) Portaria nº 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República federativa do Brasil, Brasília.).

Análise estatística dos parâmetros físico-químicos

Foram realizados testes de hipóteses para os parâmetros físico-químicos, nos quais foram comparadas:

  • a água superficial com a água para consumo distribuída a bordo;

  • a água de bordo para consumo direto (beber e cozinhar) com a água de bordo para higiene;

  • a água superficial no porto de atracação com a água superficial no meio do rio e a água superficial na chegada às cidades.

Os dados dos parâmetros de cada grupo foram submetidos a teste de normalidade (teste de Shapiro-Wilk), teste de homogeneidade de variâncias (teste de Levene para igualdade das variâncias) e teste de normalidade para os resíduos, a fim de verificar se atendem aos pressupostos de uma distribuição normal e de igualdade de variâncias para a realização de testes paramétricos. Para os dados que não atenderam aos pressupostos, foram realizados testes não paramétricos.

Para os parâmetros físico-químicos entre a água superficial e a água de consumo de bordo, foram realizados testes de hipóteses para comparar suas distribuições utilizando o teste não paramétrico U de Mann-Whitney. Os resultados dos testes indicam que não há diferença significativa na distribuição dos parâmetros físico-químicos entre a água superficial e a água de bordo para consumo humano, com nível de significância de 5%.

Os testes U de Mann-Whitney também indicam que não há diferença significativa, ao nível de 5%, na distribuição dos dados para os parâmetros físico-químicos entre a água de bordo para consumo direto (beber e cozinhar) e a água de bordo para higiene.

Para comparar a distribuição dos dados entre a água superficial no porto, a água no meio do rio e a água na chegada da embarcação às cidades, foram realizados os testes não paramétricos de Kruskal-Wallis para os parâmetros “pH” e “STD”. Os testes indicaram que não há diferença significativa, ao nível de 5%, na distribuição dos dados desses parâmetros físico-químicos entre as localidades da água amostrada.

Para o parâmetro “turbidez”, foi realizada como teste paramétrico uma análise de variância (ANOVA). O resultado do teste F indicou que não existe diferença significativa nas médias de turbidez entre a água superficial do porto, a água no meio do rio e a água na chegada da embarcação às cidades, com nível de significância de 5%.

Análise estatística dos parâmetros microbiológicos

Na Tabela 4 estão distribuídas as frequências dos resultados positivos de amostras de água superficial e de bordo para os parâmetros “coliformes totais” e “E. coli”.

Os resultados revelam que todas as amostras de água superficial estão contaminadas por coliformes totais e pela bactéria E. coli, sem diferenciação entre aquelas colhidas nos portos, no meio do rio ou na chegada da embarcação às cidades.

Tabela 4 -
Número de resultados positivos para parâmetros microbiológicos por tipo de água e por grupos.

Foram realizados testes exatos de Fisher para comparar os parâmetros microbiológicos entre as águas superficiais e de bordo quanto à proporção de coliformes totais e E. coli.

Os resultados mostram que não existe diferença significativa, ao nível de 5%, entre a água superficial e a água de bordo quanto à presença de coliformes totais e E. coli. Também não foi encontrada diferença significativa, ao nível de 5%, entre a água de bordo para consumo direto e a água para higienização dos viajantes quanto à presença de coliformes totais e E. coli.

Estimativas de consumo de água e despejo de efluentes

Durante a viagem na embarcação N/M Rondônia, constatou-se que a água captada diretamente do rio foi utilizada para consumo humano. A estimativa do volume de água captado pelo Hidrofor entre Santarém e Belém foi de 2,5 m3 a cada 7 minutos. Durante as 48 horas de viagem, portanto, foram utilizados aproximadamente 1.028,571 m3 de água, caracterizando um consumo elevado. O consumo doméstico per capita pode variar de 107 l/hab./dia a 211 l/hab./dia, dependendo da renda per capita e da região (CARMO; DAGNINO; JOHANSEN, 2014CARMO, R.L. do; DAGNINO, R. de S.; JOHANSEN, I.C. (2014) Transição demográfica e transição do consumo urbano de água no Brasil. Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 169-190. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982014000100010
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982014...
).

Segundo Sperling (2005SPERLING, M.V. (2005) Princípios do tratamento biológico de águas residuárias: introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. Belo Horizonte: DESA-UFMG. v. 1.), apesar de a produção de esgoto corresponder aproximadamente ao consumo de água, frações de esgoto podem variar influenciadas por vários fatores. Usualmente se utiliza como coeficiente de retorno (R) (proporção da vazão de esgotos em relação à vazão de água) o percentual de 80%.

Utilizando o R em 80%, estima-se que durante 48 horas de viagem com 300 viajantes foram despejados nos rios da Amazônia aproximadamente 822,856 m3 de efluentes sanitários e águas servidas. Cada passageiro, portanto, contribuiu com cerca de 1,371 m3/d.

Segundo a ANTAQ (2013bAGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO (ANTAQ). (2013b) Caracterização da oferta e da demanda do transporte fluvial de passageiros na região amazônica. Relatório executivo. Brasil: Agência Nacional de Transporte Aquaviário. Disponível em: <Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/caracterizacao-da-oferta-e-da-demanda-do-transporte-fluvial-de-passageiros-na-regiao-amazonica/ >. Acesso em: 19 out. 2013.
http://portal.antaq.gov.br/index.php/car...
), as embarcações fluviais transportam diariamente 24.704 passageiros em toda a Região Amazônica. Tomando como base a contribuição diária de efluentes sanitários e água servida aos passageiros da N/M Rondônia, estima-se que 33.869,18 m3 desse material é lançado diariamente pelas embarcações nos rios da Amazônia.

Análise dos riscos ao meio ambiente e à saúde

Os resultados das análises de amostras de água superficial coletadas no trajeto de Santarém (PA) a Belém (PA) e de amostras nos pontos de oferta de água para consumo a bordo da embarcação N/M Rondônia foram aplicados ao modelo proposto utilizando-se a lógica fuzzy, conforme a metodologia apresentada. As outras variáveis também foram utilizadas no modelo: média da população atingida pelos efluentes; estimativa de efluentes e água servida despejados pela embarcação; número de viajantes; e número de horas de viagem dos passageiros. Como resultado, o risco, tanto para o meio ambiente quanto para a saúde, foi muito alto, com valor máximo para o grau de pertinência. Os resultados das variáveis e dos riscos são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5 -
Resultados das variáveis e dos riscos ao meio ambiente e à saúde por meio da lógica fuzzy.

CONCLUSÕES

Os resultados dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos permitem concluir que a água de bordo oferecida aos viajantes da embarcação fluvial N/M Rondônia é de péssima qualidade, já que 89% das amostras estavam contaminadas com coliformes totais, 84% continham a bactéria Escherichia coli e todas revelaram ausência de cloro residual. O problema é maior, visto que nenhuma das embarcações fluviais de passageiros que realizam o trajeto Belém (PA) a Santarém (PA) possui sistema de tratamento de efluentes sanitários nem sistema de tratamento e distribuição de água potável satisfatórios. A água superficial coletada no rio Amazonas durante o trajeto Belém/Santarém apresentou coliformes totais e E. coli em todas as amostras.

O modelo proposto para a análise de riscos, utilizando a lógica fuzzy, indica que tanto o meio ambiente quanto a saúde da população correm risco muito alto quando os rios da Amazônia são seriamente afetados pelo despejo de efluentes sem qualquer tratamento pelas embarcações. Outro ponto crítico é a contaminação cruzada da água para consumo humano, pois está sendo captada água do rio misturada aos efluentes lançados, formando um ciclo recorrente e perigoso. O modelo da lógica fuzzy também apontou risco muito alto à saúde dos viajantes das embarcações em razão da péssima qualidade da água, do elevado número de passageiros e da grande quantidade de horas a bordo.

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  • Reg. ABES: 150122
  • FONTE DE FINANCIAMENTO

    Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    12 Dez 2017
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