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Nitrificação de águas amarelas em leito percolante de areia

Nitrification of yellow waters in bed percolating of sand

RESUMO

O esgotamento sanitário ecológico conscientiza a população sobre a importância do reúso da água com maior eficiência e do uso de efluentes de sistemas de tratamento descentralizados. O presente trabalho descreve os resultados da nitrificação de águas amarelas em reator biológico com a utilização de materiais simples, por exemplo, a areia, como suporte, objetivando tornar esses resíduos líquidos disponíveis para aproveitamento do nitrogênio mineralizado na agricultura sustentável. O monitoramento do sistema foi realizado por meio dos indicadores pH, oxigênio dissolvido (OD), alcalinidade total (ALC), demanda química de oxigênio (DQO), nitrogênio total Kjeldahl (NTK), nitrogênio amoniacal (NA), nitrito (NO- 2) e nitrato (NO- 3). O sistema apresentou boa remoção de matéria orgânica e excelente conversão do nitrogênio para NO- 2 e NO- 3, com eficiência de transformação do NTK para NO- 3 da ordem de 93%.

Palavras-chave:
esgotamento sanitário ecológico; águas amarelas; nitrificação; leito de areia

ABSTRACT

Ecological sanitation awares about the importance of a more efficient water reuse and the use of decentralized wastewater treatment systems. This paper describes the results of yellow waters’ nitrification in a biological reactor made up of simple materials, like sand as support material, aiming to make this liquid waste available for the use of mineralized nitrogen in sustainable agriculture. The experimental system was monitored through pH, dissolved oxygen (DO), total alkalinity (ALK), chemical oxygen demand (COD), total Kjeldahl nitrogen (TKN), ammonia nitrogen (AN), nitrite (NO- 2) and nitrate (NO- 3). The system showed good removal of organic matter and excellent conversion of nitrogen to nitrite and nitrate, with efficiency of transformation of TKN to nitrate of about 93%.

Keywords:
ecological sanitation; yellow waters; nitrification; sand bed

INTRODUÇÃO

A água e o seu ciclo natural são importantes para a sustentabilidade, principalmente em razão do valor econômico e da significância ambiental desse bem. A sua utilização ineficiente, nas diversas atividades antrópicas, tem levado a uma menor disponibilidade do recurso, tornando-o cada vez mais escasso, principalmente para o uso humano e a dessedentação de animais.

A explosão demográfica e a urbanização, principalmente em países em desenvolvimento, levam quantidades cada vez maiores de substâncias para os corpos receptores de água (SRINIVASAN et al., 2013SRINIVASAN, V.; SETO, K.C.; EMERSON, R.; GORELICK, S.M. (2013) The impact of urbanization on water vulnerability: A coupled human-environment system approach for Chennai, India. Global Environmental Change, v. 23, n. 1, p. 229-239. http://dx.doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2012.10.002
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), pondo em evidência as dificuldades na obtenção de efluentes de qualidade das estações de tratamento e a de se ter sistemas de esgotamento eficientes. A poluição das águas causada pelos esgotamentos sanitários é um dos principais fatores de modificação da qualidade e da disponibilidade da água, principalmente nas regiões onde há escassez.

O clima e a pobreza, esta no sentido de que sistemas convencionais de tratamento podem não ser economicamente sustentáveis, são outros fatores muito importantes que influenciam na disponibilidade hídrica, de modo que regiões que apresentam clima árido/semiárido sofrem ainda mais em relação ao acesso de água potável, tanto pela escassez de chuva quanto pelo baixo poder aquisitivo da população dessas regiões (HADADIN et al., 2010HADADIN, N.; QAQISH, M.; AKAWWI, E.J.; BDOUR, A.N. (2010) Water shortage in Jordan - Sustainable solutions. Desalination, v. 250, n. 1, p. 197-202. http://dx.doi.org/10.1016/j.desal.2009.01.026
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; BBC, 2006BBC. (2006) Mapa mostra escassez de água pelo mundo. BBCBrasil.com. Disponível em: <Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/08/060821_faltaaguarelatoriofn.shtml#1 >. Acesso em: 7 dez. 2014.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporter...
).

Esgotamento sanitário ecológico

Todos os indicadores produzidos nas áreas ambiental, econômica e social mostram que o mundo enfrenta uma grave crise de abastecimento de água, e que esta não pode deixar de ser relacionada com a crise de esgotamento sanitário (UNESCO, 2006ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). (2006) Capacity Building for Ecological Sanitation: Concepts for ecologically sustainable sanitation in formal and continuing education. Paris: UNESCO, GmbH.). Com a migração de pessoas da área rural para a urbana, é previsível que a maioria delas fique sem acesso aos serviços básicos, influenciando na qualidade de vida do indivíduo e, principalmente, da coletividade.

O paradigma atual de esgotamento sanitário, surgido nos anos 1870, na Europa, subutiliza a água, considerando-a apenas como veículo transportador das excretas humanas. O esgotamento sanitário ecológico conscientiza a população sobre a importância do reúso da água com maior eficiência e do aproveitamento dos efluentes de sistemas de tratamento descentralizados.

Os sistemas desse novo paradigma devem atender pequenas comunidades e utilizar eficientemente os nutrientes recuperados na produção segura de alimentos, evitando o uso de fertilizantes minerais e, com isso, reduzindo custos.

Segundo Esrey et al. (1998ESREY, S.A.; GOUGH, J.; RAPAPORT, D.; SAWYER, R.; SIMPSON-HÉBERT, M.; VARGAS, J.; WINBLAD, U. (1998) Ecological Sanitation. Stockholm: Swedish International Development Cooperation Agency.), o esgotamento sanitário ecológico é baseado em três aspectos fundamentais: transformação segura das excretas, prevenção da poluição e utilização dos produtos da oxidação da matéria orgânica para fins agrícolas. Esses princípios, quando seguidos, contribuirão para resolver o problema da contaminação pelo contato com excretas, a contaminação por difusão de patógenos no meio ambiente e substâncias eutrofizantes nos corpos hídricos, por meio da higienização e do aproveitamento local dos nutrientes presentes nas excretas na produção de alimentos.

O esgotamento sanitário ecológico busca, de fato, o fechamento do ciclo natural das substâncias, principalmente a água, partindo de uma visão holística e multidisciplinar para aproximar o esgotamento sanitário e a agricultura (LANGERGRABER; MUELLEGGER, 2005LANGERGRABER, G.; MUELLEGGER, E. (2005) Ecological Sanitation - a way to solve global sanitation problems? Environment International, v. 31, n. 3, p. 433-444. https://doi.org/10.1016/j.envint.2004.08.006
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).

Princípio da separação

Esse princípio visa aproveitar melhor os nutrientes e utilizar a melhor técnica para tratar as águas residuárias, utilizar os nutrientes e fechar o ciclo da água e dos nutrientes, com menor perda possível. Ao final, cada um dos efluentes poderá ser utilizado com segurança de acordo com o grau de higienização/estabilização obtido. A importância da devolução da água ao meio ambiente e do aproveitamento dos nutrientes é complementada por segurança alimentar, recuperação do meio ambiente e agricultura sustentável (ESREY et al., 1998ESREY, S.A.; GOUGH, J.; RAPAPORT, D.; SAWYER, R.; SIMPSON-HÉBERT, M.; VARGAS, J.; WINBLAD, U. (1998) Ecological Sanitation. Stockholm: Swedish International Development Cooperation Agency.).

Assim, o esgotamento urbano pode ter seus efluentes separados da seguinte forma: águas de chuva coletadas pelos canais de drenagem; águas marrons (água e fezes); águas amarelas (urina, ou água e urina); águas cinzas (água e saponáceos) provenientes do banho e da lavagem em geral (WERNER et al., 2009WERNER, C.; PANESAR, A.; RÜD, S.B.; OLT, C.U. (2009) Ecological sanitation: Principles, technologies and project examples for sustainable wastewater and excreta management. Desalination, v. 248, n. 1-3, p. 392-401. https://doi.org/10.1016/j.desal.2008.05.080
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). O fechamento do ciclo se dá conforme a Figura 1.

Figura 1 -
Separação e ciclo da água e nutrientes.

Águas amarelas

A urina humana é um resíduo líquido produzido pela filtração do sangue nos rins, sendo rico em compostos de baixo peso molecular (KARAK; BHATTACHARYYA, 2011KARAK, T.; BHATTACHARYYA, P. (2011) Human urine as a source of alternative natural fertilizer in agriculture: A flight of fancy or an achievable reality. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, n. 4, p. 400-408. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2010.12.008
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).

O volume de urina produzido por um indivíduo adulto pode variar de 1 a 1,5 L.dia-1 em oito ou mais micções; em crianças, esse volume diminui pela metade (KARAK; BHATTACHARYYA, 2011KARAK, T.; BHATTACHARYYA, P. (2011) Human urine as a source of alternative natural fertilizer in agriculture: A flight of fancy or an achievable reality. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, n. 4, p. 400-408. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2010.12.008
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; IKEMATSU et al., 2007IKEMATSU, M.; KANEDA, K.; ISEKI, M.; YASUDA, M. (2007) Electrochemical treatment of human urine for its storage and reuse as flush water. Science of the Total Environment, v. 382, n. 1, p. 159-164. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2007.03.028
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).

A composição da urina pode variar de acordo com a alimentação, mas, no geral, apresenta nitrogênio na forma de ureia, fósforo na forma de fosfatos solúveis e outros componentes, como cálcio, magnésio, sódio e potássio (ETTER et al., 2011ETTER, B.; TILLEY, E.; KHADKA, R.; UDERT, K.M. (2011) Low-cost struvite production using source-separated urine in Nepal. Water Research, v. 45, n. 2, p. 852-862. https://doi.org/10.1016/j.watres.2010.10.007
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). Por ano, o volume de urina produzido por uma pessoa pode chegar aos 400 L, representando uma contribuição aproximada de 4,0 kg de nitrogênio, 0,4 kg de fósforo e 0,9 kg de potássio no esgotamento sanitário (ESREY et al., 1998ESREY, S.A.; GOUGH, J.; RAPAPORT, D.; SAWYER, R.; SIMPSON-HÉBERT, M.; VARGAS, J.; WINBLAD, U. (1998) Ecological Sanitation. Stockholm: Swedish International Development Cooperation Agency.).

O volume de urina excretado por dia e as quantidades de nutrientes e fertilizantes disponíveis nesse resíduo despertaram o interesse de vários pesquisadores pelo mundo, principalmente na realização de trabalhos com métodos de higienização/estabilização e recuperação de nutrientes para utilização na agricultura de pequeno porte, utilizando, para isso, metodologias novas, tecnologias já estabelecidas nesse âmbito e combinações destas (ESREY et al., 1998ESREY, S.A.; GOUGH, J.; RAPAPORT, D.; SAWYER, R.; SIMPSON-HÉBERT, M.; VARGAS, J.; WINBLAD, U. (1998) Ecological Sanitation. Stockholm: Swedish International Development Cooperation Agency.; IKEMATSU et al., 2007IKEMATSU, M.; KANEDA, K.; ISEKI, M.; YASUDA, M. (2007) Electrochemical treatment of human urine for its storage and reuse as flush water. Science of the Total Environment, v. 382, n. 1, p. 159-164. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2007.03.028
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; UDERT; WACHTER, 2012UDERT, K.M.; WACHTER, M. (2012) Complete nutrient recovery from source-separated urine by nitrification and distillation. Water Research, v. 46, n. 2, p. 453-464. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.11.020
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).

A água amarela, gerada pelo ato da descarga com o jato de água limpa, pode utilizar um fator de diluição de dez vezes para carrear o resíduo líquido (IKEMATSU et al., 2007IKEMATSU, M.; KANEDA, K.; ISEKI, M.; YASUDA, M. (2007) Electrochemical treatment of human urine for its storage and reuse as flush water. Science of the Total Environment, v. 382, n. 1, p. 159-164. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2007.03.028
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). Assim, torna-se imperativa a utilização de técnicas que facilitem o reúso da água e o aproveitamento dos nutrientes desta.

Nitrificação

A nitrificação é o processo de oxidação de nitrogênio amoniacal (NA) que ocorre em duas etapas principais, tendo como produto final o ânion nitrato (NO- 3). A primeira etapa ocorre pela ação das enzimas amônia mono-oxigenase e hidroxilamina oxidase, liberadas por bactérias do gênero Nitrosomonas, sobre a amônia dissolvida, resultando na produção de nitrito (NO- 2). Na segunda etapa, as bactérias do gênero Nitrobacter liberam a enzima oxirredutase nitroxidase e transformam o NO- 2 em NO- 3, ocorrendo todas essas reações em uma faixa de pH entre 6,5 e 8,0 (NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.).

Uma etapa preliminar que ocorre no tratamento de esgotos, em relação ao ciclo do nitrogênio, é a amonificação. Sem esse processo, realizado pela enzima hidrolítica urease, não seria possível a nitrificação (BARNES; BLISS, 1983BARNES, D.; BLISS, P.J. (1983) Biological Control of Nitrogen in Wastewater Treatment. Nova York: E & F. N. Spon. p. 1-69.; NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.).

A nitrificação da água amarela pode ser um importante processo para a obtenção de um fertilizante ecológico, pois a aplicação direta da urina provoca o aumento do pH, em razão da hidrólise da ureia, tornando o solo impróprio para a agricultura, principalmente pela inibição da atividade microbiana (CARTER, 2007CARTER, M.S. (2007) Contribution of nitrification and denitrification to N2O emissions from urine patches. Soil Biology & Biochemistry, v. 39, p. 2091-2102. http://dx.doi.org/10.1016/j.soilbio.2007.03.013
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).

O aumento do pH também causa perda de NA para a atmosfera por volatilização (SOARES; CANTARELLA; MENEGALE, 2012SOARES, J.R.; CANTARELLA, H.; MENEGALE, M.L.D.C. (2012) Ammonia volatilization losses from surface-applied urea with urease and nitrification inhibitors. Water Research, v. 52, p. 82-89. http://dx.doi.org/10.1016/j.soilbio.2012.04.019
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), tornando-se necessária a sua transformação em formas mais estáveis, como o NO- 3, otimizando a utilização do nitrogênio como nutriente para o crescimento de vegetação (KARAK; BHATTACHARYYA, 2011KARAK, T.; BHATTACHARYYA, P. (2011) Human urine as a source of alternative natural fertilizer in agriculture: A flight of fancy or an achievable reality. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, n. 4, p. 400-408. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2010.12.008
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). A nitrificação das águas amarelas é economicamente proveitosa do ponto de vista agronômico, porque substitui a adubação com ureia ou com sais de amônio por uma com espécie iônica não volátil que permanece por mais tempo disponível no solo como fonte de nitrogênio facilmente assimilável pela vegetação (CRUZ; PELACANI; ARAÚJO, 2006CRUZ, J.L.; PELACANI, C.; ARAÚJO, W. (2006) Efeito do nitrato e amônio sobre o crescimento e eficiência de utilização do nitrogênio em mandioca. Bragantia, v. 65, n. 3, p. 467-475. http://dx.doi.org/10.1590/S0006-87052006000300013
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; PRONK; KONÉ, 2009PRONK, W.; KONÉ, D. (2009) Options for urine treatment in developing countries. Desalination, v. 248, n. 1-3, p. 360-368. https://doi.org/10.1016/j.desal.2008.05.076
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).

A recuperação do nitrogênio da urina tem sido realizada de várias maneiras, conforme relato de diferentes autores. Udert e Wachter (2012UDERT, K.M.; WACHTER, M. (2012) Complete nutrient recovery from source-separated urine by nitrification and distillation. Water Research, v. 46, n. 2, p. 453-464. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.11.020
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) usaram um reator híbrido de membrana e biofilme aerado; Feng, Wu e Xu (2008FENG, D.; WU, Z.; XU, S. (2008) Nitrification of human urine for its stabilization and nutrient recycling. Bioresource Technology, v. 99, n. 14, p. 6299-6304. http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2007.12.007
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), um reator preenchido com anéis de cerâmica para nitrificar a urina e, após esse processo, produzir a alga Spirulina plantensis, que tem grande valor nutricional. A literatura mostra que o filtro intermitente com leito de areia tem sido usado para tratamento de águas residuárias como alternativa econômica aos sistemas convencionais. Com relação às águas amarelas, Pronk e Koné (2009PRONK, W.; KONÉ, D. (2009) Options for urine treatment in developing countries. Desalination, v. 248, n. 1-3, p. 360-368. https://doi.org/10.1016/j.desal.2008.05.076
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) utilizaram essa tecnologia, obtendo, ao final do processo de nitrificação, uma conversão maior que 90% do nitrogênio em NO- 3.

O presente trabalho descreve os resultados da nitrificação de águas amarelas em reator biológico constituído de leito percolante de areia, objetivando contribuir para tornar esse resíduo líquido disponível para aproveitamento do nitrogênio mineralizado na agricultura sustentável.

METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado em dois experimentos diferenciados pela taxa de percolação aplicada. O sistema foi monitorado no período de 24 de abril a 4 de setembro de 2014.

Coleta da urina

A coleta da urina foi realizada em recipientes plásticos de polietileno, com capacidade para 2 L, no banheiro masculino do Laboratório de Saneamento da Unidade Acadêmica de Engenharia Civil, Bloco CV, Campus I, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), estado da Paraíba. O horário da coleta diária variou entre 8 e 9 horas da manhã.

Águas amarelas

A urina coletada foi diluída com água destilada para que resultasse em uma solução de concentração 7,3%. Essa diluição foi feita para simular uma micção de 125 mL/indivíduo e uma descarga de água de 1,6 L, estando dentro dos padrões da literatura (IKEMATSU et al., 2007IKEMATSU, M.; KANEDA, K.; ISEKI, M.; YASUDA, M. (2007) Electrochemical treatment of human urine for its storage and reuse as flush water. Science of the Total Environment, v. 382, n. 1, p. 159-164. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2007.03.028
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).

Reator de nitrificação

O reator de nitrificação foi construído com tubos e conexões de PVC de diâmetro igual a 100 mm. A altura total do reator era de 75 cm, tendo camadas superior e inferior, com 10 cm de espessura, constituídas de brita (diâmetro entre 0,5 e 2 cm), e, entre essas, uma camada de 50 cm de areia (diâmetro efetivo de 2,18 mm e coeficiente de uniformidade de 0,78), previamente peneirada e lavada, como ilustrado na Figura 2.

Figura 2 -
Representação esquemática do reator biológico.

Na parte inferior do tubo, foi instalado um ralo de banheiro, com diâmetro superior de 100 mm e saída de 40 mm; o ralo dava sustentação às camadas de brita e areia. Essa configuração visava à recuperação da oxigenação do meio percolante, por via convectiva, ao facilitar a saída do percolado, evitando a retenção de líquidos. A área circular interna do tubo do reator era de 0,00079 m2, útil para estimativa da vazão a ser utilizada, de acordo com as taxas de aplicação e o procedimento recomendados na Norma Brasileira (NBR) nº 13969 (ABNT, 1997ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). (1997) NBR 13696: Tanques sépticos - Unidades de tratamento complementar e disposição final dos efluentes líquidos - Projeto, construção e operação. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas.).

A coleta do efluente percolado foi feita em recipientes de polietileno transparentes, sempre lavados e enxaguados com água destilada para evitar a modificação da concentração das espécies entre uma alimentação e outra.

Taxa de aplicação

Com base na NBR nº 13969, para a construção de filtros de areia intermitentes (ABNT, 1997ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). (1997) NBR 13696: Tanques sépticos - Unidades de tratamento complementar e disposição final dos efluentes líquidos - Projeto, construção e operação. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas.), a taxa de aplicação utilizada foi de 100 L.m-2.dia-1, para um primeiro experimento (I), e de 200 L.m-2.dia-1, em um segundo experimento (II). Os volumes de alimentação foram de, respectivamente, 0,79 e 1,6 L.dia-1.

Intervalo entre alimentações

Entre alimentações, o reator descansava por um intervalo médio de recuperação da aeração de 16 horas, dado que a percolação do volume de alimentação ocorria em um intervalo de 8 horas, em média. Esse intervalo foi obedecido nos dois experimentos realizados. A vazão de alimentação era verificada a cada duas horas e corrigida, se necessário.

Análises físico-químicas

Para o monitoramento do sistema foram feitas as análises de pH, oxigênio dissolvido (OD), alcalinidade total (ALC), demanda química de oxigênio (DQO), nitrogênio total Kjeldahl (NTK), NA, NO- 2 e NO- 3. Os seis últimos indicadores foram medidos em triplicata, tendo sido determinados com frequência de duas vezes por semana, no experimento I, e três vezes por semana, no experimento II.

As metodologias analíticas são descritas no Standard methods for the examination of water and wastewater (SMWW) (APHA; AWWA; WEF, 1995AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA); AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION (AWWA); WATER ENVIRONMENT FEDERATION (WEF). (1995) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 19. ed. Baltimore: American Public Health Association.), em conformidade com a Tabela 1.

Tabela 1 -
Variáveis utilizadas para monitoramento, conforme Standard methods for the examination of water and wastewater (APHA; AWWA; WEF, 1995AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA); AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION (AWWA); WATER ENVIRONMENT FEDERATION (WEF). (1995) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 19. ed. Baltimore: American Public Health Association.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A variação do pH

O pH das águas amarelas usadas para alimentação do reator apresentou média de 7,2 para o experimento I, e de 6,5 para o experimento II. As variações dessa variável são ilustradas nas Figuras 3 e 4.

Figura 3 -
Variação do pH no experimento I.

Figura 4 -
Variação do pH no experimento II.

A variação do pH da água amarela ocorreu dentro dos padrões de normalidade da excreção fisiológica, pH entre 4,8 e 7,4 (CAHILL; FRY; FOXALL, 2003CAHILL, D.J.; FRY, C.H.; FOXALL, P.J.D. (2003) Variation in urine composition in the human urinary tract: evidence of urothelial function in situ? The Journal of Urology, v. 169, n. 3, p. 871-874. https://doi.org/10.1097/01.ju.0000052404.42651.55
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). Essa variação pode ocorrer em razão das diferentes dietas alimentares dos indivíduos, como a ingestão de proteína animal, influenciando na composição da água amarela e determinando as variações dos níveis de compostos nitrogenados, maiores responsáveis pela variação do pH (SIENER; HESSE, 2002SIENER, R.; HESSE, A. (2002) The Effect of differents diets on Urine composition and the Risk Calcium Oxalate Crystallisation in Healthy Subjects. European Urology, v. 42, n. 3, p. 289-296. https://doi.org/10.1016/S0302-2838(02)00316-0
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).

O pH do efluente do reator, para os experimentos I e II, variou conforme Figuras 3 e 4, respectivamente. Nos primeiros dias de operação do reator, o sistema apresentou aumento do pH resultante da amonificação da água amarela. Quando da aclimatação da comunidade de bactérias, pode ser notado um decréscimo substancial, resultado do consumo do NA.

O pH do reator também se situou, para o experimento I, de acordo com os valores necessários para o desenvolvimento das bactérias nitritantes e nitratantes. No experimento II, o pH se manteve acima de 8, fora da faixa de pH preferida das bactérias nitrificantes (NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.; CARTER, 2007CARTER, M.S. (2007) Contribution of nitrification and denitrification to N2O emissions from urine patches. Soil Biology & Biochemistry, v. 39, p. 2091-2102. http://dx.doi.org/10.1016/j.soilbio.2007.03.013
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).

As condições de pH, a temperatura no reator e a vazão do afluente no experimento I permitiram o desenvolvimento de um biofilme nitrificante que consumia o NA afluente e, consequentemente, reduzia os valores de pH medidos do efluente.

Oxigênio dissolvido

O OD para o afluente teve valor médio de 6,6 e 1,2 para os experimentos I e II, respectivamente. As variações sazonais influenciam na dieta dos indivíduos que, por sua vez, excretam mais ou menos sais em sua urina. Maior concentração de sais pode influenciar na dissolução do oxigênio; além disso, outros fatores, como o tempo de descanso da água destilada depois de sua obtenção, pode influenciar na concentração de oxigênio no afluente. O efluente do reator apresentou as médias 5,0 e 3,6 para os experimentos I e II, respectivamente. Essas concentrações afluentes demonstraram a capacidade de oxigenação do líquido por parte do meio suporte e, ainda, que o oxigênio tinha concentração maior que 2 mg.L-1, suficiente para os processos oxidativos da matéria orgânica e a nitrificação (BARNES; BLISS, 1983BARNES, D.; BLISS, P.J. (1983) Biological Control of Nitrogen in Wastewater Treatment. Nova York: E & F. N. Spon. p. 1-69.; NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.; VAN HAANDEL; MARAIS, 1999VAN HAANDEL, A.; MARAIS, G. (1999) O Comportamento do Sistema de Lodo Ativado: Teoria e Aplicações para Projetos e Operação. Campina Grande: Epgraf.). As variações de OD no efluente e no afluente, nos experimentos I e II, são ilustradas nas Figuras 5 e 6, respectivamente.

Figura 5 -
Oxigênio dissolvido do experimento I.

Figura 6 -
Oxigênio dissolvido do experimento II.

Os baixos níveis de oxigênio e a presença de material nitrogenado oxidado, principalmente NO- 3, podem ter gerado condições de desnitrificação, mas esse processo se caracteriza pelo aumento da alcalinidade, e isso não foi observado nos resultados entre afluente e efluente. Além disso, concentrações de OD iguais ou acima de 0,2 mg.L-1 são capazes de inibir a redução a nitrogênio inorgânico por via biológica. Os resultados atestam a predominância de nitrificação.

Para a taxa de aplicação duplicada do experimento II, a concentração de oxigênio no efluente, por muitas vezes, ficou abaixo do limite de 2 mg.L-1, recomendado para evitar a inibição da nitrificação.

Remoção de matéria orgânica

A variação de matéria orgânica, em termos de DQO, é ilustrada nas Figuras 7 e 8. A depleção do oxigênio causada pela remoção da DQO pode influenciar nos outros processos, por isso a importância da monitoração desse indicador em reatores de nitrificação (BARNES; BLISS, 1983BARNES, D.; BLISS, P.J. (1983) Biological Control of Nitrogen in Wastewater Treatment. Nova York: E & F. N. Spon. p. 1-69.; VAN HAANDEL; MARAIS, 1999VAN HAANDEL, A.; MARAIS, G. (1999) O Comportamento do Sistema de Lodo Ativado: Teoria e Aplicações para Projetos e Operação. Campina Grande: Epgraf.).

Figura 7 -
Comportamento da demanda química de oxigênio no experimento I.

Figura 8 -
Comportamento da demanda química de oxigênio no experimento II.

No experimento I, houve remoção média de 43% da DQO, enquanto no experimento II a remoção foi de 75%, mostrando que, para remoção de matéria orgânica, a taxa maior aplicada do afluente levou a uma maior eficiência.

No processo de remoção da matéria orgânica são envolvidos outros mecanismos além dos biológicos, como a adsorção e a filtração, e, portanto, a passagem lenta viabiliza a dessorção de matéria da superfície dos grãos de areia para o seio do líquido. A dessorção é inversamente proporcional à vazão.

O acúmulo de matéria orgânica é evidenciado em algumas circunstâncias destacadas na Figura 7, na qual, ocasionalmente, a DQO no efluente é maior que no afluente. Em razão do processo de filtração (adsorção/dessorção) da matéria orgânica, foi possível observar, no efluente, material não oxidado remanescente. Além disso, ocorreu também o acúmulo de biofilme no meio percolante, o qual pode causar obstruções. A colmatação do sistema, quando da aplicação da segunda taxa, experimento II, confirma a importância desses processos na retenção da matéria orgânica pela filtração do afluente.

Variação da alcalinidade

A alcalinidade do sistema está intrinsecamente relacionada com o processo de nitrificação. A sua variação para sistemas com presença de compostos de amônio indica transformação ou volatilização de NA; se forem detectadas no efluente concentrações consideráveis de NO- 2 e NO- 3, então o sistema está realizando o processo de mineralização por nitrificação. No caso das águas amarelas, a alcalinidade presente no sistema se dá pela decomposição da ureia em amônia, que, por sua vez, solubiliza-se em água e aumenta a alcalinidade do sistema.

Nas Figuras 9 e 10 é ilustrada a variação da alcalinidade do sistema nos experimentos I e II, respectivamente.

Figura 9 -
Comportamento da alcalinidade no experimento I.

Figura 10 -
Comportamento da alcalinidade no experimento II.

É claramente perceptível o aumento dos valores da alcalinidade no intervalo entre 29 de abril e 19 de maio, para o experimento I, em razão da maior ação da urease e da fase inicial de desenvolvimento da comunidade bacteriana. No caso do experimento II, a alcalinidade permaneceu alta no efluente resultante do acúmulo de NA no meio relacionado à inibição da oxidação pelas nitrificantes. De fato, é a atividade nitrificante a grande responsável pelos níveis de ALC no efluente do sistema, em ambos os experimentos, e níveis elevados de alcalinidade são indicadores de menor atividade de bactérias nitrificantes, como é o caso do experimento II. Após o pico, no experimento I, os níveis de alcalinidade começam a decrescer, resultado do consumo no processo de nitrificação pelo biofilme nitrificante. No experimento II, os níveis de alcalinidade não foram reduzidos entre a alimentação e a saída do filtro, o que indica a inibição do filme biológico nitrificante.

As alcalinidades máximas foram de, aproximadamente, 1650 e 1800 mg CaCO3.L-1, equivalentes a potenciais de geração de NO- 3 de 231 e 251 mg N.L-1, respectivamente, nos experimentos I e II.

Variação do nitrogênio total Kjeldahl

O comportamento do NTK é ilustrado nas Figuras 11 e 12. O reator foi alimentado com concentrações médias de 551 e 706 mg N.L-1, nos experimentos I e II, respectivamente.

Figura 11 -
Comportamento do nitrogênio total Kjeldahl no experimento I.

Figura 12 -
Comportamento do nitrogênio total Kjeldahl no experimento II.

Os gráficos dos experimentos I e II demonstram claramente, de modo análogo ao que ocorreu com a variável DQO, que o aumento da taxa de aplicação provocou retenção de NTK. A maior taxa de aplicação do experimento II diminui o tempo de contato entre o meio percolante e o líquido, mas promove maior retenção do material nitrogenado na forma de amônia, em comparação aos resultados obtidos no experimento I.

A amônia reage com prótons (H+) da água formando íon amônio e adsorvendo com maior força sobre a superfície dos grãos de areia. Esse tipo de adsorção de cátions em meios percolantes provoca atrasos na passagem da massa de íons pela coluna de areia (LI et al., 2016LI, H.; WEI, J.; GE, Y.; WANG, Z.; WANG, Y.; LI, Y. (2016) The influence of Na+ and Ca2+ on the migration of colloids or/and ammonia nitrogen in an unsaturated zone medium. Journal of Contaminant Hydrology, v. 194, p. 24-29. https://doi.org/10.1016/j.jconhyd.2016.10.002
https://doi.org/10.1016/j.jconhyd.2016.1...
). Quando não há reação química ou reações químicas promovidas por organismos biológicos, os processos de adsorção e de dessorção são equivalentes no equilíbrio e a variação da concentração no efluente é igual àquela do afluente.

Variação do nitrogênio amoniacal

O sistema foi alimentado com concentrações médias de 67 e 55 mg N.L-1, e as concentrações médias de saída foram de 280 e 447 mg N.L-1 para os experimentos I e II, respectivamente, sendo essas concentrações efluentes diretamente relacionadas às concentrações afluentes de NTK. As variações de NA, nos experimentos I e II, são ilustradas nas Figuras 13 e 14, respectivamente.

Figura 13 -
Comportamento do nitrogênio amoniacal no experimento I.

Figura 14 -
Comportamento do nitrogênio amoniacal no experimento II.

Variação do nitrito

A concentração de NO- 2 afluente tende a ser muito próxima de zero, já que a presença desse íon na urina é incomum. No afluente, deu-se uma pequena concentração em função do intervalo de coleta da urina e preparação da alimentação dos reatores. A variação de concentração nos experimentos I e II é ilustrada nas Figuras 15 e 16, respectivamente.

Figura 15 -
Comportamento do nitrito NO2 no experimento I.

Figura 16 -
Comportamento do nitrito NO2 no experimento II.

As concentrações médias de alimentação foram de 0,22 e 0,11 mg N.L-1, e as de saída, 120,00 e 0,86 mg N.L-1, para os experimentos I e II, respectivamente. As condições de pH e oxigenação do meio não favoreceram as reações de nitritação no experimento II.

As maiores concentrações efluentes de NO- 2 demonstram que as condições de pH, o OD e a alcalinidade foram melhores para a atividade das bactérias nitrificantes no experimento I em relação ao experimento II. Neste caso, o tempo de intermitência foi insuficiente para oxigenar o meio, e os altos valores de pH inibiram a atividade das nitrificantes. Estequiometricamente, foram consumidos, em média, 860 mg CaCO3.L-1 de alcalinidade para a geração da concentração média de NO- 2 do experimento I.

Variação do nitrato

As concentrações médias afluentes do reator foram de 2,04 e 1,47 mg N.L-1, e as concentrações de saída, 264,7 e 3,85 mg N.L-1, para os experimentos I e II, respectivamente, sendo suas variações representadas nas Figuras 17 e 18.

Figura 17 -
Comportamento do nitrato no experimento I.

Figura 18 -
Comportamento do nitrato no experimento II.

As concentrações de NO- 3 no experimento I atingiram picos de mais de 700 mg N.L-1 que, estequiometricamente, demandaram alcalinidades de aproximadamente 5.000 mg CaCO3.L-1. Tais concentrações de NO- 3 só foram possíveis em razão do acúmulo de nitrogênio dentro do reator. Dessa forma, torna-se perceptível a retenção de nitrogênio dentro da coluna de percolação.

Relações entre indicadores selecionados do processo de nitrificação no tratamento de águas amarelas

A presença de NO- 3 no efluente foi verificada a partir do primeiro dia de monitoramento, até mesmo pelo fato de a alimentação já apresentar certa quantidade da espécie química. No entanto, as concentrações mais elevadas (acima de 10 mg N.L-1) só começaram a aparecer a partir do 14º dia de alimentação. Os dados confirmaram o que a literatura discorre sobre a maior lentidão no desenvolvimento das bactérias nitrificantes (VAN HAANDEL; MARAIS, 1999VAN HAANDEL, A.; MARAIS, G. (1999) O Comportamento do Sistema de Lodo Ativado: Teoria e Aplicações para Projetos e Operação. Campina Grande: Epgraf.; BARNES; BLISS, 1983BARNES, D.; BLISS, P.J. (1983) Biological Control of Nitrogen in Wastewater Treatment. Nova York: E & F. N. Spon. p. 1-69.; NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.).

O valor da concentração subiu até atingir um pico de 710 mg N.L-1, aproximadamente dois meses depois de iniciado o experimento I. O acúmulo de amônia no reator permitiu maior disponibilidade de nitrogênio para ser oxidado - isso é mostrado pelos valores de nitrogênio nitrificado somado à concentração média efluente NTK de 551 mg N.L-1. A hidrólise do material nitrogenado e o acúmulo de amônia no sistema, para a taxa de aplicação do experimento I, foram suficientes para fornecer alcalinidade e nível de pH necessários à ocorrência das reações de oxidação do NA. Resultados semelhantes foram obtidos por Feng, Wu e Xu (2008FENG, D.; WU, Z.; XU, S. (2008) Nitrification of human urine for its stabilization and nutrient recycling. Bioresource Technology, v. 99, n. 14, p. 6299-6304. http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2007.12.007
http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.200...
), trabalhando com taxas de aplicação bem menores.

À taxa de aplicação de 100 L.m-2.dia-1, o pH efluente do sistema se manteve em valores acima de 8, durante o período de desenvolvimento da nitrificação (14 primeiros dias de operação). Para a taxa de 200 L.m-2.dia-1, do experimento II, foram observadas alterações significativas nos fatores relacionados à ecologia das bactérias nitrificantes, tais como aumento da quantidade de NA disponível dentro do sistema, aumento da competição bacteriana por OD e aumento de pH, levando à redução da nitrificação (NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.; BARNES; BLISS, 1983BARNES, D.; BLISS, P.J. (1983) Biological Control of Nitrogen in Wastewater Treatment. Nova York: E & F. N. Spon. p. 1-69.), com concentrações médias de saída de NO- 3 bem próximas das concentrações encontradas no período de adaptação do experimento I, abaixo dos 10 mg N.L-1.

A alcalinidade, que, para o experimento I, mostrou variação esperada para processos de nitrificação entre a alimentação e a saída, não se confirmou com a segunda taxa, que manteve valores de saída da ordem de 1.500 mg CaCO3.L-1. Portanto, não houve desenvolvimento da nitrificação no experimento II.

Como já discutido, a redução da nitrificação, para a taxa de aplicação do experimento II, tem relação com a maior degradação da matéria orgânica e residual de oxigênio insuficiente para a manutenção da condição de aerobiose. Os gráficos do OD e da DQO, bem como o comportamento da transformação do NA em NO- 3, parecem descrever que o filme biológico mais degradou a matéria orgânica que oxidou nitrogênio.

Os indicadores NO- 3, pH e alcalinidade do efluente do sistema, para o experimento I, demonstraram o bom desempenho de uma comunidade de bactérias nitrificantes, estabelecida no filtro, capaz de oxidar a carga de nitrogênio presente na água amarela. Mesmo competindo com a comunidade heterotrófica pelo oxigênio, as nitrificantes só tiveram sua atividade limitada no experimento II, em razão de fatores decorrentes da alta carga orgânica afluente.

No experimento I, a concentração efluente de amônia decresceu, ao passo que a concentração de NO- 3 aumentou até o estabelecimento de condições estacionárias na comunidade de organismos nitrificantes. Após o desenvolvimento dessa comunidade, a concentração média de NA no efluente foi de 243 mg N.L-1. Para o experimento II, a inibição da nitrificação ficou evidente, e a concentração de amônia no efluente permaneceu sem grande variação, com média de 447 mg N.L-1.

No experimento I, após o período de aclimatação, a concentração de NO- 2 apresentou média de 168 mg N.L-1; tal quantidade dessa espécie química indica a ocorrência de nitrificação parcial (KARAK; BHATTACHARYYA, 2011KARAK, T.; BHATTACHARYYA, P. (2011) Human urine as a source of alternative natural fertilizer in agriculture: A flight of fancy or an achievable reality. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, n. 4, p. 400-408. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2010.12.008
http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.20...
; NUNES, 2011NUNES, J.A. (2011) Tratamento Biológico de Àguas Residuárias. 2. ed. Aracaju: J. Andrade.). A indisponibilidade de oxigênio no sistema inibe a oxidação de NO- 2 a NO- 3, confirmado pela quantidade de NO- 2 presente no efluente. A eficiência de oxidação foi obtida pela diferença entre a concentração efluente e afluente de NO- 2 e também de NO- 3, ambas somadas e divididas pela concentração de NTK médio afluente. A quantidade de nitrogênio oxidado para NO- 2 e NO- 3, após a fase de aclimatação, foi de 349,7 mg N.L-1, e a média de NTK afluente foi de 551 mg N.L-1. Com base na relação desses dois valores médios, foi estimada a eficiência de 93% na conversão de nitrogênio em produtos mineralizados.

Não ocorreu expressiva oxidação de nitrogênio no experimento II, e o NTK presente sofreu apenas a ação da hidrólise pela urease. A porcentagem de amônia no NTK passou de 7,8%, no afluente, para 77%, no efluente. O restante do nitrogênio do afluente se acumulou dentro do reator ou pode ter sido volatilizado na forma de amônia, conforme os trabalhos de Soares, Cantarella e Menegale (2012SOARES, J.R.; CANTARELLA, H.; MENEGALE, M.L.D.C. (2012) Ammonia volatilization losses from surface-applied urea with urease and nitrification inhibitors. Water Research, v. 52, p. 82-89. http://dx.doi.org/10.1016/j.soilbio.2012.04.019
http://dx.doi.org/10.1016/j.soilbio.2012...
) e Udert e Wachter (2012UDERT, K.M.; WACHTER, M. (2012) Complete nutrient recovery from source-separated urine by nitrification and distillation. Water Research, v. 46, n. 2, p. 453-464. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.11.020
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), em razão da manutenção do alto pH.

Quanto às características da água amarela nitrificada, seu valor agrícola deve ser observado. Amônia e NO- 3 podem, por sua vez, ser de grande valor nutricional para o crescimento de vegetação. As concentrações de NO- 3 podem favorecer a fertilização do solo e, embora a amônia seja utilizada mais facilmente, em altas concentrações é tóxica e volatiliza. A nitrificação permite a mineralização e a maior permanência do nitrogênio no solo (ERHART; HARTL; PUTZ, 2005ERHART, E.; HARTL, W.; PUTZ, B. (2005) Biowaste compost affects yield, nitrogen supply during the vegetation period and crop quality of agricultural crops. European Journal of Agronomy, v. 23, n. 3, p. 305-314. https://doi.org/10.1016/j.eja.2005.01.002
https://doi.org/10.1016/j.eja.2005.01.00...
).

CONCLUSÕES

O leito de areia mostrou-se bom substrato sólido para nitrificação de águas amarelas. A taxa de aplicação de 100 L.m-2.dia-1, mais conservadora, permitiu o desenvolvimento de condições ambientais mais adequadas ao desenvolvimento do nicho ecológico das bactérias nitrificantes, resultando na obtenção de significativas concentrações de NO- 3.

A taxa de aplicação de 200 L.m-2.dia-1, por outro lado, mais promoveu a remoção de matéria orgânica do que a oxidação de nitrogênio. A matéria orgânica foi removida por oxidação, exaurindo o oxigênio do meio e inibindo a nitrificação, e por retenção/filtração.

Em altas taxas de aplicação da água residuária, o processo de filtração é mais importante que o processo de oxidação biológica no leito intermitente com relação à remoção de material orgânico e nitrogenado.

Altas taxas de aplicação não permitem a reoxigenação, a intermitência não é suficiente para desumidificar o meio.

O sistema de nitrificação usando areia como suporte pode ser utilizado e operado para obtenção de fertilizante líquido para utilização em culturas hidropônicas ou para aplicação em solo.

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    Reg. ABES: 143919

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2014
  • Aceito
    17 Maio 2018
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