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Avaliação de bacias de detenção de águas pluviais implantadas no município de São Carlos (SP), Brasil

Assessment of rainwater detention basins located in the municipality of São Carlos (SP), Brazil

RESUMO

O processo de urbanização e a impermeabilização do solo provocam alterações no balanço hídrico, gerando maior percentagem de escoamento superficial, com o aumento da frequência e da magnitude de inundações. Para mitigar esses impactos, podem ser implantadas bacias de detenção (BD) que diminuem os picos de vazão. Este trabalho teve como objetivo avaliar as BD implantadas no município de São Carlos (SP), por meio de variáveis relativas a aspectos físicos, de gestão e integração urbana (posição, isolamento, conservação, uso, enchimento/ esvaziamento, processos construtivos, manutenção, custos). Para tanto, foram realizadas visitas in loco a cada uma das 26 unidades identificadas, em momentos com e sem evento de precipitação. Também foram consultados os projetos de drenagem e foram feitas entrevistas com agentes envolvidos. Como resultado, observou-se que todas as unidades previam somente a função hidrológica, que vem sendo atendida na medida em que ocorre o enchimento e posterior esvaziamento por meio de orifício de fundo em menos de 24 horas (exceto em três casos onde somente há infiltração no solo). Não há preocupação de integração com o espaço urbano nem de se encontrarem outros usos para o espaço ocupado pelas unidades. Observou-se uma tendência de falta de manutenção frequente, com crescimento excessivo de vegetação, principalmente naquelas sob gestão pública. Os custos obtidos de implantação variaram em torno de valores mencionados na literatura. Mesmo considerando que o controle hidrológico está sendo atendido, recomendam-se melhorias quanto à manutenção, bem como uma mudança de paradigma na concepção das BD, que passe a prever usos múltiplos.

Palavras-chave:
bacias de detenção; técnicas compensatórias; controle de cheias; manejo de águas pluviais; drenagem urbana

ABSTRACT

The accelerated urbanization process, together with a disordered occupation of the land, causes changes in the water balance, generating a greater percentage of surface runoff and increasing the frequency and magnitude of floods. As a measure to mitigate these impacts, detention basins (DB) are implemented in the urban environment to reduce the peak flow. This study aimed to evaluate the DB built in São Carlos (SP), Brazil, through established variables related to physical as well as management and urban integration aspects (position, insulation, conservation, use, filling/emptying, construction processes, maintenance, costs). For this purpose, on-site visits were made to each of the 26 identified units, with or without precipitation events. Drainage projects were also consulted and interviews were conducted with agents involved in the issue. Results showed that all units serve only a hydrological function, through the filling and subsequent emptying of stored water by means of a bottom hole in less than 24 hours (except in three cases where there is only soil infiltration). There is no concern about integration with the urban space or about finding other uses for the space occupied by the units. There is a tendency of lack of frequent maintenance, with excessive vegetation growth, especially in units under public management. The costs of implementation vary around values mentioned in the literature (between R$ 50 and R$ 25/m3). Although hydrological control is being provided, improvements in maintenance are recommended, as well as a paradigm shift in design that allows for multiple uses for DB.

Keywords:
detention basins; compensatory technics; flood control; stormwater management; urban drainage

INTRODUÇÃO

O processo de urbanização gera problemas na drenagem urbana ao aumentar a frequência das inundações, pelo aumento na impermeabilização do solo e a ocupação das várzeas. Essas inundações podem levar a consequências que vão desde grandes perdas materiais até a perda de vidas humanas. O aumento das superfícies impermeáveis causa alterações no balanço hídrico, com maiores picos de vazão, velocidades e volumes do escoamento superficial, além de afetar a qualidade das águas dos corpos receptores pelo carreamento de sedimentos e resíduos (TUCCI, 2012TUCCI, C.E.M. Gestão da Drenagem Urbana. Brasília: Cepal / Ipea, 2012. 50 p.).

As soluções propostas pelo sistema de drenagem tradicional, que busca acelerar o escoamento da água pluvial por meio de tubulações, canais revestidos e outros elementos constituintes tanto da microdrenagem como da macrodrenagem, têm-se mostrado limitadas, além de muitas vezes transferirem o problema para áreas de jusante. Esta tem sido a motivação para a busca de soluções alternativas, entre elas as chamadas “técnicas compensatórias” (TC), que começaram a ser desenvolvidas e aplicadas em diversos países, sobretudo a partir dos anos 1970. Inicialmente, elas visavam ao controle dos picos de cheias, mas passaram a incluir outros objetivos, como armazenamento e aproveitamento das águas pluviais, infiltração e recarga de aquíferos, controle qualitativo das águas pluviais, manutenção de áreas verdes e com fins paisagísticos (RIGHETTO, 2009RIGHETTO, A.M. Manejo de águas pluviais urbanas. Edital 5, PROSAB. Rio de Janeiro: ABES, 2009. 396 p.; BAPTISTA; NASCIMENTO; BARRAUD, 2015BAPTISTA, M.B.; NASCIMENTO, N.O.; BARRAUD, S. Técnicas Compensatórias em Drenagem Urbana. 2. ed. Porto Alegre: Ed. ABRH, 2015. 318 p.).

Segundo os autores supracitados, o sucesso da compensação dos efeitos da urbanização pelo uso das TC depende de sua correta implantação e operação. Para isso, devem-se ter em conta diferentes aspectos sanitários, econômicos, sociais, urbanísticos e ambientais, motivo pelo qual a escolha das TC mais adequadas para cada situação pode se tornar uma atividade complexa.

No Brasil, a partir da década de 1990, começou a abordagem do modelo compensatório de drenagem, principalmente nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (BAPTISTA; NASCIMENTO; BARRAUD, 2015BAPTISTA, M.B.; NASCIMENTO, N.O.; BARRAUD, S. Técnicas Compensatórias em Drenagem Urbana. 2. ed. Porto Alegre: Ed. ABRH, 2015. 318 p.). Assim, o uso das TC ainda é relativamente recente, mas vem-se ampliando em diversos municípios. Entre as mais difundidas estão as bacias de detenção (BD), trincheiras, poços e planos de infiltração, algumas já previstas em legislações específicas.

As BD são estruturas para o controle do escoamento pluvial por meio de armazenamento de água numa depressão, geralmente feita por meio de escavação. Com a restrição na saída de água, consegue-se diminuir a vazão a jusante, igualando as condições atuais às de pré-urbanização, sem exceder a capacidade do sistema de drenagem. Além disso, as BD, quando possuem tempos de detenção adequados, podem melhorar a qualidade da água pela sedimentação dos sólidos presentes (LAWRENCE et al., 1996LAWRENCE, A.I.; MARSALEK, J.; ELLIS, J.B.; URBONAS, B. Stormwater detention & BMPs. Journal of Hydraulic Research, v. 34, n. 6, p. 799-813, 1996. https://doi.org/10.1080/00221689609498452
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; BAPTISTA; NASCIMENTO; BARRAUD, 2015BAPTISTA, M.B.; NASCIMENTO, N.O.; BARRAUD, S. Técnicas Compensatórias em Drenagem Urbana. 2. ed. Porto Alegre: Ed. ABRH, 2015. 318 p.).

Além do controle da vazão de pico e da retenção de poluentes, as BD podem trazer outros benefícios, como a diminuição da erosão nas margens dos corpos d’água e a diminuição na quantidade de outras infraestruturas de drenagem (incluindo eventual tratamento da água). Por outro lado, são apontadas desvantagens, como os custos de implantação e necessidades de manutenção, além da ocupação de áreas urbanas valorizadas. Menciona-se também que as BD podem ser objeto de rejeição pelos moradores, sobretudo quando não possuem boas condições de conservação e envolvem questões negativas de ordem ambiental (LAWRENCE et al., 1996LAWRENCE, A.I.; MARSALEK, J.; ELLIS, J.B.; URBONAS, B. Stormwater detention & BMPs. Journal of Hydraulic Research, v. 34, n. 6, p. 799-813, 1996. https://doi.org/10.1080/00221689609498452
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; NAKAZONE, 2005NAKAZONE, L.M. Implantação de reservatórios de detenção em conjuntos habitacionais: a experiência da CDHU. 305f. Dissertação (Mestrado em Engenharia) – Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005.; NASCIMENTO; BAPTISTA; SPERLING, 1999NASCIMENTO, N.O.; BAPTISTA, M.B.; SPERLING, E.V. Problemas de Inserção Ambiental de Bacias de Detenção em Meio Urbano. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 20., 1999. Anais […]. 1999. p. 2242-2250.; RIGHETTO, 2009RIGHETTO, A.M. Manejo de águas pluviais urbanas. Edital 5, PROSAB. Rio de Janeiro: ABES, 2009. 396 p.; TUCCI, 2005TUCCI, C.E.M. Gestão das Inundações Urbanas. Porto Alegre: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2005. 175 p.). Segundo Lee e Li (2009LEE, J.S.; LI, M. The impact of detention basin design on residential property value: Case studies using GIS in the hedonic price modeling. Landscape and Urban Planning, v. 89, n. 1-2, p. 7-16, 2009. https://doi.org/10.1016/j.landurbplan.2008.09.002
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), as BD que apresentam uma função de multipropósito, como áreas de lazer, geram impacto positivo no valor da propriedade localizada no seu entorno, podendo ocorrer o inverso nos casos em que o objetivo é somente o controle de cheias, sobretudo associado a efeitos visuais negativos.

Para que a implantação das BD seja feita de maneira adequada e seus resultados sejam os melhores possíveis, é importante conhecer e avaliar experiências já ocorridas, identificando aspectos positivos e negativos. Assim, a presente pesquisa teve como objetivos caracterizar e avaliar as BD implantadas em São Carlos, estado de São Paulo, município de médio porte cuja legislação prevê a obrigatoriedade do controle do escoamento pluvial para novos empreendimentos urbanísticos, sendo as BD a solução mais comum. Assim, uma avaliação das estruturas já implantadas contribui para que o seu desempenho possa ser verificado e melhorado, fornecendo diretrizes para o uso em outros municípios.

METODOLOGIA

Área de estudo

Este estudo foi aplicado no município de São Carlos, localizado na região central do estado de São Paulo (Figura 1), que possui temperatura média anual de 19.6°C, com precipitação média anual de 1.512 mm, população estimada para 2019 de cerca de 240 mil habitantes e área urbana de 67.25 km2. O grau de urbanização atual da população urbana do município de São Carlos é de 96%, valor estável desde o ano 2010 (IBGE, 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). São Carlos: panorama. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-carlos/panorama. Acesso em: 18 abr. 2018.
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; SEADE, 2018FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE). Perfil dos munícipios paulista. Disponível em: https://perfil.seade.gov.br/. Acesso em: 18 abr. 2018.
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).

Figura 1
Localização do município de São Carlos.

O município de São Carlos está conformado por 10 bacias hidrográficas, sendo a mais importante neste estudo a do Córrego do Monjolinho, onde se localiza a maior parte da mancha urbana. A ocupação da bacia hidrográfica do Monjolinho foi caracterizada pela canalização e tamponamento dos córregos, sendo ocupadas as zonas naturais de escoamento pelas diversas construções, sem levar em conta a integração do córrego com a paisagem urbana. Como consequência, têm aumentado as inundações na zona urbana associadas a eventos de precipitação de alta intensidade (LIMA, 2017LIMA, M.C.P.B. Processos urbanos em São Carlos, SP: duas bacias hidrográficas, dois momentos. In: ENANPUR, 17., 2017. Anais […]. São Paulo, 2017. p. 1-20.). Mendes e Mendiondo (2007MENDES, H.C.; MENDIONDO, E.M. Histórico da Expansão Urbana e Incidência de Inundações: O Caso da Bacia do Gregório, São Carlos - SP. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 12, n. 1, p. 17-27, 2007. https://doi.org/10.21168/rbrh.v12n1.p17-27
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) destacam que, na década de 1970, foram feitas obras paliativas e pontuais para mitigar os impactos das chuvas, porém não foram adotadas medidas de prevenção e controle na fonte, nem se fez uma atuação na bacia como um todo, como parte do manejo das águas pluviais.

Com a elaboração do Plano Diretor Municipal de São Carlos do 2005, por meio da Lei n° 13.691, de 25 de novembro de 2005 (SÃO CARLOS, 2005SÃO CARLOS. Lei n° 13.691, de 25 de Novembro de 2005. Estabelece o Plano Diretor do Município de São Carlos (Revogado) (PMSC). São Carlos, 2005.), passou-se a implantar BD no município com o objetivo de manter o valor da vazão de escoamento igual ao das condições de pré-urbanização, conforme estabelecido no Art. 103. No ano de 2016, foi feita uma revisão desse plano, que deu lugar ao Plano Diretor Municipal de 2016 por meio da Lei n° 18.053, de 19 de dezembro de 2016 (SÃO CARLOS, 2016SÃO CARLOS. Lei n° 18.053, de 19 de Dezembro de 2016. Estabelece o Plano Diretor do Município de São Carlos (PMSC). São Carlos, 2016.), o qual manteve as mesmas considerações do Art. 103 a respeito da vazão de escoamento a ser controlada.

O Plano Municipal de Saneamento de São Carlos (PMSSanCa) define as responsabilidades relacionadas à drenagem pluvial. O referido sistema é gerenciado pela Secretaria Municipal de Obras Públicas (SMOP), cabendo à Secretaria Municipal de Serviços Públicos (SMSP) exercer os serviços de limpeza e manutenção pública, incluindo a manutenção das áreas verdes, nas quais muitas vezes estão localizadas as BD.

Avaliação das bacias de detenção

Para a avaliação das BD implantadas no município de São Carlos, foram adotadas variáveis propostas anteriormente por Vicente (2015)VICENTE, T.Z. Análise de uso, apropriação e integração urbana das técnicas compensatórias em drenagem na cidade de Ribeirão Preto-SP. 318f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015. e Peroni (2018)PERONI, C.S.L. Avaliação do desempenho e da inserção urbana de Bacias de Detenção de águas pluviais implantadas em Araraquara, SP. 179f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018., com pequenas adaptações. O Quadro 1 apresenta as variáveis e parâmetros usados.

Quadro 1
Variáveis para a avaliação das variáveis para a avaliação das bacias de detenção.

Essas variáveis foram avaliadas por meio de pelo menos duas visitas in loco a cada uma das unidades, tanto em dias chuvosos quanto em dias sem chuva. Foram identificadas as características físicas (localização, dimensões, estruturas existentes) e de funcionamento (enchimento, esvaziamento, presença de lâmina d’água, erosão, vegetação, resíduos). Adicionalmente, foram estabelecidos para análise os aspectos constantes no Quadro 2.

Quadro 2
Variáveis adicionais para a avaliação das variáveis adicionais para a avaliação das bacias de detenção.

Para contribuir para a avaliação, foram realizadas ao longo do ano de 2018 entrevistas com sete agentes identificados no decorrer da pesquisa, procurando-se obter os pontos de vista de empreendedores, construtores, poder público e representantes dos usuários: um engenheiro projetista, um técnico de construtora, um técnico de empreendedora, dois profissionais da prefeitura municipal responsáveis pela aprovação dos projetos, um gerente e um síndico de condomínios horizontais. As entrevistas foram semiestruturadas, seguindo um roteiro cujas perguntas visavam à obtenção de informações para a caracterização das variáveis, mas com liberdade de manifestação dos entrevistados por meio de conversa pessoal.

Por fim, foram abordados os aspectos de projeto das BD, por meio de consulta aos processos de aprovação dos empreendimentos correspondentes ao período de 2005 a 2018, fornecidos pela Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SMHDU). Obtiveram-se dados sobre concepção, dimensionamento e eventuais orientações quanto ao funcionamento das unidades.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foi localizado e avaliado o total de 26 unidades no município de São Carlos, sendo 23 BD e três sistemas de bacias de detenção (SBD), estes últimos constituídos de duas ou mais BD. A Figura 2 apresenta a localização de cada uma dessas unidades.

Figura 2
Localização das unidades de detenção no município de São Carlos.

Nota-se que as unidades estão localizadas em áreas próximas ao perímetro urbano, por terem sido implementadas para empreendimentos mais recentes, e na direção norte, para onde o vetor de expansão urbana está sendo direcionado pelo Plano Diretor.

No Quadro 3, apresenta-se a avaliação das unidades identificadas com base nos critérios e parâmetros previamente definidos. Adotou-se uma numeração aleatória a cada uma das unidades para evitar sua identificação precisa.

Quadro 3
Avaliação das unidades de detenção visitadas.

Cada uma das BD foi avaliada em visitas in loco, tanto em dias secos como em momentos associados a precipitações (durante ou após). As últimas datas e os respectivos valores de precipitação diária são apresentados no Quadro 4.

Quadro 4
Caracterização da precipitação nos dias das visitas.

No Quadro 3, pode-se observar que somente 23% das 26 unidades avaliadas se encontram localizadas nos limites de uma zona de propriedades residenciais (em geral, condomínios horizontais), indicando uma concepção de localização mais afastada das residências, diminuindo o contato com pessoas.

A maioria das BD possuía as estruturas de isolamento, como portão e alambrado, colocadas por segurança para impedir o ingresso de pessoas e evitar acidentes. Porém, esses recursos representam também uma barreira física em relação à comunidade, o que, aliado ao fato de que a concepção de todas as unidades visava somente à finalidade hidrológica, leva à conclusão de que a condição de multifuncionalidade não foi considerada em nenhuma situação. A informação obtida em entrevistas foi de que poucas pessoas apresentam algum interesse sobre a área ocupada pelas BD, demostrando indiferença para com essa técnica compensatória, a não ser que ela acarrete algum incômodo.

Como exceção, no entorno de três BD foram observadas iniciativas da comunidade ou do pessoal encarregado da jardinagem na plantação de pequenas hortas e na colocação de bancos, aproveitando o espaço livre existente.

Com relação ao funcionamento hidrológico, em geral não foi observado o enchimento total das unidades, mesmo em momentos associados a precipitações. As exceções foram três unidades nas quais não foram implantadas as estruturas de saída por meio de abertura inferior (duas delas nem extravasor possuíam), para as quais o único exutório é a infiltração no solo.

O esvaziamento das unidades em que foi possível a observação indicou o atendimento do critério de liberar toda a água armazenada antes de 24 horas após o evento de precipitação, evitando-se a formação de lâmina d’água e preparando a unidade para o próximo evento. Esse critério, por outro lado, diminui a eficiência de remoção de sólidos presentes no escoamento superficial.

Identificou-se, conforme o Quadro 3, que menos da metade das BD no município está sob gestão pública. Essas BD, por sua vez, caracterizaram-se por possuir o estado de conservação mais inadequado (Figura 3), caracterizado principalmente por vegetação excessiva, mas também podendo apresentar processos erosivos, acumulação de sedimentos e resíduos sólidos. Nas visitas in loco se observou que existe maior atenção e frequência na manutenção das BD sob gestão privada (condomínios) (Figura 4).

Figura 3
Bacias de detenção com estado de conservação inadequado.
Figura 4
Bacias de detenção com estado de conservação adequado com estado de conservação adequado.

A presença de vegetação dentro das BD cumpre um papel favorável em termos de infiltração da água no solo, prevenção de erosão e melhoria da qualidade da água por meio da retenção dos sedimentos. Entretanto, um excesso na altura e na quantidade total de vegetação foi observado em muitas unidades, o que pode afetar o seu funcionamento por obstrução das estruturas hidráulicas e diminuição do volume útil, mas também por representar um fator de repulsa por parte da comunidade.

Outro fator comum, evidenciado nas visitas in loco, foi a acumulação de sedimentos, principalmente no trajeto da água entre a estrutura de entrada até a de saída. Também em menor quantidade foram evidenciados resíduos sólidos, os quais geram aspecto visual desagradável e, em algumas ocasiões, podem exalar mau cheiro.

Processo construtivo

Conforme entrevistas realizadas, observou-se que as BD são as primeiras obras do sistema de drenagem a serem implantadas. Também são implantadas as estruturas de saída e de lançamento final, de modo que as unidades já entram em funcionamento a seguir. Com isso, podem receber quantidade mais significativa de sedimentos resultantes das obras do empreendimento, o que, por um lado, protege o corpo receptor, mas pode acarretar depósitos excessivos no interior da BD.

A respeito da constituição do fundo das BD, foi mencionado que normalmente se adota uma pequena declividade entre as estruturas de entrada e saída d’água para evitar a formação de lâmina permanente. Entretanto, algumas unidades apresentavam empoçamentos de água, que podem estar associados à deposição de sedimentos.

Um dos aspectos construtivos mais importantes é a colocação de grama nos taludes, principalmente para evitar processos erosivos. Com relação ao fundo das BD, há casos em que ele é deixado sem cobertura de grama e outros em que ela é colocada, podendo ocorrer o crescimento excessivo da vegetação em ambos os casos. A cobertura do fundo com grama, associada à manutenção frequente, poderia reduzir o problema da vegetação excessiva.

Como uma boa prática, algumas construtoras deixam uma rampa de acesso nas BD para possível manutenção com equipamento maior, porém essa não é uma exigência construtiva da prefeitura municipal. Foram identificadas seis BD com rampa entre as 26 unidades visitadas.

Estruturas hidráulicas

Para o correto funcionamento das BD, é necessária a implantação de estruturas de entrada e de saída d’água, complementadas pela de lançamento no corpo receptor. Observou-se que a maioria dos projetos possuía uma descrição com detalhes, cotas, dimensões e materiais necessários para a construção dessas estruturas.

As estruturas de entrada da maioria das BD contavam com dissipadores de energia, como degraus, pedras de mão, blocos ou anteparos de concreto para a redução da velocidade de chegada da água. Algumas também apresentavam paredes laterais para evitar a erosão nos taludes.

Quanto às estruturas de saída d’água, observou-se que todas funcionam para o controle da vazão a jusante por meio de um orifício de fundo restritor, que pode ser tanto retangular quanto circular. No topo dessa estrutura é colocado um vertedor que funciona como extravasor, objetivando evitar o transbordamento de água pelos taludes. Em várias unidades, tanto o orifício de fundo quanto o extravasor dispunham de grades para a retenção de sólidos grosseiros, o que demanda sua manutenção por meio de limpezas periódicas.

Conforme já mencionado, três unidades não apresentavam qualquer estrutura de saída, deduzindo-se que funcionavam como bacias de retenção, com infiltração da água para o subsolo (favorecida pelo solo de granulometria arenosa) e manutenção de lâmina d’água por períodos maiores. Não foram registrados transbordamentos dessas unidades.

Manutenção

Pelas entrevistas e recomendações de alguns projetos consultados, pode-se observar que as atividades de manutenção para o correto funcionamento das unidades não apresentam muita complexidade. Basicamente, compreendem o controle da vegetação (roçagem, corte de grama) e a retirada de resíduos sólidos e sedimentos. Deve-se notar que a maioria das unidades recebe a água pluvial por meio de bocas de lobo providas de grade, que já deveriam reter previamente os sólidos de maior dimensão.

Embora não formalizado, há o entendimento de que a responsabilidade pela manutenção das unidades associadas a condomínios privados cabe a eles, enquanto a prefeitura municipal, por meio da SMSP, encarrega-se das demais. No primeiro caso, foram relatadas frequências de manutenção desde uma vez por semana até duas vezes por mês, dependendo das precipitações ocorridas e das condições de crescimento da vegetação. Por parte do setor público, não existe plano estabelecido para a manutenção das BD, somente são executadas atividades corretivas no caso de um evento extremo ou ocorrência de reclamações.

Custos

Os custos relacionados às BD referem-se à sua implantação e ao seu funcionamento. Nos casos estudados, como se trata de unidades abertas gramadas que trabalham por gravidade, o funcionamento não demanda equipamentos ou consumo de energia, correspondendo somente às atividades de manutenção já apresentadas.

Como não há obrigatoriedade de apresentação de orçamento para a aprovação do projeto de drenagem pluvial, somente foram identificados dois projetos de BD com informações sobre o custo de construção. No Quadro 5 são apresentados os itens considerados no orçamento para a construção de uma dessas unidades. A outra apresentou apenas um valor global, sem especificações.

Quadro 5
Itens no orçamento para construção da bacia de detenção.

Para efeito de comparação com a literatura, considerando-se a implantação de BD abertas e gramadas, o Quadro 6 apresenta os valores de construção por unidade de volume do reservatório, para as duas BD mencionadas. Observa-se que um dos valores é quase o dobro do outro (da ordem de R$ 50/m3 e R$ 25/m3), mas eles são compatíveis com os custos apresentados pelos autores citados. Não foi possível identificar causas para a discrepância entre os custos de implantação das unidades estudadas.

Quadro 6
Custo de construção das bacias de detenção.

Com relação aos custos de manutenção, não foram encontrados dados objetivos nos projetos e nem mesmo na prática observada nas unidades visitadas. Em entrevista realizada com um gerente de condomínio, obteve-se o valor pago para a realização das atividades de manutenção das áreas verdes, incluindo os lotes vagos do condomínio. Fazendo uma proporção direta entre o valor pago por lote (R$ 110 para 450 m2) e a área da BD (3.288 m2), deduz-se o custo de R$ 804 por evento de manutenção. Uma vez que a despesa mensal desse mesmo condomínio com a manutenção das áreas verdes é de R$ 15.600, o valor referente à BD seria da ordem de 5% (considerando a execução de uma manutenção por mês). De modo geral, os comentários indicaram que o custo de manutenção não é significativo.

Os resultados obtidos para São Carlos foram bastante semelhantes a avaliações anteriores realizadas em municípios próximos, como Ribeirão Preto (VICENTE, 2015VICENTE, T.Z. Análise de uso, apropriação e integração urbana das técnicas compensatórias em drenagem na cidade de Ribeirão Preto-SP. 318f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.) e Araraquara (PERONI, 2018PERONI, C.S.L. Avaliação do desempenho e da inserção urbana de Bacias de Detenção de águas pluviais implantadas em Araraquara, SP. 179f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.), mas são ainda necessários outros estudos para se confirmar a existência de um padrão típico de ocorrência.

CONCLUSÕES

A pesquisa realizada permitiu identificar e avaliar 26 unidades de detenção de águas pluviais em São Carlos, sendo 23 BD e três SBD, estes últimos sistemas compostos de mais de duas bacias interligadas. Todas foram implantadas após 2005, quando o Plano Diretor Municipal passou a exigir que novos empreendimentos urbanísticos mantivessem as condições de escoamento superficial anteriores à urbanização. A técnica compensatória adotada em todos os casos tem sido a BD, mesmo que em algumas poucas situações haja também estruturas adicionais de infiltração no solo.

Observou-se que a localização das unidades em quase todos os casos é afastada das propriedades residenciais, próxima aos corpos receptores e sem preocupações de integração com o entorno. Isso confirma o fato, também detectado na análise dos projetos, de que as BD são concebidas unicamente com função hidrológica, sem propostas de multifuncionalidade.

A maioria das BD está totalmente fechada, com estruturas de cercamento e portão de acesso que fazem parte das especificações construtivas. Os objetivos seriam evitar acidentes e impedir o acesso para outros usos, porém essas estruturas constituem mais um obstáculo à integração urbana.

Não foi possível verificar o impacto hidrológico dessas unidades nas diferentes microbacias em que estão inseridas, mas verificou-se que vem sendo atendida a função hidrológica primordial de retenção da água durante os eventos de precipitação e subsequente esvaziamento controlado por orifício de fundo. Em três casos, entretanto, não havia estrutura de saída e o exutório da água era o próprio solo, por meio de infiltração. Nesses casos, houve presença de lâmina d’água por períodos maiores, ao contrário dos demais, em que os períodos de esvaziamento foram curtos.

Com relação ao dimensionamento hidráulico das unidades, chamou atenção a adoção de diferentes tempos de retorno, de 10 e de 100 anos, indicando a falta de uniformidade dos projetos, que é ainda objeto de controvérsias.

Quanto ao estado de conservação das unidades, identificaram-se problemas, já que mais da metade não apresentava boas condições para estar inserida numa zona urbana, pela baixa frequência ou até inexistência de manutenção. Isso é evidenciado principalmente pelo excesso de vegetação, além da presença de resíduos sólidos, sedimentos e processos erosivos. Observou-se, de forma geral, melhor estado de conservação das unidades sob responsabilidade privada (condomínios horizontais), já que a gestão pública não possui planejamento de manutenção das BD, incluindo-as nas atividades de conservação de áreas verdes em geral, que são bastante deficitárias.

Os poucos dados de custos de implantação obtidos indicaram valores compatíveis com dados de literatura para bacias gramadas abertas, variando de R$ 25/m3 a R$ 50/m3. Os custos de manutenção estimados, basicamente referentes ao controle da vegetação interna, não se mostraram significativos.

De modo geral, conclui-se que a adoção das BD como técnica compensatória no município de São Carlos já foi incorporada pelos empreendedores urbanos e que a função hidrológica vem sendo atendida, embora o impacto global ainda precise ser avaliado. Por outro lado, devem ainda ocorrer melhorias com relação à integração com o meio urbano e às possibilidades de usos múltiplos das unidades. Com isso, poderia ser também resolvida a principal carência observada, referente à deficiência de manutenção das bacias, pois elas passariam a ser objeto de melhor percepção e maior valorização.

  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Programa de Alianzas para la Educación y la Capacitación/Organização dos Estados Americanos.

REFERÊNCIAS

  • BAPTISTA, M.B.; NASCIMENTO, N.O.; BARRAUD, S. Técnicas Compensatórias em Drenagem Urbana 2. ed. Porto Alegre: Ed. ABRH, 2015. 318 p.
  • FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE). Perfil dos munícipios paulista Disponível em: https://perfil.seade.gov.br/ Acesso em: 18 abr. 2018.
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  • GOOGLE EARTH. Disponível em https://www.google.com.br/maps Acesso em: 18 abr. 2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2019
  • Aceito
    12 Nov 2019
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