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Análise quantitativa de águas cinza em um condomínio residencial

Quantitative analysis of greywater in a residential building

RESUMO

Com o crescimento populacional e a ampliação das regiões áridas, é necessário buscar formas de reduzir o consumo de água potável. Entre as soluções se encontra o reúso de água para fins menos nobres, como rega de jardins e descargas em vasos sanitários. O tratamento e o armazenamento de volumes adequados para as demandas desses usos são essenciais, uma vez que tornam o sistema mais atrativo, reduzindo os custos envolvidos. Este artigo busca quantificar os volumes de água cinza produzidos e consumidos por um sistema condominial, cuja utilização é exclusiva para a descarga em vasos sanitários e rega dos jardins. A pesquisa utilizou-se de informações sobre o consumo de água potável, bem como a instalação de dispositivo capaz de fornecer a variação de volume instantâneo nos reservatórios de águas cinza. Com base nos volumes e na população residente foi possível determinar os volumes de água cinza produzidos e consumidos no empreendimento. O consumo médio per capita determinado para essas águas foi separado de acordo com os usos, sendo 25,3 L.hab-1.dia-1 para as descargas e 13,05 L.hab-1.dia-1 para irrigação. Comparando esses volumes com a capacidade dos reservatórios, foram definidos volumes ótimos de armazenamento até dez vezes inferiores aos executados. No decorrer do trabalho, foram apresentados critérios apropriados para cálculo das vazões dos sistemas de tratamento e dos volumes de reservação ideais, que podem ser balizadores de pesquisas abrangentes.

Palavras-chave:
reúso de água; consumo de água cinza; reservação de água cinza

ABSTRACT

As a result of population growth and the expansion of arid regions, finding effective ways to reduce the consumption of potable water is essential. Among the solutions, there is the concept of recycling and reusing water for less noble purposes, such as gardening irrigation and flushing toilets. Knowing the adequate treatment and volume of water storage for these uses is essential, since it makes the system more attractive, reducing the costs involved. This article aimed to quantify the volume of greywater consumed by a residential building system, whose use is exclusively dedicated to flushing toilets and gardening irrigation. The research used information on drinking water consumption, as well as the installation of a device capable of providing instantaneous volume variation in gray water reservoirs. From the volumes and resident population, it was possible to determine the quantities of gray water produced and consumed in irrigation and discharge in the enterprise, in addition to the per capita consumption of gray water. The average consumption of greywater was separated according to its uses, being 25.3 L. nhab-1.day-1 for flushing and 13.05 L.inhab-1.day-1 for irrigation. With these values, the required optimal storage volume has been reduced up to 10 times. In the course of the work, were introduced appropriate criteria for calculating the flow rates of the treatment systems and the ideal reservoir volumes, which can be beacons of comprehensive research.

Keywords:
greywater reuse; daily greywater demand; stored greywater

INTRODUÇÃO

Estima-se que, em 2010, 27% (1,9 bilhão) da população mundial residia em regiões com potencial de escassez de água, e que esse valor deve aumentar para até 3,7 bilhões de pessoas em 2050, sendo o semiárido nordestino uma das regiões a sofrer reduções nos níveis de água nesse período (UN, 2018). Como agravante, um terço da população mundial não tem acesso a água potável (WHO, 2017WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Progress on drinking water, sanitation and hygiene: 2017 update and SDG baselines. WHO, 2017. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/progress-drinking-water-sanitation-hygiene-2017-update-sdg-baselines/ Acesso em 21 mar. 2022.
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).

No Nordeste brasileiro, os desenvolvimentos urbano, industrial e agrícola são limitados pela disponibilidade hídrica, com a busca por novas fontes de recursos para complementar as necessidades regionais. Até em regiões com recursos hídricos abundantes há problemas, pois eles são insuficientes para atender a demandas elevadas de água.

A busca por fontes alternativas de abastecimento dá-se, geralmente, em razão do surgimento de períodos críticos de abastecimento, tais como registrados na Espanha (DOMÈNECH et al., 2015DOMÈNECH, L.; MARCH, H.; VALLÈS, M.; SAURÍ, D. Learning processes during regime shifts: empirical evidence from the diffusion of greywater recycling in Spain. Environmental Innovation and Societal Transitions, v. 15, p. 26-41, 2015. http://doi.org/10.1016/j.eist.2014.01.001
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), onde, na primeira década deste século, o governo emitiu oito alertas de seca, o que ilustra o déficit hídrico na região, e na China (LYU et al., 2016LYU, S.; CHEN, W.; ZHANG, W.; FAN, Y.; JIAO, W. Wastewater reclamation and reuse in China: opportunities and challenges. Journal of Environmental Sciences, v. 39, p. 86-96, 2016. http://doi.org/10.1016/j.jes.2015.11.012
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), onde foi incentivado o uso de águas cinza em virtude do crescimento populacional e do consequente aumento da demanda por água potável, historicamente limitada na região.

Adicionam-se como agravantes eventuais mudanças climáticas que ampliam o número de áreas com problemas de abastecimento, como os estados ao sul dos Estados Unidos, a Europa, o Norte da África, além do Oriente Médio e da Austrália (PINTILIE et al., 2016PINTILIE, L.; TORRES, C.M.; TEODOSIU, C.; CASTELLS, F. Urban wastewater reclamation for industrial reuse: an LCA case study. Journal of Cleaner Production, v. 139, p. 1-14, 2016. http://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.07.209
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).

Em geral, a escassez de recursos hídricos, o uso eficiente dos recursos disponíveis e a redução da poluição ambiental com melhorias na saúde pública são as principais motivações para pesquisas e a adoção de sistemas de reúso de águas (EPA, 2012ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (EPA). Guidelines for water reuse. Washington: EPA, 2012.).

Contudo, observa-se que o reúso de águas cinza permanece como uma fonte “inexplorada” em face da disponibilidade de água potável e sua poluição, apesar de o Fórum Econômico Mundial listar a crise hídrica como o impacto global de risco mais devastador para a sociedade e de pesquisas comprovarem que águas de reúso satisfazem a diferentes necessidades: irrigação, propósitos industriais e demandas domésticas (ROCCARO; VERLICCHI, 2018ROCCARO, P.; VERLICCHI, P. Wastewater and reuse. Current Opinion in Environmental Science & Health, v. 2, p. 61-63, 2018. http://doi.org/10.1016/j.coesh.2018.03.008
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).

Regiões com estresse hídrico são potenciais candidatas a sistemas de reúso de água. Israel, Malta e Singapura são considerados os maiores consumidores de águas de reúso, com taxas de 80, 40 e 33%, respectivamente (ZHU et al., 2018ZHU, J.; WAGNER, M.; CORNEL, P.; CHEN, H.; DAI, X. Feasibility of on-site grey-water reuse for toilet flushing in China. Journal of Water Reuse and Desalination, v. 8, n. 1, p. 1-13, 2018. http://doi.org/10.2166/wrd.2016.086
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). Em Israel, mais de 85% das águas residuárias tratadas são usadas para a irrigação de culturas (IWA, 2012ISRAELI WATER AUTHORITY (IWA). Long-term national master plan for the water sector: policy document. IWA, 2012. Disponível em: http://www.water.gov.il/Hebrew/Planning-and-Development/Planning/MasterPlan/DocLib4/MasterPlan-en-v.4.pdf. Acesso em: 5 abr. 2020.
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). Nesse país, durante as últimas duas décadas, o uso agrícola de água doce diminuiu em 25 milhões de m3 por ano, enquanto a irrigação usando águas residuárias tratadas aumentou 17 milhões de m3 por ano, implicando a relação águas residuárias tratadas/água doce de 0,67 (REZNIK et al., 2015REZNIK, A.; FEINERMAN, E.; FINKELSHTAIN, I.; FISHER, F.; HUBER-LEE, A.; JOYCE, B.; KAN, I. Economic implications of agricultural reuse of treated wastewater in Israel: a statewide long-term perspective. Ecological Economics, p. 1-29, 2015. http://doi.org/10.22004/ag.econ.290041
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).

O consumo de água potável é bastante variável, dependendo dos hábitos locais, a exemplo das dietas usuais na Ásia e Europa: o consumo de água na produção de alimentos corresponde a 20% do consumo total na Ásia, contra apenas 8% na Europa (ZHU et al., 2018ZHU, J.; WAGNER, M.; CORNEL, P.; CHEN, H.; DAI, X. Feasibility of on-site grey-water reuse for toilet flushing in China. Journal of Water Reuse and Desalination, v. 8, n. 1, p. 1-13, 2018. http://doi.org/10.2166/wrd.2016.086
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). Essas características locais influem no volume final de água potável consumida, sem, entretanto, alterar significativamente as porcentagens de água cinza geradas.

Pesquisa realizada por Zhu et al. (2018)ZHU, J.; WAGNER, M.; CORNEL, P.; CHEN, H.; DAI, X. Feasibility of on-site grey-water reuse for toilet flushing in China. Journal of Water Reuse and Desalination, v. 8, n. 1, p. 1-13, 2018. http://doi.org/10.2166/wrd.2016.086
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determinou a produção de águas cinza em 27–30, 24–33 e 9–17%, respectivamente, para os usos no lavatório, banho e lavanderia. Esses valores correspondem às medias obtidas em pesquisas realizadas na China, Alemanha, Inglaterra, Israel e Japão. Apesar dos resultados semelhantes, os consumos de água potável são significativamente diferentes, variando entre 120 L.p-1.d-1 (litros por pessoa por dia) na Alemanha e 314 litros por pessoa por dia no Japão.

Diversas pesquisas foram realizadas ao redor do mundo buscando apresentar valores de consumo doméstico usuais, incluindo a frequência de utilização de determinados equipamentos residenciais, como indicado na Tabela 1.

Tabela 1
consumos domésticos usuais em diversos equipamentos residenciais (%).

Entre as maneiras de reduzir o consumo de água potável, encontra-se o reúso sustentável de águas cinza residenciais, objeto deste trabalho, o aproveitamento de águas pluviais, além de mudanças nos padrões de consumo.

Enfrentando o desafio global de situações de escassez de água, muitos países e organizações aumentaram sua conscientização sobre os riscos de falta de água e propuseram políticas eficazes para reduzir o seu uso. Águas cinza têm alto potencial de utilização, podendo fornecer quantidades suficientes de água para diversos usos, no entanto suas utilizações ainda são limitadas (JUAN et al., 2016JUAN, Y.-K.; CHEN, Y.; LIN, J.-M. Greywater reuse system design and economic analysis for residential buildings in Taiwan. Water, v. 8, n. 11, p. 546, 2016. https://doi.org/10.3390/w8110546
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).

Definem-se como cinza as águas provenientes dos chuveiros, lavatórios, tanques e máquinas de lavar roupa, excluindo-se aquelas vindas do vaso sanitário (FIORI et al., 2006FIORI, S.; FERNANDES, V.M.C.; PIZZO, H. Avaliação qualitativa e quantitativa do reúso de águas cinzas em edificações. Ambiente Construído, v. 6, n. 1, p. 19-30, 2006.; MOURAD et al., 2011MOURAD, K.A.; BERNDTSSON, J.C.; BERNDTSSON, R. Potential fresh water saving using greywater in toilet flushing in Syria. Journal of Environmental Management, v. 92, n. 10, p. 2447-2453, 2011. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2011.05.004
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) e, também, da pia da cozinha (ANGELAKIS et al., 2018ANGELAKIS, A.N.; ASANO, T.; BAHRI, A.; JIMENEZ, B.E.; TCHOBANOGLOUS, G. Water reuse: from ancient to modern times and the future. Frontiers in Environmental Science, v. 6, p. 26, 2018. http://doi.org/10.3389/fenvs.2018.00026
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; DYT, 2019DYT, M. Domestic wastewater management plan. Macedon: Macedon Ranges Shire Council, 2019.). Segundo a Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR) 16.783 (ABNT, 2019ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). ABNT NBR 16783: uso de fontes alternativas de água não potável em edificações. Rio de Janeiro: ABNT, 2019.), as águas servidas provenientes de chuveiros, banheiras, lavatórios, tanques e máquinas de lavar roupa são definidas como águas cinza claras. No decorrer deste trabalho será utilizada a denominação água cinza, indicando as contribuições de águas servidas (água cinza clara) não tratadas.

Reconhecer as águas cinza como uma fonte secundária relevante de água e nutrientes representa uma importante forma de manejo sustentável dos recursos hídricos (BOANO et al., 2020BOANO, F.; CARUSO, A.; COSTAMAGNA, L.; RIDOLFI, L.; FIORE, S.; DEMICHELIS, F.; GALVÃO, A.; PISOEIRO, J.; RIZZO, A.; MAIS, F. A review of nature-based solutions for greywater treatment: applications, hydraulic design, and environmental benefits. Science of the Total Environment, v. 711, 134731, 2020. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.134731
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).

Huscroft e Rumsey (2016)HUSCROFT, J.; RUMSEY, K. Greywater recycling: an overview of its use in British Columbia. BREE 420/608 Engineering for Sustainability – Term Paper, 2016. alertam para os desafios a serem superados no uso de águas cinza. Esses autores concluem que, ao se criar uma política que incentive a utilização dessas águas, como por meio de incentivos fiscais que paguem uma parcela das instalações de tratamento ou proporcionem um desconto com base na redução do uso da água potável, a adoção de sistemas de reúso será aumentada.

A utilização de águas cinza em usos menos nobres é positiva, uma vez que reduz os picos de vazão no sistema coletor, principalmente nos picos da manhã e da noite, havendo pouca variação ao longo do dia. Essa configuração pode reduzir o diâmetro de tubulações, já que é esperada a redução nos volumes, profundidades e velocidades do efluente durante o transporte. Entretanto, com o aumento da penetração dos sistemas, espera-se o aumento na concentração de poluentes, principalmente se os sistemas de reúso vierem junto com a instalação de sistemas redutores de vazão/pressão nos banheiros (PENN et al., 2013PENN, R.; SCHÜTZE, M.; FRIEDLER, E. Modelling the effects of on-site greywater reuse and low flush toilets on municipal sewer systems. Journal of Environmental Management, v. 114, p. 72-83, 2013. http://doi.org/10.1016/j.jenvman.2012.10.044
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).

Os usos residenciais mais comuns para as águas cinza são a descarga em vasos sanitários e a irrigação de jardins, podendo estender-se para a limpeza de pisos e a lavagem de veículos. No ambiente residencial deve haver uma separação física entre as tubulações de água potável e cinza, de forma a evitar cruzamentos indevidos que possam prejudicar a qualidade da água potável, gerando problemas sanitários. Assim, faz-se necessária a instalação de um reservatório próprio para o armazenamento de águas cinzas para garantir o atendimento à demanda diária proveniente dos usos previstos.

Deve-se criar uma relação entre o consumo de água potável e o seu potencial para a geração de águas cinza e a sua utilização no ambiente doméstico. Com base no consumo de água fornecida pela concessionária local, é possível prever o volume de águas cinza gerado e consumido e, com isso, reduzir os custos de aquisição de água potável.

A otimização desses processos é importante até mesmo pela questão da permanência dos efluentes em reservatórios. Pesquisa realizada por Dixon et al. (2000)DIXON, A.; BUTLER, D.; FEWKES, A.; ROBINSON, M. Measurement and modelling of quality changes in stored untreated grey water. Urban Water, v. 1, n. 4, p. 293-306, 2000. http://doi.org/10.1016/S1462-0758(00)00031-5
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mostra que efluentes armazenados por 24 horas tendem a melhorar sua qualidade em razão da sedimentação de partículas orgânicas. Entretanto, ao se armazená-lo por mais de 48 horas, percebem-se o crescimento da demanda por oxigênio e o surgimento de problemas estéticos — vitais para a aceitação do sistema de reúso pela população, podendo gerar mais prejuízos que benefícios em sua utilização. Sendo assim, a definição do volume correto de armazenamento é fundamental para o sucesso de projetos de reúso.

Avaliações da vazão de entrada do sistema de reúso realizadas por Eriksson et al. (2009)ERIKSSON, E.; ANDERSEN, H.R.; MADSEN, T.S.; LEDIN, A. Greywater pollution variability and loadings. Ecological Engineering, v. 35, n. 5, p. 661-669, 2009. https://doi.org/10.1016/j.ecoleng.2008.10.015
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conduzem a indicações dos hábitos locais, tais como elaboração de refeições no horário de almoço e maior geração de efluentes nos horários que precedem e que sucedem ao horário comercial. Com base nessa pesquisa, estimam-se entre 25 e 57% de conversão da água potável em águas cinza, valores corroborados por outros autores: consumo de 30 a 40% de água potável no banho e de 20 a 30% nos lavatórios/pia da cozinha (FIORI et al., 2006FIORI, S.; FERNANDES, V.M.C.; PIZZO, H. Avaliação qualitativa e quantitativa do reúso de águas cinzas em edificações. Ambiente Construído, v. 6, n. 1, p. 19-30, 2006.); média de 46% do total de água consumida na Síria caracterizada como águas cinza (MOURAD et al., 2011MOURAD, K.A.; BERNDTSSON, J.C.; BERNDTSSON, R. Potential fresh water saving using greywater in toilet flushing in Syria. Journal of Environmental Management, v. 92, n. 10, p. 2447-2453, 2011. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2011.05.004
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). Levando-se em consideração os itens apropriados para a produção de águas cinza claras — banho e máquina de lavar —, estima-se conversão entre 33 e 50%.

Tratando-se das águas passíveis de reúso, Morel e Diener (2006)MOREL, A.; DIENER, S. Greywater management in low and middle-income countries: review of different treatment systems for households or neighborhoods. Dübendorf: Sandec at Eawag, 2006. fizeram um apanhado de diversas publicações sobre o tema entre os anos 1999 e 2006, em diversos países — Vietnã, Mali, África do Sul, Jordânia, Israel, Nepal, Suíça, Austrália e Malásia — por meio do qual, apesar de não se retratarem as médias nacionais, foi possível determinar as produções de águas cinza nos diversos ambientes domésticos: 15–30 L.p-1.d-1 na cozinha; 30–62 L.p-1.d-1 no banho; e 13–34 L.p-1.d-1 na lavanderia.

Tratando-se de usos externos, as diversidades geográficas e climáticas, principalmente referentes à irrigação de vegetação rasteira, são bem mais variáveis que os usos internos, sobretudo em residências de clima tropical. Em moradias com amplos jardins há mudanças na participação, com 50% do consumo apenas para irrigação (DEOREO et al., 2016DEOREO, W.B.; MAYER, P.W.; DZIEGIELEWSKI, B.; KIEFER, J. Residential and uses of water, version 2: executive report. Denver: WRF, 2016.).

O desenvolvimento tecnológico foi capaz de reduzir os consumos de água em vasos sanitários, a exemplo do surgimento dos vasos de dupla descarga, que são capazes de reduzir o consumo de 13 L/uso para 3–6 L/uso (DEOREO et al., 2016DEOREO, W.B.; MAYER, P.W.; DZIEGIELEWSKI, B.; KIEFER, J. Residential and uses of water, version 2: executive report. Denver: WRF, 2016.), o que significa redução média de 65% no consumo e pode beneficiar sistemas de reúso, diminuindo as necessidades de reservação. Pesquisa realizada em Melbourne, Austrália, apresenta a informação de que 89% das residências possuem bacias sanitárias com duplo acionamento (GAN; REDHEAD, 2013GAN, K.; REDHEAD, M. Melbourne residential water use studies, n. 10TR5-001. Melbourne: Smart Water Fund, 2013.).

A frequência de utilização de vasos sanitários varia entre as pesquisas, partindo de quatro usos diários por habitante em Sparanise, Itália (LOMBARDI et al., 2018LOMBARDI, F.; SILVAGNI, G.; SIRINI, P.; SPAGNUOLO, R.; VOLPI, F. Daily water demand. Ambiente e Água, v. 13, n. 5, p. 1-11, 2018. http://doi.org/10.4136/ambi-agua.2239
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) a cinco usos diários nos Estados Unidos (DEOREO et al., 2016DEOREO, W.B.; MAYER, P.W.; DZIEGIELEWSKI, B.; KIEFER, J. Residential and uses of water, version 2: executive report. Denver: WRF, 2016.). Valores ratificados na pesquisa bibliográfica realizada por Jordán-Cuebas et al. (2018)JORDÁN-CUEBAS, F.; KROGMANN, U.; ANDREWS, C.J.; SENICK, J.A.; HEWITT, E.L.; WENER, R.E.; ALLACCI, M.S.; PLOTNIK, D. Understanding apartment end-use water consumption in two green residential multistory buildings. Journal of Water Resources Planning and Management, v. 144, n. 4, 2018. https://doi.org/10.1061/(ASCE)WR.1943-5452.0000911
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determinaram frequências médias entre 3,9 e 5,9 descargas por habitante por dia.

A escala do projeto de reúso deve ser compatível com as características locais, como hábitos dos usuários, condições do ambiente e nível social. Pode-se, assim, otimizar os projetos de reúso a partir do momento que se têm informações suficientes, gerando menores custos de implantação e manutenção e promovendo a competitividade com a água potável. Será possível determinar volumes ótimos de armazenamento e prever consumos de águas cinza por meio de leituras do volume de reservatórios preexistentes? Esses valores são capazes de determinar com razoável precisão os hábitos da população analisada?

Neste trabalho, realiza-se a caracterização quantitativa das águas cinza em um condomínio vertical residencial situado na cidade de Fortaleza (CE), Brasil. A pesquisa constitui uma contribuição para a quantificação dos volumes de armazenamento em sistemas de utilização de águas cinza, que, por falta de informações precisas, têm sido sub ou superdimensionados.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizando-se do método hipotético-dedutivo, este é um estudo de caso com abordagem quantitativa do problema.

Área de estudo

A pesquisa foi realizada em um empreendimento residencial recém-inaugurado, o qual foi projetado com uma visão sustentável, contando com bacias sanitárias de duplo acionamento, sistema de tratamento de águas cinza e medidores individuais de consumo de água potável.

O empreendimento é considerado de alto padrão, composto de duas torres de 22 andares, com dois ou três apartamentos por andar, e área privativa de 115,18 a 133,53 m2 por apartamento. Os apartamentos são compostos de até três suítes e quatro banheiros, com sistema de tratamento de águas cinza que capta as águas provenientes dos chuveiros e lavatórios e as reutiliza, exclusivamente, nas bacias sanitárias e na rega dos 4.400 m² de área verde.

Na Figura 1, mostra-se o layout do condomínio residencial, com destaque para as duas torres objeto da pesquisa, além da distribuição de águas cinza na edificação. Na Tabela 2, observam-se os quantitativos de apartamentos por torre.

Figura 1
Visão geral do empreendimento. (A) Indicação das torres em estudo. (B) Distribuição das águas cinza tratadas na edificação (à direita).
Tabela 2
Características dos apartamentos, por torre.

Estação de tratamento de águas cinza

A estação de tratamento, localizada no subsolo do empreendimento, possui dois reservatórios inferiores: um para o acúmulo de águas cinza brutas (R4) provenientes dos apartamentos e o segundo para o acúmulo de águas cinza de reúso (R3) que, em tempos programados, são encaminhadas por bombas de recalque até os reservatórios superiores (R1 e R2), que distribuem o efluente para os aparelhos sanitários. Outra fonte de utilização das águas cinza de reúso é a rega dos jardins, realizada por bomba submersa diretamente instalada no reservatório inferior (R3) e acionada de forma programada. A Tabela 3 apresenta a localização e as dimensões dos reservatórios do sistema de reúso.

Tabela 3
Localização e volume dos reservatórios de reservação de águas cinza.

Em períodos chuvosos, há redução do consumo de águas cinza para a rega dos jardins, o que requer que o excesso de águas cinza geradas (brutas) seja enviado ao sistema de esgotamento sanitário urbano. Isso ocorre no R4, no qual se tem instalado um extravasor ligado diretamente à rede pública de esgotamento. Quando há excesso de volume produzido, este é automaticamente encaminhado sem tratamento.

O sistema é composto dos tanques de reservação e de um sistema de tratamento de águas cinza compacto, denominado de Estação de Tratamento de Agua (ETA) Reúso, com capacidade para 5 mil litros por hora e fabricado pela empresa Alfamec Soluções Ambientais. A ETA Reúso ocupa uma área de 17,80 m2 e tem funcionamento semelhante ao tratamento convencional de água — coagulação, floculação, decantador laminar, filtro de dupla camada (antracito e areia) e desinfecção com cloro realizada diretamente na tubulação entre a ETA e o reservatório R3.

Análise quantitativa

Foi realizada uma análise quantitativa sobre os consumos de água potável, medidos entre os meses de julho e novembro de 2019, por apartamento, assim como a população residente fixa, gerando valores de consumo médio diário por apartamento e consumo per capita.

As leituras mensais dos hidrômetros individuais foram suficientes para se estimar o consumo diário por apartamento, bastando, para isso, dividir o consumo mensal pelo número de dias entre leituras, em geral, 30 dias. A quantificação da população foi obtida de registro arquivado pelo gerente do condomínio, no qual se tem o histórico da população residente em cada apartamento ocupado.

Na sequência, fez-se um estudo teórico sobre a distribuição dos usos internos de água com base nas porcentagens de participação obtidas por Barreto (2008)BARRETO, D. Perfil do consumo residencial e usos finais da água. Ambiente Construído, v. 8, n. 2, p. 23-40, 2008. e no consumo per capita teórico proposto por Macintyre (2010)MACINTYRE, A.J. Instalações hidráulicas: prediais e industriais. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. para apartamentos. Com base nesses dados, estimaram-se os consumos por aparelho e foram obtidos valores teóricos de volume requerido para cada fonte de abastecimento — água potável e água de reúso. As porcentagens propostas por Barreto (2008)BARRETO, D. Perfil do consumo residencial e usos finais da água. Ambiente Construído, v. 8, n. 2, p. 23-40, 2008. não retratam necessariamente o perfil de consumo residencial da cidade de São Paulo — local onde a pesquisa foi desenvolvida, tampouco o perfil da cidade de Fortaleza. Os valores foram adotados neste trabalho por se considerar a metodologia aplicada adequada, bem como pela falta de dados mais precisos para a realidade de Fortaleza.

Para a determinação das vazões de consumo de águas cinza, foi instalado um sistema com sensor de distância interagindo com placa eletrônica Arduino, que realizou leituras da distância do sensor (fixado a 50 cm do nível máximo dos reservatórios) para o nível de água. As leituras eram feitas a cada 10 segundos e o cálculo da vazão instantânea foi efetuado com base em leituras consecutivas de distância e tempo entre leituras (velocidade instantânea) e a área do reservatório, conforme Equação 1. O sistema armazenou dados de 60 dias, durante os meses de setembro e dezembro de 2019.

(1) Q = 1000. A V . d A = Δ s Δ t . A

Em que:

Q = vazão instantânea, em L.s-1;

V = velocidade instantânea, em cm.s-1;

Δs = variação entre leituras, em cm;

Δt = variação de tempo entre leituras, definido como 10 s;

A = área do reservatório, em cm2;

1.000 = fator de conversão de cm3 para litros.

As leituras foram realizadas nos reservatórios:

  • R1: reservatório superior destinado a atender aos vasos sanitários da torre Orbetello;

  • R2: reservatório superior destinado a atender aos vasos sanitários da torre Viarregio;

  • R3: reservatório inferior de acumulação de águas cinza já tratadas.

Deste último reservatório são bombeadas vazões para rega de jardins e abastecimento dos reservatórios superiores.

Com base nos dados de vazão, elaboraram-se hidrogramas de consumo com os valores médios horários, utilizando-se os dados de ± 30 min do horário. Utilizando-se do método de Hippl, determinou-se o volume útil dos reservatórios para a taxa de ocupação atual. De posse dos consumos de R1, R2 e R3, foi possível estimar a vazão utilizada na rega de jardins, conforme Equação 2.

(2) Q r e g a = Q R 3 ( Q R 1 + Q R 2 )

Em que:

Qrega = vazão instantânea utilizada na rega dos jardins, em L.s-1;

QR1 = vazão instantânea medida no reservatório R1, em L.s-1;

QR2 = vazão instantânea medida no reservatório R2, em L.s-1;

QR3 = vazão instantânea medida no reservatório R3, em L.s-1.

Para a medição das distâncias, utilizou-se o sensor JSN-SR04T-2.0, que consiste em sensor ultrassônico, à prova d’água, com capacidade de leitura de distâncias entre 20 e 600 cm e acurácia de 10 mm, capaz de operar em temperaturas entre −20 e 70°C. Para o processamento dos dados, usou-se uma placa Arduino Uno R3 e, para o seu armazenamento, uma placa Data Logger Shield com RTC DS1307 e cartão de memória SD 8GB. Acrescenta-se ao material utilizado uma placa Protoboard 400 pontos e jumpers para ligação. A programação foi realizada no software Arduino IDE 1.8.10, em ambiente MacOS.

Com base nos hidrogramas obtidos, foram determinados os horários de pico no consumo de águas de reúso, valores per capita para uso na descarga de vasos sanitários, número de acionamentos por usuário e consumo per capita de água para a irrigação dos jardins. Com os valores per capita, pode-se estimar o volume ideal dos reservatórios para a condição de 100% de ocupação do condomínio, por meio da aplicação de regras de proporcionalidade para os consumos em vaso sanitário e mantendo-se o consumo para irrigação, que pode ser considerado não vinculado à população residente.

Por fim, realizou-se uma comparação entre os volumes considerados ideais e os executados para os reservatórios R1 e R2, avaliando-se o período de reservação atual e apresentando-se os cuidados que devem ser tomados durante o projeto para reduzir o período de retorno financeiro do sistema de reúso de águas cinza.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Avaliando os consumos de água potável, têm-se maiores valores na torre Orbetello, quando comparados aos da torre Viarregio, conforme Figura 2. Nota-se a elevação dos consumos nos períodos de férias e recesso escolar, com picos de quase 450 litros por apartamento por dia, e média diária variando entre 251 e 366 L.dia-1. Esses valores não consideram os consumos para descarga em vasos sanitários, dada a existência do sistema de reúso.

Figura 2
Consumo médio diário por apartamento, em litros por dia.

O empreendimento possui vacância média de 38%, podendo-se observar o número de apartamentos com consumo, em cada torre, na Figura 3. Ignorando-se os apartamentos sem consumo, há, em média, três habitantes por apartamento, com máximos e mínimos, respectivamente, de oito e um usuários.

Figura 3
Número de apartamentos ocupados, por torre.

Com base no número de usuários e no consumo médio diário por apartamento, foi possível estimar o consumo per capita por torre e geral, mês a mês, conforme Figura 4. Apesar da óbvia relação entre o consumo per capita e o consumo médio diário, nota-se um aumento no consumo per capita, até mesmo com valores superiores ao do mês de julho — mês de maior consumo diário. O consumo médio per capita de água potável encontrado é de 140,3 L.hab-1.

Figura 4
Consumo per capita por torre e consumo médio.

Tomando como base o consumo médio per capita de 200 L.hab1.dia1 proposto por Macintyre (2010)MACINTYRE, A.J. Instalações hidráulicas: prediais e industriais. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. e a distribuição dos consumos determinada por Barreto (2008)BARRETO, D. Perfil do consumo residencial e usos finais da água. Ambiente Construído, v. 8, n. 2, p. 23-40, 2008., estimam-se 127,8 L.hab1.dia1 como consumo per capita previsto para o condomínio em estudo, conforme Tabela 4. Esse valor foi obtido desconsiderando-se os consumos da caixa acoplada (5,5% de participação) e os “outros usos” (30,6%). O item “outros usos” é entendido como os consumos externos, a exemplo de rega de jardins, irrigação de gramados, limpeza de áreas externas etc., itens que, pela natureza do uso residencial, não constituem o consumo interno dos apartamentos. Fazendo uma comparação entre os valores teórico (127,8 L.hab-1.dia-1) e medido (140,3 L.hab-1.dia-1), tem-se a diferença percentual de 9,8%. A adoção do consumo médio de 200 L.hab-1.dia-1 deve ser avaliada com cautela uma vez que há variações, a depender do tipo de edificação, costumes locais, clima, entre outros. Segundo Macintyre (2010)MACINTYRE, A.J. Instalações hidráulicas: prediais e industriais. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010., esse valor é previsto para dimensionamento das linhas de abastecimento público, considerando-se o consumo global de cada habitante, distribuído entre os usos doméstico, no local de trabalho, em locais diversos e eventuais perdas. Entretanto, o autor sugere a adoção desse valor para o dimensionamento de reservatórios de água potável para edifícios residenciais.

Tabela 4
Participação dos pontos de utilização no consumo médio diário — valor teórico*.

Considerando os usos passíveis de utilização de águas cinza, tem-se o consumo teórico de 72,2 L.hab-1.dia-1, enquanto a produção pode ser estimada em 36,2 L.hab-1.dia-1, admitindo-se apenas a participação das águas do lavatório e chuveiro. É possível assumir, com esse resultado, que a produção de águas cinza não é suficiente para todos os usos previstos. É importante frisar que o condomínio realiza o uso das águas cinza apenas para rega de jardins e descarga de vasos sanitários, o que deve reduzir a real demanda dos atuais 72,2 L.hab-1.dia-1.

As variações de volume nos reservatórios de acumulação podem ser observadas na Figura 5. As tendências de queda no volume se dão pelo consumo de água cinza para descarga em vasos sanitários. É possível precisar os horários entre 9 e 15 h para acionamento da bomba de recalque para recarga. O reservatório R3 é responsável por abastecer os dois reservatórios superiores, além da irrigação direta do jardim. Na Figura 6 é possível observar a variação horária do volume do reservatório R3, assim como o volume de recalque para os reservatórios superiores.

Figura 5
Variação horária dos reservatórios R1 e R2.
Figura 6
Variação horária do reservatório R3 e volumes de recalque para R1 e R2.

No reservatório R3, em teoria, deve haver aumento no volume reservado apenas durante o período de tratamento das águas cinza, que foi programado para funcionar 8 horas por dia, entre 8 e 16 h, entretanto, durante o período de medição, a estação de tratamento de águas cinza (ETAC) estava parada por falta de insumos para o seu funcionamento. Como alternativa de abastecimento, há uma bomba automática que abastece o R3 de um poço profundo instalado no condomínio. Assim, o abastecimento ficou distribuído ao longo do dia, podendo gerar distorções entre o medido e o projetado inicialmente.

Após se avaliarem os reservatórios de armazenamento de águas de reúso, estima-se o consumo per capita médio de 25,3 L.hab-1.dia-1 de águas cinza para descarga do vaso sanitário, com frequência de acionamento de quatro a cinco vezes ao dia (ver Tabela 5). Considera-se no cálculo da frequência o consumo de 6 L por descarga. Entretanto, os aparelhos sanitários instalados possuem duplo acionamento, podendo gerar uma frequência de uso entre 4 e 9 por usuário-dia. Concentrações de acionamento ocorrem no início da manhã, entre 5 e 8 h, e entre 16 h e meia-noite, com acionamentos regulares neste último período, conforme as reduções de volume armazenado nos reservatórios R1 e R2 observadas na Figura 5.

Tabela 5
Consumos no acionamento de aparelhos sanitários.

Para a irrigação dos 4.400 m2 de área verde presentes no condomínio, são consumidos diariamente 2,92 m³ de águas cinzas, em média. Esse valor corresponde ao consumo médio de 0,66 litros por m2. Tal volume é consumido com intervalos regulares de rega entre 8h30 e 15h30, como pode ser observado nos volumes acumulados disponíveis na Figura 7. Ao se considerar uma população de 224 habitantes, tem-se o consumo per capita de 13,05 L.hab-1.dia-1 apenas para o consumo na irrigação.

Figura 7
Consumo médio acumulado na rega dos jardins.

Considerando os consumos na descarga de vasos sanitários e na irrigação de jardins, tem-se o consumo per capita diário de 38,35 L, inferior aos 72,2 L estimados na Tabela 4. Isso pode se dar em decorrência do baixo consumo de água para irrigação, ou da conscientização da população quanto aos gastos desnecessários de água, visto que, ao somar os consumos de água potável e águas cinza, tem-se o valor per capita de 178,65 L.p-1.d-1.

Com um baixo valor de consumo de águas cinza, é possível prever uma redução significativa no tamanho da estação de tratamento, atualmente capaz de tratar 5 m³/h, sendo necessários, por dia, apenas 8,6 m³ para atender a atual população residente. Considerando-se a totalidade de quartos das duas torres (264 quartos) e admitindo-se dois habitantes por quarto, tem-se uma população de 528 pessoas, totalizando o consumo diário de águas cinza de 16,3 m³, que corresponde a pouco mais de 40% da capacidade de 40 m³ da estação (considerando-se apenas 8 horas diárias de funcionamento). Para reduzir custos de implantação e operação, deveria ser prevista uma estação similar com capacidade de produzir 2 m³ por hora, o que seria suficiente para o condomínio se funcionasse por pouco mais de 8 horas diárias, reduzindo, por exemplo, o consumo energético dos atuais 3 kW.h para 1,5 kW.h, conforme catálogo do fabricante (ALFAMEC, 2017ALFAMEC SOLUÇÕES AMBIENTAIS. Catálogo de produtos. 2017. Disponível em: http://alfamec.com.br/produtos/tratamento-de-esgoto-sanitario/sistema-de-reuso-para-ete/. Acesso em: 5 abr. 2020.
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).

O diagrama de massas com a variação de volume acumulado dos reservatórios superiores (Figura 8) exibe os pontos de mínimo e máximo observados, o que nos leva de volta ao volume realmente requerido pelos reservatórios para garantir o atendimento da população pelo período de 24 horas.

Figura 8
Variação de volume diário acumulado.

Para o reservatório R1 são requeridos 2,0 m³.dia-1, enquanto para o R2, 2,8 m³.dia-1 (Tabela 6). Esses volumes correspondem a 6,5 dias de armazenamento na torre Viarregio e a 8 dias na torre Orbetello, o que é bem superior ao recomendado por Macintyre (2010)MACINTYRE, A.J. Instalações hidráulicas: prediais e industriais. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010., de 24 horas a três dias de reservação. Manter volumes armazenados por tempo superior a 48 horas pode gerar problemas relacionados ao aspecto estético do líquido armazenado, o que é importante para a aceitação do sistema de reúso (DIXON et al., 2000DIXON, A.; BUTLER, D.; FEWKES, A.; ROBINSON, M. Measurement and modelling of quality changes in stored untreated grey water. Urban Water, v. 1, n. 4, p. 293-306, 2000. http://doi.org/10.1016/S1462-0758(00)00031-5
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).

Tabela 6
Volumes requeridos para os reservatórios R1 e R2 para a população atual e máxima, em m³.

Considerando que a ocupação do empreendimento no momento da pesquisa correspondia a 42,4% da capacidade “máxima” (528 pessoas), pode-se estimar que o armazenamento máximo requerido pelos reservatórios R1 e R2 é, respectivamente, de 4,7 e 6,6 m³/dia de reservação. Considerando-se 48 horas de reservação, seria necessário reservar 9,4 e 13,2 m³ nos respectivos reservatórios.

Outra simulação é o caso em que os reservatórios possam passar 72 horas sem aportes, e considerando-se a capacidade máxima do condomínio. Nessa situação, têm-se os consumos previstos de 7 m³/dia para R1 e de 6,4 m³/dia para R2, com reservatórios com capacidade de armazenamento de 21 e 19,2 m³, respectivamente, o que se aproxima do armazenamento existente.

CONCLUSÕES

O consumo de água está diretamente ligado às condições climáticas locais e aos costumes da população. Apesar de esta pesquisa ter trabalhado com um mesmo condomínio, notaram-se consumos divergentes dependendo da área privativa das unidades, observando-se que unidades de maior espaço interno possuem maior consumo per capita, com variações de até 35%.

O consumo per capita de água potável na edificação em estudo é inferior aos valores difundidos por autores de pesquisas similares, o que pode ser atribuído aos padrões de consumo local — com as pessoas sendo incentivadas a reduzir o gasto de água dadas s condições climáticas desfavoráveis da região.

Com o reúso de parte das águas consumidas nas torres, tem-se uma redução no consumo de água potável de 38,35 litros, o que corresponde a 21,5% do consumo per capita. Levando em conta as estimativas de produção de águas cinza entre 25 e 57% (ERIKSSON et al., 2009ERIKSSON, E.; ANDERSEN, H.R.; MADSEN, T.S.; LEDIN, A. Greywater pollution variability and loadings. Ecological Engineering, v. 35, n. 5, p. 661-669, 2009. https://doi.org/10.1016/j.ecoleng.2008.10.015
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), constata-se que o consumo dessas águas no edifício estudado é inferior à capacidade de produção. Adicionalmente, tem-se de ressaltar a origem das águas cinza: chuveiro e lavatório, apenas. Para o empreendimento em questão, não se faz necessário ampliar as fontes produtoras, visto que o consumo já é inferior à produção.

Os padrões de utilização de vasos sanitários são coerentes com os divulgados por Jordán-Cuebas et al. (2018)JORDÁN-CUEBAS, F.; KROGMANN, U.; ANDREWS, C.J.; SENICK, J.A.; HEWITT, E.L.; WENER, R.E.; ALLACCI, M.S.; PLOTNIK, D. Understanding apartment end-use water consumption in two green residential multistory buildings. Journal of Water Resources Planning and Management, v. 144, n. 4, 2018. https://doi.org/10.1061/(ASCE)WR.1943-5452.0000911
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e Lombardi et al. (2018)LOMBARDI, F.; SILVAGNI, G.; SIRINI, P.; SPAGNUOLO, R.; VOLPI, F. Daily water demand. Ambiente e Água, v. 13, n. 5, p. 1-11, 2018. http://doi.org/10.4136/ambi-agua.2239
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, variando entre quatro e cinco descargas por usuário por dia. A estimativa realizada considerando-se acionamentos com fluxo de 3 L/uso não trouxe resultados coerentes, visto que não se fez qualquer combinação com acionamentos duplos.

Para o dimensionamento de reservatórios, deve-se determinar com o máximo de precisão os volumes necessários para o funcionamento do sistema, uma vez que volumes reservados por tempos superiores a 48 horas podem ser prejudiciais quanto aos aspectos visuais do líquido, e tempos abaixo de 24 horas podem causar desabastecimento da população em caso de danos nos sistemas de tratamento e recalque. Esse aspecto tem especial relevância para o sistema, já que o tratamento das águas cinza tem baixa eficiência na remoção de matéria orgânica.

Fontes alternativas de abastecimento devem sempre ser previstas no projeto, uma vez que problemas no tratamento podem ocorrer e não devem prejudicar os usos previstos, principalmente o abastecimento dos apartamentos.

Determinar com precisão os volumes requeridos pelo sistema de águas cinza é essencial para a elaboração de um projeto de reúso adequado, buscando maximizar a utilização do sistema, reduzindo custos com execução, manutenção e operação de todas as partes constituintes. Escolher a vazão adequada para o sistema de tratamento pode reduzir custos de aquisição e de energia, levando o sistema a gerar maior economia e garantindo um retorno do investimento em menor prazo.

  • Financiamento: nenhum.
  • Reg. ABES: 20200131

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2020
  • Aceito
    30 Jul 2021
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